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IDENTIFICAÇÃO: CLAUDEMIR GALIANI IES: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROFESSORA ORIENTADORA: MARIA CRISTINA GOMES MACHADO AS CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA O DEBATE ENTRE HISTÓRIA E EDUCAÇÃO. RESUMO Claudemir Galiani e Maria Cristina Gomes Machado Este artigo apresenta algumas reflexões sobre a concepção de história presente no marxismo e a contribuição dessa teoria para a compreensão da educação como integrante de uma totalidade social e os reflexos dessa totalidade se apresentam na forma de contradição nas classes que a compõe. Isso significa dizer que a luta de classes é parte integrante desse movimento de contradição. Entende-se que, para uma compreensão da história e do ensino de história, deve-se levar em consideração as relações de determinação e influência que ela recebe da estrutura econômica. Desta forma, acredita-se que uma concepção de história a partir do materialismo histórico permite uma melhor compreensão da trajetória histórica da humanidade a partir das suas múltiplas determinações. Os apontamentos marxianos em relação à educação, inseridos no movimento da história, como resultado de múltiplas relações determinadas pela base concreta material, deve ser compreendida como produto e ao mesmo tempo como produtora de uma nova consciência histórica fundada na transformação social. Para Marx, a transformação educativa, deveria ocorrer paralelamente à revolução social, tendo como foco principal o desenvolvimento total do homem e a mudança das relações sociais, assim, a educação deveria acompanhar e acelerar esse movimento, mas não encarregar-se exclusivamente de desencadeá-lo, nem de fazê-lo triunfar. PALAVRAS-CHAVES: HISTÓRIA, EDUCAÇÃO, MATERIALISMO HISTÓRICO, MARXISMO. MARX’S CONTRIBUTIONS TO THE DEBATE BETWEEN HISTORY AND EDUCATION. ABSTRACT This article presents some thoughts on the design of this history in Marxism and the theory of that contribution to the understanding of education as an integral whole social and the reflexes that present thenselves in the manner of contradiction in the classes that compose it. This means that the class struggle is an integral part of this movement of contradiction. Understand itself that for an understanding of history and teaching of history, one should take into consideration the relations of determination and influence that it receives from economic structure. Thus, believe itself that a conception of history from the historical materialism allows a better understanding of the historical path of humanity from its multiple determinations. The notes marxianos in relation to education, inserted in the movement of tho history, as a result of multiple relationships determined by material evidence base shall be understood as a product and at the same time as producer a new historical consciousness based on social transformation. For Marx, the educational transformation should occur in parallelly with the social 2 revolution, with the main focus the full development of man and the change of social relations, thus, education should monitor and accelerate this movement, but don’t exclusively in charge of unlik it, neither do it succeed. KEYWORDS: HISTORY, EDUCATION, MATERIALISMO HISTORICAL, MARXISM. AS CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA O DEBATE ENTRE HISTÓRIA E EDUCAÇÃO. Claudemir Galiani e Maria Cristina Gomes Machado Introdução Este texto apresenta algumas reflexões na tentativa de identificar a concepção de história presente no marxismo e a contribuição dessa teoria para a compreensão da educação como integrante de uma totalidade social, tomando-se, como principal referencial, alguns escritos de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Um dos motivadores de tais reflexões é o documento emitido pela Secretaria Estadual da Educação do Estado do Paraná, no ano de 2007, que apresenta novas orientações curriculares para o ensino de história para a rede Pública de Ensino, fundamentadas no referencial da Nova História, a Nova História Cultural e a Nova Esquerda Inglesa. 