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A douta ignorância - Nicolau de Cusa

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A DOUTA 
IGNORÂNCIA 
Pormenor do monumento a icolau de Cu a 
no seu túmulo na Igreja de San Pietro in Yincoli, em Roma 
A DOUTA 
IGNORÂNCIA 
Nicolau de Cusa 
4.aEdição 
Tradução, introdução e notas de 
]OÃO MARIA ANDRÉ 
FUNDAÇÃO CALO USTE GULBENKIAN 
Tradução do original latino inrirulado 
DE DOCfA IGNORANTIA 
de 
NICOlAU DE CUSA 
baseada na edição bilingue da Academia de Heildelberg 
na Felix Meiner Verlag 
Reservados todos os direitos de harmonia com a lei 
Edição da 
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN 
Avenida de Berna I Lisboa 
2018 
ISBN 978-972-31-1439-3 
INTRODUÇÃO 
1. Vida e obras 
A 12 de Fevereiro de 1440 o Cardeal alemão Nicolau 
Krebs conclula em Cusa, sua terra natal e que lhe daria o nome 
com que posteriormente viria a ser conhecido, a redacção da obra 
que mais o notabilizaria nos séculos seguintes e cujo titulo, A 
douta ignorância, se tornaria emblemático como resposta tanto 
aos dogmatismos quanto aos cepticismos que frequentemente 
ameaçam a aventura humana do saber. 
Nascido em 1401, nas margem do rio Mosela, tinha então 
percorrido já várias etapas da sua formação: a educação juvenil 
(onde parece não ter tido lugar a frequência da Escola dos 
Irmãos da Vida Comum, em Deventer, centro da espiritualidade 
da "devotio moderna"1), a sua matrícula, em 1416, na Facul-
dade das Artes da Universidade de Heidelberg, a frequência da 
Universidade de Pádua, entre 1417 e 1423, na qual obteve o 
grau de 'floctor decretorum': e o estudo de Filosofia e de Teologia 
na Universidade de Colónia, onde contacta com o pemamento 
de Raimundo Lu/lo e de Hemérico de Campo que o hão-de 
influenciar significativamentt?. Quando termina a redacção do 
1 Cf. , tanto para estes pormenores quanto para uma panorâmica geral da vida 
de Nicolau de Cusa, a obra de Erich MEliTHEN, Nikolaus von lúw, 1401-464. 
Zkizzr rina Bibliographir, 7.• ed., Münster, Aschendorff, 1992. 
2 Cf. Eusebio COI.OMER, Nikolaus von Kua und & imund Uull aus Hand.sch-
riftm tÚr Kuan- Bilioth~k. Berlin , Walter de Gruyter, 1961 e, do mesmo autor, o 
breve artigo, em porruguês, • icolau de Cusa e Raimundo Lulo através dos manus-
critos da Biblioteca de Cusa", &vista Portuguaa ek Filosofoz, 15 (1959), pp. 245-25 1. 
M 
seu De docta ignorantia, deixava também para trás a participa-
ção no Concílio de Basileia, onde havia tomado posição ao lado 
dos conciliaristas e onde conheceu João de Segóvia, a quem o 
viria a ligar uma profund4 amizade que as divergências poste-
riores sobre o primado do Concílio ou do Papa não seriam sufi-
cientes para pôr em causa, unidos que estavam num projecto ecu-
ménico com muitos pontos em comurrr3. Da reflexão eclesiológica 
então aprofund4d4 resulta a obra De concordantia catholica, 
na qual o autor expõe os seus pontos de vista não só sobre a orga-
nização tÚl Igreja e a relação tÚls diversas partes do corpo eclesial, 
mas também sobre as relações entre a Igreja e o Império, traba-
Lhando material que recebe sobretudo do Defensor pacis de 
Marsílio de Pádua. O aprofund4mento do conceito de unitÚltk e 
tÚls suas implicações práticas levá-lo-á, entretanto, a abraçar a 
posição dos partidários do Papa. 
Concluído, pois, em Cusa, em 1440, as referências incluí-
tÚls na "Epístola auctoris" permitem-nos estabelecer que o De 
doera ignorantia terá sido escrito entre 1438 e essa tÚlta. Com 
efeito, é aí declarado que a "douta ignorância" lhe é inspiratÚl no 
mar, durante uma viagem de regresso tÚl Grécia; ora, em 1438 
desembarcava o Cardeal em Veneza, vindo de uma missão a 
Constantinopla, que visava preparar um concílio para a união 
tÚl Igreja de Roma com as Igrejas Orientais. 
