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A Alleexxaannddrre Ce Chheeppttuulliinn A A DDIIAALLÉÉTTIICCAA MATERIALISTAMATERIALISTA Categorias e leis da dialética A DIALÉTICA MATERIALI Categorias e Leis da Dialética BIBLIOTECA ALFA-OMEGA DE CIÊNCIAS SOCIAIS Série l. a — Volume 2 Coleção FILOSOFIA ALEXANDRE CHEPTULIN A DIALÉTICA MATERIALISTA Categorias e Leis da Dialética Tradução Leda Rita Cintra Ferraz EDITORA ALFA-OMEGA São Paulo 1982 Planejamento Gráfico e Produção Anselmo da Silva Filho Título do srcinal francês Categories et lois de la dialectique Éditions du Progrès — Moscou © VAAP — Moscou — URSS Capa Jayme Leão Revisão Eunice Aparecida de Jesus Composto/Impresso Gráfica A Tribuna - Santos/SP. Direitos Reservados EDIT ORA ALFA-OM EGA, LTD A. 05413 — Rua Lisboa, 500 — Tel.: 280- 01000 — São Paulo — SP Impresso no Brasil Printed in Brazil SOBRE O AUTOR Alexandre Cheptulin é doutor em Filosofia, professor e autor de várias monografias dedicadas ao materialismo dialético, dentre as quais podemos citar Sistema das categorias dialéticas, Leis da dialética materialista, Filosofia do marxismo-leninismo. Este é um estudo dos problemas fundamentais da filosofia marxista, uma análise das categorias e das leis dialéticas. Neste estudo, o autor procura apresentá-las sob a forma de um sistemade conceitos interdependentes, um determinando o outro e um decorre ndo do outro . Ele consi dera essas categorias e leis como reflexos das propriedades e relações reais, como graus e formas de desenvolvimento do conhecimento da sociedade e como princípios do conhecimento dialético e de uma transfor- mação orientada pela realidade. V INTRODUÇÃO Este livro dedica-se à análise das principais categorias e leis da dialética materia lista. Colocando em evidência o con- teúdo das categorias e das leis da dialética, exporemos a essência do materialismo dialético, enquanto teoria filosófica particular. O materialismo dialético estuda as formas gerais do ser, os aspectos e os laços gerais da realidade, as leis do reflexo desta última na consciênc ia dos homens. As for mas essenciai s da interpretação filosófica, do reflexo das propriedades e das cone- xões universais da realidade e das leis do funcionamento e do desenvolvimento do conhecimento são as categorias e as leis da dialética. Com o elementos necessários da teoria filos ófica, elas têm uma função ideológica, gnoseológica e metodológica. Quando estas categorias e leis são usadas pelo homem, para elaborar um sistema de concepções do mundo e uma concepção única dos fenômenos que aqui são produzidos, elas cumprem a fun ção de conce pção do mundo ideológ ico. O conhec imento das propriedades e das conexões universais da realidade, que se exprimem nas categorias filosóficas, é absolutamente indis- pensável ao homem para sua orientação, para que possa deter- minar as vias que lhe permitirão resolver as tarefas práticas que surgem no proces so de desenvolvimento da sociedade. Fo r- necendo um sistema global de idéias sobre a realidade ambiente, a filosofia ajuda o homem a elaborar uma atitude em relação à vida social, ao regime social, a compreender a essência da polí- tica adotada por um Estado e, por isso mesmo, permite-lhe participar de forma consciente da vida política da sociedade, da luta pelo progresso social e da realização dos grandes ideais da humanidade. 1 Representando o conhecimento das formas universais do ser, das propriedades e das relações universais das coisas, e ocupando, dessa maneira, a função ideológica, as categorias e leis da dialética refletem as leis do desenvolvimento do conhecimento, além de constituírem os pontos centrais, os graus e as formas do funcionamento e do desenvolvimento do pro- cesso de cognição. Por tudo isso elas po dem ser usada s paraapreender a essência da atividade cognitiva e das leis de sua obra. No pres ente caso, as leis e as categorias da dialética desemp enham um a funç ão gnoseológica. Sua assimilação per- mite um desenvolvimento da faculdade cognitiva, da capacidade de pensar com exatidão. Sendo o reflexo das formas universais do ser e das relações que se manifestam no mundo material e no conhecimento, as categorias e as leis da dialética permitem a formulação dos im- perativos, aos quais devem-se submeter a atividade do pensa- ment o e a ativid ade prátic a. Esses imperati vos constituem os princípios do pensamento dialético, do método dialético do conheci mento e da tra nsf orm açã o criativa da reali dade. O conhecimento desses princípios eleva o nível do pensamento, alarga suas possibilidades criativas. . A apt idã o das leis e das cate goria s da dial ética , pa ra de-, sempenhar uma função gnoseológica e metodológica, coloca em evidência a necessidade de seu estudo e de sua utilização consciente na ativid ade do pens ame nto. Em sum a: o homem, diferentemente do animal, cuja conduta repousa nos instintos e nos reflexos, é dota do de uma consciência. Tod os os seus atos têm um caráte r consciente. Ant es de praticá- los, ele analisa a situação, fixa objetivos adequados, define os modos e os meios pa ra sua realização . No decorr er desse processo, ele pensa de maneira contínua. Se ele pensar de forma correta, poderá facilmente ter uma idéia clara da si tuação que se cria, orientar-se, fixar um objetivo exato, utilizar os meios mais racionais para atingir esse objeti vo. Se seu nível de pensame nto é baixo, ele tem tendência a se confundir mesmo diante das situações mais simples; não consegue orientar-se corretamente. É importante lembrar o quanto é importante para cada homem o saber pensar corretamente e com certo espírito criativo, nota- damente no século da revolução científica e técnica e das gran- diosas transformações sociais, onde os homens têm de resolver problemas particularmente complexos, tan to técnicos como 2 tecnológicos, além de determinar as vias e as formas do pro- gresso social . Mas, um pens ame nto criativo correto, corres- pondente ao nível atual de desenvolvimento da ciência e da prática social, faz supor que os homens conheçam as leis do funcionamento e do desenvolvimento do conhecimento, as leis da atividade do pensamento, e que aprendam a usá-las racio- nalme nte para resolver as tar efa s práti cas. O especialistacontemporâneo deve dominar perfeitamente o método dialético do conhecimento, deve conhecer e aplicar conscientemente os princípios da dialética, as formas e os procedimentos lógicos da pesquisa científica e da criação. Tudo isso mostra a necessi- dade de um estudo profundo da teoria da dialética, de suas categorias e de suas leis. O estudo das leis e das categorias da dialética tem um papel importante na elevação do nível cultural do homem. E isso porque os resultados do desenvolvimento do conhecimento científico e da prática social concentram-se nas leis e categorias filosóficas. As categorias e leis são graus do desenvolvimento do conhecimento e da prática sociais, conclusões tiradas dahistória do desenvolvimento da ciência e da atividade prática. Familiarizar os homens com as categorias e as leis da dialética, fazê-los assimilar sua essência, nada .mais é do que os iniciar na cultura humana e alargar seus horizontes. Em sua exposição das principais categorias e leis, o autor procura mostrar as funções gnoseológicas, metodológicas e ideológicas que elas desempenham; ele as considera como for mas do reflexo de prop ried ades e relações universais da realidade, como graus e formas do desenvolvimento do conhe- cimento social, como princípios do método dialético do conhe- cimento e da transformação orientada pela realidade. Segundo o autor, essa análise permite que se evidencie o papel importante desempenhado pelas categorias e leis da dialé- tica na atividade teórica e prática dos homens. 3 I. NATUREZA DAS CATEGORIAS A definição da natureza das categorias, de seu lugar e de seu papel, no desenvolvimento do conhecimento está direta- mente ligada à resolução do problema da correlação entre o particular e ogeral na real idade objetiva e na consciência, assim como à colocação em evidência da srcem das essências ideais e da relação destas últimas com as formações materiais, com os fenômenos da realidade objetiva.Esse prob lem a nasce u com a Filo sofia e sempre foi o centro de atenç ão dur ant e to da a sua história. Estr eita mente ligado à questão fundamental da Filosofia (isto é, à questão que decide o que vem primeiro: a matéria ou a consciência), ele foi objeto de discussões intermináveis entre as diferentes escolas filosóficas, entre os representantes das tendências mate- rialistas e idealistas. Ludwig Feu erb ach tinha razão quand o afirmava que "esta questão é uma das mais importantes e, ao mesmo tempo, uma das mais difíceis do conhecimento humano e da Filosofia. .., toda a história da Filosofia está, no fundo, centralizada nesta questão" 1. Na Fi losofia da antiga Grécia, esse problema fo i colocadode forma muito precisa e uma solução para ele foi apresentada pelos pitagóricos que, depois de estudar o aspecto quantitativo das coisas e descobrir sua semelhança com o número, con- cluíram que o número representa uma essência universal independente das coisas individuais e singulares e determina sua nature za e sua existência. A propósito dessa que stão, Aristóteles indica que os pitagóricos observaram que os núme- 1 L. Feuerbach, Vorlesungen über das Wesen der Religion, Leipzig, 1851, p. 153. 