3 Entende-se que, para compreender a proposição curricular para o ensino de história, deve-se levar em consideração as relações de determinação e influência que ela recebe da estrutura econômica. Desta forma, acredita-se que os autores supracitados, traduziram em seus escritos a realidade e as necessidades de uma determinada época e que não se prendiam, apenas, num recorte temporal, mas avançava na compreensão da trajetória histórica da humanidade a partir das suas múltiplas determinações. As reflexões apresentadas no texto serão orientadas, sobretudo, a partir das seguintes obras: “A ideologia alemã” (1845) e “O manifesto do Partido Comunista” (1848). Marx e Engels escreveram em conjunto o “Manifesto comunista”, “A sagrada família” e “A ideologia alemã”. Depois da morte de Marx, os seus manuscritos foram re-elaborados por Engels, concluindo assim, o segundo e o terceiro volumes de “O capital”. A partir de 1884 os traços do pensamento de Engels não se distinguem mais claramente dos de Marx. A compreensão dos autores sobre o sistema capitalista de sua época diferenciava dos economistas liberais, estes entendiam as leis que regiam o sistema como um valor absoluto. Ao contrário, Marx e Engels acreditavam que essas leis tinham um valor histórico. Assim, Marx centrou sua análise retomando a história da sociedade humana. De acordo com Hobsbawm (1998, p.173), “[...] Marx estudou deliberadamente a história na ordem inversa, tomando o capitalismo desenvolvido como seu ponto de partida”. O ponto de partida do marxismo para a compreensão de uma determina sociedade se orienta sob os seguintes aspectos: uma sociedade em movimento, que não é estática, e como tal, ela forma uma base material e os homens que nela vivem, têm a possibilidade de mudança. Conforme observou Marx (1984, p. 43): [...] a história não é senão a sucessão das diversas gerações, cada uma das quais explora os 4 materiais capitais, forças de produção que lhe são legados, e que por isso continua, em circunstâncias, completamente mudadas, e por outro lado modifica as velhas circunstâncias. Neste sentido, a produção intelectual de uma determinada época refletiria a sua existência material. Equivale dizer que, se a sociedade fosse harmoniosa, sem conflitos, sem contradições, provavelmente a produção intelectual estaria voltada para sua manutenção, sem propor mudanças. Porém, não era essa a característica que predominava nos tempos de Marx e Engels, e tal como hoje, a sociedade se apresenta de forma conflituosa, os interesses antagônicos, as classes sociais tendiam para dois pólos totalmente opostos: de um lado o capitalista voltado para o acúmulo acelerado do capital, enriquecendo a partir das relações de produção e de outro a classe proletária aumentando como classe, mas desprovida de qualquer riqueza, até mesmo a sua força de trabalho, tanto braçal como intelectual, já não mais lhe pertencia, era vendida por um preço irrisório, por meio daquilo que se convencionou chamar de “salário”. Inclui-se nesta análise os professores que se constituem como um grupo de proletariado intelectual, detentores de saberes, e que vendem a sua força de trabalho para um capitalista intermediário, mediador da ideologia burguesa, denominado: Estado. Marx e Engels tomam forte posição de luta frente às transformações sociais que estavam ocorrendo no século XIX. Neste momento, a sociedade organizada pelo modelo burguês, buscava definir um novohomem vinculado à produção industrial. Neste sentido, é preciso compreender que ao formularem suas teorias, sistematizam aquilo que a sociedade estava vivendo, pois já existia uma base concreta material que determinava o modo de vida da sociedade, e, conseqüentemente, de educação. Para tanto, o texto está organizado em duas partes. Na primeira parte, apresenta-se em linhas gerais, o processo de organização da 5 sociedade burguesa e o ideário liberal produzido como arma teórica contra os resquícios da sociedade feudal. Na segunda, levantam-se alguns questionamentos que se tornaram possíveis com o acirramento das contradições sociais a partir da crise do capitalismo, incluindo a função da educação na nessa sociedade. 1. A sociedade burguesa e o ideário liberal Alguns autores contribuíram para dar um suporte teórico às transformações que estavam ocorrendo, e ao sistematizarem, se posicionaram do lado da classe burguesa. Para um melhor entendimento de como foram os seus posicionamentos, tomar-se-á, como exemplo, Francis Bacon, John Locke e Adam Smith. Francis Bacon (1561-1626), no início do século XVII, fez uma importante contribuição para o desenvolvimento da sociedade por meio de um rigoroso método de observação da natureza, onde o conhecimento se dá de forma empírica e experimental, desta forma acreditava que era preciso, “[...] descobrir as leis que regem a natureza para poder transformá-las”. (BACON, 1984, p.9). Este autor vivia um momento histórico de transição da Sociedade Feudal para a Capitalista. O fundador da ciência moderna, traduzia os interesses da classe burguesa no sentido de que por meio do seu método de interpretação da natureza, aumentasse a produção e com isso proporcionasse um aumento do comércio. John Locke (1632-1704) lançou, no final de mesmo século, os fundamentos