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TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS AULA 2 Prof. Ramon José Gusso 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula iremos trabalhar sobre as contribuições da Escola de Chicago e da vertente conhecida como Mobilização de Recursos para a teoria dos movimentos sociais. Estas duas vertentes, apesar de suas divergências internas, compartilham de uma crítica à teoria social de caráter macro (holismo metodológico), que explica as transformações sociais a partir de uma ideia de estrutura social, seja ela econômica ou moral, que se impõe aos indivíduos. O foco dessas duas vertentes está no individualismo metodológico, que concebe o indivíduo como produtor e como ponto de partida de ações dotadas de sentido, conforme já indicava Max Weber. Há como pano de fundo uma crítica às teorias da ação coletiva, principalmente aquelas de caráter marxista, de considerar que a motivação dos atores sociais é dependente de crises ou instabilidades no âmbito econômico ou em mudanças no sistema político. Assim, tanto a Escola de Chicago como a mobilização de recursos focam no como e no porquê do engajamento de indivíduos em processos de ação coletiva, tais como os movimentos sociais. TEMA 1: A ESCOLA DE CHICAGO NA SOCIOLOGIA ESTADUNIDENSE A Escola de Chicago é uma referência à criação do departamento de sociologia da Universidade de Chicago, em 1895. Esse departamento se notabilizou por uma séria de iniciativas pioneiras no campo da pesquisa sociológica, particularmente, pela criação de diversos métodos de pesquisa que objetivavam investigar o processo de urbanização nas cidades dos EUA, cuja cidade de Chicago se tornou uma espécie de laboratório social para estas pesquisas. A influência central no primeiro momento da Escola de Chicago se deu a partir de pesquisadores como George Simmel, Robert Park, Louis Wirth e Donald Pierson. Posteriormente, outros nomes também ganharam destaque, como Erving Goffman e Howard Becker. A escola de Chicago se notabilizou pela variedade de temas trabalhados, a exemplo da incidência e da localização de doença mental ou da delinquência em determinadas partes da cidade, da delinquência juvenil, da interação entre grupos étnicos, da pobreza e do fluxo migratório, do impacto da urbanização para a sociabilidade, da tensão entre indivíduo e sociedade. Destacaram-se também pela inovação e utilização de uma pluralidade de métodos de pesquisa, como as etnografias urbanas, grupos focais, entrevistas em profundidade, surveys e simulação de situações problema. 3 Em relação propriamente aos movimentos sociais se destacam os estudos de Herbert Blumer, que apontava que o engajamento em ações coletivas advinha da junção entre insatisfação individual com a própria vida e esperança na capacidade de transformá-la (MULLER, 2013). Blumer é responsável por uma das primeiras tipologias sobre movimentos sociais, organizando-os em movimentos genéricos (produzir mudanças em valores individuais, como a emancipação das mulheres); movimentos específicos (indicação de demandas particulares, com forte identidade de grupo) e movimentos expressivos (disseminação de ideias e valores, movimentos religiosos e juvenis vinculados à expressão visual). Em geral, a classificação dos movimentos sociais para Blumer também se organizava pelo o desenvolvimento de algumas fases, sendo elas: 1. agitação (impulsos por demandas e construção de objetivos); 2. excitação (construção de solidariedade e formação de grupos); 3. desenvolvimento de uma moral (consolidação de símbolos e valores); 4. desenvolvimento de ideologia (confirmação das causas dos problemas e formas de superação) e 5. definição tática (formas como são realizadas as ações). (MULLER, 2013). TEMA 2: AÇÃO RACIONAL COMO EXPLICAÇÃO PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS A generalização de interpretações que viam nos movimentos sociais ações de caráter irracional ou emocional se manteve presente na sociologia, sobretudo norte-americana, até meados da década de 1960, tendo sido contestada principalmente por pesquisadores vinculados à corrente da Mobilização de Recursos que objetivavam demonstrar que as ações coletivas também eram resultado de decisões racionais, objetivas e estratégicas construídas pelos atores (FLACKS, 2005, p.49). A Mobilização de Recursos foi fortemente influenciada pela corrente da Escolha Racional, que