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20 O sistema excretor e a osmorregulação A P R E S E N T A Ç Ã O O sistema excretor inclui os rins e seus ductos que, juntamente com a pele, as brânquias, os pulmões e as estruturas responsáveis pela excreção ou absorção de sal, mantêm o equilíbrio interno do corpo ao eliminar os resíduos nitrogenados do metabolismo e ajudar a regular os equilíbrios dos sais e da água no corpo. A estrutura e evolução do sistema excretor devem ser consideradas sob o contexto dos ambientes onde os vertebrados vivem e de seu nível metabólico. P O N T O S P R I N C I P A I S Os túbulos renais Estrutura e função do túbulo renal A evolução do túbulo renal O desenvolvimento e a evolução do rim O holonefro O pronefro O mesonefro O opistonefro O metanefro A bexiga urinária e a cloaca Excreção e osmorregulação Excreção de nitrogênio O ambiente onde viviam os primeiros craniados Os peixes de água doce Os teleósteos de água salgada Os condrictes Da água para a terra: peixes pulmonados e anfíbios Adaptações para vida terrestre: répteis Metabolismo alto e endotermia: aves e mamíferos Canalização de desenvolvimento, evolução convergente e reversa, e inovação evolutiva A composição do líquido intersticial que banha as célu-las dos vertebrados deve ser mantida dentro de limites específicos. Esses limites podem ser alterados por subpro- dutos do metabolismo que são difundidos no fluido in- testicial, como dióxido de carbono, água e resíduos nitro- genados, além de outras substâncias resultantes de outros processos metabólicos, como ácidos orgânicos, fosfatos, íons de sulfato, entre outros. O líquido intersticial pode ganhar ou perder água ou sais dependendo do ambien- te no qual determinada espécie habita: água doce, água salgada ou terra. Apesar desses fatores desestabilizantes, a composição do líquido intersticial é mantida relativamen- te constante por meio de trocas entre ele e o sangue; a composição do sangue, por sua vez, é mantida por trocas cuidadosamente controladas entre o animal e o meio no qual vive. As trocas metabólicas ocorrem por meio de di- versos órgãos, incluindo a pele, o fígado, as brânquias, os pulmões, os rins e estruturas especiais que eliminam ou absorvem sal. O fígado elimina pigmentos da bile e o siste- ma respiratório, às vezes auxiliado pela pele, remove o dió- xido de carbono. Neste capítulo, examinaremos os rins e os outros órgãos que têm a função de remover os resíduos nitrogenados e outros resíduos metabólicos, mantendo, ao mesmo tempo, os equilíbrios de água e de sais no corpo. A remoção de resíduos metabólicos é chamada excreção; este processo não deve ser confundido com a defecação, que é a remoção dos resíduos não digeridos e das bactérias do trato digestivo. Apenas os pigmentos da bile presentes nas fezes são subprodutos do metabolismo celular. Morfologicamente, os rins e seus ductos estão intima- mente associados ao sistema reprodutor. Os rins e as gôna- das desenvolvem-se a partir de tecidos adjacentes e, após o desenvolvimento dos ductos excretor e urinário, o sistema reprodutor geralmente se associa a seus derivados. Esses 634 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva dois sistemas são geralmente analisados juntos, como o sistema urogenital, mas primeiro examinaremos o siste- ma excretor, para então relacioná-lo ao sistema reprodutor no próximo capítulo. Os túbulos renais Estrutura e função do túbulo renal Os rins dos vertebrados são de origem mesodérmica. Eles se desenvolvem a partir do par de cristas néfricas embrionárias (do grego, nephros = rim) ou a partir dos mesômeros, localizados entre os somitos (epímeros) e a placa lateral (hipômeros; figuras 4-16 e 20-1), e se es- tendem por todo o comprimento do celoma. Em grupos mais basais de vertebrados, a segmentação dos somitos se estende para as cristas néfricas, e as divide em uma série de nefrótomos segmentados (do grego, tome = corte), cada um dos quais se diferencia em um néfron, ou túbulo renal (do latim, renes = rins). A segmentação pode ser limitada à porção anterior das cristas néfricas. Os túbulos renais são as unidades estruturais e funcionais dos rins. A extremidade proximal de um túbulo típico forma uma cápsula de duas camadas de epitélio escamoso simples que é conhecida como cápsula de Bowman, ou cápsula renal (Figura 20-2A). A cápsula envolve uma rede de capilares que forma um glomérulo (do latim, glomus = bola), e cada glomérulo recebe uma arteríola aferente da artéria renal e é drenado por uma arteríola eferente. Juntos, a cápsula renal e o glomérulo formam o corpúsculo renal. O restante de cada túbulo é composto por um epitélio simples, mas a natureza das células epiteliais, o compri- mento e o padrão do néfron variam consideravelmente entre os vertebrados, variação esta que é totalmente rela- cionada aos problemas de excreção e de osmorregulação que cada grupo enfrenta. Muitas vezes, especialmente nos amniotas, um pescoço curto com células ciliadas liga o corpúsculo renal a um túbulo proximal espesso formado por células secretoras ou absortivas. Um fino túbulo in- termediário, que varia em comprimento e, às vezes, con- tém células ciliadas, pode estar presente entre os túbulos distais e proximais. Nos amniotas e em alguns anaminio- tas, os túbulos coletores recebem diversos túbulos renais e, por sua vez, entram no ducto excretor. Os corpúsculos renais são mecanismos responsáveis pela filtração do plasma sanguíneo e levam o filtrado para o túbulo renal. Dois mecanismos são responsáveis pela filtração do sangue nos corpúsculos renais. No pri- meiro, a diferença no diâmetro entre as arteríolas aferente e eferente, com a contração dessa última sob determina- das condições, aumenta a pressão hidrostática do sangue que passa nos capilares dos glomérulos (Figura 20-2A). Esse aumento na pressão hidrostática leva a um aumento da pressão de filtração, representada pela diferença entre as pressões hidrostática e osmótica coloidal do sangue. O segundo mecanismo está relacionado à curta distância de difusão, já que as paredes dos capilares da cápsula re- nal são excepcionalmente finas. Análises dos corpúsculos renais dos mamíferos sob microscopia eletrônica (outros FIGURA 20-1 O desenvolvimento embrionário dos néfrons. A. Embrião amniota em visão lateral, mostrando a diferenciação sequencial (da parte anterior para a posterior) dos néfrons ao longo da crista néfrica. A crista néfrica encontra-se entre os somitos e a placa lateral mesodérmica. B. Diagrama da crista néfrica e das estruturas adjacentes. Fontes: A, baseado em Pough, Heiser, e McFarland (1996); B, baseado em Williams et al. Somito Nefrótomo Túbulos pronéfricos Ducto arquinéfrico derivado dos túbulos pronéfricos Ducto arquinéfrico estendendo-se por proliferação Crista néfricaPronefro Mesonefro Metanefro Néfron Somito Tubo Neural Ducto arquinéfrico Notocorda Aorta dorsal Glomérulo Crista néfrica Endoderme Placa lateral Tubo neural Ectoderme A. Diferenciação sequencial dos néfrons em um embrião B. Crista néfrica Placa lateral Celoma O sistema excretor e osmorregulação 635 vertebrados não foram estudados) mostraram que as cé- lulas endoteliais que formam as paredes dos capilares são perfuradas por pequenas fendas, isto é, são fenestradas (figuras 20-2B-C). As células epiteliais que formam a parede da cápsula renal são chamadas podócitos. Essas células não se encontram firmemente presas à lâmina ba- sal que as separa das células endoteliais capilares, mas fi- cam ligadas apenas por pedicelos, organizados de forma a deixar espaços entre eles chamados fendas de filtração. Uma organização semelhante é observada nos “solenóci- tos” dos anfioxos (Capítulo 2). As cavidades dos capilares glomerulares e da cápsula renal são separadas, em muitas partes, apenas pela lâmina basal ultrafina das células epi- teliais. Essa lâmina é composta por fibras de colágeno e uma delicada rede de glicoproteínas que acreditamos ser secretada tanto pelascélulas epiteliais quanto pelos podó- citos. Durante a filtração, a maior parte das grandes pro- teínas plasmáticas é retida, mas as moléculas menores não são selecionadas e permanecem, portanto, presentes em mesma concentração tanto no filtrado quanto no sangue. O filtrado contém resíduos nitrogenados e outros ma- teriais que devem ser eliminados, mas também contém materiais que devem ser armazenados, como a glicose, os aminoácidos e outras moléculas. O tipo de ambiente em que o animal vive determina a necessidade de conserva- ção e eliminação de água ou sal Os túbulos renais e os túbulos coletores são cercados por capilares peritubulares; o sangue entra nestes capi- lares de diferentes maneiras nos diversos grupos de ver- tebrados (Figura 20-3). Nos peixes condrictes, répteis e aves, os capilares peritubulares recebem sangue tanto da arteríola renal eferente, quanto da veia renal aferente que saem, respectivamente, dos glomérulos e da veia porta- -renal (Figura 20-3A). Nos peixes osteíctes e nos anfíbios, os capilares peritubulares recebem o sangue apenas da veia porta-renal, porque a arteríola renal eferente entra dire- tamente na veia renal (Figura 20-3B). O sistema porta- -renal foi perdido nos mamíferos e, por isso, os capilares peritubulares recebem sangue apenas das arteríolas renais eferentes (Figura 20-3C). Em todos os casos, o sangue que sai dos capilares peritubulares é drenado pelas veias renais, e conforme o filtrado passa pelos túbulos, as subs- tâncias que devem ser mantidas no organismo são reab- sorvidas seletivamente e retornam aos capilares ao redor dos túbulos. A reabsorção de alguns produtos é ativa e requer um gasto energético das células tubulares, mas ou- FIGURA 20-2 A estrutura básica do néfron dos vertebrados. A. As partes do néfron de um anfíbio. B. Ilustração baseada em uma micrografia eletrônica da região de interface entre uma cápsula