para uma nova concepção de homem, quando afirmou que, “[...] não há princípios inatos na mente. A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente prova de que não é inato.” (LOCKE, 1983, p.13). Com esta afirmação negava-se toda a compreensão de mundo e de homem da sociedade feudal. Se até então os homens eram vistos como imagem e semelhança de 6 Deus, passavam a serem vistos como racionais e como homens que se construíam a partir de suas experiências. O homem era considerado pelo autor como uma “tabula rasa”, sem marcas anteriores ou idéias inatas, concebidos como livres e iguais. Iguais por possuir a propriedade sobre seu próprio corpo e livres das relações feudais de servidão, liberando-se dos antigos entraves sociais, colocando-se em condição de contribuir para o aceleramento do processo de acumulação de capital. Este pressuposto de Locke se constituiu como uma arma teórica utilizada pela burguesia para criticar os fundamentos do poder absoluto e legitimar a sua prática. Historicamente tornou-se necessário eliminar o Estado Absoluto. Assim, Locke acreditava que por meio de um governo civil, os homens pudessem viver harmoniosamente na sociedade, já que, por serem racionais, livres e iguais, seriam assegurados os direitos de todos. Porém, em situação de violação do direito e da propriedade do outro, o governo civil atuaria como interventor para assegurar essa ordem. Isso equivale dizer que a riqueza e o acúmulo de capital, dependeria exclusivamente do esforço e da capacidade de trabalho de cada um. John Locke, entre outros, contribuiu de forma decisiva para a implantação da Monarquia Parlamentar na Inglaterra, ao fornecer suporte teórico para que a burguesia pudesse participar do poder político e ao mesmo tempo se afirmar nas decisões políticas do país. A Declaração de Direitos, aprovada, teve suas bases no princípio da Igualdade e da Liberdade. Mas será que na prática social, todos se tornaram como num passe de mágica, iguais e livres? Adam Smith (1723-1790), no século XVIII, após a Revolução Industrial, mostrou que as novas relações humanas se fundamentam no princípio da troca, mas para que essas relações baseadas na troca se estendessem a toda a sociedade moderna, foi necessário percorrer 7 um doloroso caminho, uma luta entravada na sociedade feudal, onde o comerciante e o senhor feudal se enfrentaram. Segundo este autor: [...] a partir do momento que os senhores feudais passam a adquirir bens por meio do comércio, colocou em risco o seu poder e como o seu poder fundamentava-se na terra e no número de indivíduos que viviam no seu feudo, esse enfraquecimento liberou forças produtivas do campo para a cidade, aumentando significativamente a população da cidade que além de se constituir em mão de obra, se constituía também como consumidor. ( SMITH, 1988, p.349) Esse processo contribuiu para que houvesse a dissociação do trabalhador dos meios de produção e sua expropriação da terra. A partir desses pressupostos, Adam Smith formulou a sua teoria da riqueza, na qual acreditava que não era qualquer trabalho que se constituiria como fonte de riqueza, mas sim o trabalho dividido, neste sentido, se estenderia em todos os setores da sociedade. Os produtores agrícolas produziriam a matéria prima para as manufaturas que produziriam o produto final para os comerciantes que faziam chegar este produto até o consumidor e a base de produção pressuponha o trabalho conjunto de muitas mãos. Desta forma, todos participariam do processo de produção, cada qual com a sua função estabelecida, ao mesmo tempo em que o produtor agrícola produzia matéria prima, também consumia produtos manufaturados, o mesmo ocorreria com os trabalhadores da manufatura e os comerciantes. Todos participariam do processo de produção direta ou indiretamente e todos consumiriam a produção. Tomando especificamente a divisão do trabalho em uma fábrica, a produção aumentaria na medida em que cada operário fosse designado para uma função diferente, esta divisão possibilitaria o aperfeiçoamento da mão-de-obra, com o conseqüente aceleramento do processo produtivo, bem como cada trabalhador inventaria instrumentos para aperfeiçoar seu trabalho. 