Nos anos seguintes continua a sua activitÚltk especulativa, 
de que resultará, por um lado, a sua seguntÚl grande obra filosó-
fica, De coniecturis, mais marcatÚl por uma inspiração clara-
mente neoplatónica e por uma metafisica tÚl unitÚltk ou, em ter-
mos mais rigorosos, uma henologia, e de que resultará também, 
por outro lado, um significativo conjunto de opúsculos, em que 
são aprofund4dos temas relacionados com a teologia negativa, 
com a metafisica tÚl Luz, com a filiação de Deus e com a herme-
nêutica biblica, como o De deo abscondito, o De quaerendo 
3 Cf. ICOI.AU DE CuSA, A paz da ft sq;Wáa tÚ ÚtTtll a joáq tÚ &góvia, int. e 
rrad. de João Maria André, Coimbra. Minerva Coimbra, 2002. 
[VI] 
Deum, o De ftliatione Dei, o De dato patris luminum, e o De 
genesi, todos eles escritos entre 1441 e 1447. Dedica-se também, 
entretanto, a investigações e especulações matemáticas, como o 
mostram os escritos De transmutationibus geometricis e De 
arithmeticis complementis. 
Naturalmente que a novidade e a ousadia das suas teses, 
por um lado, e, por outro, o modo como se perfilava na linha de 
um autor como Mestre Eckhart, cujas afirmações, um século 
antes, tinham sido parcialmente condenadas pelo Papa João 
XXIL não poderiam deixar de despertar à sua volta o olhar crí-
tico dos adversários. t assim que, em 1443, João Wenck de Her-
renberg, que por três ocasiões chegou a ser reitor da Universidade 
de Heidelberg, escreve um texto intitulado De ignota litteratura, 
que comtitui uma forte crítica às posições de Nicolau de Cusa no 
De docta ignorantia4• Como resposta a esse texto, surge a Apo-
logia doctae ignorantiae, sob a forma de carta de um discípulo 
a outro discípulo, em que o autor procura defender-se das acusa-
ções que lhe são feitas, sublinhando tanto as virtualidades do 
método da "douta ignorância': como a legitimidade do "princí-
pio da coincidência dos opostos': e esclarecendo que os seus argu-
mentos e o seu conceito de ser e de forma não o conduzem neces-
sariamente ao panteísmo. 
Se em 1449 Nicolau de Cusa é nomeado Cardeal, em 
1450, ano em que recebe o chapéu cardinalício e o título de S. 
Pedro in Vinco/i, é também nomeado Bispo de Brixen, uma dio-
cese que lhe traria muitos dissabores nos anos seguintes. Mas este 
ano é também o ano em que o autor redige uma terceira obra 
filosófica de grande fllego, constituída por quatro livros sob a 
forma platónica do diálogo, em que o protagonista, um idiota 
(iletrado} que dá o título a estes escritos e que vive da sua activi-
dade de artesão fabricante de colheres, contrapõe a sua sabedoria 
ao orador humanista formado nos livros e ao filósofo escolástico 
• Cf. E. VANSTEENBERGHE, ú 'D~ igrwtll littmzrura' tÚ Jean Wmck tÚ H=m-
bng. Tau inldit n muk, Münster, Aschendorff, 1910. 
[VII] 
sujeito ao princípio da autoritfade5. Dois desses diálogos abordam 
precisamente o conceito de sabedoria, o terceiro o conceito de 
mente e o último avança com algumas conjecturas extremamente 
interessantes sob o ponto de vista da ciência experimentaL resul-
tantes das experiências com a balança. 
Os anos que se seguem correspondem, por um lado, a um 
dos perlodos mais perturbados da vida de Nicolau de Cusa, 
devido às diflceis relações quer com o capitulo da sua diocese que 
reclamava um outro bispo, quer com Segismundo de Austria que 
reclamava o seu direito sobre aquelas terras, mas, por outro lado, 
dão-lhe oportunidade para a elaboração e o aprofUndamento de 
algum dos traços mais originais do seu misticismo. Ainda antes 
de tomar posse da sua diocese, empreende uma viagem reforma-
dora por vários pontos da Alemanha, Austria, Flandres e pelas 
regiões renanas, por ocasião do jubileu. Entra em Brixen em 
1452, acentuando-se de tal modo os conflitos que o Papa Pio II 
(Aeneas Silvio) se vê obrigado a chamá-lo a Roma em 1458, 
para o retirar daquele ambiente hostil. Apenas as relações com a 
comunidade monacal de Tegernsee lhe proporcionam algum con-
forto e é a troca de correspondência com o prior do convento, 
Bernardo de Wáging, e com o abade Gaspar Aindorjfer que o 
estimula à redacção de duas das suas maiores obras místico-ji.los6-
jicafi: o De visione Dei7 e o De beryllo. 