5 ros tinham muitos traços de semelhança, e que é por essa razão que eles decidiram que os princípios dos números deve- riam ser os princípios de todas as coisas e que os números deve- riam ocupar o primeiro lugar na natureza, medir e reger as coisas singulares, constituindo sua essência. Os pitagóricos colocaram em evidência um dos aspectos (propriedades) universais dos objetos e dos fenômenos da rea- lidad e: as relações quantitativas . Mas, abstra indo toda s as outras relações e propriedades (singulares e gerais) das coisas, eles erigiram a categoria da quantidade, transformando-a em essência ideal autônoma. Platão desenvolveu essa doutrina pitagórica das categorias. Segundo Platão, o ser verdadeiro e real é formado pelas idéias — as essências ideais que são autônomas, independentes das coisas singulares e que criam estas últimas, unindo-se à matéria. Essa matéria existe nelas durante um determinado tempo e depois elas retornam novamente para o mundo ideal, provocan- do com isso o desapa rec ime nto das coisas. As essênc ias ideais, segundo Platão , são eterna s e imutáv eis. As coisas sensíveis são transitórias, elas aparecem e desaparecem. Aristóteles critica o ponto de vista pitagórico e platônico relativo à nat urez a das categorias. Segundo e le, as categorias, que são noções gerais, não existem antes das coisas singulares, mas são, pelo contrário, o resultado do conhecimento destas, assim como o reflexo das propriedades e das relações que lhes são própria s. Ai nda segundo Aristóteles, perc eben do as coisas singulares, nós conhecemos não apenas o singular, mas também o geral, que se reproduz em numerosos objetos ou mesmo em todos eles. No proces so da perce pção reit erad a das coisas, o geral, que lhes é próprio, cristaliza-se na consciência dos homens e exprime-se sob a forma de um conceito geral que existe ao lad o das image ns singulare s. Qu an do o geral inicial já foi fixado no espírito, conceitos ainda mais gerais são formados a partir dele refletindo as propriedades e as ligações de um grupo maior de coisas, e depois os conceitos mais gerais de todos — que são chamados categorias, que refletem as formas universais do ser — são formados. A teori a de Aristót eles sobre a natu reza das categorias, embora sendo just a na sua essência , não é conseqüe nte. De- clarando que, na realidade objetiva, o elemento análogo do conteúdo dos conceitos gerais são a matéria e a forma, Aris- 6 tóteles acreditava que a forma era ideal, que ela podia ter uma existência aut ônom a, independe nte das coisas mater iais . Isso não significa que todo o geral, próprio ao mundo objetivo, seja material e que exista apenas por meio das coisas indivi- duais, sing ulares. Uma part e do geral possui uma natureza ideal e existe independentemente e fora das coisas sensíveis. Isso é uma concessão séria feita a Platão e ao mesmo tempo à visão idealista do problema. Na Idade Média, a concepção da natureza das categorias, assim como a solução encontrada para outros problemas filo- sóficos, adquir iu um a colora ção teológica. Os fil ósof os que representavam a tendência realista retomavam, sob uma forma ou outra, o ponto de vista platônico sobre as categorias, que eles consi dera vam como essên cias ideais aut ônom as, existindo inde pend ent emen te dos home ns e das coisas. Os nominalis tas repudiavam essa concepção das categorias, negando-lhes uma existência independente não apenas na realidade objetiva, mas também na consciência. Johannes Scotus Erigena, por exemplo, filósofo realista da Idade Média, afirmava que os conceitos gerais eram criados por Deus e consti tuíam a natureza pr imeira. Deus, intervindo no princípio enquanto universal indeterminado, criou um mundo ideai que constitui o princípio primeiro e a essência das coisas. Esse mundo ideal divide-se em noções de gênero e espécie que, reun idas uma s às outras , for mam as coisas singulares. Assim, para Erigena, as categorias sendo elementos do mundo ideal, não podiam ser reflexos de formações materiais e de coisas sensíveis, e sim suas criadoras, existindo anterior e indepen- dent ement e das últimas . O nominal ista Rosc eli n, pel o contrá- rio, partiu essencialmente da solução aristotélica do problema, mas, estabelecendo como absoluta sua negação da existência independente do geral na realidade, ele terminou por negar completamente a existência do geral, isto é, negou sua exis- tência na realidade, não apenas sob a forma de uma existência ideal independente, mas também sob a forma de qualidades, de prop rie dade s das coisas singulare s. Ess e filó sofo considerou que os gêneros e as espécies (as noções de gênero e de espécie) não existiam realmente, eram apenas nomes dados pelos homens para coisas particulares, coisas que eram absolutamente singu- lares e que não tinham nada de geral. 7 A tentativa de conciliar a visão realista e a nominalista sobre as noções e categoria s gerais foi feita por Tomá s de Aqui no. Da mesma maneira que Aristó teles, ele achava que as coisas singulares apareciam em decorrência da união da maté ria com a for ma , que constitui a essência. O fat o de que existiam, na realidade, várias coisas possuindo uma mesma matéria e uma mesma forma mostrava, segundo ele, que a essência se manifestava enquanto geral nas coisas singulares. No processo de conhecimento, o homem pode distinguir o que é geral e concebê-lo como tal. Em decor rênci a disso, aparece na razão o geral em seu estado puro, isto é, ao lado do singular. Mas, a partir do fato de que, segundo esse filósofo, existem duas razões — a humana e a divina — a existência ideal do geral é dup la. Por um lado , o geral existe na raz ão divina sob a forma de modelo das coisas singulares e, por outro, ele existe na razão humana sob a forma de noções surgidas em conseqüência do desligamento do geral das coisas singulares. As essências ideais gerais, que se encontram na razão divina, manifestam-se sempre, segundo Tomás de Aquino, em seu estado pur o, fora de qualquer ligação com o singular . Elas enge ndra m e deter minam as coisas singulares. Ess as mesmas essências ideais que existem sob a forma de conceitos, de categorias, na consciência dos homens, não são autônomas, nem indepe ndentes das coisas parti cular es, são o resul tado do conheci mento dessas últimas. Pel o fato de que a essência de uma coisa particular qualquer é determinada pela essência ideal, que se encontra no pensamento divino, os conceitos e as categorias, criados pelos homens, devem ser o reflexo dessa essência ideal, isto é, do geral, existindo de forma autônoma, enão das propriedades reais das coisas. Assim, a tentativa de Tomás de Aquino de conciliar as soluções nominalista e realista, apresentadas para a questão da natureza dos conceitos gerais e das categorias, terminou em frac asso . Essa tentati va limitou-se ao pla no das posições do realismo do reconhecimento do ser autônomo, independente das coisas materiais singulares, e das essências ideais que cons- tituem o conteúdo dos conceitos e das categorias. Os materialis tas dos tempos mode rno s (Fran cis Bacon, Thomas Hobbes, John Locke etc.) negaram a concepção realista da natureza das essências ideais (dos conceitos gerais e das categorias) e procuraram desenvolver o ponto de vista 8 aristotélico sobre o conceito, considerado como uma forma do reflexo do geral na realidade (da natureza geral, das proprie- dades gerais, das qualidades das coisas singulares). Hobbes, por exemplo, considerava que, na realidade, exis- tiam apenas coisas singulares que se caracterizavam por pro- priedades determinadas ou acidentes. Algumas dessas proprie- dades ou acidentes pertenciam a todas as coisas e outras a apenas algu mas dentre ela s. Re fle tin do o processo do conhe- cimento das propriedades das coisas, o homem criou os con- ceitos corresp ondentes . A par tir do fat o de que os objetos possuem propriedades universais, os conceitos que refletiam essas propri edade s eram aplicáveis a toda s as coisas. São nomes universais 2. Assim, segundo Hobbes, as categorias não representam as essências ideais gerais autônomas, que determinam a natureza das coisas, mas são apenas o reflexo das propriedades gerais, dos acidentes pró pri os das coisas. Locke desenvolve u esse mesmo ponto de vista, mas de forma mais conseqüente 3. George Berkeley opôs-se a essa concepç ão da nature za de conceitos gerais e de cate goria s. Parti ndo do fat o de que o geral, na realidade objetiva, existe somente nas coisas sin- gulares , ele proc urou prov ar a impo ssib ilid ade da existênci a _de conceitos e de categ orias. Segu ndo Berkel ey, tod os os conceitos s| õZj in gul ar es , representam as idéias das coisas particul ares que podemos perceber. Ningué m jamai s percebeu idéias gerais, ele afirma. O posterior desenvolvimento filosófico das idéias sobre a natureza das categorias e dos conceitos gerais ultrapassa a concepção fundamentalmente nominalista de Berkeley e passa pela reabilitação do ponto de vista de Locke. Essa atitude foi desenvolvida particularmente pelos materialistas franceses do século XVIII (Denis Diderot, Paul-Henri Holbach, Claude- Adrien Helvétius etc.). Emanuel Kant expôs um outro ponto de vista sobre a natur eza das categorias. Segundo ele, as catego rias não são o reflexo de aspectos ou de conexões da realidade objetiva, 2 T. Hobbes, Leviathan or the Matter, Form and Power of a Com- monwealth Ecclesiasticall and Civil, Londres, 1928, p. 19-20. 3 J. Locke, Essai philosophique concernant I'entendement humain, Paris, 1975, t. 1, p. 290-8; t. 2, p. 257-61; t. 3, p. 58-71 e 176-80. 