8 A disponibilidade de capitais da burguesia comercial e as regulamentações impostas pela política dos setores burgueses, somado a outros fatores, tal como teorizada nas formulações de Adam Smith que justificava em suas formulações a necessidade do estabelecimento de um Estado mínimo, dado que o mercado de livre-concorrência seria regido pela mão invisível do interesse próprio de cada burguês, proporcionaram, somando-se a introdução da maquinaria na indústria, relativo sucesso para os agentes capitalistas empreendedores. No momento de ascensão e consolidação da sociedade burguesa, os autores acima descritos, tinham como foco de interesse explicar, justificar e propor alternativas para aumento da riqueza, ora dos setores empreendedores, ora de toda a nação. Desta forma, as teorias que diretamente permitiam a livre circulação de produtos, o aumento de produção, a melhoria na qualidade dos produtos, e ainda, fundamentados numa nova concepção de homem, contribuíram de forma decisiva para a destruição do Feudalismo. As transformações ocorridas nos países europeus em escala mais intensa ou gradativa, permitiram a afirmação da classe burguesa de cunho revolucionário, mas permitiram o surgimento, também, da classe proletária, esta vivia em uma situação de miséria crescente, em oposição à riqueza da classe burguesa. Isto se devia a contradiçãoda forma como o trabalho estava organizado: a produção é social – trabalho dividido – mas, a apropriação do produto final é individual, do burguês que detinha capitais e meios de produção. Esse processo ocorreu devido a expropriação do trabalhador do campo; a impossibilidade de realização do trabalho artesanal e a completa dissociação do trabalhador dos instrumentos de produção. Para superação dessas contradições, que se acirravam ao longo do século XIX, alguns autores propuseram uma nova forma de sociedade 9 baseada na igualdade de classes, o que chamaríamos de socialismo utópico, dos quais Phoudon tenha sido um dos mais atuantes neste empreendimento. Porém, na sua formulação, Marx (1985a.) percebeu algumas lacunas, e a sua crítica foi apresentada na “Carta a Amnekov” foi de que Proudhon isolava em sua análise os elementos considerados primordiais para a transformação, entre os quais, o Estado, considerado por Marx como necessário e agente fundamental no processo de transição na mudança estrutural na direção de uma sociedade socialista. Outro aspecto apontado por Marx era de que a consciência em Proudhon tinha uma determinação individual, quando para Marx, tinha uma determinação histórica e coletiva. 2. A sociedade burguesa e a crítica da economia política Para Marx, a classe burguesa teve como aliada um referencial teórico respeitadíssimo na investigação sobre a riqueza, principalmente nas formulações de Francis Bacon, Locke e Smith. Porém, sua preocupação era totalmente oposta, ou seja, objetivava investigar o surgimento da pobreza dos homens que viviam em sua época, e, para tanto, Marx (1987, p. 75) parte do pressuposto de que, “[...] a história de todas as sociedades que existiram até hoje, tem sido a história das lutas de classes”. Tomou assim, o surgimento, desenvolvimento e crise da sociedade burguesa como objeto de estudo. As sociedades, historicamente, desde as épocas mais remotas, apresentaram lutas concretas, ora o embate se dava entre patrícios e plebeus, entre homens livres e escravos e entre servos e senhores feudais. De acordo com Marx (1987, p.76), “[...] essas lutas nem sempre apresentaram de forma aberta, muita vezes disfarçadas, porém o resultado apresentado no final foi a vitória de uma das classes ou até mesmo a destruição das classes envolvidas”. Para 1 fundamentar essa explicação e entender melhor esses processos, Marx optou por uma forma de análise da passagem do Feudalismo para o Capitalismo de uma forma diferente daquela linear estabelecida por Locke e Adam Smith. Assim, Marx entendia que o desenvolvimento histórico das forças produtivas, alavancado, sobretudo, pela burguesia, resultou nas transformações da sociedade feudal. Algumas considerações permitem compreender melhor esta formulação, quando Marx (1985b, p.830) afirmou que “[...] a estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para a formação daquela”. É possível perceber o movimento presente na história. As relações de produção contribuíram para o surgimento de uma nova estrutura social. As classes que compõem esta nova estrutura se apresentavam em luta constante, e aquilo que aparentemente era novo, não excluía as contradições. Em relação à burguesia, ela se constituiu como força revolucionária em função até das novas bases materiais que se construíam, conforme Marx (1984, p. 78) “[...] a burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário, até a sua consolidação no poder político”. Desta forma, não existe um determinismo histórico eterno, e se os homens ao mesmo tempo refletem em suas ações a base material construíram, serão capazes também de suas ações, transformá-las. Em relação à classe burguesa, no período denominado por Marx de “acumulação primitiva de capital”, ele demonstrou que ela não era hegemônica e a própria burguesia travava entre si uma luta pela