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Farsa LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

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Farsa 
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO 
Adaptação: Alex Capelossa 
 
MULHER (ergue-se da cama) Meu marido! 
AMANTE (levantando-se) O que foi que você disse? 
MULHER Eu disse “Meu marido!”. 
AMANTE Foi o que pensei, mas não quis acreditar. 
MULHER Ele me disse que ia para Curitiba! 
AMANTE Talvez não seja ele. Talvez seja um ladrão. 
MULHER Seria sorte demais. (barulho) É ele. E vem vindo para o quarto. Rápido, esconda-se dentro 
do armário! 
AMANTE O quê? Não. Tudo menos o armário! 
MULHER Então embaixo da cama. 
AMANTE O armário é melhor. (entra no armário com as roupas e nota que esqueceu os sapatos, ela 
vai lhe entregar) 
MARIDO (entrando) Com quem é que você estava conversando? 
MULHER Eu? Com ninguém. Era a televisão. E você não disse que ia para Curitiba? 
MARIDO Espere. Aqui no quarto não tem televisão. 
MULHER Não mude de assunto. O que é que você está fazendo em casa? 
AMANTE (começa a rir no armário) 
MARIDO Que barulho é esse? 
MULHER Não interessa. Por que você não está em Curitiba? 
MARIDO Não precisei ir, pronto. Estes sapatos... (começa a tirar os sapatos) 
AMANTE (passa do riso ao gelo) 
MARIDO (vai ao banheiro) 
MULHER (pega os sapatos do marido e entrega ao amante) 
MARIDO Estes sapatos... 
MULHER O que é que tem? 
MARIDO De quem são? 
MULHER Como, de quem são? São seus. Você acabou de tirar. 
MARIDO Estes sapatos nunca foram meus. 
MULHER (olhando e notando seu erro – agressiva) Onde foi que você arranjou estes sapatos? 
MARIDO Estes sapatos não são meus, eu já disse! 
MULHER Exatamente. E de quem são? Como é que você sai de casa com um par de sapato e 
chega com outro? 
MARIDO Espera aí... 
MULHER Onde foi que você andou? Vamos responda! 
 
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MARIDO Eu cheguei em casa com os mesmos sapatos que saí. Estes é que não são os meus 
sapatos. 
MULHER São os sapatos que você tirou. Você mesmo disse que estavam apertados. Logo, não 
eram os seus. Quero explicações. 
MARIDO Só um momentinho. Só um momentinho! (um breve silêncio) 
MULHER Estou esperando. 
MARIDO (pegando os sapatos) Tenho certeza absoluta, absoluta! Que não entrei neste quarto com 
estes sapatos! E olhe só, eles não podiam estar apertados (colocando o sapato) porque 
são maiores do que o meu pé. 
MULHER (após um silêncio) Então só há uma explicação. 
MARIDO Qual? 
MULHER Eu estava com outro homem aqui dentro quando você chegou. Ele foi para dentro do 
armário e esqueceu os sapatos. (breve silêncio) Mas nesse caso onde é que estão os 
seus sapatos? 
MARIDO Você poderia ter entregado os meus sapatos para o homem dentro do armário, por 
engano. 
MULHER Muito bem. Agora, além de adúltera, você está me chamando de burra. Muito obrigada. 
MARIDO Não sei não. E eu ouvi vozes aqui dentro... 
MULHER Então faz o seguinte. Vai até o armário e abre a porta. 
MARIDO (aproxima-se do armário, tirando o paletó) 
MULHER (no momento que ele vai abrir) Você sabe, é claro, que no momento em que abrir essa 
porta estará arruinando o nosso casamento. Se não houver ninguém aí dentro, nunca 
conseguiremos conviver com o fato de que você pensou que havia. Será o fim. 
MARIDO E se houver alguém? 
MULHER Aí será pior. Se houver um amante de cuecas dentro do armário, o nosso casamento se 
transformará numa farsa de terceira categoria. Em teatro de graça. Não poderemos 
conviver com o ridículo. Também será o fim. 
MARIDO (olhando para o terno) De qualquer maneira, eu preciso abrir a porta do armário para 
guardar a minha roupa... 
MULHER Abra, mas pense no que eu disse. 
MARIDO (abre a porta do armário, depara-se com o amante – longo silêncio) Com licença. (começa 
a pendurar a roupa) 
AMANTE (sai lentamente de dentro) Com licença. (quando está saindo) 
MARIDO Psi. 
AMANTE É comigo? 
MARIDO É. Os meus sapatos. (trocam os sapatos, o amante sai – o marido deitar-se na cama 
como se nada tivesse acontecido)

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