5 Sobre o Idiota, o conceito cusano de sabedoria e a sua articulação com 
outros aurores do humanismo renascentista, cf. Leonel Ribeiro dos SAI'ITOs, "A sabe-
doria do idiota",in J. M . ANo~ e M . Al.VAREZ GOMEZ (Eds.) , Coincidincia dos 
oposUJs ~ concórdüz. Caminhos do pmsamnzUJ = Nicoltzu tÚ Cusa, Coimbra, Faculdade 
de Lerras, 2002, pp. 67- 1 00. 
6 Para essa troca de correspondência, cf. E. V ANSTEENBERGHE, "Aurour de la 
doere ignorance", &icrãg~ zur G=hichk tÚr Philosophu t:ks Mirulalun, XIV (1955), 
107- 162. Cf. também M. SCH MIDT, • ikolaus von Kues im Gesprach mir den 
regemseer Monchen über Wesen und Sinn der Mystik", Mituilungm und Forschungr-
brinãg~ tÚr Cwanw-~lJschafi, 18, 1989, pp. 25-49. 
7 Desta obra existe já tradução portuguesa: ICOI.AU DE C USA, A vi.siio tÚ 
DnlS, trad. e im:rod. de João Maria André, 4.• ed. rev., Lisboa, Fundação Calouste 
Gulbenkian, 20 12. 
[VIII] 
Tanto uma obra como outra partem da exploração de uma 
metáfora, visando as duas conduzir a uma aproximação da 
coincidência dos opostos. No De visione Dei, escrito em 1453, é 
um ícone do olhar divino, um rosto pintado com tão subtil arte 
que, qualquer que seja o ponto do qual é olhado, parece ter sem-
pre o olhar voltado para o seu observador, realizando ao mesmo 
tempo movimentos tão contrários quanto os movimentos dos que 
nesse quadro fixam os seus olhos: constitui-se assim um bom 
ponto de partida para abordar não só alguns temas centrais da 
teologia mística e da cristologia, mas também questões gnosiológi-
cas e metafisico-ontológicas de primeira importância e ainda pro-
blemáticas de natureza antropológica e ética, centrais no pensa-
mento do autor. O De beryllo, concluído em 1458, compara o 
princípio da coincidência a um berilo, permitindo concebê-lo 
assim como uma lente para a nossa visão mental, através da qual 
será possível não só ver a coincidência dos contrários nos exem-
plos das figuras geométricas, mas também a coincidência do inte-
lecto com a vontade e a uni-trindade do princípio de tudo, que é 
unidade, igualdade e nexo, mas que é também matéria, forma e 
nexo. E ainda neste mesmo período e no ano em que redige o De 
visione Dei que Nicolau de Cusa, preocupado com as guerras e 
as perseguições religiosas subsequentes à queda de Constantinopla, 
escreve o De pace fidei8, um diálogo notável sobre a concórdia 
entre as religiõel, onde terá surgido pela primeira vez a expres-
são "paz perpétua': que Kant utilizará para título de uma das 
suas obra/0. Datam também do mesmo ano tanto o De mathe-
s Cf. IUpra, nora 3. 
' Cf. João Maria ANDRt, "Pluralidade de crenças e diferença de culturas: dos 
fundarnenros filosó ficos do ecumenismo de icolau de Cusa aos princípios actuais 
de uma educação inrercultura", in: Anselmo BORGES, António Pedro PITA e João 
Maria A oRt (Eàs.) - An intapmandi - Diáwgo ~ tnnpo. Hommagnn a MigtUl 
Baptista P"ára. Porto, Fundação Eng.• António de Almeida, 2000, 451-500. 
