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AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ATENÇÃO PRIMÁRIA E SAÚDE 
DA FAMÍLIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Tânia Maria Santos Pires 
 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
A promoção à saúde é definida como a “capacitação de pessoas ou 
comunidades para atuar a favor de sua qualidade de vida e saúde, sendo cada 
vez mais protagonista neste processo” (OMS, 1986). Para atingir essa meta, o 
cidadão precisa entende o que é ter qualidade de vida, o que é ter saúde e como 
pode agir nesse sentido. Diante do contexto de pobreza, falta de escolaridade, 
falta de infraestrutura em muitas moradias e acúmulo populacional urbano, é 
importante perguntar-se como as pessoas comuns, de modo geral, poderiam fazer 
isso. 
Bem antes da Conferência Internacional de Promoção de Saúde em 
Ottawa, no Canadá (1986), pessoas ligadas ao Movimento da Reforma Sanitária 
apropriaram-se de um conceito de educação, que ficou conhecido como educação 
libertadora. Este modelo educacional nasce das reflexões do educador Paulo 
Freire, que entendia o ser humano como portador de um imenso potencial de 
crescimento, de compreensão da vida e do seu meio, e cheio de conhecimento. 
Este conhecimento deveria impulsionar a libertação de preconceitos e de 
manipulações, oferecendo-lhe autonomia para tomar decisões sobre sua vida. 
O que vamos discutir nesta aula é justamente como tal metodologia 
influenciou as ações de saúde e como ainda hoje pode e deve ser usada para o 
empoderamento das comunidades e o seu necessário desenvolvimento. 
CONTEXTUALIZANDO 
Sr. Antônio da Silva, 55 anos, vem em consulta de enfermagem na Unidade 
de Saúde Lugar dos Anjos, área laranja, para controle de hipertensão. No 
momento da consulta, foi constatado que a pressão do paciente estava em 
200x110. A enfermeira encaixou o Sr. Antônio no atendimento médico. O Dr. 
Marcos, médico de família daquela área, estranhou o descontrole da pressão, 
porque o Sr. Antônio estava com a pressão controlada há algum tempo. Enquanto 
aguardava a medicação fazer efeito, conversou bastante com o paciente. De certa 
maneira, o Dr. Marcos já sabia o motivo de Antônio estar com a pressão tão alta. 
Uma semana antes, Dannyelly, de 15 anos, filha do paciente, havia iniciado 
cuidados de pré-natal. 
Sr. Antônio relatou que a situação da gravidez da filha o estava deixando 
triste, preocupado e com raiva ao mesmo tempo, principalmente porque o pai da 
 
 
3 
criança era um rapaz sem juízo. Comentava-se, na vizinhança, que era usuário 
de drogas. Ele e a esposa haviam combinado que cuidariam do neto para que a 
filha pudesse voltar a estudar depois que o bebê nascesse, mas ele estava 
preocupado porque tinha medo de que a filha continuasse aquele relacionamento. 
 Durante a consulta, Antônio chorou bastante; contou, em tom de desabafo, 
que tivera 3 filhos homens, então com as idades de 35, 33 e 30. Como não tiveram 
uma menina, a esposa insistiu para que adotassem a sobrinha-neta Dannyelly, 
cuja mãe era uma adolescente solteira, que havia se envolvido com drogas e 
falecera numa briga de gangue aos 16 anos. Naquela época, a esposa havia 
parado de trabalhar para cuidar da nova filha, e ele apoiou a escolha, porque 
afinal, “com menina a gente tem que ter mais cuidado do que com menino”. Eles 
sempre aconselhavam a filha a respeito dos riscos de se envolver com colegas 
que usassem drogas, porque naquele local onde moravam, isso era algo bastante 
comum. No entanto, de uns tempos para cá, ela estava em constante rebeldia 
contra eles, e desobedecia sempre às suas ordens. Finalmente, considerando a 
situação em que estava envolvida, reconheceu que eles tinham razão. 
Sr. Antônio deseja muito mudar-se da região, porque teme que o pai da 
criança tente se aproximar do neto no futuro, e que seja uma influência ruim. 
Contudo, ainda não encontrou uma saída para a situação. Ele precisaria vender a 
sua casinha, construída com muito esforço, mas sabe que não será fácil conseguir 
um local melhor. 
Ao ouvir a narrativa do drama familiar, história tão comum naquela área, o 
médico e a enfermeira chamaram o restante da equipe para discutir de que forma 
poderiam elaborar um plano de cuidados para aquela família. Também discutiram 
ideias para diminuir a incidência de casos semelhantes. Deram destaque ao fato 
de que, naquele momento, estavam cuidando de outras sete adolescentes 
grávidas. 
O que fazer para modificar esta realidade, que insiste em se repetir por 
tantas gerações? Ajude-os a encontrar soluções. 
TEMA 1 – REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE 
Umas das maiores frustrações dos profissionais de saúde, sobretudo 
daqueles que se sentem comprometidos com a sua missão, é perceber que há 
poucas mudanças na realidade das famílias pobres com o passar do tempo. 