renal e dois capilares adjacentes. C. Região da interface ampliada. A lâmina basal (azul ) não é mostrada na Figura 20-2A por causa de seu pequeno tamanho. Fontes: A, baseado em Walker e Homberger; B-C, baseado em Kessel e Kardon (1979). Núcleo do podócito Fendas de filtração Lúmen da cápsula renal Lúmen da cápsula renal Lâmina basal Pedicelos dos podócitos Pedicelos dos podócitos Lâmina basal Fendas de filtração Arteríola eferenteArteríola aferente Glomérulo Cápsula renal Túbulo distal Corpúsculo renal Túbulo coletor Ducto excretor (ducto arquinéfrico) Túbulo intermediário Túbulo proximal Pescoço Lúmen da cápsula renal A. Partes de um néfron B. Interface entre o capilar glomerular e a cápsula renal C. Ampliação da interface Glóbulo vermelho no lúmen capilar Endotélio do capilar glomerular Direção da filtração Direção de filtração Direção de filtração Fenestrações no endotélio Lúmen do capilar Lúmen do capilar 636 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva tras substâncias são reabsorvidas por difusão passiva. Em algumas espécies, a quantidade de resíduos nos filtrados é aumentada pela secreção seletiva realizada pelas células tubulares. Os resíduos são concentrados à medida que o filtrado passa pelos túbulos, e depois são eliminados na forma de urina. A evolução do túbulo renal A maioria dos vertebrados possui túbulos renais como o descrito anteriormente, que não se conectam ao celoma e nos quais os glomérulos são cercados por cápsulas renais, conhecidas como glomérulos internos (Figura 20-4D). Os primeiros poucos túbulos a se desenvolverem na extre- midade anterior das cristas néfricas dos amocetes e em al- gumas larvas de anfíbios abrem-se em recessos celômicos por meio de um nefróstomo ciliado, com os glomérulos, chamados glomérulos externos (Figura 20-4B), proje- tando-se para dentro desses recessos. Em larvas de verte- brados nas quais os glomérulos externos estão presentes, o filtrado é despejado nos recessos celômicos e arrastado por ação ciliar para dentro dos nefróstomos. Os gloméru- los são internos nos vertebrados adultos, mas nos elasmo- brânquios adultos, actinopterígios primitivos e muitos anfíbios, muitos dos túbulos apresentam nefróstomos e a cápsula renal conecta-se ao celoma por meio de um funil celômico estreito (Figura 20-4C). Os outros vertebrados adultos não possuem nefróstomos. Essa variação nos tipos de néfrons e em seu padrão de distribuição sugere um cenário evolutivo no qual o sis- tema excretor encontrado em espécies mais antigas de craniados provavelmente possuía um glomérulo externo e nefróstomos. A superfície vascular de filtração passou a ser recoberta por podócitos, que permitiam a saída de muitas moléculas pequenas, incluindo moléculas de água, para o celoma. O filtrado resultante era levado, através de conexões celômicas (os nefróstomos), para dentro de túbulos, onde ocorria a reabsorção seletiva e a urina era finalmente formada. Acreditava-se que esse tipo de órgão excretor era exclusivo dos craniados, mas agora se sabe que ele é comum entre os invertebrados, incluindo os uro- cordados e os cefalocordados (e, especialmente, em suas larvas; Rupert, 1994). A maior eficiência desse mecanis- mo se deu à medida que o recesso celômico, para o qual cada glomérulo descarregava, foi incorporado ao túbulo, desenvolvendo-se ao redor do glomérulo como uma cáp- sula renal. O glomérulo se internalizou e os nefróstomos foram perdidos durante eventos evolutivos subsequentes, resultando de túbulo renal típico da maioria dos vertebra- dos atuais. O desenvolvimento e a evolução do rim O holonefro Assim como os somitos e muitas outras estruturas em- brionárias, os néfrons se diferenciam, durante o desenvol- vimento embrionário, de maneira sequencial ao longo da maior parte da crista néfrica, no sentido antero-posterior. Nem todos os néfrons tornam-se funcionais na maioria dos vertebrados (Figura 20-1A). A análise da variação anatômica dos túbulos que, de fato, tornam-se funcio- nais nas larvas dos vertebrados e nos vertebrados adultos mostra que, em espécies mais basais de vertebrados, os túbulos segmentais (que eram todos funcionais) se desen- volviam a partir de toda a crista néfrica e drenavam para um ducto arquinéfrico. Esse tipo ancestral hipotético de Veia renal aferente Arteríola renal eferente Veia cava caudal Veia renal eferente Vênula renal eferente Arteríola renal aferente Arteríola renal eferente Veia renal eferente Veia porta-renal Túbulo renal Veia cardinal posterior Artéria renal A. Condrictes e répteis (incluindo as aves) B. Peixes osteíctes e lissanfíbios Arteríola renal eferente Veia renal Vênula renal C. Mamíferos Capilares peritubularesCapilares peritubulares Túbulo renal Veia porta-renal FIGURA 20-3 O suprimento sanguíneo dos néfrons em diversos vertebrados. A. Condrictes, répteis e aves. B. Peixes osteíctes e lissanfíbios. C. Mamíferos. Fonte: Walker e Homberger. O sistema excretor e osmorregulação 637 rim é chamado arquinefro ou holonefro (Figura 20-5A). As larvas de mixinas e as cecílias possuem rins que se as- semelham ao tipo holonefro, com os túbulos segmentais desenvolvendo-se a partir de toda a crista néfrica, apesar de nem todos serem funcionais ao mesmo tempo. O pronefro Em todos os embriões dos vertebrados, a formação dos rins tem início com a diferenciação de alguns túbulos re- nais a partir da extremidade anterior da crista néfrica, que recobre a cavidade pericárdica. As extremidades distais desses túbulos unem-se para formar um ducto arquinéfri- co que cresce rapidamente caudal à cloaca. Esse rim em- brionário que se forma durante fases iniciais do desenvol- vimento é chamado pronefro (figuras 20-1A e 20-6A). Doze ou mais túbulos pronéfricos se formam em alguns anamniotas, mas a maioria das espécies possui apenas quatro ou cinco e, mesmo assim, alguns ainda regridem. Nos amniotas, somente um a três túbulos pronéfricos se desenvolvem. Nos anamniotas, os túbulos pronéfricossão segmentais e geralmente conectam-se ao celoma por meio de funis celômicos. Muitos desses túbulos formam um rim pronéfrico funcional nos embriões e nas larvas das mixinas e das lampreias, em muitos peixes ósseos e nos anfíbios. No entanto, o pronefro não é funcional nos embriões dos peixes condrictes e de amniotas; nesses animais, seu úni- co papel é iniciar a formação do ducto arquinéfrico. As mixinas adultas e alguns teleósteos mantêm o pronefro, mas ainda não se sabe o quanto essa estrutura é funcional. O pronefro também é chamado rim cefálico, pois está localizado anteriormente, sobre a cavidade pericárdica, e Notocorda Somito Aorta Veia subcardinal Epiderme Recesso celômico Mesentério dorsal Celoma Camada somática da placa lateral Tubo digestivo primitivo Camada visceral da placa lateral Artéria renal Glomérulo externo Nefróstomo ciliado Celoma Recesso celômico Mesentério dorsal Crista genital Aorta Glomérulo interno Cápsula renal Nefróstomo ciliado Celoma Glomérulo interno Corpúsculo renal Túbulo renal Ducto arquinéfrico Néfron Celoma Ducto arquinéfrico A. Embrião de vertebrado, em corte transversal B. Larvas de amocete e de lissanfíbios C. Elasmobrânquios e alguns actinopterígios D. A maioria dos outros vertebrados Veia renal FIGURA 20-4 A. Embrião de um vertebrado primitivo, visto em corte transversal, mostrando o recesso celômico que contribui para a formação da cápsula renal. B-D. Provável sequência da evolução dos mecanismos de desenvolvimento da cápsula renal. B. Glomérulos externos, como os presentes na larva amocete da lampreia e em algumas larvas de lissanfíbios. C. Glomérulos internos, como os encontrados nos elasmobrânquios e em alguns actinopterígios, mantêm a conexão com o celoma. D. Glomérulos internos da maioria dos outros vertebrados. Fonte: Walker e Homberger. 638 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva é separado do rim funcional, localizado caudalmente, por um espaço na crista néfrica (Figura 20-5B). O pronefro foi perdido nos adultos de outros vertebrados. O mesonefro Em alguns segmentos do corpo caudais aos pronefros não ocorre diferenciação de túbulos renais. Assim, em todos os vertebrados observa-se a presença de um espaço entre o pronefro e os túbulos renais mais caudais. À medida que o pronefro regride, o ducto arquinéfrico induz a diferencia- ção sequencial dos túbulos nas partes mais caudais da cris- ta néfrica; esses túbulos se associam ao ducto arquinéfrico e tornam-se funcionais (Figura 20-6B). No início do de- senvolvimento, os novos túbulos são segmentais, e aqueles dos anamniotas mantêm os funis celômicos. Conforme o desenvolvimento continua, túbulos adicionais geralmen- te crescem da base de cada túbulo primário, e a natureza segmentar do rim torna-se obscura. Os túbulos secundá- rios e terciários não possuem funis celômicos. Aqueles que possuem uma origem comum unem-se para formar um ducto coletor antes de entrar no ducto arquinéfrico. Os túbulos que se diferenciam na parte central da cris- ta néfrica formam um rim chamado mesonefro (figu- ras 20-1A e 20-6B). Esse rim é funcional nos embriões e nas larvas de todos os vertebrados, mas seu grau de atividade nos mamíferos é inversamente proporcional à quantidade de excreção que ocorre por meio da placenta. Os túbulos mesonéfricos são diferentes dos túbulos que se desenvolvem em partes adjacentes da crista néfrica nos embriões dos amniotas. Os túbulos mesonéfricos craniais formam uma conexão com a gônada em desenvolvimen- to na maioria dos grupos de vertebrados, com exceção dos teleósteos. O opistonefro Nos embriões dos amniotas, há um espaço entre o meso- nefro e os túbulos que se diferenciam caudalmente à crista néfrica, o que facilita a distinção do mesonefro (Figura 20-6B). Nos anamniotas, por outro lado, os túbulos re- nais se diferenciam por toda a crista néfrica, sem inter- rupção. Os novos túbulos se tornam funcionais assim que eles se