9 mas representam as formas da atividade do pensamento, con- cedi das ~ãco nsci ênci a peiã natu reza . Seu conteúdo" è determi- nã3õ~pèla__consciência, representa uma ou outra forma de suas características e é introduzido no mundo dos fenômenos pelo sujeito no decorrer do processo da atividade cognitiva que se produz porque o sujeito dispõe a priori das categorias corres- pondentes. Os pensamentos de Kant encerram uma boa parte racional se tomarmos um homem isolado, o indivíduo, como sujeito do conheciment o. Co m rel açã o a cada indivíduo , as categorias são as formas da atividade do pensamento próprias da consciência social anterior a qualquer, experiência de conhecimento, anterior a toda ação cognitiva, a priori. É apenas assimilando-as que um indivíduo pode pensar'dé acordo com sua época e assim conhecer a rea lid ade que o rodei a. Mas o sujeito real do conhecimento não é um indivíd uo, é a sociedade. Com relaç ão à sociedade, as categori as n ão são absolu tamente nad a que preceda o conhecimento , e também não são fo rmas da atividade do pensamento que a priori lhes são própr ias. Sob essa relaçã o,elas são formas do reflexo da realidade, que se formaram no decorrer do processo da atividade prática e do desenvolvimento, a partir dela, do conh ecim ento . Seu cont eúdo é dete rmina do não pela consciência, mas pela atividade objetiva, e se mani- festa como um reflexo das características das formas universais do ser. Ele não é subjet ivo, nem é intro duzido no mun do dos fenômenos pelo sujeito, que o tira da realidade objetiva e o expressa sob uma forma ideal. O subjetivis mo da conc epçã o kant iana da natur eza das categorias e a tese, segundo a qual o caráter universal de seu conteúdo é condicionado pela consciência dos homens, foram criticados por Hegel: "O material sensível é, segundo a filosofiacrítica, profundamente individual . . . e apenas o entendimento que o examina lhe traz unidade e o erige, por meio da abstração, como universal" 4. Cont inuan do, ele diz ainda: "A afirmativa de Kant consiste no fato de que as determinações do pensa- mento têm sua srcem no "eu", e é então o "eu" que determina o universal e o neces sárái o. Assim, o "e u" seria uma espécie 4 G. W. F. Hegel, Werke. Vollständige Ausgabe, Berlim, 1843, v. 6, p. 85-91. 10 de cadinho onde o fogo devora a multiplicidade indiferente e a reconduz à unidade" 5 . Embora criticando Kant por seu subjetivismo na concepção da natureza das categorias, Hegel não adotou o ponto de vista materialis ta. El e criticou Kant não por seu idealismo, não por deduzir do pensamento o universal, a necessidade e as leis da consciência, mas porque ele não podia seguir logicamente esse ponto de vista, porque parou no meio do caminho e também porque entendia a atividade das leis da consciência e do pen- samento como relacionada unicamente com os fenômenos e não com o mundo todo, isto é, com a "coisa em si"; ele o criticava porque Kant deduzia da consciência apenas o neces- sário, o universal e as leis, mas não tudo o que existia, isto é, não as coisas particulares; criticava-o porque Kant deduzia o universal e o necessário da consciência humana e do pensa- mento e não da consciência e do pensamento como tais; criti- cava-o ainda porque Kant construía um muro intransponível entre o subjetivo e o objetivo, entre o conceito e a coisa, entre a idéia e a realidade e depois não os fundia em um todoúnico, não fazia da realidade um momento da idéia, do con- ceito. Hegel interpretava a natureza das categorias no plano do idealismo objet ivo. Segundo ele, essas categorias apare ciam não no decorrer do processo do reflexo da realidade na cons- ciência dos homens, mas em decorrência do desenvolvimento da idéia, que existe anterior e independentemente da existência do mundo material, das coisas sensíveis. A idéia absoluta desenvolve seu conteúdo por meio das categorias que aparecem sucessivamente, e ela se transforma em natureza, em mundo material, se encarna nas formações materiai s e nas coisas. En tã o, sem ter consciência de si mesm a, ela sofr e um certo desenvolviment o. Em seguida, depois de rejeitar a forma do ser físico que lhe é estranha, a idéia absoluta volta novamente para seu elemento espiritual adequado; depois, por meio da tomada de consciência do caminho percorrido no decorrer do processo de desenvolvimento do conhecimento, regressa definitivamente para si mesma, para existir, em seguida, eternamente sob a forma de espírito absoluto. 5Hegel, op. cit., p. 91. 11 Assim , par a Hegel, as categorias repr ese nta m essências^ ideais^ que exprimem os momentos correspondentes da ideia absoluta, assim como os graus de seu desenvolvimento dialético L _ Sendo as formas da atividade criadora da idéia, as categorias determinam a essência das coisas materiais, essência que se manifesta nelas e que se reproduz no estado puro, em decor- rência do conhecimento. Após ter apresentado sob uma forma universal a dialética do autodesenvolvimentodas categorias, e de haver pressentido a multiplicidade das leis gerais reais do desenvolvimento da realidade objetiva e do conhecimento, Hegel transforma a dia- lética das categorias em uma dialética determinante que submete a si mesma a dialética das coisas, transformando esta última em um caso particular da lógica. Embora sem deixar de reconhecer o mérito considerável de Hegel na ela bora ção da dialética, Marx e Enge ls criticaram severamente sua concepção idealista da natureza das categorias. Eles assinalaram que, para Hegel, as coisas que existem obje- tivamente são apenas motivos, cujas categorias lógicas são o esboço. Sendo tirad as das coisas pela abst raçã o do particula r e do singular, as categorias são, segundo Hegel, essências autô- nomas, que existem independentemente das coisas e antes delas, fazendo o papel de substância dessas últimas. "Qu and o, traba- lhando sobre realidades, maçãs, peras, morangos, amêndoas, eu formo a idéia geral de "fruto"; quando, indo ainda mais longe, eu imagino que minha idéia abstrata do "fruto", deduzida de fatos reais, é um ser que existe fora de mim e, ainda mais, que constitui a essência verdadeira da pera, da maçã etc., eu de- claro — em linguagem especulativa — que o "f ru to " é a "substância" da pera, da maçã, da amêndoa etc. 6". "Ora, tanto é fácil, escrevem Marx e Engels ainda, par- tindo de frutos reais, engendrar a representação abstrata do "fruto", como é difícil, partindo da idéia abstrata do "fruto", engendrar frutos reais"?. A razão especulativa procura sair desse embaraço expli- cando o conceito geral não por uma essência morta, desprovida de diferenças, mas por uma essência viva, que distingue, no seu 6 K. Marx, F. Engels, La Sainte-famille, Paris, Editions Sociales, 1969, p. 73-4. 7 K. Marx, F. Hengels, op. cit. ; p, 74, 12 interior, as coisas concretas e as faz nascer no curso de seu desenvolvi mento. O result ado é que fru tos reais pode m ser manifestações diversas do fruto como tal, isto é, de uma essência ideal. "Pode-se ver por isso, concluem Marx e Engels, que enquanto a religião cristã conhece apenas uma encarnação de Deus, a filosofia especulativa tem tantas encarnações quantassão as coisas; é assim que ela possui, neste caso, em cada fruto, uma encarnação da substância do fruto absoluto"8. Na fi losofia burguesa contemporânea, a concepção realista, que supõe o reconhecimento da existência autônoma das cate- gorias sob a forma de essências ideais particulares — as uni- versais —, foi desenvolvida pelo filósofo inglês G. E. Moore. Segundo ele, o mundo é composto por três espécies de coisas: os objetos sensíveis, as verdades ou os fatos e os universais 9. Moore critica particularmente o ponto de vista segundo o qual existem apenas as coisas sensíveis singulares, enquanto que as universais são consideradas como produtos do pensa- men to. Ele acredit a que tal pont o de vista nasceu do empregodas palavras "idéia", "conceito", "pensamento" e "abstração" com duplo sentido. "Nós empregamos, d iz Moor e, a mesma palavra "idéia" , "concei to" e "abstração" tanto para o ato do pensamento como para os objetos. Sabemos que todos os universais são, em um certo sentido, abstrações, isto é, coisas ideais po r sua próp ria natureza. É por isso que vários filósofos pensam que quando chamamos uma coisa de abstração, suben- tende mos que ela é um prod uto do cérebro. Ent ret ant o, esse é um erro grave. Há , é verdade , um processo físico cham ado abst raçã o. Mas, no decorrer desse processo, os universais não são criados, apenas tomam os consciência deles. E é exata- mente a consciência que nós temos deles que é o produto do processo, e não os universais em si" 10. Apresentando a existência objetiva das categorias (deno- minadas universais), fora da consciência humana e das dife- rentes coisas, Moore segue o raciocínio: "A última vez eu 8 K. Marx, F. Hengels, op. cit., p. 75. 9 G. E. Moore, Some main problems of philosophy, Londres-New York, 1953, p. 372. 1 0 G. E. Moore, op. cit., p. 371. 13 tomei o exemplo de coisas diferentes, que estão todas a uma certa distância de uma mesma coisa" 1 1 . Designando as coisas que se encontram à distância de uma única e mesma coisa pelas letras B, C, e D e a coisa que serve de referência pela letra A, ele prossegue: " . . . a pro- priedade de encontrar-se a uma certa distância de A é uma propriedade que é comum às três coisas B, C, D e é um "uni-versal", uma "idéia geral", apesar do fato de que esta proprie- dade consiste em ter uma relação com A, isto é, com alguma coisa que é não-universal" 1 2. Examinemos a propriedade que Moore chama de universal. Ela é apenas um momento geral, um aspecto em várias relações particulares: B/A, C/A, D / A . Essa propr iedade existe ao lado das relações partic ulares estud adas? Nã o. Ela existe apenas mediante essas relações particulares, no interior dessas relações. Se é assim, quais os fundamentos de Moore para classificá-la de universal? Será por que ela pertence a todas essas coisas — B, C e D? Isso apenas pro va que essa prop rie dade pertence da mesma maneir a às três coisas em ques tão. Mas, não provaque ela existe independentemente das coisas e ao lado delas. Assim, a prova apresentada por Moore da existência real, fora da consciência, de idéias e de universais, não resiste à crítica. A concepção das categorias apresentada por K. Popper é bastante próxima da de Moore . Pa ra Popp er, há três mun- dos : o mundo físico, o mundo espiritual de um homem concreto, mundo__das„essências inint eligíveis ou das idéias . O "terceiro mundo encerra não apenas os conceitos universais, mas tam- bém todas as afirmações e as teorias. Cr iando ._.a_existênçia_ au tô nr ai a„ da s_ catego rias —- conceitos universais — P°PP!i r agiu exatament e da mesma for ma que Mo or e. Segundo ele, os objetos do terceiro mundo — as idéias objetivas — são fre-qüentemente tomados por idéias subjèfivãs7 p"õr objetos perten- centes ao segundo mundo, embora isso seja totalmente falso. As_es sênçia s ideais universais, são ..objetivas,.. elas exis tem fora e independentemente do espírito humano e formam um mundo à parte. Essas reflexões de Popper são uma transposição da con- ce pç ão pl at ôn ic a da natureza das categorias. O autor, al iás, "G. E. Moore, op. cit., p. 371. 