Parece-nos muitas vezes que aquilo que fazemos não surte efeito – quando surge 
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uma jovem de 15 anos grávida, quando damos um diagnóstico de HIV para 
alguém, quando percebemos os dentes incisivos frontais de uma criança 
destruídos por cáries, ou quando diagnosticamos doenças que podem ser 
prevenidas com tal facilidade, como a tuberculose e verminoses, ainda presentes 
em nosso meio, e às vezes causando até mesmo mortes. 
Há uma sensação de desânimo; nos perguntamos sempre: como mudar 
essa realidade? Antes de nós, outros já fizeram essa pergunta no Brasil. Por mais 
difícil que seja mudar a realidade, a fórmula há muito foi descoberta: educação. O 
problema, porém, não é tão simples de solucionar, porque a outra pergunta que 
se faz é: o que significa de fato prover educação? 
No início do século passado, a famosa Revolta da Vacina mostrou como o 
diálogo com o povo é necessário. Mesmo diante de uma situação grave de 
doença, e com uma importantíssima arma disponível para combater a epidemia, 
a vacinação foi boicotada pela população de diversas maneiras, porque foi 
imposta a partir de um modelo de polícia médica, que obrigava as pessoas a se 
submeterem a um procedimento que elas não conheciam. Do mesmo modo, 
muitas outras ações são impostas aos cidadãos. 
Interessante relembrar que, quando Evandro Chagas conduziu o processo 
de vacinação, após uma campanha de esclarecimentos ao povo sobre a vacina, 
ressaltando a sua importância no combate da epidemia, houve adesão e sucesso. 
Esse modelo de imposição, de poder validado pela ciência, ainda hoje 
pauta a forma como as ações de saúde são passadas à população. Nós, 
profissionais de saúde, como legítimos representantes da ciência, não admitimos 
ser questionados, nem que surjam dúvidas sobre nossas orientações e 
ensinamentos. Desse modo, nos afastamos cada vez mais da população que 
atendemos, mesmo cheios de boas intenções. 
No Brasil, um certo modelo educativo, com palestras e outros modos de 
transmissão de conhecimentos em saúde, vem sendo implementado há muito 
tempo. Os primeiros agentes de saúde, ligados à fundação Sesp (Serviço Especial 
de Saúde Pública), focavam em normas de higiene, orientações sobre a lavagem 
das mãos, uso de sapatos, roupas limpas, lavagem da roupa, e outras práticas 
várias, como ferver a água que se bebe. Tais instruções vêm sendo repassadas 
à população há anos. O que não se perguntou ao cidadão é como ele vai superar 
as enormes dificuldades que têm, como resultado da ausência de infraestrutura, 
para atender aos objetivos higienistas. 
 
 
5 
Além de tudo, o conhecimento, em si mesmo, não causa mudanças de 
comportamento. Pergunto a você que está agora estudando este assunto: na sua 
opinião, as adolescentes que engravidam nas grandes cidades e centros urbanos, 
o fazem por falta de conhecimento de como acontece uma gravidez? Ou será que 
não sabem como poderiam evitar tal situação? Imagino que sua resposta é que 
não falta divulgação de como usar camisinha; afinal, os anticoncepcionais são 
distribuídos na rede de saúde. Então, por que elas continuam engravidando? 
A respostaestá nos estudos de Paulo Freire, famoso educador brasileiro, 
que deixou um enorme legado à educação deste país e do mundo. Freire defende 
que o processo educativo se efetiva quando ele faz sentido para a vida da pessoa. 
Nesse momento, se concretiza a consciência do seu próprio estado e a 
necessidade de mudança. A pessoa precisa enxergar-se dentro do processo 
educativo; este, por sua vez, tem que lhe trazer esperança, o que motiva novas 
atitudes e novos resultados. 
A esperança talvez seja a parte mais difícil de se trabalhar com pessoas 
que se sentem abandonadas, com autoestima baixa, sendo discriminadas na 
sociedade diariamente. Em virtude de tudo isso, sentem-se aprisionadas em suas 
vivências de pobreza. Elas entendem que têm pouco a perder e extravasam a sua 
revolta com o sistema que as mantem desse modo, agredindo tudo à sua volta. 
Assim, agridem também os profissionais que trabalham nas Upas (Unidades 
Básicas de Saúde), descarregando a sua raiva: quebram móveis, assaltam 
escolas e vandalizam praças, devolvendo a injustiça a que são submetidos. 
Por sua vez, esses comportamentos tão frequentes por parte da população 
mais pobre provocam, nos profissionais de saúde, diversas reações, que vão da 
desmotivação com o trabalho ao julgamento das pessoas que são o seu maior 
alvo da atenção, o que gera barreiras no andamento do trabalho. 
Muitas são as reações dos profissionais de saúde com vistas a demonstrar 
a sua frustração com os processos de atendimento. Certa vez, ouvi o relato de um 
colega pediatra que estava com muita raiva porque sua casa havia sido assaltada. 