associam ao ducto arquinéfrico. As mixinas adultas possuem túbulos renais segmentais e funcionais com funis celômicos ao longo da maior parte da crista néfrica (Fi- gura 20-4B). A estrutura desse rim nas mixinas adultas assemelha-se ao holonefro hipotético dos primeiros ver- tebrados, exceto pela especialização da região pronéfrica e pelo espaço na sequência dos túbulos caudal ao pronefro. Pelo fato de esse rim incluir o mesonefro embrionário e também os túbulos que se desenvolvem na parte caudal da crista néfrica, ele é chamado opistonefro (do grego, opis- then = atrás, no fundo). Mais especificamente, é chamado opistonefro primitivo por causa da natureza primitiva e segmentar de seus túbulos (Figura 20-5B). A. Holonefro teórico B. Opistonefro primitivo C. Opistonefro avançado D. Metanefro Néfrons segmentais Ducto arquinéfrico Papila urináriaCavidade pleuroperitoneal Cavidade pericárdica Néfrons segmentaisRim cefálico Cavidade pericárdica Túbulos renais utilizados no transporte de espermatozoides Néfrons segmentais Ducto arquinéfrico Multiplicação dos néfrons Ducto urinário acessório Papila urináriaCloacaTestículo Remanescente do rim utilizado no transporte de esperma Cavidade pericárdica Testículo Ducto arquinéfrico = ducto espermático Metanefro Ureter Cloaca Cavidade pleuroperitoneal Cavidade pleuroperitoneal Cavidade pericárdica FIGURA 20-5 Diagramas de craniados adultos, mostrando evolução do rim e dos ductos associados, em vista lateral. A. Holonefro teórico. B. Opistonefro primitivo como o de uma mixina. C. Opistonefro avançado característico da maioria dos peixes e dos anfíbios. D. Metanefro dos amniotas. O sistema excretor e osmorregulação 639 Outros peixes e anfíbios possuem um rim do tipo opis- tonefro avançado (Figura 20-5C): os túbulos renais se multiplicam, especialmente na porção caudal do rim, de modo a não ficarem mais dispostos segmentalmente e, como consequência, a parte caudal do rim tem geralmente maior tamanho, e a maior parte da produção urina ocor- re nessa região. A parte cranial do órgão, que deriva do mesonefro embrionário, é delgada nos peixes condrictes e nos urodelos, produz pouca ou nenhuma urina, e recebe os espermatozoides nos machos. Os rins opistonéfricos dos teleósteos são extremamente variáveis: alguns são lon- gos e delgados, e os dois rins são parcialmente unidos; ou- tros são divididos em partes anterior e posterior, mais ou menos separadas; e outros ainda são compactos e curtos, confinados à parte caudal do tronco. Os anuros possuem troncos curtos e seus rins também são órgãos compactos e curtos. Um ou mais ductos urinários acessórios po- dem brotar do ducto arquinéfrico nos elasmobrânquios e nos urodelos e entrar na região urinária mais espessa dos opistonefros (Figura 20-5C). Conforme os ductos uri- nários acessórios se desenvolvem, eles podem se separar completamente do ducto arquinéfrico e entrar na cloaca de maneira independente. É mais provável a presença dos ductos urinários acessórios nos machos do que nas fême- as. Quando presentes, boa parte da urina é transportada por eles, e o ducto arquinéfrico fica com a função de trans- portar principalmente os espermatozoides. O metanefro Embora o mesonefro embrionário contribua com o opis- tonefro adulto na maioria dos anamniotas, nos amniotas ele é um rim de transição e é funcional apenas na fase embrionária (Figura 20-6B). Em um período posterior do desenvolvimento dos amniotas, um broto uretérico estende-se da extremidade caudal do ducto arquinéfrico, cresce para dentro da extremidade caudal da crista néfrica e sofre extensa ramificação (Figura 20-7). O broto ureté- rico em processo de ramificação induz a diferenciação de muitos túbulos renais, que se associam a ele. O próprio broto uretérico forma túbulos coletores e o ureter que drena o rim adulto. Esse tipo de rim, chamado metane- fro, ocorre em todos os amniotas adultos (figuras 20-5d e 20-6C) e é homólogo à porção posteriordo opistonefro. Um metanefro é sempre drenado exclusivamente pelo ure- ter que, nos répteis e nas aves, separa-se do ducto arqui- néfrico e entra na cloaca de maneira independente. Nos mamíferos térios, o ureter desemboca na bexiga urinária. O ureter desenvolve-se da mesma forma que um ducto urinário acessório e é homólogo a ele. À medida que o metanefro e o ureter se desenvolvem e se tornam funcio- nais, o mesonefro e o ducto arquinéfrico dos amniotas re- gridem, exceto pelas partes que, nos machos, estão ligadas aos testículos. Os túbulos mesonéfricos craniais e o ducto arquinéfrico tornam-se parte do sistema de ductos que transportam os espermatozoides (Capítulo 21). Os rins se desenvolvem dorsalmente ao celoma, mas se projetam para dentro dele à medida que os túbulos se multiplicam durante o desenvolvimento. As superfícies dorsais dos rins se apoiam nos músculos das costas e não são envolvidas pelo epitélio celômico. Essa posição é des- crita como retroperitoneal (do latim, retro = para trás). Embora os rins metanéfricos se desenvolvam a partir da parte caudal de cada crista néfrica, eles migram anterior- mente durante o desenvolvimento e adquirem uma po- sição retroperitoneal e caudal ao fígado. Boa parte dessa migração é resultado do crescimento diferencial das partes do corpo nessa área. Nos mamíferos, os rins são geralmente órgãos com- pactos, em forma de feijão, e tendem a ser subdivididos em muitos lobos nas espécies maiores, incluindo ungu- lados, ursos, focas e cetáceos. As subdivisões encurtam o A. Pronefro no início do desenvolvimento embrionário B. Mesonefro em um estágio intermediário do desenvolvimento embrionário C. Metanefro em um estágio tardio do desenvolvimento embrionário e no adulto Túbulos pronéfricos segmentais Ducto arquinéfrico se estende caudalmente Crista néfrica Cavidade pleuroperitoneal Cloaca Cavidade pericárdica Degeneração do pronefro Desenvolvimento dos túbulos secundários Túbulos segmentais Crista néfrica Arquinéfrico = ducto espermáticoTestículo Remanescente do mesonefro utilizado no transporte de espermatozoide Ducto arquinéfrico = ducto espermático Metanefro Ureter TestículoCavidade pericárdica FIGURA 20-6 Diagramas mostrando a sequência de desenvolvimento dos rins de um amniota, em vista lateral. 640 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva comprimento dos túbulos coletores facilitando, assim, o fluxo da urina. Ao longo da evolução do rim, observa-se uma tendên- cia ao deslocamento e à concentração das funções urinárias para a região posterior da crista néfrica (Figura 20-5). Um rim do tipo holonefro ancestral foi substituído por um do tipo opistonefro, como o rim funcional na maioria dos anamniotas adultos. As funções urinárias são concentradas, frequentemente, na parte caudal do opistonefro, e um ou mais ductos urinários acessórios podem drenar essa região. Um rim do tipo metanefro substitui o opistonefro nos amniotas adultos. Durante o desenvolvimento embrioná- rio dos amniotas também observa-se o deslocamento das funções urinárias para uma região mais posterior (Figura 20-6). Um rim do tipo pronefro, bastante curto e transitó- rio, forma um ducto arquinéfrico. O mesonefro aproveita esse ducto e torna-se o rim funcional nos embriões, mas é substituído nos adultos por um rim do tipo metanefro. A bexiga urinária e a cloaca Em muitos peixes, as extremidades caudais dos ductos ar- quinéfricos ou dos ductos urinários acessórios são um pou- co mais largas. Essas áreas são chamadas bexigas urinárias ou seios urogenitais (Figura 20-8A). Em algumas espé- cies, as extremidades caudais dos ductos esquerdo e direito estão associadas de modo que as bexigas fiquem parcial- mente unidas. No entanto, essas estruturas são pequenas, e sua importância funcional ainda é desconhecida. Nos peixes de água doce observa-se a liberação contínua da urina. Nos elasmobrânquios, os ductos e o seio abrem-se na cloaca em uma região dorsal e caudal à abertura do trato digestivo. Em muitas espécies de peixes, a cloaca é parcialmente di- vidida por dobras em suas paredes laterais, formando uma região dorsal, o urodeu, que recebe os produtos urinários e genitais, e uma reigão ventral, o coprodeu (do grego, kopros = excremento + hodaion = caminho), que recebe as fezes. Os anfíbios possuem grandes bexigas urinárias, muitas vezes bilobadas, que se desenvolvem como uma evagina- ção da parte medioventral da cloaca para a cavidade do corpo (Figura 20-8B). O epitélio da bexiga urinária é de origem endodérmica, mas a musculatura e a vasculariza- ção da parede são derivadas da mesoderme. O epitélio é do tipo transicional, permitindo mudanças no revestimen- to de estruturas que se contraem e se expandem; o epité- lio transicional é composto por duas camadas de células conectadas à membrana basal e por uma terceira camada encaixada entre as células da câmara basal. As formas das células e sua distribuição deixam esse epitélio com uma aparência estratificada quando a bexiga está vazia, mas quando a bexiga fica completamente distendida as célu- las se espalham, resultando em duas camadas de células achatadas: uma camada basal de células triangulares, que se alternam em triângulos invertidos, e uma camada de células mais achatadas encravadas entre as células basais. Os ductos arquinéfricos se abrem na parte dorsal da cloaca e a urina flui para a bexiga pela gravidade e pela contração da parede cloacal. A eliminação da urina não é contínua nos animais terrestres. Nos anfíbios, há um acúmulo tem- porário da urina na bexiga urinária, e nesse período pode ocorrer a reabsorção de uma pequena quantidade de água. Uma evaginação cloacal homóloga desenvolve-se nos embriões dos amniotas e se expande para além dos limites do corpo do embrião, estendendo-se para o celoma extra- embrionário (Figura 20-8C). Essa expansão é a alantoide que, juntamente com o córion embrionário, forma um im- portante órgão embrionário