1 2 G. E. Moore, op. cit., p. 312. 14 não esconde o laço que existe entre sua própria concepção e a teoria das idéias de Platão. A concepção realista da natureza das categorias inclui a possibilidade de conclusões idealistas. Efetivamente, se o geral, como declaram os realistas, existe de maneira autônoma, inde- pendentemente do singular, a única forma possível de sua existência é a ideal porque, entre as coisas materiais, ninguém jamais observou o que quer que seja de geral existindo de modo independente, mas todo o mundo pode observá-lo nos pensamentos sob a fo rma de idéias e de conceitos gerais. E se o geral, como pode-se deduzir das reflexões dos realistas, precede as coisas materiais e as engendra, o ideal, o pensamento, vem em primeiro lugar, determinante, enquanto o material, as coisas sensíveis, é secundário do ideal, dos conceitos, das idéias. Opostamente ao ponto de vista realista sobre a natureza das categorias, desenvolve-se na filosofia burguesa atual a con- cepção nominali sta. Essa conce pção nominalis ta é encontrada nos trabalhos de vários positivistas e particularmente nos tra- balhos dos semânticos. Como exemplo de interpretação extre-mamente nominalistas da natureza das categorias, podemos citar as reflexões de Stuart Chase e de Walpole Hugh. Chase, como Moo re e Pop per , analisa esse proble ma começando por colocar em evidência as razões que determinam a confusão de idéias surgidas na consciência do homem com rela ção às coisas que existem objet ivame nte. E como Moor e e Popper, ele também considera que essas razões vêm do emprego abusivo das abstr ações e das noções gerais. Entr e- tanto, Chase tira disso uma conclusão diametralmenteoposta à dos dois primeiros. Se, par tin do do fato de que os homens têm o hábito de confundir os produtos de seus cérebros e os modelos ideais, surgidos em sua consciência, com o que visa aconsciência, Moore e Popper concluem que os homens negam abus ivam ente a existênci a dos univ ersa is. Chase, por sua vez, part indo do mesmo ponto, chega à conclusão de que os homens consideram de modo errôneo como existindo objetivamente o que nã o passa de um símbolo, um a palav ra. "Nós conf undi - mos constantemente, escreve Chase, a etiqueta com os objetos não-verbais e damos assim uma falsa validez à palavra, como se fosse a lgo vivo"i3. £ preci sament e, segundo Chase, esta 1 3 S. Chase, The Tyranny of Words, New York, 1938, p. 9. 15 concepção que faz com que as pessoas considerem noções tão abstratas — as de "liberdade", de "justiça" e de "eternidade" — como essências existindo realmente, enquanto que na reali- dade objetiva existem apenas objetos e fenômenos singulares e não há nem pode hav er na da que se asseme lhe a essas essências gerais 1 4. Assim, segundo Chase, existem, na reali dade objetiva,apenas coisas singulares e fenômenos particulares, enquanto que os conceitos gerais e as categorias são somente palavras vazias que não exprimem nem significam nad a, já que no mundo objetivo não há coisas (pontos de referência) às quais eles possam corresponder. No mundo, efetivamente, não há cgisas existindo de modo autônomo que representem essa ou aquela categoria ouconceito geral. Mas isso não quer absolut amen te dizer que os conceitos gerais não exprimem nada e que não possamos pensar neles como tais sem relacioná-los com um ponto de referência con- creto (objeto par tic ula r). Os conceitos ge rais relacion am-se com os objetos particulares não como tais, mas somente namedida em que eles possuam essa ou aquela propriedade e aspecto gerais. Essas prop rie dad es e aspectos gerais, que se repetem em cada objeto particular desse ou daquele grupo, são os pontos de referência que se refletem nesse ou naquele con- ceito geral ou categoria. Walpole Hugh defende uma posição análoga sobre a na- turez a dos concei tos gerais e das catego rias. Com o Chas e, ele nega o conteúdo real dos conceitos e das categorias, conside- rando-os como ficções, pelo fato de que o que eles definem não existe na real idade objeti va. "U m home m da rua que diz 'que não existe justiça' diz coisas mais precisas do que ele próprio pode imaginar. Esse tipo de coisa nunca existiu. A justiçaé uma ficção , assim como suas compan heir as: a amizade, a disciplina, a democracia, a liberdade, o socialismo, o isolacio- nismo e o apazigu amento. Nã o se pode indicar seus ponto s de referênc ia"iõ. Com o Chase, Wal pol e Hug h não compreen de ou não quer compreender que os homens, em conseqüência da atividade da abstração e do pensamento, separam o geral do "S. Chase, op. cit., p. 9. 1 5 W. Hugh, Semantics. The nature of Words and their Meaning, New York, 1941, p. 159. 16 particular e o fixam em conceitos gerais. Que é precisamente esse geral refletido e fixado no conceito geral e na categoria que constitui o conteúdo, e que é exatamente dele que se trata quando os conceitos gerais ou as categorias são utilizados para exprimir o pens ament o. Eles real mente não disp õem de pont os de referência individuais, mas possuem, em compensação, uma grande quan tida de de pont os de referênc ia, já que existem objetos concretos encerrados nos limites desse ou daquele conceito geral . E isso tes temun ha não sua ficção, mas sua realidade. A concepção nominalista da natureza das categorias pro- voca toda uma série de conclu sões anticientífic as. Se, com o afirmam os nominalistas, o geral não existe realmente, se é apenas uma denominação, uma palavra vazia, e na realidade existem somente coisas sensíveis e singulares, não há matéria, ninguém jamais a percebeu, ninguém jamais a viu, ela é apenas uma palavra sem significado, equivalente ao termo "nada". Mas se é assim, também o materialismo é falso, já que ele parte da concepção da matéria como alguma coisa que real-mente existe . Fo i preci samen te essa a maneira que Berkeley escolheu par a ref uta r o materi alismo . Mas, se os conceitos gerais não significam nada, se na realidade não existe nada a que eles possam corresponder, então, sua utilização não pode per- mitir aos homens que se orientem em sua atividade, na resolução das tarefas práticas e, ainda mais, esses conceitos gerais indu- zem os homens ao erro, engendram todas as ilusões possíveis e imagináveis. Assim,história_,do-,desenvolvimento do pensamento fi- losófico, quatro tendências (sem contar a tendência marxista) aparecem -na "co ncep ção das categorias: alguns filóso fos consi- deram que as categorias existem fora e independentemente da consciência humana, so'n a forma de essências ideais particula- res (tendê ncia real is ta ); outro s declaram que essas mesma s categorias são ficções,, pal avr as, vazias que não expri mem ne m designam nada (tendência nominalista); outros, ainda consi- deram as categorias como formas da atividade do pensamento, a priori próprias à consciência do homem e constituindo suas características e suas propriedades inerentes (tendência kantia- na) ; e finalm ente os últimos, que consideram as categorias como imagens ideais que se formam no decorrer do desenvol- vimento da consciência da realidade objetiva c que refletem 17 os aspectos e os laços correspondentes das coisas materiais_ (Aristóteles, Locke, os materialistas franceses do séc. XVIII). A teoria jn §t oi al is ta dia lética das categor ias represen ta o desenvolvimento da quarta concepção que foi elaborada na historia da Filosofia, em geral, pelos representantes do mate- rialismo. Como os materialistas pré-marxistas, também os fundado- res do materialismo dialético consideravam que as categoriss represe ntam as imagens ideais que refletem os aspectos e os laços correspo ndentes das coisas mater iais. Ent ret ant o, à di- ferença dos materialistas pré-marxistas, que afirmam que o conteúdo dessas imagens coincide diretamente com as proprie- dades e os laços correspondentes das coisas, o marxismo con- sidera que essas imagens são o resultado da atividade criadora do_s ujei to no - decorr er da qual este úl tim o distingue o gera! do.singul ar. Esse g eral exprime as proprieda des e as correla- ções inter nas necessá rias . É po r isso que a imagem ideal que representa o conteúdo dessa ou daquela categoria, sendo a uni- dade do subjetivo e do objetivo, não coincide imediatamente com os fenômenos, com os quais se encontra na superfície das coisas. Pelo cont rári o, ela se dist ingue sensivelmente dos fenômenos e chega mesmo a contradizê-los, já que eles não coincidem com sua essênci a. O con teúdo das categori as deve coincidir e coincide até determinado ponto, não com o fenô- meno , mas com sua essênci a, com esse ou aquele de seus aspectos. 18 II. O PROBLEMA DA CORRELACÃO DAS CATEGORIAS DA DIALÉTICA As formações materiais do mundo objetivo simplesmente existem e nad a mais. El as encontram -se em contínua intera- ção. Nesse proces so de inte raçã o manifest am-se suas propri e- dades, que as caracterizam como corpos isolados, determinados, fenômen os que, em certas circunstâncias , passam uns pelos outros. O resu lta do disso é que todos os fenôme nos da reali- dade se encontram em um estado de correlação e de interde- pendência universais. Mas, nesse caso, os conceitos, pelos quais o homem reflete, em sua consciência, a realidade am- biente, devem ser igualmente interdependentes, ligados uns aos outros, móveis e, em determinadas circunstâncias, passar uns pelos outros e transformar- se em seus contrários, porque é somente dessa maneira que eles podem refletir a situação real das coisas. "Os conceitos huma nos, escrev eu Leni n, não são inamovíveis, mas, pelo contrário, eles movem-se perpetuamente, mudam-se uns nos outros, escoam-se um no outro, porque, sem isso, eles não refletem a vida existente"1. É por isso que o estudo dos conceitos faz supor que se evidencie sua correlação e suas mudanças recíprocas de um no outro, assim como acriação de um sistema que reproduza as relações necessárias dos diferentes aspectos do objeto estudado. O que caracteriza o estudo dos conceitos, em geral, rela- ciona-se igualmente, é claro, ao estudo das categorias — dos conceitos que refletem as formas universais do ser, os aspectos e os laços universais da rea lid ade objetiva. Desvenda r a riqueza das leis dialéticas só é possível se analisarmos as categorias que Lenin, Oeuvres, t. 38, p. 238. 