Ele estava atendendo as crianças da área mais carente da Unidade de Saúde, 
mas estava visivelmente aborrecido e mal-humorado. Eu perguntei o que havia 
acontecido, e ouvi a seguinte resposta: “Eu estou aqui atendendo essas crianças, 
para que elas depois cresçam e assaltem a minha casa”. É compreensível que ele 
estava com raiva e frustrado; mas a sua resposta demonstra um pensamento 
Mirian Rosana
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comum em muitos profissionais – é também uma manifestação de desesperança, 
como se nada adiantasse, pois muitas pessoas esperam somente pelo pior. 
Neste aspecto da desesperança, todos somos oprimidos; desse modo, 
todos nos beneficiaríamos da educação libertadora proposta por Paulo Freire. 
TEMA 2 – EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO MODELO TRADICIONAL 
A importância da educação na saúde é senso comum. Sabemos que há 
muito tempo ela é prática importante dentro do setor da saúde, e vem evoluindo 
junto com a evolução dos conceitos de educação de modo geral. 
O modelo de educação que temos, também conhecido como educação 
sanitária, surgiu para o controle das epidemias que assolavam o país, estando 
dentro dos modelos educacionais aceitos no país naquela época – início do século 
XX (Maciel, 2009). 
A evolução dos conceitos educacionais trouxe mudanças na forma de 
proceder às ações educativas; porém, os avanços conceituais ainda não 
acarretam um impacto suficiente para que se reflitam na vida das pessoas, em 
especial das mais pobres. 
É importante lembrar que todos os contatos dos pacientes com os serviços 
de saúde são oportunidades de educação sobre as questões que envolvem o 
cuidado, desde que o paciente não se sinta discriminado nem humilhado pelos 
posicionamentos dos profissionais. 
Normalmente, identificamos, como ações de educação em saúde, 
atividades que são direcionadas a grupos de pessoas. Porém, é muito importante 
lembrarmos que o contato individual, durante uma consulta médica, de 
enfermagem, odontológica ou de qualquer outro profissional de nível superior ou 
técnico em saúde (que não seja no cenário da emergência), deve sempre conter 
o componente educativo. 
No contato individual, há sempre uma oportunidade para o processo 
educativo, porque ele acontece em momento sigiloso, sem testemunhas, o que 
oferece melhores oportunidades para perguntas e trocas. Afinal, o profissional já 
está fazendo mesmo muitas perguntas sobre a vida do paciente, então é aceitável 
que o paciente faça também seus questionamentos. 
Bons momentos para educação em saúde acontecem nas consultas que 
visam a proteção da saúde, como pré-natal, puericultura, senicultura, consultas 
odontológicas preventivas e coleta de citopatológico cérvico uterino. O 
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acompanhamento de doentes crônicos, como nas rotinas dos diabéticos e 
hipertensos, ou com pacientes com transtorno mental (e todo e qualquer momento 
que não seja de estresse para o paciente), deve ser um momento de interação, 
para que haja trocas de conhecimento no âmbito individual. 
No entanto, quando focamos na educação em saúde voltada aos grupos, 
notamos que os profissionais de saúde seguem os modelos conhecidos de 
educação; por isso, até a década de setenta, quando esses conceitos passaram 
a ser discutidos, o método usado para a educação em saúde era o que ficou 
conhecido como educação bancária. Este método baseia-se na transmissão de 
conhecimento por parte dos profissionais de saúde, através de palestras, breves 
aulas e momentos nos quais os profissionais de saúde falam sobre determinado 
tema e as pessoas escutam. 
O modelo vigente à época entendia o conhecimento como algo a ser 
decorado, mesmo que não tenha sido entendido. Assim, lidava-se com as 
disciplinas escolares, com os chamados “estudos dirigidos”, com muita 
informação e pouca crítica. 
Embora criticado nos dias atuais, é importante ressaltar que esse modelo 
é muito usado até hoje, porque é o modelo conhecido dos profissionais de saúde. 
Os termos relacionados a esta prática, como “transmissão do conhecimento”, 
“conscientização”, demonstram que o modelo de educação verticalizada, 
embasada na hierarquização do saber, com a utilização de linguagem técnica e 
com pouca efetividade no que tange à mudança de atitude das pessoas, ainda 
permanece. 
Diante dos profissionais de saúde, os usuários ficam calados; não fazem 
perguntas e não questionam os conteúdos, até mesmo porque na maioria das 
vezes não os compreendem totalmente. Assim, ao sair dos momentos educativos, 
não se recordam dos conteúdos ou os rejeitam internamente, não os adicionando 
na sua vida diária. 
As atividades coletivas que acontecem na APS (atenção primária à saúde), 
geralmente vinculadas aos pacientes programáticos, como hipertensos e 
diabéticos, passam pela chantagem da medicação. Muitas equipes só entregam 
a medicação se o paciente vier na palestra do programa. Embora essas falas 
aconteçam, as pessoas não entendem as falas e não se sensibilizam com as 
atividades propostas. 
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A partir dessa constatação, os educadores passaram a questionar a 
validade desse formato de educação, já que ele não se demonstrou efetivo, além 
de ter causado e ainda causar grande frustração aos profissionais de saúde. 
