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A ÉTICA DE KANT 
 
Ramiro Marques 
 
A Vida 
 
 Immanuel Kant nasceu em 1724, na cidade de Konigsberg, na Prússia, onde 
estudou, ensinou e viveu até à sua morte, em 1804. Apesar de Kant ter escrito bastante 
sobre geografia e etnologia de terras remotas, nunca abandonou a sua terra natal. 
Descendia de uma família modesta que deixara a Escócia cem anos antes do seu 
nascimento. A mãe era uma devota pietista e o pai um modesto artesão correeiro. De 
1732 a 1740, frequentou o Collegium Fredericianum, onde obteve uma formação 
clássica. De seguida, entra como aluno na Universidade de Konigsberg, iniciando aí, em 
1755, a sua actividade docente. Durante 15 anos exerceu funções docentes com carácter 
provisório. Por duas vezes se malogrou a sua candidatura a professor efectivo e só em 
1770 foi nomeado catedrático de lógica e metafísica. Por essa altura escreveu um 
tratado de pedagogia, do qual dizia ter recomendações pedagógicas excelentes, embora 
ele não utilizasse nenhuma. 
Na Universidade de Konigsberg ensinou metafísica, lógica, geografia, 
matemática e física. A sua vida metódica e sedentária era conhecida de todos. Quando, 
diariamente, aparecia de bengala à porta de casa, a caminho da pequena alameda de 
tílias, a que o povo deu nome de O Passeio do Filósofo, os vizinhos sabiam ser 
exactamente três e meia da tarde. Celibatário até morrer, Kant viveu isolado da família, 
embora gostasse do convívio com os alunos. Viveu modestamente apenas para o ensino 
e para a escrita. Embora a sua fama ultrapassasse as fronteiras da Prússia nunca teve o 
desejo de conhecer outros países europeus. 
 A vida de Kant confunde-se com a sua obra, sendo possível dividir, uma e outra, 
em três períodos: de 1724 a 1755, foi a época dos estudos e dos primeiros ensaios sobre 
Ciências da Natureza; de 1755 a 1770, corresponde à época dos ensaios antecríticos e ao 
período de professor provisório; de 1770 a 1797, o período dos ensaios críticos e da 
carreira como professor titular. Foram deste período as suas obras capitais: Crítica da 
Razão Pura (1781); Estabelecimento da Metafísica dos Costumes (1785); Crítica da 
Razão Prática (1788); Crítica da Faculdade de Julgar (1790); Da Paz Perpétua 
(1795). 
Kant conheceu, em vida, grande popularidade nos meios académicos europeus. 
Da parte do governo da Prússia obteve respeito e consideração, embora a morte de 
Frederico o Grande, em 1786, e a subida ao trono de Frederico Guilherme II, tenham 
produzido uma mudança súbita na posição das autoridades políticas prussianas face à 
obra do filósofo. Com a nomeação do novo ministro da educação, Wollner, assistiu-se a 
um retrocesso no ambiente relativamente livre das instituições académicas prussianas. 
Em 1788, o ministro da educação, Wollner, publicou um decreto proibindo o ensino nas 
Universidades de ideias religiosas que se afastassem da ortodoxia luterana, impondo 
maior rigor na censura às publicações académicas. O ensaio de Kant, intitulado A 
Religião Dentro dos Limites da Razão Pura, escrito quando acabava de completar 
sessenta e nove anos, não podia ser bem recebido pelas novas autoridades políticas. A 
publicação desse ensaio provocou uma reacção negativa do rei da Prússia que lhe 
mandou uma carta nos seguintes termos: "à nossa mui alta pessoa desagradou 
grandemente observar que dais mau emprego à filosofia, fazendo-a solapar e destruir 
muitas das doutrinas fundamentais das Santas Escrituras e da cristandade. Exigimos, 
pois, imediatamente, claras explicações e esperamos que de futuro não mais dareis 
causa a tal desagrado; mas que, cumprindo o vosso dever, usareis de tal arte que os 
nossos paternais desígnios sejam cada vez mais realizados. Se continuardes a resistir a 
esta ordem, podereis contar com desagradáveis consequências". Kant respondeu que é 
próprio do filósofo exprimir opiniões filosóficas, mas que iria permanecer em silêncio, 
abstendo-se de escrever sobre religião. 
 Kant levou uma vida tranquila, inteiramente dedicado ao ensino e à escrita. Até 
ao fim, acreditou no poder da razão, no respeito das leis justas, na autonomia da escolha 
moral e no papel civilizacional da educação. A sua admiração pela Revolução Francesa 
foi mantida até ao fim, embora não lhe agradassem os excessos do radicalismo da 
Convenção. Kant deixou a Universidade, em 1797, devido a problemas de saúde. 
Continuou a escrever até morrer, em 1804. 
 