1° Cf. Mariano ÁLVAAEZ. G OMEZ, "Hacia los fu ndarnenros de la paz perpetua 
en la religión según icolás de Cusa", Ciudad tÚ Dios, CCXII/2 (1999), pp. 299-
-340 e IDEM, "Consenso y verdad en la religión según icolás de Cusa", in Mariano 
ÁLvAAEZ. G OMEZ (Ed.), PluralidAd y smtido tÚ las rdigion~ Salamanca, Ed.iciones 
Universidad de Salamanca, 2002, pp. 47-72. 
[IX] 
maticis complememis, como o Complementum theologicum e 
se, já em 1450, se tinha dedicado ao problema da quadratura 
do círculo com dois textos sobre essa questão, em 1457 volta ao 
mesmo tema, com o Dialogus de circuli quadratura e com o 
De caesarea circuli quadratura. 
Os últimos seis anos da vida do Cardeal correspondem ao 
seu período romano, em que Nicolau desempenha as jUnções de 
Vigário Geral do Estado Pontiftcio. Tendo ftito ainda uma 
última tentativa de regressar a Brixen, em 1460, foi cercado no 
castelo de Buchemtein, acabando por se render ao cerco de Segis-
mundo. 
As suas preocupações especulativas levam-no, neste período, 
a escrever algum dos seus textos mais demos e inovadores. Assim, 
continua a reflexão sobre os termos com que se pode filosofica-
mente caracterizar o princípio de todas as coisas, acentuando-se, 
por um lado, a influência de Proclo e do neoplatonismo da 
Escola de Chartres e, por outro, a do Pseudo-Dionísio. Em 1459 
escreve dois opúsculos, o De aequalitate e o De principio. O pri-
meiro toma como epigrafo o versículo do 1. o capitulo do Evange-
lho de João, "vita erat lux hominum"11, e o segundo, do mesmo 
evangelho, a resposta de jesus à pergunta "Tu quis es?':· "Princi-
pium, qui et loquor vobis"12• Continuando à procura da fórmula 
menos desadequada para exprimir esse princípio, escreve em 
1460 o De possest, em que a partir do cruzamento de "posse" 
com "est" procura reformular os conceitos de acto e potência na 
sua aplicação a Deus enquanto "coincidência de opostos': e, em 
1462, o De non aliud, em que o infinito é pemado, por impira-
ção dionisiana, a partir da dialéctica entre a alteridade e a não 
alteridade e que tem a particularidade de incluir como interlo-
cutor do diálogo o português Fernando Martim, clérigo oriundo 
de Viseu, C6nego da Sé de Lisboa e Mestre em Medicina13• 
11 jo I, 4. 
12 Jo 8, 25. 
13 t este mesmo Fernando Martins que serve de intermediário à troea de cor-
respondência enue Paolo Toscanelli , amigo do Cardeal desde os seus estudos em 
Pádua, e Cristóvão Colombo, a propósiro do empreendimento que este projecrava e 
[X] 
Entretanto, a preocupação com as outras religiões não é 
posta de laeúJ e, por isso, faz, no inverno de 1460-61, uma and-
lise minuciosa da religião muçulmana, exposta numa obra em 
três livros intitulada Cribratio Alchorani. 
Finalmente, no ano de 1463, inicia um conjunto de textos 
que comtituem, toCÚJs eles, uma abordagem serena e amadurecida 
CÚJs principais temas tratados nas obras anteriores. O primeiro, 
tomanCÚJ como metdfora e pretexto o jogo, e por isso se intitula 
De ludo globi, aprofunda mais uma vez o processo de ascemão 
CÚJ homem a Deus, mas fo-lo a partir de incursões não s6 antro-
pológicas e éticas, mas também gnosiol6gicas e cosmol6gicas. O 
segundo, recorrenCÚJ a uma nova metdfora, agora de impiração 
venat6ria, compara o seu percurso especulativo a uma caça pelos 
campos da sabeeúJria, sendo possível identificar algum CÚJs princi-
pais campos enumerados no De venatione sapientiae com os 
títulos das suas obras mais significativas e originais. Por último, 
em 1464, escreve os seus CÚJis últimos textos, cujos títulos indi-
ciam também a comciência de uma caminhada que se aproxi-
mava do fim: o Compendium oferece-nos uma slntese das suas 
principais teses, não s6 no que se refere ao conhecimento, mas 
também no que se refere ao papel CÚJ homem como sujeito e aos 
nomes de Deus que continuam a furtar-se a qualquer fixação 
precisa; o De apice theoriae oferece-se mesmo como 'o cume da 
sua teoria" e o termo da sua caminhada, propondo a substituição 
de toCÚJs os outros nomes avançaCÚJs para designar Deus por um 
extremamente simples e significativo, posse ipsum, o Pr6prio 
Poder ou o Poder-ele-pr6prio, essa "silenciosa força CÚJ possíve/''~4. 