TEMA 3 – EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE 
O contexto que facilitou a proliferação de novas ideias na área de educação 
vem da necessidade de criar um pensamento crítico e de provocar uma reação 
das pessoas simples, analfabetas, que eram exploradas por latifundiários em toda 
a América Latina. Como agravante, regimes militares financiados pelo governo 
americano, em sua oposição às ideias da esquerda inspirada por Marx, 
dominavam a América do Sul, direcionando a educação com evitação a qualquer 
tipo de pensamento crítico gerador de oposição. Nesse cenário, surge o 
entendimento de que a educação seria um instrumento emancipatório, se ela 
construísse uma capacidade crítica, se desvendasse o caminho, sendo entendida 
assim como a libertação de toda opressão. 
Duas ideologias aparentemente opostas embasaram esse movimento: a 
ideologia cristã e a ideologia marxista. Uma canção muito cantada nas igrejas 
naquele momento, era ohino “A verdade vos libertará” de autor desconhecido por 
razões de segurança. Trazia a seguinte letra (Matos, 1975): 
Ó vinde vós ó povos de todas as nações, erguei-vos e cantai com alegria; 
Fazei soar nos ares nova melodia, que Jesus Cristo traz libertação. É 
tempo de vencer a vil escravidão, que em vós exercem homens ou 
ideias. É tempo de dizer que só Deus pode ser o único Senhor da 
humanidade. A verdade vos libertará, sereis em Cristo verdadeiramente 
livres. Vinde todos, sim ó vinde já e celebrai com alegria a vossa 
libertação. 
Nesse clima de questionamentos, surge uma nova concepção de 
educação, que entende o processo educativo como uma troca de saberes, em 
que o saber adquire significado para o educando, pois permite que ele pense e 
reflita sobre o conteúdo construído em conjunto, através de uma metodologia 
adequada para o adulto, que deve incluir a liberdade para a crítica, e a partir disso 
mesmo consolidar a sua compreensão dos fatos vividos. Era a educação popular 
que tomava forma, com a proposta emancipatória do indivíduo, efetivada através 
do processo educativo, sem importar o setor que o direcionava. 
O modelo de educação popular estendeu-se para a saúde, mantendo sua 
natureza política. Nesse sentido, vem ao encontro das discussões que embasam 
a promoção de saúde e o controle social, ou seja, a participação popular 
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consciente e esclarecida, com a livre tomada de decisão, com empoderamento 
popular e autonomia. 
A Educação Popular em Saúde configura-se como um processo de 
formação e capacitação que se dá dentro de uma perspectiva política de 
classe e que toma parte ou se vincula à ação organizada do povo para 
alcançar o objetivo de construir uma sociedade nova de acordo com seus 
interesses. Ela é caracterizada como a teoria a partir da prática e não a 
teoria sobre a prática como ocorre na educação em saúde tradicional. 
(Maciel, 2009) 
Na prática, o processo educativo acontece pela valorização das práticas 
populares e de seus saberes, utilizando-se daquilo que faz sentido para as 
pessoas naquele local, incluindo seus significados. A partir do momento em que 
as equipes de saúde compreendem tais princípios e os aplicam, ao invés de 
reproduzir o modelo tradicional, há maior adesão e consolidação de saberes em 
saúde. 
Para ilustrar esse modelo, trago a experiência de um jovem médico 
residente de medicina de família, supervisionado por mim, que implantou um 
momento de educação em saúde, fazendo uma roda de chimarrão. Para quem 
não conhece essa realidade, é uma prática tradicional de alguns estados, 
sobretudo no sul do Brasil – as pessoas se reúnem diariamente para tomar 
chimarrão e conversar. Num momento combinado, Dr. André sentava-se para 
tomar chimarrão e convidava seus pacientes. Muitos senhores vinham para a roda 
e a conversa se desenrolava naturalmente, sobre muitas coisas; no fim, sempre 
surgia algum assunto sobre doença, e André deixava o assunto rodar, junto com 
o chimarrão. As pessoas davam suas opiniões, compartilhavam suas vivências 
com aquele tema, ensinavam remédios e aconselhavam-se mutuamente. André 
notou melhoria na adesão de seus pacientes aos tratamentos e viu também 
crescer a roda de chimarrão, além de sua grande popularidade naquela 
comunidade. 
TEMA 4 – A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE NO 
SISTEMA UNICO DE SAÚDE (PNEPS-SUS) 
Importante destacar que os processos de educação em saúde requerem 
também a participação do Estado, na organização de políticas públicas que 
favoreçam os cidadãos e que sejam pautadas na equidade. Nesse sentido, em 
2012 foi publicada a Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS), 
que traz como um de seus objetivos contribuir para a melhoria da qualidade de 
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vida, diminuir as desigualdades sociais e assim promover a erradicação da 
pobreza no Brasil (Brasil 2012). O conceito de educação popular em saúde, 
segundo a PNEPS, resgata o seu sentido original ao relacioná-la ao seu papel 
emancipatório: 
Educação Popular é compreendida como perspectiva teórica orientada 
para a prática educativa e o trabalho social emancipatórios, 
intencionalmente direcionada à promoção da autonomia das pessoas, à 
formação da consciência crítica, à cidadania participativa e à superação 
das desigualdades sociais. A cultura popular é valorizada pelo respeito 
às iniciativas, ideias, sentimentos e interesses de todas as pessoas, bem 
como na inclusão de tais elementos como fios condutores do processo 
de construção do trabalho e da formação. (Brasil, 2012) 
A educação popular, ligada ao setor da saúde, teve importante papel na 
construção de diversas políticas públicas fundamentais ao SUS, como a Política 
Nacional de Atenção Básica, a Política Nacional de Ações Estratégicas e 
Participativas (Participasus), a Política Nacional de Práticas Integrativas e 
Complementares no âmbito do SUS, a Política Nacional de Promoção de Saúde, 
a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e a Política Nacional 
de Saúde Integral da População LGBT (Brasil, 2002). Todas essas políticas 
traduzem discussões de representantes do controle social, para a implementação 
de políticas relevantes. 