A Obra 
 
 A ética de Kant foi considerada, durante muito tempo, como expoente da ética 
iluminista. O filósofo alemão foi um típico representante do iluminismo. Acreditava no 
poder da razão e na eficácia da reforma das instituições. O seu optimismo foi tal que 
chegou a afirmar que o paz perpétua estaria assegurada quando todos os países fossem 
repúblicas. Na sua obra Crítica da Razão Prática, Kant procura responder à questão: 
que forma deve um preceito assumir para ser reconhecido como moral? "Kant aborda 
esta questão a partir de uma asserção inicial de que nada é incondicionalmente bom, 
excepto a boa vontade. A saúde, a riqueza, o intelecto, são bons apenas quando são bem 
usados. Mas a boa vontade é boa; brilha como um jóia preciosa...O único motivo da boa 
vontade é cumprir o seu dever pelo dever. O que quer que ela procure fazer, fá-lo 
porque esse é o seu dever" (1). 
Para Kant, o homem está constantemente a ser colocado à prova no sentido de 
ter de escolher entre as suas inclinações e o cumprimento do dever. A obediência à lei 
impõe-se acima de todas as coisas. Quando Kant se refere à lei não está a afirmar que se 
deve, em todas as circunstâncias, respeitar as leis positivas. Está, isso sim, a afirmar que 
o dever obriga ao cumprimento da Lei Moral. Qual é o conteúdo da Lei Moral? Como é 
que eu tomo consciência dela? Tomo consciência da Lei Moral quando faço a mim 
próprio a seguinte pergunta: posso universalizar a minha resposta? O teste do 
imperativo categórico reside na sua universalização, quer dizer, que eu posso aspirar a 
fazer dele uma lei universal. O exemplo que Kant dá é o do cumprimento da promessa. 
Se as pessoas não derem garantia de que cumprem as promessas, deixa de ter qualquer 
sentido fazer uma promessa, porque termina a confiança entre as pessoas. A Lei Moral 
não tem efectivamente conteúdo. Sendo uma expressão puramente formal, limita-se aos 
contornos do imperativo categórico. Esse formalismo da ética kantiana tem sido visto, 
por uns, como a expressão da vitória da razão e da autonomia do agente cognoscitivo e, 
por outros, como uma posição carregada de esterilidade que permite, na verdade, 
integrar todas as posições e condutas. 
 Na Crítica da Razão Prática, Kant considera que a religião se baseia, não na 
ciência e na teologia, mas sim na moral. Mas para isso a base moral da religião deve ser 
absoluta e não derivada da experiência sensorial ou da dedução. É preciso encontrar 
uma ética universal e necessária. "Os princípios a priori da moral são absolutos e certos 
como os da matemática. Devemos mostrar que a razão pura pode ser prática, isto é, 
pode por si mesma determinar a vontade, independentemente de qualquer coisa 
empírica e que o senso moral é inato e não derivado da experiência. O imperativo moral 
requerido para base da religião deve ser um imperativo absoluto e categórico" (2). 
Exemplificando a sua noção de imperativo categórico, Kant dá o exemplo da mentira: 
"quero sair-me de apuros dizendo uma mentira? Mas embora podendo querer a mentira, 
não posso de modo algum pretender que mentir seja uma lei universal. Pois com 
semelhante lei não poderia haver compromissos. Daqui o ter eu a impressão de que não 
devo mentir, mesmo que mentir me traga vantagens. A prudência é condicional; o seu 
lema é: proceder honestamente, quando for a melhor táctica; mas a lei moral é em 
nossos corações incondicional e absoluta" (3). Este exemplo ilustra o formalismo da 
ética kantiana. Levado às últimas consequências quer dizer que devemos ignorar os 
contextos e os particularismos no processo de tomada de decisões morais. Ora,todos 
nós sabemos que a vida não pode isolar-se das circunstâncias. Não existe, na verdade, 
um Homem universal, pairando sobre as circunstâncias, como pensava Kant, mas sim 
um Homem situado, profundamente dependente da sua herança cultural e condicionado 
pelas suas circunstâncias. 
 E o que é uma acção boa? "Uma acção é boa não pelo bom resultado ou pela sua 
sensatez mas por ser feita em obediência a este íntimo sentimento do dever, a esta lei 