19 as refletem em sua correlação e em sua interdependência, se fizermos um sistema no qual cada uma delas ocupará um lugar rigorosamente definido e no qual terá o relacionamento neces- sário com todas as outras. 1. RESO LUÇÃ O DO PRO BLE MA DA CORRELAÇÃO DAS CATEGORIAS NA FILOSOFIA PRÉ-MARXISTA Foi Aristóteles quem, primeiramente, procedeu a uma pesquisa sistemática das relações das categorias e fez destas últimas um sistema deter minad o. Mas a classificação aristo- télica não reproduzia a correlação real das categorias porque baseava-se total e unicamente nos princípios da lógica formal . O defeito da classificação aristotélica reside igualmente no fato de que ela não englobava todas as categorias já estudadas na época do próprio Aristóteles. Depo is de Aristóte les, Kant dedicou-se muito temp o àanálise da corr ela ção das categorias. Ent ret ant o, sua classifi- cação ainda contém todos os defeitos próprios à classificação de Aristóte les. El a baseou-s e igualmente nos princípios da lógica formal, na qual as categorias eram divididas em grupos, não segundo o lugar histórico que ocupavam no processo do conhecimento, mas a partir desse ou daquele traço comum; além disso elas não eram apresentadas por seus laços naturais e necessários, mas sim por sua associação contingente. O sistema kantiano, assim como o sistema aristotélico, estava longe de incluir todas as categorias existentes. Embora tenha reagrupado as categorias como já o fazia Aristóteles, Ka nt colocou-as em uma certa depend ência dasetapas do desenvolvimento do conhecimento e esforçou-se em mostrar que a cada grau de conhecimento correspondem de- termi nadas categorias. Assim, por exemplo, o estágio da per- cepção sensível dos fenômenos, segundo Kant, corresponde às categorias de espaç o e de tem po; o estágio do pens ament o discursivo, às categorias de quantidade, de qualidade, de relação e de moda lid ade . Ao mesmo tempo, na resoluçã o do proble ma das categorias, Kant deu um passo atrás em relação a Aristóteles. Ao contrário de Aristóteles, que considerava que as categorias representavam uma forma particular do reflexo das coisas e das 20 relações reais, Kant declarou que as categorias são formas subjetivas da atividade do pensamento, próprias à consciência antes de qualquer experiência. Foi apenas com a filosofia de Hegel que houve uma apre- sentaç ão global do proble ma. Hegel criticou vivam ente a concepção kantiana das categorias e, em particular, sua ten- dência subjetivista. É verdade que Hegel criticava Kant a partir das bases do idealismo, e foi sobre essas mesmas bases que ele deu sua própria resolução para o problema da corre- lação das categorias da dialética. Mos tra ndo a corr elaç ão das categorias a partir do quadro da solução idealista dada para a questão conce rnent e ao relaci onamento entre a m até ria e a consciência, Hegel colocou, ao mesmo tempo, os princípios dialéticos como base para seu sistema de categorias. Ele procurou apresentar as categorias em seu desenvolvimento, em suas passagen s de uma s às outras. Pa ra Hegel, as catego- rias são momentos ou graus do desenvolvimento da idéia exis- tindo fora e independentemente do mundo material e do homem. A categoria da qual parte seu sistema é a do ser puro, querepresenta uma vacuidade pura, desprovida de qualquer con- teúdo preciso 2. Sob essa fo rma o ser pur o é idêntico ao "nada"3. Sendo idêntico ao "nada", o "ser puro" de Hegel não é fixo, não se encontra eternamente no mesmo estado e, agindo com o "nada", transforma-se em um "vir-a-ser" que, sendo o resultado da unidade do ser puro com o "nada", chega à abstra- ção absoluta, ao vazio, e adquire um certo conteúdo, trazendo à luz uma nova categoria — o "ser-aqui". É evidente que nem na realidade objetiva nem no conhe- cimento é possível que algum vir-a-ser possa transformar o "nada" em um ser concreto determinado, e a correlação dascategorias do ser puro, do vir-a-ser e do ser-aqui, que nos é apres entad a por Hegel, é absolut amente artificial. Mas há algo racional, e isso se dá quando Hegel coloca na qualidade de princípio de part ida da passagem de uma categoria para a outra o movimento condicionado pela unidade dos contrários — o 2 G. W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche Werke, Stuttgart, 1928, v. 4, p. 87-8. 3Hegel, Werke. Vollständige Ausgabe, v. 6, p. 169. 21 "ser puro" e o "nada" —, sua luta e a passagem de um para o outro. O "ser-aqui" que apareceu em Hegel representa o ponto de partida do movimento ulterior do pensamento, de sua pas- sagem pa ra outr as categorias. A partir do fat o de que, segundo Hegel, o "ser-aqui" à diferença do "ser puxo" possui uma certa determi nação, ele manife sta-s e como qualida de. Ana lis ado sob o ponto de vista interior, a qualidade manifesta-se como "algu- ma coisa". No movimento das categorias, Hegel captou os laços e as relações reais, própr ios ao processo de conhec iment o. To do "ser-aqui", toda forma determinada de existência da matéria é percebida pelo sujeito, antes de tudo pelo ângulo da quali- dade, e o sujeito chega à conclusão de que a qualidade dada possui sua própria especificidade; ela é diferente das outras qualidades, ela não é nem uma nem a outra. Depois de ter colocado em evidência a categoria de "algu- ma coisa", que reflete o momento real do processo de conhe- cimento da qualidade, Hegel, seguindo o método dialético e sua profunda intuição histórica, esclareceu passo a passo outros momento s do desenvolvi mento desse processo. Ele concentr a sua atenção sobre o fato de que no decorrer de uma análise rigorosa o "alguma coisa" deixa aparecer sua natureza contra- ditória e revela ser a uni dad e dos contrários. Po r um lado, ele encerra um momento positivo, por outro, um momento negativo. Enquanto momento positivo, ele representa a realidade, isto é. o ser real (ou, segundo a expressão de Hegel, o ser-em-si), enquanto momento negativo, ele é o ser-outro (ou o "ser-para- um-outro"). De tudo isso depreende-se nitidamente o pensamento deHegel, segundo o qual, mesmo que esse ou aquele ser determina- do exista por si mesmo, possua seu próprio ser, sua natureza srcinal, ainda assim ele não está isolado, desligado de outras formas determinadas do ser, mas sim estreitamente ligado a elas, existindo apenas graças a elas, às outras formas do ser, porque estas últimas lhe estão tão estreitamente ligadas que se integram a ele enquanto momentos determinados de sua natureza interna. Sendo um aspecto interno do "ser-aqui" ou de "alguma coisa", a negação do ser-outro (ou "ser-para-um-outro"), en- contrando-se em interação com a realidade, com o ser-em-si, 22 determina seu limite que, por sua vez, não lhe é exterior (ao "alguma coisa"), mas "penetra todo ser-aqui" 4. "Alguma coisa", segundo Hegel, modificando-se, transfor- ma-se em "outra coisa", mas esta outra é em si mesma uma certa "al guma cois a". É por isso que, modif ican do-se por sua vez, esta outra coisa transforma-se mais cedo ou mais tarde em uma outra alguma coisa, e esta última, por sua vez, em outra alguma coisa etc., até o infinito 5. É assim qu e surge a categoria do infinito. Apresentando a categoria do infinito enquanto progresso, Hegel nã o pá ra aí. E ainda mais, ele não consi dera o conceito do infinito verdadeiro, porque, como ele mesmo declara: "aqui nós não temos nada mais do que uma mudança superficial que não sai jam aisdo domí nio do finito"®. o ver dad eiro infin ito, segundo Hegel, não é um movimento eterno e uniforme indo de alguma coisa para outra sempre nova, mas um movimento graças ao qual alguma coisa srcinal, no decorrer do processo da passagem de uma para a outra, não se perde, não desaparece na série infinita de outras coisas, mas, pelo contrário, volta para si mesma, "em sua outra, regressa para si mesma'" 7. Em outros termos, se, no momento do exame dessa ou daquela coisa, nós fazemos a abstração daquilo a que ela está ligada, e se dessa relação ela se revela e se distingue como possuindo uma natureza específica, uma qualidade, transforma- se inevitavelmente em "um" que não se distingue de nada. O aparecimento e a explicação da categoria do um, em Hegel, corresponde plenamente ao processo real da formação do conceito. A hist ória do conhecimen to mos tra que o "u m" , en- quanto categoria, foi elaborado e utilizado para designar o que foi reconhecido como o único existente, não se distinguindo de nada e incluindo, em si mesmo, tudo (a agua de Thales, o ar de Anaxímenes, o fogo de Heráclito, o "um" dos Eleatas etc.). Mas o um, uma vez aparecido, não permanece, segundo Hegel, em repouso, ele relaciona-se imediatamente consigo mesmo e diferenc ia-se de si mesmo. Est a rel açã o do um con- "Hegel, Werke cit. , p. 182. 5Hegel, Werke cit. , p. 184. «Hegel, Werke cit., p. 185. 'Hegel, Werke cit. , p. 184. 