Um dos pontos referenciais da educação popular em saúde é a valorização 
do saber popular. Na cultura popular ligada à saúde, estão os saberes dos 
raizeiros e benzedeiros, espalhados por todo o Brasil, sobretudo nas regiões Norte 
e Nordeste. Todos nós conhecemos chás terapêuticos e outras formas de 
utilização de plantas e raízes. Os profissionais de saúde devem viabilizar o 
encontro das duas culturas de conhecimento e tratamentos. 
Relato como exemplo o caso de uma senhora que era portadora de uma 
extensa ferida de origem vascular grau II, e que necessitava de curativos 
especiais. A equipe estava muito frustrada porque, apesar de todo seu empenho, 
e da utilização de materiais caros, não havia melhora. A agente comunitária trouxe 
a informação que explicava a situação: a paciente, ao chegar em sua casa, 
retirava o curativo e substituía a cobertura da ferida por folhas de plantas 
amassadas. A equipe ficou muito aborrecida. Ao saber do fato, fiz uma reflexão 
com a equipe de enfermagem que cuidava dos curativos sobre o valor que a 
paciente dava ao tratamento com as plantas, e fiz uma proposta: e se 
conversássemos com a paciente para que ela fizesse uma infusão com as folhas 
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e lavássemos a ferida com o líquido? A sugestão foi acatada pela paciente e assim 
pudemos associar os dois saberes, respeitando a crença de cura da paciente. 
Outra dimensão do cuidado levada em conta pela PNEPS é a 
espiritualidade. O povo brasileiro é um povo religioso, que exerce suas 
manifestações de fé com fervor. No momento em que a pessoa está doente, essa 
dimensão se amplia, pela sensação de fragilidade que é trazida pela doença. A fé 
é um elemento de cura e de expressão de autonomia. As pessoas precisam de 
coragem para assumir seus posicionamentos religiosos, mesmo que eles não 
sejam parte da maioria. Além disso, o exercício coletivo da fé reforça a sensação 
de pertencimento, o que dá valor à pessoa e melhora a sua autoestima. Cabe aos 
profissionais de saúde utilizar-se desse elemento como forma de reforço positivo 
e de respeito. 
É importante destacar também o uso da arte popular como manifestação 
de cultura e de identidade de um povo. A utilização de técnicas de abordagem 
coletiva que se utilizem dessas linguagens é bem-aceita pela comunidade, porque 
ela se sente identificada. No Nordeste, o uso da poesia de cordel seria uma boa 
forma para apresentar ações de saúde para a comunidade, como também seria 
interessante o uso de bailes gauchescos para reunir idosos na região Sul do 
Brasil; podemos utilizar desses momentosde manifestação cultural e artística 
como espaços e oportunidades de educação em saúde. 
A PNEPS fortalece todas as manifestações populares, inclusive o controle 
social. De certa forma, é a raiz da participação popular nas questões de saúde, 
pois fundamenta também práticas alternativas de origem brasileira, que 
conversam com as metodologias científicas. Os bons profissionais de saúde não 
podem desconsiderar, em sua prática, esse conjunto de saberes, que de toda 
forma também está ligado à sua cultura e história. 
TEMA 5 – AS METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS 
As metodologias participativas são instrumentos muito importantes para a 
implementação da educação em saúde de forma dinâmica, facilitando a discussão 
e a formação do diálogo. Elas se fundamentam na PNEPS e, portanto, devem 
seguir os seus fundamentos: diálogo, amorosidade, problematização, construção 
compartilhada do conhecimento e emancipação (Brasil, 2012): 
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a. Diálogo – uma ação educativa jamais deve ser um discurso, com uma 
única via de fala, pois sempre deve permitir o diálogo. Para isso, é 
importante que o facilitador se mantenha aberto aos questionamentos e, 
acima de tudo, saiba respeitar a fala do outro. O discurso de poder afasta 
as pessoas e a linguagem rebuscada ou técnica cria barreiras para a troca 
de conhecimentos. Um dos fundamentos do aprendizado é a humildade. O 
arrogante não aprende, porque sente-se autossuficiente; o humilde, por sua 
vez, tem consciência de que não sabe tudo, de que o seu saber não é único, 
de que não é suficiente em si mesmo. Partindo desse princípio, todos temos 
o que aprender e o que ensinar uns aos outros, com respeito, humildade e 
diálogo horizontal e equilibrado. 
b. Amorosidade – É a valorização do afeto nas relações de construção do 
conhecimento. O que se destaca nessa questão é o sentimento que 
envolve as pessoas e que se demonstra na fala, nas atitudes, na 
comunicação não-verbal e no acolhimento das pessoas. Sabe-se que a 
amorosidade é essencial para o aprendizado e para a saúde de modo geral. 