relacionado com a excreção e respiração (Capítulo 4). Na eclosão, ou no nascimento, a parte extraembrionária da alantoide e as outras membra- nas extraembrionárias são perdidas, e, em muitas espécies, a parte da alantoide localizada dentro do corpo do animal se torna a bexiga urinária e seu ducto, a uretra. Alguns sapos, poucos teleósteos, a maioria das tartarugas, e Sphe- nodon e os demais lagartos possuem bexigas urinárias que, Mesonefro Ducto arquinéfrico Extremidade caudal da crista néfrica Broto uretérico Cloaca Metanefro Ducto arquinéfrico = ducto espermático Cloaca Ureter Desenvolvimento dos túbulos coletores Os néfrons se conectam aos túbulos coletores A. Estágio inicial B. Estágio avançado FIGURA 20-7 Diagramas, em vista lateral, mostrando como um broto uretérico induz a formação de néfrons na região metanéfrica da crista néfrica. O sistema excretor e osmorregulação 641 além de armazenar temporariamente a urina, são um local para reabsorção de água. Certas tartarugas aquáticas po- dem bombear água para dentro e para fora da bexiga pela cloaca e utilizar essa água para as trocas gasosas. De fato, algumas espécies de tartarugas possuem bexigas uriná- rias acessórias pares que evaginam da cloaca para esse propósito (Figura 17-8). A bexiga urinária foi perdida nos adultos de outros répteis e da maioria das aves, que excretam resíduos nitrogenados na forma de uma pasta se- missólida. A urina dos mamíferos também é armazenada temporariamente na bexiga urinária, mas nesses animais a água não é reabsorvida. Os ureteres da maioria dos répteis, aves e monotrema- dos continuam a se abrir na região dorso-lateral da cloaca e a urina deve atravessar a cloaca para entrar na bexiga das espécies que a possuem. Nos marsupiais e nos mamífe- ros eutérios, a divisão da cloaca (Capítulo 21) separa os produtos urinários, reprodutores e os resíduos alimentares não digeridos. Os ureteres desembocam na bexiga, que é drenada pela uretra; esta, porsua vez, abre-se para o meio ou leva ao canal urogenital (Figura 20-8D). Excreção e osmorregulação Excreção de nitrogênio Embora alguns resíduos nitrogenados derivem do me- tabolismo dos ácidos nucleicos, a maioria é derivada do processo de desaminação dos aminoácidos, que ocorre, principalmente, no fígado. Cada grupo amina removido (NH2) se junta a mais um íon de hidrogênio e se trans- forma em uma molécula de amônia (NH3; Figura 20-9). A amônia é tóxica e deve, portanto, ser removida rapi- damente dos tecidos e do corpo ou convertida em uma substância menos tóxica. Como a amônia é muito solúvel A. Cação C. Tartaruga B. Salamandra D. Mamífero eutério Opistonefro Ducto arquinéfrico = vesícula seminal Ducto urinário acessório Saco de esperma Seio urogenital Glândula digitiforme Intestino Coprodeu Urodeu Cloaca Intestino Alantoide Bexiga Uretra Pênis Cloaca Ducto arquinéfrico = ducto espermático Metanefro Opistonefro Intestino Bexiga urinária Cloaca Ducto arquinéfrico Ureter Intestino Bexiga Alantoide UretraPênis Testículos no escroto Ânus Ducto arquinéfrico = ducto espermático Ureter FIGURA 20-8 Diagramas da região cloacal de vertebrados machos, em vista lateral, apresentando a relação entre as terminações do intestino, ductos urinários e estruturas associadas. A divisão da cloaca nos mamíferos eutérios de modo a manter as aberturas do intestino e dos ductos urinários para a superfície será considerada no próximo capítulo. A. Cação. B. Salamandra. C. Tartaruga. D. Mamífero eutério. N H H H O C NH2 NH2 O C NH C O C NH NH C O C NH A. Amônia B. Ureia C. Ácido úrico FIGURA 20-9 Fórmulas estruturais dos três tipos mais comuns de excretas nitrogenadas. 642 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva em água, ela pode ser eliminada dos tecidos com um fluxo de água entrando e saindo rapidamente do corpo; esse processo ocorre nos teleósteos de água doce. A amônia pode ser convertida em outros materiais, caso certas enzi- mas estejam disponíveis. A ureia, que contém dois grupos amina, é bem menos tóxica que a amônia e não precisa ser removida tão rapidamente. Por outro lado, um número maior de grupos amina pode ser combinado para formar uma molécula maior de ácido úrico, que é bem menos so- lúvel em água e, por isso, precipita-se da solução na forma de cristais minúsculos. Além disso, é quimicamente inerte e não é tóxica. O ácido úrico pode ser armazenado nos tecidos, mas é eliminado, nos vertebrados adultos, como uma massa pastosa que precisa de pouca ou de nenhuma água para ser transportada. Ainda podem estar presentes, em pequenas quantidades, outras formas de resíduos ni- trogenados, mas a amônia, a ureia e o ácido úrico são os principais tipos de resíduos. Como os diferentes tipos de resíduos requerem diferentes quantidades de água para sua eliminação, o tipo de resíduo produzido por um verte- brado está intimamente relacionado à disponibilidade de água no habitat em que cada espécie vive e, consequente- mente, ao problema da osmorregulação. O ambiente onde viviam os primeiros craniados Como a excreção e a osmorregulação estão relacionadas, a estrutura dos túbulos renais de espécies atuais de gru- pos de craniados filogeneticamente mais antigos pode ajudar a compreender as características do ambiente no qual viviam os craniados ancestrais e as circunstâncias que influenciaram a evolução dos túbulos renais. Se os cra- niados se originaram a partir de algum grupo primitivo de cordados (os tunicados ou os cefalocordados), como acreditamos, seus ancestrais remotos devem ter se asseme- lhado aos cordados primitivos também no fato de serem marinhos. Cordados marinhos mais antigos, assim como outros invertebrados marinhos, possuem uma concentra- ção de sais no corpo que é semelhante ao da água salgada em que vivem e apresentam, consequentemente, a mesma pressão osmótica que a da água do mar; assim, diz-se que esses animais são isosmóticos em relação ao ambiente. É possível que os primeiros craniados também tenham sido marinhos. Essa hipótese tem como base as mixinas atuais que (1) parecem ser mais primitivas que todos os vertebrados vivos conhecidos; (2) são animais marinhos; e (3) possuem fluidos quase isosmóticos à água do mar. (A mixina é o único craniado que possui um conteúdo de sal inorgânico no plasma equivalente ao da água do mar; Tabela 20-1). Esses animais diferem dos cordados primitivos e assemelham-se a muitos vertebrados por apresentarem túbulos renais com corpúsculos renais ex- cepcionalmente grandes que filtram do sangue uma gran- de quantidade de água (Figura 20-10). A água filtrada não precisa ser reabsorvida, porque ela retorna facilmente ao corpo em função da condição isomórtica. O motivo pelo qual um animal isosmótico elimina grandes quanti- dades de água pelos rins quando a água entra facilmente por difusão pelas brânquias não está inteiramente claro. Os rins, entretanto, auxiliam as brânquias na eliminação de amônia. Evidências paleontológicas limitadas também indicam que os vertebrados mais antigos podem ter sido marinhos. A presença ou ausência de certos tipos de inver- tebrados em um depósito fóssil pode, geralmente, deter- minar se o depósito foi formado em ambientes marinhos Tabela 20-1 Concentração osmótica de sais inorgânicos e de ureia no plasma* Habitat Concentração osmótica (mOsm/L) Ureia (mOsm/L) Água do mar Mixina (Myxine) Lampreia (Petromyzon) Cação (Squalus) Raia de água doce (Potamotrygon) Peixinho-dourado (Carassius) Peixe-sapo (Opsanus) Enguia (Anguilla) Enguia (Anguilla) Celacanto (Latimeria) Sapo (Rana) Marinho Marinho Marinho Água doce Água doce Marinho Marinho Água doce Marinho Água doce ≈ 1000 1152 317 1000 308 259 392 371 323 1181 200 9 354 1+ 355 1+ * A quantidade de ureia presente na concentração osmótica é mostrada separadamente se esta for igual ou maior a 1 miliosmol por litro, sendo, portanto, considerada osmoticamente significativa. Fonte: Dados de Schmidt-Nielsen (1979). O sistema excretor e osmorregulação 643 ou de água doce. O grupo dos equinodermos, por exem- plo, é um grupo marinho e sempre o foi, desde o início de sua história evolutiva, já que seus fósseis são encontrados apenas em depósitos marinhos. Os fragmentos conheci- dos mais antigos da armadura dos primeiros vertebrados sem mandíbula foram encontrados em depósitos inter- pretados como sendo marinhos ou salobros em virtude da presença indicativa de outros grupos de animais. No entanto, é necessário ter em mente que restos de organis- mos de água doce podem ser carregados pelos rios e serem eventualmente encontrados em depósitos marinhos. Independentemente dos primeiros craniados terem sido animais marinhos ou de água doce, é certo que esses ani- mais se adaptaram ao ambiente de água doce logo no início de sua história evolutiva. Exceto pelos peixes cartilaginosos marinhos e por outras poucas espécies (discutidas adian- te), todos os vertebrados possuem uma concentração de sal inorgânico no plasma que é consideravelmente menor que o da água salgada (Tabela 20-1); os fluidos do corpo são, portanto, hiposmóticos em relação à água do mar. Isso significa que, durante a evolução dos vertebrados, alguns mecanismos fisiológicos foram desenvolvidos de forma a permitir que o animal se tornasse ionicamente independente de seu ambiente, seja este marinho, de água doce ou terrestre. A manutenção da independência iôni- ca (a osmorregulação) requer um gasto de energia consi- derável para eliminar ou conservar água e sais. É pouco provável que a independência iônica e a modificação das enzimas celulares para atuar em concentrações mais baixas de sais que a da água salgada tivessem se desenvolvido em outro cenário evolutivo que não a adaptação para a vida na água doce. Os corpúsculos renais, presentes em quase todos os craniados, são otimizados para remover o excesso de água presente nostecidos de um peixe de água doce. A presença de corpúsculos renais