busca da hegemonia, porém quando se tratava de lutar contra um inimigo comum, ela se unia e se fortalecia. Neste sentido, no 1 Manifesto do Partido Comunista ele usa o mesmo instrumento da burguesia, quando conclamou aos trabalhadores para que se unissem. A classe burguesa começou a adquirir forças políticas a partir do seu poder econômico, neste sentido a afirmação de que: “[...] ao produzirem os seus meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material.” (MARX, 1984, p.15) A partir dessa premissa, Marx deixava claro que a tomada de consciência de classe partiria do pressuposto de que a base material era que determinaria essa consciência, para tanto ele mostrava por meio da história a trajetória da classe burguesa, no sentido de chamar a atenção da classe proletária, uma vez que a sua situação de miséria existente, não foi estabelecida por algo fora da sua realidade, algo externo, como um processo de alienação, mas sim pelos próprios homens de sua época. Segundo Marx (1983) Em 1789, a burguesia, aliada ao povo, lutou contra a monarquia, contra a nobreza e contra a Igreja dominante.O proletariado e as camadas da população urbana que não pertenciam à burguesia ainda não tinham quaisquer interesses separados dos da burguesia, ou ainda não constituíam classes ou setores de classe com desenvolvimento independente.As revoluções de 1648 e 1789 não foram revoluções inglesa e francesa; foram revoluções do tipo europeu. Não representavam o triunfo de uma determinada classe da sociedade sobre o velho regime político; proclamavam um regime político para a nova sociedade européia. A vitória da burguesia significava o triunfo de um novo regime social. Isso significa dizer que aqueles homens empreendedores do comércio, mercadores de produtos entre a produção artesanal e a produção agrícola, pouco a pouco foram incorporando alternativas que permitissem o acúmulo de riquezas, não bastando em si, passaram a induzir o consumo dos grandes senhores feudais, que 1 dispunham de grandes riquezas para poderem gastar com produtos ofertados, conforme observou: O linho não mudou materialmente em nada. Não se modificou nenhuma de suas fibras, mas uma nova alma social entrou no seu corpo. Constitui agora parte do capital constante do patrão manufatureiro. Antes, repartia-se entre inumeráveis pequenos produtores que o cultivavam e fiavam em pequenas porções com suas famílias: agora, concentra-se nas mãos de um capitalista para quem outras pessoas o fiam e tecem. Antes o trabalho extra, despendido na fiação do linho se concretizava em rendimento extra de inúmeras famílias camponesas e, no tempo de Frederico II, também em impostos para o rei da Prússia. Agora, se concretiza em lucro de alguns capitalistas. (MARX, 1985, p.863) Na chamada fase de acumulação primitiva, a relação conflituosa entre a cidade e campo, foi aos poucos incorporando outro elemento: a necessidade de um Estado que minimiza as forças produtivas antagônicas. Era o surgimento da unificação territorial denominada Nação, com um suporte econômico forte. Neste sentido, Marx (1984, p.21) afirma que “[...] a estrutura social e o Estado decorrem constantemente do processo de vida de determinados indivíduos, mas estes indivíduos como eles produzem materialmente, como trabalham”. Em relação a Feuerbach, é importante observar que Marx ( 1984, p. 109) discordava de suas teses, segundo ele, “ [...]o principal defeito de todo materialismo até aqui consiste em que o objeto, a realidade, a sensibilidade, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, como práxis”. Para Marx, o ponto de partida do velho materialismo é a sociedade civil, enquanto para o novo materialismo por ele proposto, é a sociedade humana. 1 A partir de algumas categorias utilizadas por Marx para entender a sociedade que ele vivia, é possível identificar a sua concepção de história, daí que suas obras se constituíram como chave para o entendimento da história do seu tempo, mas também como um instrumento de análise da história posterior a ele. Isso implica dizer que o passado não pode ser entendido não só porque ele é parte de um processo histórico, mas, também, porque esse processo histórico capacitou a compreensão das coisas relativas a esse processo. Isso significa dizer que nem o presente e nem o passado se explicam por si, isoladamente. A concepção de história de Marx, portanto, baseia-se na exposição do processo real de produção, começando da produção material da vida em si mesma e abrangendo a forma de relações associadas e criadas por esse modo de produção, isto é, “[...] a sociedade civil em suas várias etapas, enquanto base de toda história, descrevendo em sua ação enquanto Estado, e também como todos os diferentes produtos teóricos e formas de consciência, religião, filosofia, moral, dela derivam.” (MARX, 1984, p.48) Segundo Marx (1984, p. 31), “[...] o primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios para satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material.”