23 sigo mesmo nada mais é do que a repulsa de si por si mesmo. Em conseqüên cia de tal repulsa apar ece o múltipl o. Assim, Hegel deduz a categoria do múltiplo da categoria do um. No processo de repulsão do um com relação a ele mesmo, e da posição de si mesmo como múltiplo, o um intervém não apenas como "repelente" e os múltiplos não apenas como "re- pelidos", "cada um dos múltiplos, diz Hegel, é ele próprioum" 8 , e como tal repele igualmente o outr o. Mas essa repulsa universal transforma-se necessariamente em seu contrário, em atr açã o univer sal e, no lugar de um a repu lsa unilatera l, nós observamos a unidade da repulsa e da atração. A despeito do caráter artificial da dedução da repulsa e da atração, Hegel captou de maneira genial a lei da correlação desses processos e, em particular, suas passagens de umas para as outra s e de sua unidad e. Efet iva ment e, no processo do conhecimento desse ou daquele grupo de fenômenos, o sujeito conhecedor, analisando os fenômenos um depois do outro, age como se ele se afastasse de um obieto (do um) para dirigir-se a outros (como se se dirigisse para os múltiplos), mas, aomesmo tempo, evidenciando os aspectos e características gerais dos objetos estudados, unindo-os em um conceito geral, ele 2iga-os em um todo, evidenciando e conservando sua unidade (como se ele os obrigasse a unirem-se novamente um ao outro). Hegel termina seu estudo da categoria da qualidade pela análise das categorias do um e do múltiplo e passa ao estudo da catego ria da quant idade . A passage m da quali dade para a quantidade, a despeito de seu caráter artificial, reflete e exprime, em Hegel, em traços gerais, o processo real do desenvolvimento do conhe cimen to. No decorrer da assimi lação, pelo homem , da real idad e objeti va, tant o na práti ca como no conhecimento, dever-se-ia efetuar necessariamente, como já o dissemos acima,a pass agem de um objet o pelos outr os, e, no mome nto da evidenciação da identidade desses (múltiplos) objetos, a deter- minação qualitativa de cada um deles (pelo menos no plano de um grupo comparado e comparável) daria a impressão de ter sido anulada em cada um dos outros (e ela permaneceria a mesma , ind is tin ta) . Ao mesmo tem po, a bas e real se criaria, primeiro, pela evidenciação das diferenças quantitativas de 8Hegel, Werke cit., p. 192. 24 objetos de uma mesma ordem, sob um ponto de vista qualitativo, e, depois, por sua quantidade. Em sua análise da categoria da quantidade, Hegel, sempre fiel à dialética, prende-se primeiramente aos momentos contrá- rios que existem na quantidade e a representa como a unidade dos contrários, e mais precisamente como a unidade da conti- nui dade e da descontinui dade. . A essência contradit ória daquant idade , segundo Hegel, é o desenvolvime nto ulteri or da essência contradit ória da quali dade. Como já vimos acima, Hegel caracteriza a qualidade pelo fato de que ela encerra os momentos contraditórios do um e do múltiplo, condicionados pelos processos de repulsa e de at ração próprios à qualidade. Com a passagem evolutiva da quali dade par a a quanti dade, em decorrênci a desses dois processos direta mente contrários (repulsão e atração), a unidade transforma-se em continuidade e a multiplicidade em descontinuidade. A categoria de quantidade, assim como as categorias pre- cedentes, é apresentada por Hegel não sob uma forma fixa, mas em movi ment o. Surgi ndo a um certo estágio do desenvol- vimento da categoria de qualidade, ela própria transpõe vários estágio s de evolução. No parti cular , ela manifest a-se primeira- mente sob a forma de quantidade abstrata, pura, de quantidade como tal. Depois ela tra nsf orma -se em uma dada quanti dade. Transpondo, no decorrer de seu desenvolvimento, os está- gios de quantidade pura e determinada, a quantidade em seu estágio supremo transforma-se, segundo Hegel, em qualidade, isto é, age como se ela retornasse a seu ponto de partida, repete a etapa já transp osta, mas repet e-a sobre um a outra base. A qualidade à qual retorna a quantidade, no estágio supremo de seu desenvolvimento, já não é mais indiferente frente a frente com a qualidade, não se manifesta mais como alguma coisa de independente em relação a ela, mas sim como alguma coisa que lhe é organi cament e ligada. Com a colocaç ão em evidênc ia da correlação e da interdependência da qualidade e da quanti- dade, surge uma nova categoria — a categoria de medida que inclui sob uma forma anulada a quantidade e a qualidade 9. O desenvolvimento ulterior da quantidade e da qualidade, assim como sua passagem de uma para a outra, no decorrer do "Hegel, Wissenschaft cit., in Sümtlicha Werke, p. 409-10 25 processo desse desenvolvimento, conduzem necessariamente, em Hegel, à colocação em evidência e, ao mesmo tempo, ao aparecimento de uma nova categoria, a categoria da essência. "Apenas com a migração de uma qualidade para a outra, apenas com a passagem da qualidade para a quantidade e vice-versa, declara Hegel, nós não chegamos ao fim; há ainda nas coisas uma permanência e essa é primeiramente a essência"* 0. A passagem à essência marca o fim da primeira e o co- meço da segunda etapa do desenvolvimento da idéia hegeliana. Até aqui o desenvolvimento realizava-se completamente apenas no plano do ser; as categorias de quantidade, de qualidade e de medida eram momentos do ser, graus de seu desenvolvimento. Com o aparecimento da essência, o ser como tal se apaga, ele parece re tornar para dentro de si mesmo, transformar-se em um momento da essência, em sua aparência. A essência relaciona-se antes de mais nada com ela mesma, e Hegel indica que "ela se identifica com ela mesma"* 1-. Então, aparec e a categoria de identidad e. Na análise da categoria de identidade, Hegel destaca particularmente a noção de identi-dade como igualdade formal, desprovida de toda diferenciação, abst raíd a dela próp ria, e a criti ca ao mesmo temp o em que acentua a insuficiência da lei de identidade da lógica formal. À identidade formal, Hegel opõe a verdadeira identidade que não apenas não é desprov ida de diferenças , mas ainda as encerra nela mesm a. E efetivamente, em Hegel, a identidade surgiu em decorrência da relação da essência com ela mesma. A essência aparece em decorrência da anulação e da negação do ser e de suas determinações que, como conseqüência, não desapareceram, mas conservaram-se, transferidos para a essên- cia e continuando a existir nela sob uma forma anulada cons- tituindo seu ser-o utro e ao mesmo tem po sua difer ença emrela ção a ela mesm a. "Aqui — escreve Hegel — o ser-outro— do qual nós vimos a essência — não é mais um ser-outro qualitativo, um a determinação, um limite, m a s . . . uma difere n- ça, um formulado, uma mediação que se encontra na essência" 1 2. Entretanto, sendo identidade, a essência "comporta essencial- 1 0 Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 225. »Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 229. l 2 Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 233. 26 mente em si a determinação da di fe re nç a" 1 3 . A diferença transformou-se em seu contrário. A tese de Hegel, segundo a qual toda identidade está necessariamente ligada à diferença, supõe a diferença e que a diferença supõe a identidade, corresponde ao estado real das coisas. Na real idade objetiva não há iden tida de abst rata , pura, nem diferença abstrat a e pura. Tod a identidade é a identidade do diferent e, assim como tod a diferen ça é a difer ença do idêntico. A idéia, segundo a qual, no processo do movimento, a identidade transforma-se em diferença e a diferença em seu contrário, e segundo a qual a contradição manifesta-se não sob uma forma acabada, mas se desenvolve a partir da diferença que aparece primeiramente como exterior, não essencial, depois transforma-se em essencial e em seguida em seu contrário, é igualmente justa. Entretanto, o aparecimento das categorias de identidade e de diferença no estágio do movimento do conhecimento, indo da medida à essência, e sua representação como momentos ou graus precis amente dessa etapa do desenvolvi mento do sabercont radi zem a história do conheci mento. Essa s categorias ma- nifestam-se muito antes e, mais exatamente, desde os primeiros estágios do conhecimento da natureza pelo homem, no estágio de seu movimento, indo de um ser-aqui ao outro, no estágio da evidenciaç ão de "alguma coisa". No proce sso do movimen- to do pensamento de um ser-aqui ao outro, há necessariamente comparação e ao mesmo tempo evidenciação da identidade e da difere nça. O aparecimento das prime iras repres entaç ões e conceitos gerais é o resultado da tomada de consciência, pelos homens, da identidade do diferente que se manifesta na prática. A distinção dos aspectos quantita tivos, das características e, logo, a formação do conceito de quantidade só podem produzir-se a partir da descoberta da diferença do idêntico, de um e do semelhante no múltiplo, isto é, sobre a base de uma certa tomada de consciência da identidade e da diferença. As categorias de identidade e de diferença são consideradas por Hegel, aqui, e não anteriormente (não na seção da qualida- de e da quantidade onde seu exame impõe-se e onde elas apare- cem sob uma forma ou outra), sem dúvida, porque elas tornam "Hegel, Werke cit., p. 232. 27 part icularmente fácil a passagem aos contrários e depois à contradição. Analisando a contradição, Hegel mostra que ela é geral, que entra no conte údo de cada co isa, de cada se r. "Tu do o que existe, escreve Hegel, é alguma coisa de concreto e, logo, alguma coisa de dif eren te e opo sta em si. O caráter finito das coisas, continua Hegel, consiste em que seu ser imediato nãocorresponde a sua essência"!*, por isso, elas esforçam-se sempre para resolver esta contradição e realizar o que elas têm nelas mesmas e, em decorrência, elas modificam-se constantemente. A modificação das coisas é, pois, a conseqüência de seu caráter contra ditóri o. Em outro s termos , a cont radi ção é a fonte do movimento e da vitalidade; ". . .é apenas na medida em que alguma coisa comporta em si uma contradição que ela se move; que ela possui um impulso, um a atividade"! 5. Opondo- se aos autores que consideravam que não se pode pensar a contradição, Hegel excl ama: "É a cont radi ção que, na realid ade, põe o mundo em movimento, logo, é ridículo dizer que é impossível pensar a cont radição"! 