moral que não procede da nossa experiência pessoal, mas legisla imperiosamente e a 
priori sobre o nosso procedimento passado, presente e futuro. A única coisa 
incondicionalmente boa deste Mundo é a boa vontade - a vontade de obedecer à lei 
moral, independentemente do seu proveito ou desvantagem para nós" (4). O imperativo 
categórico obriga incondicionalmente a proceder para consigo e para com os outros 
sempre como um fim e nunca como um meio. Vivendo no respeito pelo imperativo 
categórico, podemos construir uma comunidade racional ideal. 
 Mas o que é o imperativo categórico? A linguagem imperativa é prescritiva e os 
imperativos podem ser hipotéticos ou categóricos. Os primeiros são condicionais, os 
segundos são absolutos. Para Kant, a concepção de um princípio objectivo, na medida 
em que se impõe necessariamente a uma vontade, chama-se um mandamento, e a 
fórmula deste mandamento chama-se um imperativo. Todo o imperativo que mande 
incondicionalmente como se o ordenado fosse um bem em si, é categórico. Kant 
formula o imperativo categórico de várias maneiras: 1) obra só de acordo com a máxima 
pela qual possas ao mesmo tempo querer que se converta em lei universal (fórmula da 
lei universal); 2) obra como se a máxima da tua acção devesse converter-se pela tua 
vontade em lei universal da Natureza (fórmula da lei da Natureza); 3) obra de tal 
maneira que uses a humanidade tanto na tua própria pessoa como na pessoa de qualquer 
outro, sempre por sua vez como um fim, nunca simplesmente como um meio (fórmula 
do fim em si mesmo); 4) obra de tal modo que a tua vontade possa considerar-se a si 
mesma como constituindo uma lei universal por meio da sua máxima (fórmula da 
autonomia); 5) obra como se por meio das tuas máximas fosses sempre um membro 
legislador num reino universal de fins (fórmula do reino dos fins). 
O imperativo categórico kantiano tem sido objecto de várias críticas: a objecção 
sociológica considera que ele é a matriz de uma ética burguesa; a objecção teológica 
afirma que é o ponto culminante de uma ética autónoma que atribui ao homem a 
possibilidade de encontrar o bem sem a inspiração divina; a objecção psicológica afirma 
que ele faz depender a ética exclusivamente da vontade; a objecção filosófica afirma 
que é um imperativo inteiramente subordinado à razão, que pode ser contrário aos 
imperativos da vida. 
Decorrente do imperativo kantiano é a crença de que cada um de nós é um 
agente moral autónomo, entregue apenas à autoridade da razão e sem a presença de 
nenhuma autoridade externa, nem mesmo divina, capaz de proporcionar um critério 
objectivo para a moralidade. A ética kantiana "faz do indivíduo o soberano moral; 
torna-o capaz de rejeitar todas as autoridades externas. Deixa o indivíduo livre para 
perseguir tudo aquilo que ele quiser, sem sugerir que ele deve fazer outra coisa. Os 
exemplos típicos do imperativo categórico kantiano dizem-nos o que não fazer: não 
quebrar as promessa, não dizer mentiras, não cometer suicídio, etc. Mas em relação às 
actividades que devemos realizar e aos fins que devemos perseguir, o imperativo 
categórico parece ficar em silêncio" (5). 
O teste kantiano para uma verdadeira máxima moral é o teste da universalidade. 
Com esse teste não há lugar para a existência de verdadeiros conteúdos morais, porque a 
noção kantiana do dever é tão formal que pode admitir quase todos os conteúdos. 
Kant simpatiza com a revolução francesa e mostra ao longo da sua obra uma 
clara antipatia para com o servilismo e o paternalismo. Amava acima de tudo a 
independência de espírito e acreditava no poder libertador da razão e da educação. "A 
vitória aparente da Revolução sobre os exércitos reaccionários em 1795 levou Kant a 
esperar que as repúblicas se espalhariam então por toda a Europa e surgiria a ordem 
internacional baseada numa democracia sem servidão nem explorações e empenhada na 
manutenção da paz. A função do governo é, afinal de contas, auxiliar e desenvolver o 