. Neste sentido, ele se contrapunha aos idealistas hegelianos de sua época, que acreditavam que os rumos da história seriam definidos pelas idéias. Por essa razão, ele criticou os filósofos de sua época, que se limitavam em interpretar a natureza, justificá-la, sem propor alternativas de mudanças. Um dos postulados fundamentais, apresentado na “Ideologia Alemã”, era o fato de que os homens que desenvolviam sua produção material e o seu intercâmbio material, ao mudarem esta sua realidade, mudavam o seu pensamento e os produtos do seu 1 pensamento. Portanto, para Marx (1984, p. 23) “[...] não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência”. Neste sentido, a moral, a religião, a metafísica, a ideologia e a educação, não conservam assim por mais tempo a aparência de autonomia. Portanto, a consciência é um produto social e continuará a sê-lo enquanto existirem homens. De acordo com este postulado, Marx fez uma importante contribuição para compreender a educação como um dos elementos da totalidade social, incluindo as relações de determinação e influência que ela recebe da estrutura econômica, e o específico das discussões de temas e problemas educacionais. Para este autor, a educação do futuro da classe trabalhadora, compreendida como classe que poderia emancipar-se, superando as contradições capitalistas, deveria nascer do sistema fabril, associando-se ao trabalho produtivo com a escolaridade e a ginástica. Essa educação se constituiria como um meio para a humanização do homem integralmente desenvolvido. Sobre a educação, Marx não apresentou uma proposta pedagógica definida e voltada para o ensino, entretanto ele discutiu no programa de Gotha, algumas propostas apresentadas pelo Partido Operário da Alemanha, que segundo ele confundia ensino estatal de educação pública. Para Marx, não era o Estado que deveria se encarregar de educar os trabalhadores, e isso se constituía em uma grande contradição, afinal como poderia um Estado de cunho burguês, se encarregar de educar os trabalhadores para emancipar-se da condição de exploração em que viviam? O termo utilizado por Marx, “educação politécnica”, também deve ser entendido com o olhar do seu tempo, isto é, munir o trabalhador de conhecimentos gerais e específicos, de conhecimentos apropriados pela humanidade e de conhecimentos técnicos, não no 1 sentido meramente de executor, ou ensinar o trabalhador a manipular um determinado instrumento de trabalho, mas compreender a partir da dimensão deste instrumento de trabalho a sua dimensão social, de forma que o trabalhador ao ver uma máquina de tear, veja também a sua representação social a partir dela, o processo de trabalho propriamente dito, incluindo-se neste o valor de uso e de troca, a mais valia, o fetiche, a exploração do trabalhador, a ideologia burguesa nela embutida, e assim por diante. A identificação do trabalho com os interesses materiais e a do lazer com interesses ideais era produto da ordem social. A espécie de educação que habilita os homens a exercerem misteres de utilidade prática vinculava-se aos interesses de classes socialmente diferentes e antagônicas. O instrumental de trabalho, ao converter-se em maquinaria, exigiu a substituição da força humana por forças naturais e a rotina empírica pela aplicação consciente da ciência. Contudo, de acordo com Marx (1987, p. 439): Na manufatura, a organização do processo de trabalho social é puramente subjetiva, uma combinação de trabalhadores parciais. No sistema de máquinas, tem a indústria moderna o organismo de produção inteiramente objetivo que o trabalhador encontra pronto e acabado como condição material da produção. Na cooperação simples e mesmo na cooperação fundada na divisão do trabalho, a supressão do trabalhador individualizado pelo trabalhador coletivizado parece ainda ser algo mais ou menos contingente. A maquinaria com exceções a mencionar, só funciona por meio do trabalho diretamente coletivizado ou comum. O caráter cooperativo do processo de trabalho torna-se uma necessidade técnica imposta pela natureza do próprio instrumental de trabalho. Neste sentido, a observação de Marx (1987, p. 485), adquiriu um significado atual nas primeiras décadas do século XX, quando afirmou, “[...] por meio do código da fábrica, o capital formula, legislando particular e arbitrariamente, sua autocracia sobre os trabalhadores, põe de lado