Pesquisas demostram que as crianças que não se sentem amadas têm 
grande dificuldade de aprendizagem, e várias delas têm também 
deficiência de crescimento. O afeto caminha junto com a valorização do 
outro, com respeito aos posicionamentos, compreensão dos processos de 
vida e a prática de colocar-se no lugar do outro que sofre. A linguagem da 
amorosidade manifesta-se de diversas maneiras dentro de um grupo, 
principalmente no acolhimento da pessoa, de suas demandas e de todos 
os outros processos relacionados. Porém, é importante destacar que isso 
também significa valorizar a autonomia. A amorosidade não deve servir 
para desqualificar o outro como uma pessoa sem condições de tomada de 
decisão, mas para ajudá-lo a assumir todos os espaços possíveis para um 
melhor desenvolvimento pessoal. 
c. Problematização – a problematização permite a expressão da realidade 
vivenciada por todos os atores envolvidos no processo educativo. É a 
oportunidade de expressão e valorização da palavra de cada pessoa, com 
suas experiências e contribuições a cada discussão. O problema 
apresentado deve ser contextualizado na realidade das pessoas presentes. 
As falas devem ser compartilhadas com respeito e em linguagem acessível 
a todos. Por esse motivo, vem a necessidade do diálogo, como fundamento 
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do processo educativo. A ideia é que as decisões e soluções surjam como 
produtos da problematização, embasada na realidade de cada um, com 
planos executáveis dentro da realidade das pessoas, oferecendo soluções 
coerentes e simples, para que cada um possa agir por si mesmo e pelos 
outros. 
d. Construção compartilhada do conhecimento – Este momento é fruto do 
processo de discussão, problematização e diálogo, característico do 
processo educativo. O conhecimento é entendido como a apropriação de 
todas as experiências vivenciadas nos momentos de interação entre as 
pessoas, como acontece em todos os momentos de nossas vidas. Quando 
as pessoas estão abertas, elas tornam-se por si mesmas um canal 
constante de inspiração, aprendizagem e acolhimento, e trocam suas 
experiências. Eu me lembro de minha tia, que era uma mulher simples no 
que concerne à profissão e status social. Tia Zeca era operária de uma 
fábrica de sabonetes; em outro momento, foi merendeira da minha escola. 
Eu tinha muita admiração pela sua delicadeza ao falar com os outros, seu 
bom senso e sua educação. As pessoas da vizinhança vinham até ela para 
pedir conselhos, e ela era amável e educada com todos. Sua presença 
provocava bem-estar nas pessoas. Assim, uma pessoa torna-se referência 
de agregação, pois está em constante aprendizado, podendo levar outros 
ao mesmo patamar, através do respeito e da conciliação. Esse é o cenário 
de crescimento conjunto através do conhecimento. 
e. Emancipação – A educação popular deseja, acima de tudo, que as 
pessoas sejam emancipadas nas suas decisões, com pensamentos 
críticos, porém bem embasados, ao invés de apenas ecoarem o que a 
mídia apresenta. O entendimento das situações e de seu contexto de vida 
– e, acima de tudo, a compreensão da sua própria vida, história e família – 
traz sentido e melhora a autoestima, produzindo saúde, cidadania e 
autonomia. No sentido mais ampliado, trata-se de se libertar de toda forma 
de opressão, discriminação, exploração e violência, as quais se manifestam 
na sociedade na forma de discriminação de gênero, de raça, de opção 
sexual ou de local de moradia. Na verdade, é tomar o controle de sua vida, 
de suas decisões, criando esperança e novas perspectivas. 
 
Mirian Rosana
Realce
Mirian Rosana
Realce
 
 
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5.1 Ações educativas em saúde: metodologias 
As metodologias utilizadas para as ações educativas em saúde devem 
sempre seguir os fundamentos práticos de educação em saúde. Elas devem 
seguir um planejamento de acordo com os objetivos da ação, considerando a 
quem se destinam, número de pessoas esperado, local disponível e materiais que 
serão utilizados. É preciso ainda considerar a hora em que se dará a ação 
educativa e o tempo necessário. 
Quando se considera o local, deve-se pensar em qual posição as pessoas 
vão ficar, se sentadas ou de pé, se precisarão se movimentar durante o processo 
e o número de pessoas que pode ser acomodado no local. É adequado fazer uma 
planilha com a sequência dos passos a serem utilizados e quais os materiais de 
acordo com o momento (por exemplo, pincéis, papel kraft, folhas sulfites, cordões, 
fita adesiva e aparelho de som). 