nas mixinas sugere que essas estru- turas possam ter se originado no ambiente marinho como uma forma de garantir a rápida mudança no fluxo de água para a eliminação de amônia. A partir daí, esse mecanis- mo poderia ter permitido a ocupação e diversificação dos craniados mais antigos em ambientes de água doce, nos quais os corpúsculos facilitariam a eliminação de boa parte da água que entraria no corpo por difusão por conta da diferença de concentração. Essa hipótese é suportada por evidências que mostram que a maioria dos craniados sem mandíbula mais antigos e de outros fósseis de peixes primi- tivos são encontrados, predominantemente, em depósitos de água doce (e alguns poucos em depósitos marinhos). Os peixes de água doce Cerca de 90% de resíduos nitrogenados dos peixes de água doce é excretado como amônia e a maior parte do restan- te, como ureia (Tabela 20-2). As brânquias são os órgãos excretores primários, sendo responsáveis pela eliminação por difusão de aproximadamente seis vezes mais nitrogê- nio em relação ao que é eliminiado pelos rins. Estes com- plementam as brânquias na excreção de nitrogênio e são essenciais na osmorregulação, especialmente na remoção de água. Os fluidos do corpo de um peixe de água doce são hiperosmóticos em relação ao meio e, portanto, a água entra no corpo por osmose através de qualquer superfície pela qual a difusão possa ocorrer, como as brânquias, o revestimento do tubo digestivo e, às vezes, a pele. Dessa Mixina Raia Teleósteos marinhos Teleósteos de água doce Anfíbio anuro Tartaruga Galinha Coelho Corpúsculo renal Túbulo convoluto proximal Segmento intermediário Segmento delgado da alça de Henle Túbulo convoluto distal Túbulo coletor FIGURA 20-10 Estrutura do néfron em alguns craniados. Os segmentos delgado e intermediário são ciliados. Fonte: Baseado em Prosser (1973). 644 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva forma, peixes de água doce produzem uma quantidade abundante de urina diluída, que é hiposmótica em relação a seus fluídos do corpo. Os túbulos renais, com seus gran- des corpúsculos renais, são incrivelmente adaptados para a remoção de água, porque produzem um grande volume de filtrado. O túbulo contém dois segmentos ciliados: (1) um segmento delgado localizado imediatamente após a cápsula; e (2) o segmento intermediário (Figura 20-10). Os cílios trabalham como bombas de água para mover o filtrado a uma alta velocidade. Embora um peixe de água doce produza uma quanti- dade abundante de urina diluída que elimina a água e au- xilia na eliminação da amônia, a entrada de água no corpo deve ser limitada de modo que não entre uma quantidade maior de água que aquela que pode ser eliminada (Figu- ra 20-11A). O muco secretado pela pele reduz a entrada de água por osmose pela superfície do corpo. Embora seja inevitável a entrada de certa quantidade de água durante a alimentação, o peixe minimiza sua absorção pelo intestino ao evitar ingerir uma quantidade excessiva de água. Os sais do corpo também são perdidos, nos peixes de água doce, por difusão através das brânquias. Outros sais são eliminados pelo filtrado, mas alguns são ativamente reabsorvidos nas partes distais dos túbulos renais. Os sais perdidos são recuperados pela alimentação e também pela absorção ativa de sais disponíveis na água doce, em um processo realizado por células especiais nas brân- quias chamadas ionócitos. Peixes de água doce, no en- tanto, não conseguem absorver uma quantidade de sais suficiente para manter uma concentração de sais tão alta quanto a presente na água do mar e, portanto, suas cé- lulas devem ser aptas para atuar em níveis de sais mais baixos. Além disso, níveis altos de sais são prejudiciais à vida na água doce. Os teleósteos de água salgada A reocupação do ambiente marinho pelos primeiros ver- tebrados, após sua diversificação e adaptação ao ambiente de água doce, foi acompanhada por uma série de modifi- cações necessárias para manter o equilíbrio osmótico em um ambiente diferente. Se o conteúdo de sal dos fluídos do corpo permanecesse nos mesmos níveis que aqueles presentes em animais que vivem em ambientes de água doce, a água sairia do corpo por osmose. Outro proble- ma seria a absorção excessiva de sais. Os actinopterígios e os peixes cartilaginosos desenvolveram soluções diferen- tes para esses problemas. Nos teleósteos marinhos, certa quantidade de água é conservada por meio da redução no tamanho de seus corpúsculos renais (Figura 20-10), mas, por continuarem a eliminar a maior parte do nitrogênio na forma de amônia, esses animais precisam de um fluxo rá- pido de água. Sua urina hiposmótica não é tão abundante como a de peixes de água doce (Figura 20-11B). A região do pescoço e o segmento intermediário dos túbulos renais dos peixes marinhos foram perdidos (Figura 20-10); con- sequentemente, o filtrado move-se muito mais devagar, já que não sofre o efeito do movimento dos cílios. Dessa for- ma, o volume da urina é reduzido e a perda de água mini- mizada. Os teleósteos de água salgada compensam a per- da de água na urina e por osmose pela ingestão de água do mar e pela eliminação ativa do excesso de sais. Uma pequena quantidade de sódio e de cloreto é perdida na urina, mas os ionócitos localizados nas brânquias podem excretar esses íons ativamente. É importante notar que os ionócitos podem tanto absorver quanto eliminar os sais. Os íons bivalentes de sulfato e de magnésio absorvidos da água do mar não podem ser eliminados pelas brânquias, sendo excretados ativamente pelos túbulos renais. Alguns teleósteos, como as enguias e o salmão, habitam tanto a água salgada quanto a água doce em diferentes fases de seu ciclo de vida. Sua fisiologia e seu comporta- mento assemelham-se aos dos peixes de água doce, quan- do na água doce, e aos dos peixes marinhos, quando na água salgada. Os salmões nascem na água doce, migram para a água salgada – onde se desenvolvem – e, então, voltam para a água doce para a reprodução; esses animais são chamados anádromos. Na presença do hormônio pi- Tabela 20-2 Principal tipo de excretas nitrogenados Animal Ambiente Tipo de excreta nitrogenado Teleósteo Teleósteo Elasmobrânquio Anfíbio larval Anfíbio adulto Réptil Ave Mamífero Água doce Marinho Marinho Água doce Terrestre Terrestre Terrestre Terrestre Amônia, um pouco de ureia Amônia, um pouco de ureia Ureia Amônia, um pouco de ureia Ureia, um pouco de amônia Ácido úrico Ácido úrico, ureia em algumas espécies Ureia, pequenas quantias de amônia e, às vezes, ácido úrico O sistema excretor e osmorregulação 645 tuitário prolactina, o rim funciona como o rim de peixes de água doce, produzindo grandes quantidades de urina diluída. Na ausência de prolactina, o túbulo renal elimina ativamente os excessos de íon e a água é movida lenta- mente, porque os cílios estão inativos. Em contrapartida, as enguias são animais catádromos, pois nascem no mar, migram para a água doce para se desenvolver e voltam para o mar para se reproduzir. As enguias possuem uma concentração de sais no corpo um pouco mais alta quando estão no ambiente marinho do que quando estão na água doce (Tabela 20-1). Quando em água doce, a prolactina sinaliza para que o rim funcione como o rim dos peixes de água doce. Assim que a enguia migra para o mar, a produção de prolactina diminui, e o rim passa a funcionar como o de peixes de água salgada. Ao longo da evolução do grupo, muitas linhagens de peixes marinhos voltaram para a água doce e desenvolveram novamente adaptações a esse habitat. O registro fóssil e a análise da distribuição dos pulmões e das bexigas natatórias indicam que linha- gens ancestrais dos teleósteos de água doce atuais tiveram, de fato, uma fase marinha. Em alguns teleósteos marinhos, como na maioria dos peixes de grandes profundidades, observa-se a perda dos corpúsculosrenais (Figura 20-10), o que certamente dimi- nui o problema da perda de água pelos rins, já que elimina a etapa de filtração, resultando na conservação da água do A. Carpa de água doce B. Bacalhau marinho C. Tubarão marinho Ingestão de um pouco de água junto com o alimento Urina: abundante; hiposmótica ao sangue; amônia e um pouco de ureia Ingestão de água Ingestão de um pouco de água e de sal junto com o alimento Urina: abundante e hiposmótica; um pouco de ureia Glândula digitiforme: sais Urina: hiposmótica; não tão abundante quanto no teleósteo de água doce; amônia, um pouco de ureia, e íons bivalentes Brânquias: amônia e perda de água; absorção ativa de sais Brânquias: amônia e perda de água; excreção ativa de Na+ & Cl– Brânquias: água absorvida; perda de ureia (o transporte de volta mantém alto o nível no sangue) FIGURA 20-11 Osmorregulação e excreção nos peixes. Os principais locais para as trocas de água, sais e resíduos nitrogenados são mostrados. A. Teleósteo de água doce (carpa). B. Teleósteo de água salgada (bacalhau). C. Tubarão de água salgada. 