6 .O pensamento de Hegel, segundo o qual tudo o que existe encerra em si uma contradição e de que a contradição é a srcem do movimento, o impulso da vida, é na realidade um pensamento genial, que entrou na história da ciência para tornar-se o centro da dialética. Na nossa opinião, Hegel também conseguiu determinar corretamente o lugar das categorias de "contrário" e de "con- tr adi ção ". Os aspectos e os laços que elas refletem só são efetivamente assimilados no estágio do movimento do conheci- mento, dirigido para a essência, quando aparece a necessidade de apresentar o objeto em seu movimento, em seu aparecimento e em seu desenvolvimnto, qua ndo , a propós ito disso, s urge aquestão da srcem do movimento, da força motora que con- diciona seu vir-a-ser, sua vitalidade e a passagem de um estágio de desenvolvimento para outro. Nascida da diferença, a contradição, segundo Hegel, não é eterna; a um determinado estágio de seu desenvolvimento ela 1 4 Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werkt, p. 242. 1 5 Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 562. »Hegel, Werke cit,, p. 242. 28 se resolve e se transforma ou, segundo os próprios termos de Hegel, mergulha até a sua base (f und am en to ). "A contradição resolvida é, em conseqüência, o fundamento" 1 7 . "É por isso que no fundamento, escreve Hegel, o contrário e sua contradição são igulamente destruídos ou conservados" 1 8. Eles são destruídos enquanto existentes de forma autônoma e são conservados enqu anto mome ntos de i dentida de e dediferença, característica do fundamento" 1 9 . A passagem da contradição para seu fundamento, como a apresenta Hegel, a despeito de seu caráter artificial, encerra muitos elementos raciona is. Hegel exprimiu aqui certas leis reais da correlação dos aspectos refletidos pelas categorias que examinamos. A reso luçã o da contr adiçã o própria a essa ou àquela formação material conduz necessariamente a sua trans- formação e, em certas circunstâncias, ao aparecimento de uma nova for maç ão materia l. O apare cimen to do novo é, port ant o, a conseqüência da resolução de uma contradição e a resolução da contradição é a base que trouxe à vida essa conseqüência. O fundamento foi representado inicialmente por Hegel soba forma de fundamento absoluto, que em seguida se determina como forma e matéria. A for ma, segundo Hege l, está organicamente ligada à essência. El a ence rra a essência da mesm a for ma que a es- sência encerra em sua natureza a forma. Em bo ra sendo no fu nd o idêntica à forma , a essência distingue-se e manifesta-se, com relação à forma, como alguma outra coisa, como um indeterminado, como uma "identidade informe" . Sob esse aspe cto, a essência, segundo Hegel, é a matéria. Para Hegel, a matéria apresenta-se como alguma coisa passiva, enquanto que a forma é ativa. Pelo fa to de que a forma tem uma contradição própria, ela afasta-se de si mesma e determina-se na maté ria. A maté ria, por sua natureza , é algo que só pode relacionar-se consigo mesmo e por isso ela é indi- fere nte a qualqu er coisa além dela. Mas, ao mesmo tem po, ela encerra, sob um aspecto velado, a forma, e esta inclui nela "Hegel, Werke cit,, p. 242. "Hegel, Werke cit., p. 242. "Hegel, Werke cit,, p, 242. 29 mesma o princípio da matéria 2 0 . Tu do isso faz com que a matéria ganhe, então, forma e a forma tem de se materializar 2 1. A matéria transformada em forma representa a categoria do conteúdo. O conteúdo, segundo Hegel, possui primeiramente uma certa forma e uma certa matéria e é de fato sua unidade 2 2 . O conteúdo é o que é idêntico ao mesmo tempo à forma e àmatéria. Essas últimas são, de certa for ma, suas determi nantes exteriores. Mas esta iden tida de é a ident idade do fu nda mento que, desta maneira, adquire um conteúdo e uma forma e con- verte-se em um fundamento determinado. O fundamento determinado relaciona-se negativamente com ele mesmo e tra nsf orma -se em um estabelecido. E é ape- nas no decorrer de seu estabelecimento que ele torna-se o fundamento de um ser estabelecido. A idéia de Hegel concernente à correlação orgânica, ao estabelecer mútuo, às passagens recíprocas do fundamento e do estabelecido é verd adeira. El a refl ete a dialética real do fundamento e do estabelecido que observamos no mundo ex-terior e no conhe cime nto. Na reali dade, um aspecto dado de uma formação material torna-se um fundamento unicamente na medida em que ele começa a influir de maneira sensível sobre seus outros aspectos, a determinar a orientação de suas transformações e a condicionar, dessa maneira, a formação de uma nova quali dade. Além disso, um aspecto dado torna- se determinado ou condicionado unicamente na medida em que sua existência, seu funcionamento e sua transformação come- cem a depender de um outro aspecto ou relação que se revelem nas condições dada s determ inant es, isto é, o fun dam ent o. E, ainda mais, o que, em certas condições, em certo estágio do desenvolvimento da formação material torna-se determinante,em outras condições, em outros estágios do desenvolvimento da formação material torna-se determinado, isto é, estabelecido, e o determinado torna-se um fundamento determinante do fun- cionamento e da orientação das transformações de todos os outros aspectos do todo dado. 2°Cf. Hegel, Werke cit., p. 258. 2 1 Ver Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 562. 2 2Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 566. 30 Uma lei análoga é observad a no conhecimen to. Um a suposição dada torna-se fundamento apenas quando outras suposições forem deduzidas dela e desde que outras suposições sejam assim fu nda me nt ada s. E estas últimas serão fu nda me n- tadas unicam ente graças a seu laço com o fun dam ent o. Sendo fundamentadas, elas podem servir de fundamento para outras idéias, outras suposições e, em certas condições, fundamentarseu próprio fundamento. Tendo sido determinado por meio do estabelecimento de si mesmo e do fundamentado, o fundamento, segundo Hegel, não permanece em repouso, imutável, mas continua a se trans- for mar e a se desenvolver. Ele começa como fu nd am en to formal, depois torna-se fundamento real e, finalmente, trans- forma-se em fundamento completo. Hegel passa da categoria de fundamento para a categoria de condição. O laço da condição e do fundamento não se esgota, em Hegel, pelo fato de que a condição é a premissa do fundamento, a mediadora; a condição depende, ela própria, do fundamentoe ela mes ma é det ermin ada por ele. E, efetiv amente , o fa to de que um ser dado seja ou não condição de um fundamento dado depende da natureza desse fundamento que, por seu funciona- mento, exige condições rigorosamente determinadas. Supondo-se mutuamente e passando de um para o outro, po r meio deles mesmos, a condição e o fundamento formam um todo, uma certa unidade de conteúdo e de forma e manifes- tam-se como um incondi cionad o "verd adei ro", como "uma coisa pensada a partir dela mesma" 2 3 . Dessa for ma , par a Hegel, a coisa pensada representa a unidade ou a identidade do fundamento com a sua condição. Hegel escreve que: "Quando todas as condições de umacoisa pensável estão reunidas, ela entra na existência"24. A dialética da correlação do fundamento e da condição é apresentada aqui por Hegel de maneira bastante completa e em sua essência justa. O fun dam ent o não pode efeti vamen te dar nascimento a esse ou àquele ser imediato, a não ser em condições rigorosamente determinadas que, sendo o ser-aqui, 2 3Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 590. 2 4Hegel, Wissenschaft cit., in Sämtliche Werke, p. 594. 31 não estejam ligadas imediatamente com o fundamento dado, não dependam dele no seu aparecimento e na sua existência, mas, pelo contrário, possuam seu próprio fundamento em um outr o. Send o autôno mo e independe nte, com rela ção a um fundamento dado, o ser-aqui é a condição do fundamento, mas não está meno s ligado a ele (ao fu nd am en to ). O fa to de que seja a condição do fundamento dado depende não apenas dele mesmo, mas igualmente do fundamento, de sua natureza, e é precisamente o fundamento que dita suas condições, determina qual ser-aq ui é necessário par a sua realiza ção. A idéia de Hegel de que a condição, ainda que necessária para a realização do fundamento, não é a força motora que obriga o fundamento a dar nascimento ao fundamentado, que esta força motora está contida no próprio fundamento e que este se desenvolve sob a pressão de contradições internas que lhe são próprias, nos parece justa. Igualmente justa é a tese de Hegel segundo a qual as condições não permanecem indiferentes ao processo do esta- belecimento do fundamento, mas, pelo contrário, são atraídas por esse processo, contribuem para a formação do fundamen- tado e, em uma determinada medida, transformam-se neste último, tornando-se um momento de seu conteúdo. No que concerne às afirmações de Hegel, de que o con- teúdo do fundamento com suas condições conduz primeiro ao aparecimento da coisa pensada e depois ao aparecimento de sua existência, essas idéias não correspondem à realidade; isso é apenas uma conseqüênc ia do idealismo de Hegel, em cujo quadro ele era obrigado a construir seu sistema de categorias. Da categoria de coisa, Hegel passa ao fenômeno que se apresenta como a existência da coisa anulando a si própria do interior dela mesma 2 5 . Po r meio do fenô men o, a essência re-flete-se na outra e relaciona-se com ele de maneira determinada. A existência de um fenômeno não é assim nada além de outra relaç ão. Hegel conside ra esta últim a como a verd ade de tod a a existência, como o mod o geral de m anif est ação das coisas 2 6. A unidade da essência e da existência constitui em Hegel 2 5 Hegel, Werke cit., p. 260. 2 8 Hegel, Werke cit., p. 260. 