Quanto mais criativas e divertidas forem as ações, maior a integração do 
grupo, principalmente se os participantes forem jovens ou crianças. Se o objetivo 
da ação é a prevenção, o tema deve ser abordado pelo menos um ano antes da 
idade de risco. 
A seguir, descrevo uma ação educativa realizada pela equipe da Unidade 
de Saúde Lugar dos Anjos numa escola e o respectivo planejamento. Após ouvir 
o relato do Sr. Antônio e de sua filha, eles resolveram agir para tentar diminuir 
esses problemas em sua área. Veja o planejamento e como aconteceu a ação 
educativa. 
Ação educativa: prevenção da gravidez na adolescência 
1. A quem se destina. Meninas na faixa etária de 10 a 12 anos. 
2. Objetivos. Sensibilizar meninas para debater o significado do afeto e evitar o 
relacionamento sexual precoce. 
3. Local. Salão da escola. 
4. Número de pessoas. 30 meninas. 
5. Materiais. Aparelho de som (CD ou pendrive com as canções “Garota de Ipanema” e 
“Bonde do Tigrão”); 35 folhas sulfites impressas com as letras das músicas (ou 
projeção se possível); corda de varal para estender na parede; prendedor de varal; 
papel kraft cortado em 30 pedaços; pincéis coloridos. 
6. Número de pessoas envolvidas como facilitadores. Quatro. 
7. Etapas da ação. Reunião das meninas– apresentação do grupo; dividir as meninas 
em pequenos grupos de 5. Distribuição do material para desenho – pedir para que 
desenhem a parte do seu corpo que mais gostam em si mesmas. As facilitadoras 
devem pendurar os desenhos e passear na frente de cada desenho pedindo que a 
autora explique a razão de sua escolha. Colocação das canções, permitindo expressão 
corporal livre; cantar as letras. Reflexão e fechamento do grupo. 
8. Reflexão da equipe sobre a ação e novos planejamentos. 
Mirian Rosana
Realce
 
 
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Eles escolheram conversar primeiramente com as meninas na faixa de 10 
a 12 anos. Havia um grupo de 30 meninas naquele dia. Eles levaram os materiais 
que eles mesmos haviam comprado ou trazido de sua própria casa, como um 
aparelho de som. A escola tinha uma caixa de som e isso deixou todo mundo 
animado. As meninas também estavam cheias de expectativas; estavam nervosas 
e riam à toa em pequenos grupos. Após fazer a distribuição do material entre elas, 
foi pedido que se dividissem em grupos de 5 e depois desenhassem a parte do 
corpo de que mais gostavam. Assim foi feito, com muita risada e brincadeiras. 
Quando terminaram, seus desenhos foram pendurados num varal e os 
profissionais conversaram com elas sobre as suas escolhas. Eles notaram que, 
apesar de haver alguns desenhos que retratavam quadris, coxas e seios, a 
maioria dos desenhos mostrava a boca, os olhos e os cabelos como as partes 
mais apreciadas de seus corpos. 
Enquanto passeavam na frente dos desenhos, os profissionais 
perguntavam porque elas gostavam de seus olhos e cabelos, ou outras partes de 
seus corpos. Algumas disseram que suas mães diziam que seus olhos se 
pareciam com os de alguém da família, outras disseram que se achavam 
parecidas com alguma artista e, assim, com muitas risadas de todos, o clima foi 
ficando cada vez mais descontraído e divertido (alguém já designado do grupo de 
facilitadores ia anotando as frases que surgiam no grupo). 
Em seguida, foi distribuída a letra da canção “Garota de Ipanema”, de Tom 
Jobim e Vinicius de Moraes, e o CD foi posto para tocar. As meninas, em pé no 
meio do salão, acompanhavam a canção, algumas cantando junto e outras 
apenas se balançando discretamente. Logo em seguida, a enfermeira trocou o cd 
e colocou “Martella o martellão” da banda Bonde do Tigrão. Bom, aí a coisa “pegou 
fogo”: a meninada dançou, fez a coreografia da banda e se divertiram bastante 
com toda a equipe, que entrou na dança junto. Quando acabou aquele momento, 
a equipe pediu que todas se sentassem no chão em roda e conversaram sobre 
aquele momento. 
Entre as reflexões levantadas pela equipe, uma pergunta mereceu especial 
destaque. A enfermeira Joana disse: 
Então, meninas lindas, olhando os desenhos que vocês fizeram (pegou 
alguns do varal e mostrou os olhos desenhados, as bocas, os cabelos), 
eu pergunto: qual será, dos dois homens que vocês ouviram agora, 
aquele que seria capaz de reconhecer a beleza da sua boca, ou perceber 
os seus olhos, os seus cabelos.... o cara do “Martela o Martelão”, que já 
disse que “só quer te jogar no chão e te dar muita pressão”, ou o cara 
 
 
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que diz “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela a menina 
que vem e que passa seu doce balanço?” 
O silêncio que se seguiu a esta pergunta, o cessar da inquietude natural 
dessa idade, demonstrava que a pergunta tinha calado fundo. Aos poucos, elas 
tomaram coragem, e disseram que gostariam de ouvir alguém dizer o quanto elas 
eram bonitas. Algumas contaram que nunca tinham ouvido de seus pais que eram 
bonitas, outras disseram que na sua casa só havia cobrança, e que nunca eram 
elogiadas. 