a divisão dos poderes tão proclamada 1 pela burguesia e o mais proclamado ainda regime representativo”. O código mencionado poderia ser interpretado como o conjunto de leis imposto à sociedade na tentativa de manutenção da ordem e da hierarquia social, assentada sob as bases da divisão do trabalho emergida do capital. Por essa razão, a democracia adquiria um significado de controle ideológico sobre a classe trabalhadora, ao igualar e fundir as aspirações de classes antagônicas. O principal agente regulador desta ordem, na visão de Marx, era o Estado: O Estado anula, a seu modo, as diferenças de nascimento, de status social, de cultura e de ocupação, ao declarar o nascimento, o status social, a cultura e a ocupação do homem como diferenças não políticas, ao proclamar todo membro do povo, sem atender a estas diferenças, co-participante da soberania popular em base de igualdade, ao abordar todos os elementos da vida real do povo do ponto de vista do Estado. Contudo, o Estado deixa que a propriedade privada, a cultura e a ocupação atuem a seu modo e façam valer a sua natureza especial. Longe de acabar com estas diferenças de fato, o Estado só existe sobre tais premissas. (MARX, 1991, p.25). Infere-se desta forma que o modelo de sociedade, pautado sob estas premissas, se sobrepunha a todas as outras instânciassociais, conforme observou Marx ( 1991, p.99), “[...] a antítese entre o Estado representativo democrático e a sociedade burguesa é o apogeu da antítese clássica entre a comunidade pública e a escravidão. É precisamente a escravidão da sociedade burguesa, na aparência, a sua maior liberdade”. No decorrer do século XIX , paulatinamente, o Estado assumiu como tarefa coibir os excessos do capitalismo, regulamentando parte das relações de trabalho, bem como, assumindo como tarefa difundir a educação elementar para as classes populares, ofertando educação gratuita, obrigatória e laica na maioria dos países ocidentais. Considerações finais 1 Os apontamentos marxianos em relação à educação, inserida no movimento da história, como resultado de múltiplas relações determinadas pela base concreta material, isto é, a produção dos homens para a sua existência, deve ser compreendida como produto e ao mesmo tempo como produtora de uma nova consciência históricas fundada na transformação social. Para Marx, a transformação educativa, deveria ocorrer paralelamente à revolução social, tendo como foco principal o desenvolvimento total do homem e a mudança das relações sociais, assim, a educação deveria acompanhar e acelerar esse movimento, mas não encarregar-se exclusivamente de desencadeá-lo, nem de fazê-lo triunfar. Em relação a sua concepção de história, o ponto de partida de toda a sua analise é a totalidade social, e os reflexos dessa totalidade se apresentam na forma de contradição nas classes que a compõe. Isso significa dizer que a luta de classes é parte integrante desse movimento de contradição. Neste sentido as Diretrizes Curriculares para o Ensino de História no Paraná, ao afirmar que “[...] na concepção de História que será explicitada nestas Diretrizes, as verdades prontas e definitivas não tem lugar, porque o trabalho pedagógico na disciplina deve dialogar com várias vertentes tanto quanto recusar o ensino de História marcado pelo dogmatismo e pela ortodoxia,” (DCE, 2007, p. 7) se contrapõe ao pensamento marxiano, fragmentando a História em vários objetos, fazendo predominar um relativismo acadêmico, de tal forma que a impressão primeira é a de que qualquer informação pode substituir uma análise clássica da História. REFERÊNCIAS BACON, Francis. Novum Organum. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Col. Os Pensadores). 1 HOBSBAWM. Eric. Sobre história: ensaios. São Paulo: Cia das Letras, 1998. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural. 1983. (Col. Os pensadores). MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Moraes, 1984. MARX, Karl. Carta de Marx a P.V.Annenkov. In:.A miséria da filosofia. Trad. José Paulo Neto. São Paulo: Global, 1985a. __________. A chamada acumulação primitiva de capital. Volume I. 2a.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985b.(Col. Os Pensadores). __________. O Manifesto do Partido comunista. São Paulo: Global, 1987. ___________, O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In. Obras escolhidas, vol.1, São Paulo: Alfa-Omega, 1983. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares para o Ensino de História nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Curitiba, 2007. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Col. Os Economistas). 1 REFERÊNCIAS
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