646 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva corpo. Nesses animais, todo o sangue que chega nos ca- pilares peritubulares vem do sistema porta-renal (Figura 20-3B). O nitrogênio é removido pela secreção do túbulo renal e por difusão através das brânquias. O sangue de al- gumas espécies de peixes da Antártica contém muitas mo- léculas de glicoproteína relativamente pequenas que agem como anticongelantes diminuindo o ponto de congela- mento do sangue; acredita-se que essas moléculas sejam mantidas no sangue graças à perda dos corpúsculos renais. Os condrictes Os condrictes marinhos seguiram um caminho evolutivo diferente: nesses animais, a amônia é convertida em um tipo menos tóxico de ureia; a maior parte dos resíduos nitrogenados eliminados do corpo é desse tipo (Tabela 20-2). Além disso, esses animais também mantêm uma quantidade suficiente de ureia circulando pelo corpo para aumentar sua pressão osmótica interna em um nível com- parável ao da água do mar (Tabela 20-1) e, assim, desen- volveram uma tolerância a níveis de ureia muito superior à que a maioria dos vertebrados consegue tolerar. Os pes- quisadores acreditaram, por muito tempo, que a ureia é mantida porque as brânquias são estruturalmente imper- meáveis a sua difusão, mas a maior parte do nitrogênio é eliminada na forma de ureia e apenas uma pequena quanti- dade dessa substância é eliminada pelos rins, porque é qua- se totalmente reabsorvida pelos túbulos renais. A ureia é eliminada nas brânquias, mas um mecanismo de transpor- te que devolve uma quantidade considerável de ureia ao sangue parece estar presente (Wood, Pärt e Wright, 1995). A retenção da ureia pelos peixes cartilaginosos mari- nhos resulta no mesmo problema osmótico enfrentado pelos peixes de água doce (Figura 20-11C), no qual a água entra no corpo por osmose e deve ser eliminada pela produção de uma grande quantidade de urina diluída. Os corpúsculos renais dos peixes cartilaginosos são grandes, ainda maiores que os dos teleósteos de água doce, que se originaram, em sua maioria, a partir de ancestrais mari- nhos (Figura 20-10). Embora os peixes cartilaginosos não ingiram água do mar, um pouco de água salgada entra no tubo digestivo durante a alimentação e uma quantidade adicional de sais é absorvida pelas brânquias. O sal em excesso é excretado por uma glândula especial, chamada glândula digitiforme ou retal, que libera esses compo- nentes na extremidade caudal do intestino. Pouquíssimos peixes cartilaginosos estão aptos a migrar para ambientes de água doce por longos períodos, porque o alto nível de ureia em seus fluidos do corpo direcionaria a entrada de uma quantidade de água maior que pode ser eliminada. As poucas espécies adaptadas à vida na água doce retém menos ureia que as espécies marinhas, além de possuírem glândulas digitiformes reduzidas (Tabela 20-1). A retenção da ureia pelos peixes cartilaginosos adultos é uma solução interessante para o problema da osmor- regulação no ambiente marinho, mas a síntese de ureia e a habituação dos tecidos a níveis altos dessa substân- cia podem ter se originado, em um primeiro momento, como adaptações embrionárias. Os peixes cartilaginosos se desenvolvem dentro de ovos depositados no mar ou no trato reprodutor da fêmea (Capítulo 21). Em qual- quer um desses ambientes, o fluxo de água nos embriões é relativamente lento para que esses organismos possam excretar amônia, e não poderiam sobreviver a menos que essa amônia fosse convertida em ureia, menos tóxica. Da água para a terra: peixes pulmonados e anfíbios Infelizmente, nada se sabe sobre a excreção e a osmorregu- lação nos primeiros peixes com coanas que viveram água doce, e que foram os ancestrais dos vertebrados terrestres. O celacanto Latimeria, um animal relacionado aos primei- ros peixes com coanas, não fornece informações sobre a evolução dos sistemas de excreção e osmorregulação, pois esses animais são marinhos, vivíparos (como a maioria dos peixes cartilaginosos) e compensam pela diferença os- mótica com a retenção de ureia (Tabela 20-1) – um exem- plo interessante de convergência com os condrictes. Os peixes pulmonados contemporâneos, alguns dos quais vi- vem em corpos de água doce que secam periodicamente, como os anfíbios, vivem em ambientes semelhantes aos que viviam os ancestrais dos vertebrados terrestres que, por sua vez, podem ter enfrentado condições semelhantes e apresentado mecanismos de excreção e osmorregulação também semelhantes. Os peixes pulmonados e as larvas dos anfíbios vivem na água doce e enfrentam as mesmas condições ambientais à que os peixes de água doce estão sujeitos. Por causa da diferença osmótica, um quantidade excessiva de água en- tra no corpo por osmose, e esse excesso é eliminado pela produção de grande quantidade de urina hiposmótica em relação a seus fluidos corporais. Embora alguns sais sejam reabsorvidos nos túbulos renais, a perda deve ser compen- sada pela obtenção de sais dos alimentos ou diretamente do ambiente. A maior parte do nitrogênio é eliminado na forma de amônia, o que requer um fluxo de água passan- do pelo corpo; porém, um pouco de ureia é produzido (Tabela 20-2). Quando o suprimento de água é escasso, os peixes pul- monados e os anfíbios conservam a água do corpo pela excreção de grande parte do nitrogênio em forma de ureia. O peixe pulmonado africano Protopterus pode estivar em um casulo de lama seca quando o lago que habita secar. Como seu metabolismo torna-se muito lento durante esse período, o peixe produz uma quantidade de resíduos ni- trogenados menor que de costume, sendo que toda essa quantidade é convertida em ureia, que, por sua vez, não é eliminada, mas sim acumulada nos tecidos até que a água volte (o que pode demorar alguns anos). O sistema excretor e osmorregulação 647 A maioria dos anfíbios adultos passa um tempo consi- derável em terra e deve, portanto, ser capaz de conservar água no corpo. Grande parte dos resíduos nitrogenados produzidos é convertida em ureia e uma grande quanti- dade de água e de ureia é filtrada nos corpúsculos renais, que têm tamanho moderado; uma quantidade adicional de ureia é adicionada pela secreção tubular (Figura 20- 10). Os túbulos renais dos anfíbios assemelham-se aos encontrados em seus ancestrais, que eram peixes de água doce. Eles possuem os mesmos dois segmentos ciliados (o pescoço estreito depois da cápsula e o segmento interme- diário) para mover rapidamente grandes quantidades de filtrado. A urina permanece hiposmótica em relação aos fluidos do corpo, que perdem uma grande quantidade de água para a urina, apesar de um pouco ainda ser reabsor- vido da bexiga urinária (Figura 20-12A). A água ainda é perdida por evaporação através da pele fina e vasculariza- da, que tem função respiratória (Capítulo 18). A evapora- ção através da pele, em muitos anfíbios,ocorre na mesma taxa que a da superfície da água, sob condições semelhan- tes de temperatura e de umidade. Os anfíbios minimizam a perda de água por evaporação habitando locais frios e úmidos ou se tornando ativos durante os períodos mais frios do dia, quando a umidade é mais alta. Apesar desses mecanismos para preservar a água do corpo, os anfíbios ainda perdem grande quantidade de água, e a maioria de- les retorna periodicamente para a água a fim de absorvê-la por osmose através da pele (Figura 20-12B). As células de sua pele podem absorver os sais da água ativamente. Muitos anuros conseguem viver em ambientes onde pouca água está disponível, pois retêm uma grande quan- tidade de ureia em seus tecidos. Alguns exemplos são o sapo, Rana cancrivora, do sudeste da Ásia, que vive em manguezais de água salgada, diversas rãs, e algumas sa- lamandras que vivem em solo seco durante vários meses por ano. Outro sapo, o Cyclorana (Chirolepsis), vive nos desertos da Austrália central. Ele absorve água durante os períodos de chuva e produz uma grande quantidade de urina diluída, que é armazenada na bexiga urinária – a quantidade de água é tão grande que um terço do peso do animal corresponde a sua urina. Uma quantidade adi- cional de água é armazenada nos sacos linfáticos subcu- tâneos, que são inflados para abrigar o volume de água. Durante os períodos de seca, que podem durar dois anos ou mais, o sapo estiva dentro de um casulo construído em tocas profundas e usa, gradualmente, a água armazenada. A. Sapo na terra B. Sapo na água C. Lepidossauro D. Ave E. Mamífero Perda de água por evaporação Pele: absorção de água e absorção ativa de sais Urina: quase isotônica em relação ao sangue, ácido úrico. Reabsorção de água na cloaca, na bexiga, no intestino Perda de água por evaporação em função do comportamento de ofegação, para a termorregulação Urina: isotônica ou levemente hipertônica em relação ao sangue; principalmente ácido úrico. Reabsorção de água na cloaca e no intestino Perda de água por evaporação em função do comportamento de ofegação, para a termorregulação e também pelas glândulas sudoríparas em muitos mamíferos Urina: hipertônica formada pelo sistema multiplicador de contracorrente; ureia Urina: hipotônica em relação ao sangue; um pouco de água é reabsorvida na bexiga; ureia FIGURA 20-12 Osmorregulação e excreção nos vertebrados terrestres. Os principais locais para as trocas de água, sais e resíduos nitrogenados são mostrados. A. Sapo na terra. B. Sapo na água. C. Tuatara (Sphenodon). D. Ave. E. Cão. 648 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva Poucos sapos arborícolas, incluindo Chiromantis e Phyllo- medusa, além dos répteis, conservam água ao produzir excretas nitrogenadas na forma de ácido úrico. O ácido úrico acumulado na bexiga urinária torna-se um material semissólido, mas esses animais possuem células ciliadas na região do pescoço da bexiga, que ajudam a mover o ácido úrico para a cloaca (Bolton e Beuchat, 1991). Anfíbios e répteis semiaquáticos (sendo a maioria tartarugas e croco- dilos), que produzem excretas nitrogenadas na forma de ureia, não apresentam esses cílios. Adaptações para vida terrestre: répteis Os vertebrados não poderiam viver e ser ativos no am- biente terrestre a menos que fossem desenvolvidos meca- nismos mais eficientes para conservação da água (em com- paração com os mecanismos observados na maioria dos anfíbios) e para eliminação dos resíduos nitrogenados ao mesmo tempo. A perda de água pela respiração é reduzida em todos os amniotas (Figura 20-12C), que não realizam trocas gasosas pela pele e não ventilam seus pulmões mais que o necessário (Capítulo 18). A formação de estruturas cornificadas na pele dos répteis, aves e mamíferos reduz a perda de água por evaporação: uma tartaruga do deserto, por exemplo, perde, por evaporação cutânea, pouco me- nos de 3 miligramas de água por centímetro quadrado de superfície do corpo por hora, mas nos répteis que se readaptaram a ambientes semelhantes aos que