32 a realidade 2 7 . A reali dade manifesta-se primeiro sob a for ma de possibilidade que representa o que é essencial para a reali- dade, mas que ainda é abstrata e que se opõe à unidade concreta do real 2 8 . Sendo abstr ata, a possibilidade apare ce como con- tingente em um a reali dade concreta dada. Hegel considera como contingente o que "tem o fundamento de seu ser não em si mesmo, mas em um outro" 2 9 . A unid ade da possibilidade e da real idad e constitui a necessidade. Cons idera da do interior, a necessidade manifesta-se como uma relação absoluta em si; sob sua forma imediata há a relação de substancialidade e de acidentalidadeSO, a qual, em decorrência, manifesta-se como relação causal desenvolvendo-se em interação 3 1 . À bas e da interação encontra-se o conceito que constitui a verdade do ser e da essência. Por meio desses esquemas artificiais da correlação das categorias de essência e de f enôm eno, de possibilidade, de realidade, de necessidade e de causalidade transparece, em Hegel, a dialética real, e, sob uma forma mistificada, exprime-se uma série de teses importantes que constituem um passo considerávelno conhecimento das leis de relacionamento das formas gerais do ser, refl etid as nas categorias em questão. É verd ade que a ordem — aqui apresentada por Hegel — do movimento do pensamento de uma categoria a outra não reflete, na nossa opinião , o proces so real do conhecimento hum ano . No co- nhecimento, o homem não vai do possível ao real, como diz Hegel, mas, pelo contrário, ele vai da realidade para a possi- bilidade, e não vai da necessidade à causalidade e à interação, mas sim da interação (correlação) à causalidade e à necessi- dade. Analisemos o movimento ulterior das categorias na lógica de Hegel.Segundo Hegel, com a passagem ao conceito, o pensa- men to sai da essência. Est a última é negad a pelo conceito, o qual, em conseqüência, parece voltar sobre o ser e repetir o que já se pas sou sobre uma nova base. O ser e a essência 2 7 Hegel, Werke cit., p. 281. 2 8 Hegel, Werke cit., p. 284. 2 9 Hegel, Werke cit., p. 288. 3 0 Hegel, Werke cit., p. 299-300. 3 1 Hegel, Werke cit., p. 307. 33 entram, sob uma forma anulada, no conteúdo do conceito e nele const ituem todos os momen tos necessários . O conceito é, portanto, a "verdade do ser e da essência"32. Ou, entã o, em outros termos, ele é a "essência que volta sobre o ser como sobreuma simples imediação"33. O conceit o, segundo Hegel, encerra três mome nto s: a universalidade, a particularidade e a singularidade 3 4. No con- ceito, esses momentos encontram-se em estado de interdepen- dência e de correla ções orgânicas. Eles perde m-se um no outro, dissolvem-se um no outro e manifestam-se como momentos conf undi dos do conceito. Hegel conside ra que no conceito é impossível reter todos esses momentos, um fora do outro, sob uma forma isolada. No decorrer do movimento ulterior do pensamento, diz Hegel, o conceito atinge a objetividade, prosseguindo assim o desenvolvimento de seus novos aspectos e fazendo-se sempre de modo mais concreto. Hegel rec orr eu às construções mais complexas e mais fantasiosas. Entr eta nto, o que torn a válidas todas es sas ma-nobras astuciosas é que elas refletem algumas relações reais (captadas ou adivinhadas) entre as coisas ou no interior das coisas que, em virtude de sua repetição ocorrida alguns milha- res de vezes, foram fixadas na consciência humana sob a forma de figuras lógicas determinadas. Da objeti vidade , Hegel passa à idéia. A idéia é a unid ade do subj etiv o e do obje tivo , do concei to e da rea lid ade. A categoria de idéia é uma categoria mais concreta do que as categorias precedentes; ela as inclui sob uma forma anulada e, todas junt as, elas aprese ntam-s e como o vir-a-se r da idéia. "Os graus do ser e da essência objetiva examinados até o presente, assim como os graus do conceito e da objetividade, escreveHegel, não são, nessa diferença que lhes é própria, alguma coisa imóvel, existindo de for ma aut ônom a. Não , eles mos- traram-se como dialéticos e sua verdade consiste em ser mo- mentos da idéia 3 5 . 3 2 Hegel, Werke cit., p. 311. 3 3 Hegel, Werke cit., p. 312. 3 4 Hegel, Werke cit., p. 320. 3 5 Hegel, Werke cit., p. 387-8 34 Segundo Hegel, no decorrer de seu desenvolvi mento, a idéia tra nsp õe três graus. Ela manifesta- se pri meir amen te sob forma de vida, depois sob forma de conhecimento e, finalmente, sob forma de idéia absoluta. Transformando a realidade objetiva, o conceito realiza-se nela e a to rn a idênt ica a ele mesmo. É dessa mane ira que se comple ta a passagem à idéia absoluta. Essa categoria é a mais conc reta de toda s as que já examinamos até agora. Seu con- teúdo é formado por todo o sistema do qual, em traços gerais, aco mpa nha mos o desenvolvimento. "Po de- se dizer, escreve Hegel, que a idéia absoluta é o universal, mas não apenas enquanto forma abstrata à qual todo conteúdo particular opõe- se como alguma outra coisa, e sim enquanto forma absoluta à qual todas as determinações, toda a plenitude do conteúdo estabelecido por elas estão voltadas"36. É pela idéia absoluta que termina o processo do desen- volviment o lógico. Impre gnada de tod a a diversi dade do conteúdo do movimento dialético das categorias, a idéia abso- luta, a partir da forma ideal, transforma-se em seu contrário, "aliena-se", toma corpo e manifesta-se na qualidade de natu- reza, onde, sem ter consciência dela mesma, sofre um certo desenvolvimento e, depois de ter rejeitado a forma de ser físico que a to rno u estr anha, ela volta a seu elemento espiritual adequado e, no decorrer do processo de seu desenvolvimento ulterior, volta-se sobre ela mesma. Como podemos ver, Hegel, ao contrário de Aristóteles e de Kant, estabeleceu as categorias sobre uma base histórica e as apresentou em movimento e em desenvolvimento, em seu apare- cimento e em sua for maç ão. Ent ret ant o, ele realizou tud o isso no plano da idéia pura, do pensamento puro, o que faz com que as categorias manifestem-se em sua obra não como graus dodesenvolvimento do processo do conhecimento, pelo homem, do mundo exterior, mas como graus do desenvolvimento do pensamento puro e da idéia, em sua existência anterior à na- tureza. É po r isso, se não foi por acaso, que, a despeito de seu gênio e de sua aptidão para prever a situação real das coisas, Hegel foi obrigado, para seguir os seus princípios idea- listas e aplicá-los, a contradizer a todo instante a realidade e 3 6 Hegel, Werke cit., p. 409. 35 dela afas tar -se. Mas , apesa r disso, Heg el conseguiu em seu sistema incrivelmente artificial e contraditório das categorias, reproduzir uma série de ligações e de leis profundas e universais. Depois de Hegel, numerosos filósofos burgueses tentaram criar sistemas de categorias, mas as soluções que eles propu- seram não acrescentavam nada ao estudo do problema e cons- tituíam um passo para trás em relação a Hegel. Examinemos algumas dessas teorias relativas à correlação dessas categorias. Wilhelm Windelband3 7, fil ósofo alemão, apresenta um sistema de categorias que é o seguinte: ele consi- dera as categorias como funções sintéticas elementares do pensamento. Sendo diferentes tipos de síntese, elas são, se- gundo ele, diferentes formas de ligação ou de relação e existem sob o aspecto d e noções e julgamen tos corre sponde ntes . Win- delband divide primeiramente todas as categorias em dois grupos. Em um ele inclui as categorias que têm um "valor objetivo", que existem fora e independentemente do pensamento e que só por este último pode m ser cons tata das. No outro ele inclui as categorias que existem no pensamento e têm por isso mesm o apenas "um valor repre sent ativ o". As categorias do primeiro grupo são chamadas de constitutivas e as do segundo, reflexivas . As categorias constitutivas, por sua vez, subdivi- dem-se em categorias principais e categorias secundárias. Entre as categorias reflexivas, Windelband considera que a "di fer enç a" é uma catego ria dete rmina nte. Ele destaca que, sem a diferença, não se pode pensar nenhuma relação, nenhum sistema, e, portanto, nenhuma categoria, pelo fato de que essas categorias não representam nada mais do que diferentes formas de rela ção ou de síntese. A categoria de "dife ren ça" está, segundo ele, ligada à repre sent ação. Sua fu nção é o desmem- bramento da diversidade dada na representação, em elementos correspondentes, e sua síntese em novas associações que marcam a passagem da representação ao conceito. A diferença, no decorrer de seu desenvolvimento, trans- forma-se em "identidade", que Windelband define como um caso parti cula r (limi te) da diferen ça. A fu nção da categoria de "identidade" é a comparação, a confrontação mútua dos diferentes elementos e o estabelecimento da identidade no seu 3 7 W. Windelband, Vom System der Kategorien, Tübingen, 1924. 36 conteú do. As categ orias de ident idade e de diferença, segundo Windelband, estão indissoluvelmente ligadas e não podem fun- cionar um a sem a outr a. "A comp araç ão, ele sublinha, é impossível sem a diferença e, reciprocamente, a diferença é impossível sem a comparação" 3 8 . A categoria de "identidade", em Windelband, nas condi- ções correspondentes (quando o "grau do idêntico é relativa- mente pouco importante em relação ao diferente"), transforma- se em categoria de "co nfo rmi dad e". A categoria de "di fer enç a" transforma-se em categoria de cálculo (quantidade), que repre- senta a soma do diferente sobre a base de uma identidade dada. A categoria de cálculo, ocupando a função de medida, desen- volve-se em categorias de "graus", de "medida" e de "grandeza". Sobre a base da categoria de "diferença" e de "identidade", apare ce tod a uma série de categorias ditas lógicas. Trat a-se antes de tudo da "abstração" da "determinação", da "subordi- nação", da "coordenação", da "divisão" e da "separação", que constituem o primeiro grupo; depois vêm as categorias da silo- gística, às quais Windelband relaciona as diferentes formas da dependência lógica. Ao número das principais categorias constitutivas, Windel- band acrescenta as categorias de "real idade" e de "causalidade". Segundo elej elas são formas essenciais pelas quais deve ser pensada "a dependência recíproca real dos conteúdos" 3 9. Windelband deduz igualmente essas categorias, da função sin- tética do pensamento, de nossa faculdade de pensar um certo
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