indicava que os indivíduos agem racionalmente motivados pela obtenção de ganhos e vantagens. No caso da Mobilização de recursos, tem-se enfatizado que as ações coletivas são construções racionais, motivadas por organizações ou associações que irão agir para promover os interesses de seus membros enquanto grupo, e não necessariamente os interesses de cada indivíduo isoladamente (OLSON, 2011). Assim, a mobilização de recursos retira, em parte, a aura idealista dos 4 movimentos sociais como ações motivadas por grandes causas ou por pessoas altruístas, bem como se afasta da visão negativa de que os movimentos sociais eram o resultado de indivíduos irracionais que seguiriam cegamente um líder. Os movimentos sociais são a partir da Mobilização de Recursos um empreendimento racionalmente construído que objetiva fins específicos para um determinado grupo social (CHAZEL, 1995). TEMA 3: A FORÇA DA ORGANIZAÇÃO PARA A AÇÃO COLETIVA Outro aspecto fundamental sobre os movimentos sociais a partir da Mobilização de Recurso foi de advertir que a forma como esses atores se organizam não deve ser compreendida como algo secundário na análise. Grande parte dos esforços para realizar uma ação coletiva está justamente em criar e manter uma organização, como um movimento social (TARROW, 2009). Essa preocupação já estava presente em Lenin quando, em 1902, lançou questionamentos sobre as práticas necessárias para organizar os trabalhadores e evitar a fragmentação de reivindicações em interesses particulares (LENIN, 2010). Mas será com a Mobilização de Recursos, a partir de autores como Doug McAdam, Mayer Zald e John McCarthy que se dará maior ênfase aos processos organizativos dos movimentos sociais, demostrando que esta é uma variável central para explicar o surgimento de movimentos. Para esse grupo de autores, a gênese de muitas ações e movimentos não está vinculada a ideologias, sentimentos de privação ou emoções coletivas, mas aos recursos coletivos despendidos à mobilização e a capacidade de utilizá-los para um determinado fim. Entre os recursos mobilizados estão, por exemplo, o número de militantes que se dispõem a participar de ações, os recursos financeiros, a rede de apoiadores externos que será mobilizada, a infraestrutura da organização. Exemplo clássico dessa análise focada nos recursos está no movimento negro dos EUA durante a campanha dos direitos civis, que se estruturou nacionalmente a partir de uma rede de apoiadores constituída no seio da Igreja Batista (McADAM, 1999). TEMA 4: MOVIMENTOS SOCIAIS E A MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS Para Tarrow (2009) a Mobilização de Recursos foi fundamental para dar “concretude” às análises sobre movimentos sociais, sendo que a forma ou as formas com as quais os movimentos se organizam são uma pista significativa 5 para compreender como esses colocarão em disputa seus objetivos e reivindicações, bem como se terão ou não capacidade suficientes de realizá-las. A própria maneira como os movimentos se organizam reflete contextos políticos mais gerais, de maior ou menor abertura à ação de movimentos, que ajudam a entender se a ação se tornará mais violenta ou mais participativa, se será pública ou clandestina, se os indivíduos atuarão de forma mais informal ou profissional, se será local, nacional ou uma rede global de atores. O olhar para os movimentos como um modelo de organização foi um importante passo à Teoria dos Movimentos Sociais, porém, foi alvo também de inúmerascríticas ao restringir análise aos recursos materiais dispendidos à organização ou as estratégias próprias de manutenção dos movimentos (FLACKS, 2005, ALONSO, 2009). TEMA 5: LIMITES E CRÍTICAS À MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS A teoria da mobilização de recursos foi o modelo de análise de movimentos sociais que mais predominou nos EUA até a década de 1980, mantendo pouco diálogo com outras teorias que eram desenvolvidas em outros países. As principais críticas a esse modelo estão o pouco peso atribuído aos aspectos de cunho cultural e ideológico, bem como as construções identitárias dos atores como uma variável explicativa para o surgimento de ações coletivas. Outra crítica à Mobilização de Recursos está no fato de que ao sobrevalorizar a forma de agir dos movimentos (modus operandi) ela se restringiu a análises de cunho conjuntural, tendo pouco alcance na explicação de movimentos sociais a partir de mudanças