os anfíbios vivem, como os crocodilos e algumas tartarugas, a perda é muito maior. Os amniotas terrestres também possuem adaptações do sistema excretor para a conservação de uma quantidade considerável de água. Além de conseguir converter resíduos nitrogenados em ureia, muitos amniotas também conseguem sintetizar ácido úrico, que é quimicamente inerte e requer pouca água para ser removido do corpo. As enzimas necessárias para a síntese de ácido úrico em diversos anuros podem ter se originado, em um primeiro momento, nos amnio- tas, como uma adaptação embrionária. Entre as adapta- ções para a vida no ambiente terrestre estão o desenvol- vimento de um ovo cleidoico (amniótico), que poderia ser posto na terra ou retido no corpo da mãe. Ovos desse tipo fornecem todas as necessidades metabólicas do em- brião, permitindo a supressão do estágio larval aquático de vida livre. O resíduo nitrogenado é armazenado dentro da alantoide na forma de ácido úrico, pois o ambiente do ovo não possui água suficiente para diluir os resíduos pro- duzidos na forma de ureia ou amônia. Jabutis, lagartos, cobras e outros répteis terrestres eli- minam a maior parte de seu resíduo nitrogenado na for- ma de ácido úrico (Figura 20-12C). Seus corpúsculos renais são excepcionalmente pequenos (Figura 20-10) e possuem menos capilares glomerulares que a maioria dos outros vertebrados. De fato, muitos túbulos renais não possuem glomérulos em algumas espécies de répteis e a filtração tubular é reduzida consideravelmente, acarretan- do na manutenção da água no corpo pela redução da fil- tração. Uma pequena quantidade de ácido úrico ainda é filtrada, mas a maior parte entra nos túbulos por meio da secreção tubular ativa, mecanismo que é possível porque o sistema porta-renal supre os capilares peritubulares com um grande volume de sangue que independe do forneci- mento de sangue para os glomérulos reduzidos. A urina é isosmótica ou levemente hiposmótica em relação aos fluí- dos do corpo, já que os répteis não conseguem produzir uma urina hiperosmótica. Uma quantidade considerável de água é reabsorvida na cloaca e na bexiga urinária, quan- do presente. O material na cloaca pode retornar ao intes- tino, onde a água também pode ser reabsorvida. O ácido úrico sai do corpo junto com as fezes, na forma de um material pastoso e esbranquiçado. Embora todos os répteis sintetizem o ácido úrico, as espécies que têm relação mais próximas com o ambiente aquático têm disponível maior quantidade de água para diluir suas excretas, podendo eliminá-las de outras for- mas que não o ácido úrico. Os crocodilos e as serpentes marinhas eliminam grande parte de resíduos na forma de amônia; as tartarugas aquáticas o eliminam como ureia. Os répteis, que passam toda ou boa parte de sua vida no mar, apresentam glândulas excretoras de sal que eliminam o excesso de sais. Nas tartarugas marinhas, as glândulas excretoras de sal estão localizadas nas órbitas, nas iguanas marinhas, nas cavidades nasais; e nas das cobras, na cavi- dade oral. Metabolismo alto e endotermia: aves e mamíferos As aves e os mamíferos, além de terem de lidar com as questões de excreção e osmorregulação, também pre- cisam lidar com a endotermia e a manutenção de altos níveis metabólicos. Esses animais devem lidar com um volume maior de resíduos nitrogenados e, também, se- rem capazes de conservar água e sais no corpo. A con- servação de água é particularmente importante porque as aves e os mamíferos perdem água, inevitavelmente, pelas passagens respiratórias e pela pele, na termorregulação. Mecanismos para a conservação de água incluem a pas- sagem do ar pelos ossos turbinados nas cavidades nasais. As aves e os mamíferos possuem um grande número de túbulos renais. Embora alguns vertebrados primitivos te- nham apenas um par de túbulos por segmento do corpo e a maioria dos vertebrados ectotérmicos possua algumas centenas ou milhares,estima-se que o número de túbulos renais em um humano varie entre 2 milhões e 4 milhões. As pressões de filtração também são altas nas aves e nos mamíferos quando comparadas a de outros vertebrados, porque a divisão completa do coração torna possível a existência de uma pressão sanguínea sistêmica alta asso- ciada a uma pressão pulmonar mais baixa. O número au- mentado de túbulos renais e as altas pressões de filtração O sistema excretor e osmorregulação 649 possibilitam que as aves e os mamíferos retirem os resí- duos nitrogenados de um grande volume de plasma. As galinhas filtram um volume de plasma quatro vezes maior que o volume de fluidos do corpo em um período de 24 horas e os cães podem filtrar oito vezes mais. Nos répteis e nos anamniotas, o volume de filtração no mesmo pe- ríodo é menor que o volume de fluido no corpo. Os mecanismos de conservação de água nas aves são, em parte, parecidos com o dos répteis. Os corpúsculos renais são pequenos, e o ácido úrico é o principal tipo de excreta (figuras 20-9 e 20-12D). Um pouco de ácido úrico é filtrado, mas boa parte é adicionada pela secreção tubular do sangue que chega nos capilares peritubulares pelo sistema porta-renal. As aves também reabsorvem água na cloaca e de materiais que retornam ao intestino a partir da cloaca. Além disso, algumas espécies de aves apresentam longos e estreitos túbulos renais que adentram a região medular do rim; esse tipo de túbulo possibilita uma considerável reabsorção de água e a produção de uma urina concentrada hiperosmótica, isto é, que contém uma concentração de água menor que a presente nos fluidos do corpo. A ureia é o principal resíduo nitrogenado pro- duzido nas aves com túbulos desse tipo, pois o ácido úrico poderia preciptar e obstruir esses túbulos estreitos. O mecanismo para a produção de uma urina hiperos- mótica é melhor estudado e conhecido nos mamíferos, que apresentam um tipo semelhante de túbulo mas com origem evolutiva independente. Esse mecanismo depende da configuração dos túbulos renais e de sua disposição no rim. O rim apresenta regiões cortical e medular (Figu- ra 20-13A); os corpúsculos renais e os túbulos convolutos proximal e distal encontram-se no córtex (Figura 20-13b, esquerda). Nesses túbulos, um segmento altamente espe- cializado – conhecido como alça de Henle – forma uma alça longa e estreita que se estende para a medula. A maio- ria dos mamíferos possui dois tipos de túbulos: aqueles com alças de Henle curtas e aqueles com alças longas que se estendem para dentro da medula. Longos túbulos co- letores originam-se no córtex, onde recebem os túbulos convolutos distais de vários néfrons, e se estendem pela medula para se abrirem para os cálices renais, que, por sua vez, conduzem à pélvis renal, uma expansão do ureter com o rim. As longas alças de Henle e os túbulos coletores são agregados na medula, formando uma ou mais pirâ- mides renais, cujos ápices formam as papilas renais, que são projetadas para os cálices renais. Circuitos vasculares finos, conhecidos como vasa recta, seguem junto às alças de Henle para a medula (Figura 20-13B, direita). Papila renal Pirâmide medular Papila (abertura para o cálice) Cálice renal Cápsula renal Medula renal Córtex renal Ureter Pélvis renal Artéria renal Veia renal Túbulos convolutos Corpúsculos renais Corpúsculos renais Vasa recta Papila renal Artéria e veia renal Cálice Para a pélvis renal e o ureter Túbulos coletores Alça de Henle Medula renal Córtex renal A. Corte do rim de um mamífero B. Túbulos renais de um mamífero em relação à circulação sanguínea FIGURA 20-13 Estrutura do rim dos mamíferos. A. Seção longitudinal de um rim humano, mostrando as principais regiões e sua relação com os vasos sanguíneos renais e com o ureter. B. Diagrama ampliado de duas pirâmides renais, mostrando os túbulos renais e sua relação com a circulação. As partes de um néfron são mostradas na pirâmide esquerda e a arquitetura vascular, na direita. Os vasos sanguíneos e os néfrons ficam sobrepostos. 650 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva O filtrado produzido nos corpúsculos renais contém uma grande quantidade de água e os mesmos tipos de mo- léculas menores de soluto presentes no sangue. À medida que o filtrado passa pelo túbulo, açúcares, aminoácidos, vitaminas e outros solutos necessários ao corpo são reab- sorvidos ativamente do filtrado pelas células dos túbulos convolutos proximal e distal. Os excessos de qualquer uma dessas substâncias são mantidos na urina. A capacidade de reabsorver a água e concentrar a urina é resultado da to- pografia e das propriedades únicas das alças de Henle, dos túbulos coletores e da vasa recta (Figura 20-14). Embora a parede da maior parte da alça de Henle seja formada por células epiteliais finas, as células cuboides na metade su- perior do ramo ascendente da alça possuem a maquinaria metabólica para bombear o sal para fora do filtrado tubu- lar e para dentro do líquido intersticial ao redor da alça. Em particular, os íons cloreto carregados negativamente são bombeados ativamente para fora e os íons de sódio carregados positivamente seguem o cloro. Os sais bom- beados para fora da alça de Henle se acumulam no fluído intersticial da medula; poucos são transportados para fora pelos capilares medulares, porque o fluxo sanguíneo é len- FIGURA 20-14 Néfron de um mamífero. As setas vermelhas tracejadas representam o fluxo sanguíneo. As regiões nas quais as trocas ocorrem por transporte ativo (setas pretas estreitas) ou por difusão passiva (setas azuis largas) são mostradas. O resultado combinado da ação do rim é a produção de uma urina hipertônica. Fonte: Adaptado de Williams et al. Túbulo convoluto distal Túbulo coletor Um pouco de ureia e água ADH reabsorção controlada de água NH4+ Água Ca+ PO–– Na+ O sangue entra no glomérulo e ocorre a filtração K+ H+ Para a veia renal Reabsorção seletiva: Na+ Cl– Glicose Aminoácidos HCO3– Túbulo convoluto proximal Creatina H+ Cl– Na+ Água Alça de Henle e vasa recta Vasa recta Alça de Henle Concentração crescente de sal e ureia Direção do fluxo sanguíneo Transporte ativo Difusão Vasa recta Segmento delgado, alça de Henle Segmento espesso, alça de Henle Água O sistema excretor e osmorregulação 651 to e as porções arterial descendente e venosa ascendente da vasa recta, para as quais os capilares drenam, são adjascen- tes uma à outra. Isso implica que esses dois ramos da vasa recta formam um mecanismo de contracorrente, no qual os sangues venoso e arterial correm em direções opostas de modo que os sais que começam a ser transportados para fora pelo ramo venoso ascendente passam para o ramo ar- terial descendente. Como resultado, o gradiente de sal no tecido intersticial medular é mantido praticamente cons- tante. O componente venoso da vasa recta retorna sangue à veia renal com a água reabsorvida e o sangue já livre de resíduos. O fluxo de contra-corrente do sangue na vasa recta e o bombeamento dos sais nos ramos ascendentes das alças de Henle combinam-se para formar um eficiente sistema multiplicador de contracorrente, que estabelece um gradiente de sal que se torna cada vez mais concen- trado à medida que se aproxima do interior da medula. A quantidade de sal que pode ser concentrada depende dos comprimentos das alças de Henle e da vasa recta. Esse gradiente de sal possibilita a difusão passiva da água para fora dos túbulos, que sai por osmose à medida que a solução mais diluída presente nos ramos descenden- tes das alças de Henle passa por ambientes com concen- tração de sal cada vez maior. Essa água não entra nova- mente nos ramos ascendentes das alças de Henle, porque as células dessa região impedem sua passagem. À medida que os sais são bombeados para fora dos ramos ascenden- tes das alças de Henle e outros solutos são reabsorvidos ativamente nos túbulos convolutos distais,os conteúdos tubulares se tornam, novamente, diluídos a ponto de per- mitir a difusão passiva da água para os túbulos convolutos distais, mas, à medida que esses conteúdos tubulares en- tram novamente na medula pelos túbulos coletores, eles passam mais uma vez por um ambiente com concentra- ção progressivamente maior de sal, resultando na saída de mais água. A água que sai para o líquido intersticial entra para os capilares peritubulares e para a vasa recta, e é re- movida do sistema. A água não é afetada pelo fluxo de contra-corrente na vasa recta, porque as proteínas plasmá- ticas permanecem no sangue e exercem pressão osmótica suficiente para mantê-la nos capilares. A reabsorção ativa dos solutos e a saída de água resultam em uma ureia cada vez mais concentrada. A maior parte da ureia permanece nos túbulos porque as células de suas paredes impedem sua saída, porém, as células dos túbulos coletores permi- tem que parte da ureia seja difundida para fora. A presença dessa pequena quantidade de ureia no líquido intersticial da medula intensifica o gradiente de sal que promove a reabsorção de água. A quantidade de água que deve ser conservada depende do ambiente no qual o mamífero vive. Nos roedores do deserto, todos os túbulos – ou pelo menos a maioria – apresentam alças de Henle bastante longas. Além disso, alguns desses roedores podem produzir uma urina extre- mamente concentrada que possui uma concentração de sais 25 vezes maior do que aquela presente no sangue. Es- ses mamíferos não precisam ingerir água, porque a perda de água é pequena e as necessidades celulares são supridas com a água produzida como subproduto do metabolis- mo. Por outro lado, todos os túbulos renais de um castor possuem alças medulares curtas. Esses animais produzem uma urina cuja concentração de sais é equivalente apenas ao dobro daquela encontrada nos fluídos do corpo. Nos humanos, aproximadamente um terço dos túbulos renais apresentam longas alças de Henle, resultando em uma uri- na com concentração de sais quivalente a cerca de quatro vezes àquela do sangue. O comprimento das alças de Henle está relacionado à capacidade de concentrar a urina, sendo que, quanto mais longas as alças, mais concentrada é a urina. Mamíferos que vivem em ambientes secos ou aqueles que têm dietas ricas em sais e outros solutos possuem alças de Henle e túbulos coletores bastante longos, que são acomodados em papilas igualmente longas. O comprimento e a massa das papilas renais são correlacionadas à capacidade do rim de produzir uma urina concentrada. A concentração de urina varia dentro de alguns limites em determinada espécie de mamífero, que depende do vo- lume de água absorvido. Um fator de controle importante é o nível do hormônio antidiurético (do grego, dia = por meio de; ouron = urina) no sangue. Esse hormônio é sintetizado por determinadas células do hipotálamo e liberado pelo lobo neural da glândula pituitária (Capítu- lo 15). Altos níveis de hormônio antidiurético aumen- tam a permeabilidade das células dos túbulos coletores à água, promovendo, então, a produção de uma urina mais concentrada. Se os níveis de água no sangue aumentam muito, a síntese e a liberação do hormônio antidiurético são diminuídas, a permeabilidade dos ductos coletores é reduzida e a urina torna-se mais diluída. As aves e os mamíferos que passam boa parte de sua vida em ambientes marinhos precisam de mecanismos para manter o equilíbrio de sais no corpo. A absorção de sal pode ser problemática, especialmente se esses animais se alimentam de invertebrados e plantas marinhas, que são isosmóticos à água do mar. As espécies marinhas que se alimentam de peixes têm menos problemas, pois inge- rem alimentos com um conteúdo de sais substancialmente menor. (Lembre-se de que todos os craniados, exceto as mixinas e aqueles vertebrados que retêm ureia em seus te- cidos, são hiposmóticos à água do mar.) Entretanto, uma parte do excesso de sal é absorvido. A maioria das aves possui pequenas glândulas excretoras de sal, localizadas na órbita, mas liberam seus conteúdos nas cavidades na- sais. As glândulas de sal são bem desenvolvidas nas espé- cies marinhas e podem excretar uma solução bastante sal- gada para as cavidades nasais quando há excesso de sal no corpo (Figura 20-15). O rim da maioria dos mamíferos 652 Anatomia funcional dos vertebrados – uma perspectiva evolutiva não pode excretar quantidades excessivas de sais, porque não podem produzir uma urina que seja mais concentrada que a água do mar, apesar de serem capazes de produzir uma urina mais concentrada que o sangue. Se uma pessoa ingere água do mar, são produzidos 1.350 mililitros de urina para remover o excesso de sal em cada litro de água salgada ingerido, o que pode levar à uma rápida desidra- tação. Os rins de muitas espécies marinhas, no entanto, podem produzir uma urina que tem uma concentração de sal mais alta que a da água do mar: se uma baleia ingere 1 litro de água do mar, apenas 650 mililitros de urina serão produzidos para remover os sais, resultando em um ga- nho de água. Os mamíferos marinhos excretam o excesso de sal dessa forma em vez de utilizar glândulas excretoras de sais especializadas. Canalização de desenvolvimento, evolução convergente e reversa, e inovação evolutiva A sequência antero posterior de pronefro, mesonefro e metanefro funcionais, como observada durante o desen- volvimento embrionário de grupos derivados de mamí- feros, é um dos melhores exemplos de canalização de de- senvolvimento entre os vertebrados. A sucessão é mantida até em grupos mais primitivos de vertebrados, nos quais o desenvolvimento embrionário resulta no rim do tipo opistonefro, que combina os atributos do mesonefro e do metanefro. Os vertebrados compartilham padrões de desenvolvimento fundamentais no que diz respeito à di- ferenciação do rim. Não é surpreendente a ocorrência de alguns exemplos notáveis de mecanismos convergentes na biologia dos rins ao longo da evolução dos vertebrados. Quando a conservação da água é prioritária, os peixes pro- duzem ureia em vez da amônia, mais tóxica, e a retém nos tecidos para aumentar a pressão osmótica de forma a equiparar ou superar a do meio. Esse mecanismo se origi- Glândula excretora de sal acima do olho FIGURA 20-15 Crânio de uma gaivota em vista dorsal, mostrando a localização da glândula de sal. Fonte: Baseado em Schmidt-Nielsen. nou de forma independente nos condrictes marinhos, nos peixes pulmonados estivadores e em um peixe teleósteo tropical, mais derivado, do grupo Synbranchiformes, que se assemelha a uma enguia e se enterra na lama durante os períodos de seca. Para resolver o problema da perda de água, os animais do grupo Squamata e as aves produzem ácido úrico como excreta nitrogenado, que é insolúvel e completamente atóxica. A água não é necessária para a excreção de ácido úrico, e esse resíduo é eliminado como um sólido esbranquiçado, muitas vezes junto com as fe- zes. Uma forma primitiva, do ponto de vista filogenéti- co, de eliminação dos resíduos nitrogenados é a liberação dos mesmos na forma de amônia, como ocorre nos peixes teleósteos, que é imediatamente dissolvida na água. Esse mecanismo, no entanto, também está presente em algu- mas tartarugas aquáticas e em alguns crocodilos encon- trados em habitats aquáticos nos quais a amônia pode ser prontamente eliminada do corpo. O néfron dos mamíferos é muito diferente dos néfrons de todos os outros vertebrados. Sua estrutura exclusiva é considerada uma inovação evolutiva, porque ela pos- sibilita aos mamíferos a ocupação e diversificação por uma grande diversidade de habitats, incluindo desertos, mares, pântanos e habitats de grandes altitudes. A ino- vação presente nesses animais é a alça de Henle, bastante alongada e estreita, que é representada pela parte central do túbulo urinário, e apresenta uma curvatura acentuada que formando uma dobra. Essa estrutura é adaptada es- pecificamente para
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