indivíduo e, não, usar e abusar dele. Todo o homem deve ser respeitado como um fim 
absoluto em si mesmo - e é um crime contra a sua dignidade de ser humano utilizar-se 
do homem como mero instrumento para algum fim no exterior" (6). 
Na Crítica da Razão Prática, Kant coloca o problema da moralidade de uma 
forma profundamente inovadora. Respondendo à questão sobre as origens da bondade 
de um acto, Kant afirma: "os sistemas anteriores de ética procuraram a moralidade no 
fim dos actos, quer dizer, fizeram radicar a bondade na sua adaptação a um fim 
concreto, determinado. Assim, por exemplo, os hedonismos descobrem este fim no 
prazer, ou a moral religiosa, assinala-o no cumprimento de uma lei divina. Mas aquele 
que assim age, diz Kant, não age por razões morais, mas por algo alheio á própria 
moral; a verdadeira moral não é heterónima (lei alheia, imposta), mas autónoma; apenas 
age moralmente aquele que o faz por respeito à Lei, sem razões distintas a este mesmo 
cumprimento. E que lei é essa em que assenta toda a moralidade? Aqui Kant encontra 
uma nova forma, uma forma da razão prática, como o espaço e o tempo o eram da razão 
especulativa. Esta forma é aquilo a que chama imperativo categórico ou lei moral, que 
se pode formular com estas palavras: age de modo a que a norma da tua conduta se 
possa erigir em norma de conduta universal. Quer dizer, se perante uma acção qualquer 
podemos admiti-la sinceramente como norma de conduta geral, essa acção é legítima 
moralmente; caso contrário, não. Esta lei ou imperativo é puramente formal: em si 
mesma não ordena nada em concreto, mas serve para qualquer tipo de conteúdos ou 
actos. Segundo Kant, não se deve praticar um acto porque é bom, mas é bom porque 
deve fazer-se. A moral radica apenas numa forma do agir, da razão prática" (7). 
Importa ter presente que estas regras são puramente formais. Não fornecem, 
portanto, nenhuma receita material nem nenhuma norma de conduta. Só a intenção 
formal conta: age como deves, suceda o que suceder. A liberdade do Homem consiste 
em agir por dever. A recta conduta torna-me digno de felicidade, mas não a garante. 
Agindo por dever cumpro o meu ser moral, mas não garanto a minha felicidade. Torno-
me apenas digno dela. 
Qual é a relação existente entre moralidade e felicidade? Kant afirma que a 
felicidade é um máximo de bem-estar no nosso estado presente e em toda a nossa 
condição futura. Contudo, Kant não aceita que a felicidade seja sinónimo de satisfação 
dos nossos desejos e inclinações. A vida moral torna-nos dignos de ser felizes mas não 
constitui um passaporte para a felicidade. Uma pessoa moral é a que faz uso continuado 
da boa vontade para dar a primazia ao bem fazer face ao bem estar. Para se ser digno da 
felicidade é necessário ser-se virtuoso, mas a virtude baseia-se na autonomia da razão. 
Terá de ser, portanto, desinteressada e não pode depender de nenhuma autoridade 
externa. Tão-pouco pode ser condicionada pelo medo ou pelo interesse. 
A noção de boa vontade apresenta-se como central na ética kantiana, porque é a 
única coisa que pode ser considerada boa, sem quaisquer restrições. É a boa vontade 
que distingue um acto recto de um acto mau. A inteligência, a coragem e o autodomínio 
não são, em si, qualidades morais, porque podem ser usadas para o bem ou para o mal. 
Nos Fundamentos da Metafísica dos Costumes, Kant dirá que essas qualidades são, 
em muitos aspectos, boas e desejáveis, mas podem tornar-se funestas quando ao serviço 
de uma vontade má. 
 
 
 
Notas 
 
1) MacIntyre, A (1998). A Short Historyof Ethics. Notre Dame: University of Notre 
Dame Press, p. 192 
 
2) Durant, W. (s/d). História da Filosofia. Lisboa: Livros do Brasil, p. 274 
 
3) Idem, p. 275 
 
4) Ibid, p. 275 
 
5) MacIntyre, A (1998). A Short History of Ethics. Notre Dame: University of Notre 
Dame Press, p. 197 
 
6) Durant, W. (S/D). História da Filosofia. Lisboa: Livros do Brasil, p. 282 
 
7) Gambra, R. (1993). História da Filosofia. Lisboa: Planeta Editora, p. 186

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