em processos políticos e macroestruturais de caráter global, ou ações coletivas duradouras existentes em diferentes contextos (ALONSO, 2009; GUSSO, 2012). Assim, critica-se também a Mobilização de Recursos pela pouca distinção entre movimentos sociais e outros grupos de interesses, como lobistas, bem como a utilização de uma linguagem excessivamente econômica para descrever a ação dos movimentos, típica da análise organizacional realizada para empresas. Os movimentos eram vistos também como empresas que estariam em permanente competição com outros movimentos pela clientela (militantes) e pelos consumidores (apoiadores) (TARROW, 2009). Esse conjunto de críticas, seja pelo excesso de racionalidade atribuído aos atores ou pelo conjunto de ausências explicativas de caráter mais cultural ajudaram a moldar uma revisão nesta literatura, ampliando as variáveis de análise, num conjunto de 6 estudos que ficou conhecido como Teoria dos Processos Políticos, que iremos trabalhar nas próximas aulas. NA PRÁTICA Pesquise em sites relacionados a movimentos sociais no Brasil e no Exterior (Ex: MST, Greenpeace) e identifique formas de recursos disponíveis para mobilização destes movimentos. Exemplo: apoiadores externos, número de militantes, origem recursos, formas de apoio disponibilizadas, etc. FINALIZANDO Nesta aula, apresentamos alguns dos primeiros estudos sobre movimentos sociais nos EUA. A Escola de Chicago, apesar de ter gerado uma tipologia de movimentos a partir dos estudos de Blumer não se notabilizou propriamente por esta contribuição, sendo baixa sua repercussão referente à Teoria dos Movimentos Sociais. A maior contribuição se deu propriamente em relação aos avanços metodológicos. Ao se permitir experimentar novas técnicas e instrumentos de pesquisas, a Escola de Chicago a inovou e abriu caminho para pesquisas com maior interação entre o pesquisado e o pesquisador. Dessa forma, o foco central nesta perspectiva estava na ação dos sujeitos, não como um reflexo de processos gerais impostos aos indivíduos, mas na força reflexiva que os atores possuem, a partir do cotidiano, das experiências, dos esforços de interpretação realizados, das estratégias de justificação e significação, de questionamento e da luta pela modificação de determinada situação (SCHUTZ, 2012). O outro ponto trabalhado nesta aula apresentou a teoria de Mobilização de Recursos que logrou grande êxito nas análises de movimentos sociais nos EUA a partir da década de 1960 até o final da década de 1980. Como vimos, são inúmeras as críticas a essa vertente, principalmente ao seu caráter economista, que coloca os movimentos numa contínua competição e procura pela maximização de seus objetivos. Contudo, o lado positivo desta abordagem foi permitir um olhar mais profundo para as próprias organizações e não nas causas externas que explicariam o seu surgimento. Ao olhar para dentro das organizações, a mobilização de recursos ajudou a compreender as dificuldades existentes no processo de mobilização de ações coletivas, bem como a indicar 7 os limites existentes para a ação dos movimentos, tornando esses atores reais, com seus dilemas e dificuldades cotidianas. REFERÊNCIAS ALONSO, A. As Teorias dos Movimentos Sociais: um balanço do debate. São Paulo: Lua Nova, 2009. CHAZEL, F. Movimentos Sociais. In: BOUDON, R. (ORG.) Tratado de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. FLACKS, D. A questão da relevância nos estudos dos movimentos sociais. Revista Crítica de Ciências Sociais. Lisboa: Revista Crítica de Ciências Sociais, n°72, 2005 GUSSO, R. J. Movimentos sociais no Brasil contemporâneo: O Fórum Nacional de Reforma Urbana. Dissertação (Mestrado em Sociologia-Política). Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Orientadora: Lígia Helena Hahn Lüchmann. Florianópolis: UFSC, 2012. 349 p. LENIN. V. I. Que Fazer? Problemas candentes do nosso movimento. São Paulo: Expressão Popular, 2010 McADAM, Doug. Political Process and the development black insurgency (1930-1970). Chicago and London: The University of Chicago Press, 1999, 2o Edition. MÜLLER, C.B. Teoria dos Movimentos Sociais. Curitiba: InterSaberes, 2013 OLSON, M. A lógica da Ação Coletiva. São Paulo: EDUSP, 2011 SCHUTZ, A. Sobre fenomenologia e relações sociais. Petrópolis: Vozes, 2012 TARROW. S. O Poder em Movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009.
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