A 11 de Agosto de 1464, Nicolau de Cusa morre em Todi, 
no decurso de uma viagem para Ancona, onde o seu amigo e 
que viria a traduz.ir-se na viagem que o levaria à América. Cf., a este propósi10, 
António Domingues de Sousa COSTA, "Cristóvão Colombo e o Cónego de Lisboa 
Fernando Manins de Reriz, destinatário da carta de Paolo Toscandli sobre os desco-
brimenros marítimos", Antonianum, 65 (1990), pp. 187-276. 
,. A expressão é de Heidegger (~n und ilit, § 76), mas não é dissonante do 
próprio conceito de posu iprum de icolau de Cusa. Cf., a este propósito, Peter J. 
ÚSAREU.A, " icholas of Cusa and the Power of Possible", Ammcan Carholic PhiÚJso-
phiCJzl Quizrtuly, 64 (I 990), especialmenre pp. 30-34. 
[XI] 
papa Pio II assistia aos preparativos para a partida de uma nova 
Cruzada. A cabeceira tinha não só o seu amigo desde os tempos 
de Pádua, Paolo Toscanelli, mas também o seu médico e igual-
mente seu amigo, o português Fernando Martins. Se o corpo foi 
sepultado na Igreja de S. Pedro in Vinco/i, de que era cardeal 
titular, o seu coraçãoregressou a Cusa, sua terra nata4 repou-
sando na capela do asilo que mandara construir e onde ainda 
hoje se encontra a sua riqufssima biblioteca. 
2. Estrutura de A douta ignorância 
A obra que agora se apresenta em tradução portuguesa 
constitui uma autêntica contracção, para utilizar uma categoria 
central do discurso filosófico do autor, na qual se concentram os 
principais motivos do seu filosofar que, posteriormente, outros 
textos virão a "explicar" em diversas direcções, ora devido a dife-
rentes solicitações, ora motivado por novas leituras, ora impelido 
por outros e mais originais aprofundamentos. Divide-se em três 
livros, internamente articulados na sua unidade e na convergên-
cia dos conceitos em que se exprime a tripla realidade que abor-
dam. O primeiro pretende aprofundar o estudo do Máximo 
absoluto, em si inominável, mas venerado como Deus na religião 
de todos os povos. O segundo volta o olhar para o universo, de 
que o Máximo absoluto é a causa e o prindpio e que, existindo 
assim fora da unidade desse Máximo de que provém, não pode 
subsistir sem a pluralidade em que se apresenta, razão pela qual 
não recebe, como o primeiro, a designação de Máximo absoluto, 
mas sim de máximo contraido. Finalmente o terceiro livro pro-
cura encontrar o mediador entre o primeiro máximo e o segundo 
máximo, e que, para isso, tem de participar simultaneamente da 
natureza absoluta do primeiro e da natureza contraida do 
segundo: jesus, sendo Deus, é, por isso, absoluto, e, sendo homem, 
é por isso contraido, estabelecendo-se, pois, como unidade e unifi-
cação de todas as coisas. No aprofundamento destes três temas é 
todo o universo filosófico do autor que vai sendo atravessado ao 
[XII] 
longo do discurso, e dele gostaríamos de evidenciar algum traços 
como abertura ao seu pemamento e iniciação à leitura dos textos 
em que se exprimiu. 