No final, as meninas abraçaram a equipe, que se emocionou junto com 
elas, com as suas histórias, e prometeram voltar para muitas outras conversas. A 
equipe saiu da escola feliz. Eles perceberam que estava aberto um canal de 
comunicação com base na confiança. Mas agora, como continuar, já que a 
demanda de atendimentos na Unidade Lugar dos Anjos é tão grande, e eles quase 
não conseguem tempo para fazer tais ações? Alguém do grupo questionou se isso 
funcionaria mesmo, afinal “a gente não distribuiu camisinha e nem falou dos 
métodos anticoncepcionais”. “Sim, é verdade”, disseram outros, mas o objetivo de 
momento era ajudá-las a pensar, a tirar suas próprias conclusões sobre qual a 
base de bons relacionamentos. Voltaram todos para suas casas, com a sensação 
de bem-estar que a aplicação do bem, da generosidade, da amorosidade e da 
solidariedade provoca nas pessoas. 
Outros métodos podem ser usados com sucesso para provocar a reflexão: 
filmes, oficinas, práticas comunitárias, brincadeiras de infância, como rodas e 
danças circulares, jogos, músicas, rodas de conversa, teatralização, fantoches, 
dinâmicas de grupo, além de outros símbolos e seus significados. Todos podem 
ser usados, de acordo com a oportunidade, a idade e o tema que se deseja 
abordar. 
Para a seleção de assuntos, é importante destacar temas do cotidiano, que 
sejam reais na vida das pessoas, de impacto e interesse da comunidade. 
Exemplos de temas muito frequentes, destacamos: racismo, violência de gênero, 
violência sexual, discriminação social, gravidez na adolescência, abandono, 
desemprego, cuidados dentro da família, sofrimento nas famílias, tolerância 
religiosa e autocuidado. 
 
 
 
 
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FINALIZANDO 
A educação em saúde vem acontecendo no país desde o início do século 
XX. A princípio, seguiu o modelo higienista, quando eram abordadas questões 
relacionadas à higiene, focando nas epidemias e verminoses que assolavam o 
país. Seu modelo seguia o padrão estabelecido, entendendo que o que faltava 
para as pessoas era apenas informação sobre doenças e outras situações. 
Desenvolvida pelas ciências sociais e ciências da saúde, mas com origem 
nos movimentos populares libertários (os quais lutavam contra a opressão desde 
a década de 50), a educação popular em saúde é entendida como o “conjunto dos 
saberes e práticas diversas, mais ou menos formalizadoras, oficiais ou não, que 
acontecem no interior do setor saúde” (Smeke; Oliveira, 2001, p.117). 
Partindo desse princípio, houve uma evolução conceitual e prática do que 
deveria ser feito na abordagem instrumental das populações. Os profissionais de 
saúde aparecem como os facilitadores do processo, a partir de um novo sentido 
de educação em saúde – troca de saberes e práticas de caráter emancipatório, 
com base nos princípios da solidariedade e no compromisso com as pessoas. 
LEITURA OBRIGATÓRIA 
Texto de abordagem teórica 
ALVES, V. S. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da 
Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial. 
Comunic., Saúde, Educ., v. 9, n. 16, p. 39-52, set. 2004/fev. 2005. Disponível 
em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/icse/v9n16/v9n16a04.pdf>. Acesso em: 27 
maio 2018. 
Texto de abordagem prática 
MACIEL, M. E. D. Educação em saúde: conceitos e propósitos. Rev. Cogitare 
enfermagem, n. 14, v. 4, p. 773-776. out./dez. 2009. 
Saiba mais 
FREIRE, P. Matéria-Prima, 1989. Entrevista. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=Zx-3WVDLzyQ>. Acesso em: 27 maio 2018. 
 
 
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REFERÊNCIAS 
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. 
Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS. Brasília, 2012. 
DUNCAN, B. B. Medicina ambulatorial. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. 
MCWHINNEY, I. R.; FREEMAN, T. Manual de medicina de família e 
comunidade. Porto Alegre: Artmed, 2010. 472 p. 
MACIEL, M. E. D. Educação em saúde: conceitos e propósitos. Rev. Cogitare 
enfermagem, n. 14, v. 4, p. 773-776. out./dez. 2009. 
MATOS, S. P. F. de. Ó vinde vós, os povos. 1975. Disponível em: 
<http://www.luteranos.com.br/textos/convite-a-liberdade>. Acesso em: 27 maio 
2018. 
SILVA, R. C. Metodologias participativas para trabalhos de Promoção de 
Saúde e cidadania. SãoPaulo: Vetor, 2002. 
SMEKE, E. L. M.; OLIVEIRA, N. L. S. Educação em saúde e concepções de 
sujeito. In: VASCONCELOS, E. M. (Org.). A saúde nas palavras e nos gestos: 
reflexões da rede educação popular e saúde. São Paulo: HUCITEC, 2001. p.115-
136.

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