3. Sentidos e dimensões da "douta ignorância" 
Em primeiro lugar, deve reter-se que, embora dedicado ao 
Máximo absoluto, o que no primeiro livro se evidencia é mais o 
saber máximo da nossa ignorância do que uma explanação do 
que seja esse Máximo absoluto. E é precisamente porque, a pre-
texto do saber de Deus, se opera uma inflexão para o saber do 
pr6prio saber {que se revela um saber do não saber} que o perna-
menta de Nicolau de Cusa foi já comiderado uma forma prévia 
da metafisica moderna15. Inicia-se aqui uma reflexão sobre o 
sujeito e as possibilidades {com os respectivos limites} do seu 
conhecimento que alguns pressentiram antecipar Descarte/6, 
outros conduzir até Kanr7 e outros ainda vir a desembocar em 
Hegel e na sua noção de sujeito absoluto18• Parece-nos, no 
entanto, que a leitura de um autor, quando demasiado condicio-
nada pelo pemamento de outros autores posteriores, poderá sacri-
ficar elementos que comtituem verdadeiramente a sua especifici-
dade, a sua originalidade e a sua radicalidade. E a novidade 
que se pressente no aprofUndamento que o Cardeal alemão foz 
deste tema, se ultrapassa em muito os seus precedentes socráticos 
ou augustinianas, não pode também enquadrar-se devidamente 
15 Cf. K.-H. VOLKMANN-SCHLUCK, "Die Philosophie des ikolaus von Kues. 
Eine Vorform der neuuitlichen Meraphysik", Archiv for Phi/QJophü, 3 (1949), 
379-399. 
16 IDEM, Nicolaus Cusanus. Di~ Philosophi~ im Obugang tÚT Mitulaltu zur 
N=it, 2. Auf. , Frankfun am Main, Viccorio Klosrermann, 1968, esp. pp. 174-190. 
17 Cf. E. Ú.SSIRER, Ei probkma tÚ[ conocimimto m la filosofoz y las cimciaJ 
motÚTnaJ, I, Buenos Aires, Fondo de Culrura Económica, 1953, pp. 79-80 e tam-
bém M. de GANOILU.C, La philosophü tÚ Nicolas tÚ Cun, Paris, Aubier-Moncaigne, 
1941 , p. 149. 
18 Cf. W SCHU!Z, Du Gott tÚT n=itlichm M~taphysik, Pfullingen, eske, 
1957, pp. 11-30 e ram!Xm E. FRJ.NTzKJ, Nikolaus von Kun und das Probkm tÚT 
absolutm Subj~ktiivitiit, Meisenheim am Glan, Anrón Hain, 1972. 
[XIII] 
no apriorismo tramcendenta/ de Kant ou na subjectividade do 
idealismo alemão. Com efeito, são múltiplas as dimemóes que 
definem esta atitude perante a ciência humana. 
A "douta ignorância': como saber do não saber, comporta, 
em primeiro lugar, uma dimemão lógica e gnosiológica, mos-
trando como o pemamento do infinito escapa às leis que marcam 
a finitude do nosso pemar e também o nosso pemamento da fini-
tude. Ela é marcada pela regra da disproportio, segundo a qual 
não pode haver proporção entre o finito e o infinito e, por isso, o 
modo humano de conhecer, que avança gradualmente, através do 
método da proporção e da analogia, do conhecido para o desco-
nhecido, não nos permite o acesso a um conhecimento de Deus. 
O motivo místico-teológico é, assim, determinante para a defini-
ção da "douta ignorância"19. Com ele, o autor imcreve-se na tra-
dição do primado da teologia negativa ou apofática de influência 
dionisiantil0 sobre a teologia afirmativa ou catafática, embora, 
em última análise, nem sequer a teologia negativa, em sentido 
rigoroso, seja o modo mais adequado para o discurso sobre o 
divino. Como diz Nicolau de Cusa, no Idiota de sapientia, "há 
um modo de comiderar Deus, pelo qual não lhe convém nem a 
afirmação, nem a negação, mas, estando ele acima de qualquer 
afirmação e negação, a resposta nega então a afirmação, a nega-
ção e a sua união "21 • Parece ecoar aqui a via eminentiae do 
Pseudo-Dionlsio como uma espécie de superação da aporia entre 
a teologia positiva e a teologia negativa, mas de um modo tal 
que, para ficar permanentemente salvaguardada a distância, e, 
como ta/, a possibilidade do discurso, a negação, longe de expri-
mir privação, exprime o excesso e a plenitude absoluta de sen-
19 Cf. J. STAUMACH, "Der 'Zusarnmenfall der Gegensatu' und der unendli-
che Gon", in K. jAXOBI (Hrsg.), Nilrolaus von KJUS. Einfohrung in snn phiwsophischa 
Dmlrm, Freiburg!München, Karl Alber, 1979, pp. 69-73 e, do mesmo STAUMACH, 
lnúrufaU da G~msiit:u und Wrishút da Nichtwissms. Grundzüg~ da Phiwsophü da 
Nilrolaus von Kun, Münster, Aschendorff, 1989, esp. pp. 19-36. 
20 Cf., a este propósito, a excelente tese de D. Dua.ow, Th~ ú=d lgno-
ranu: ln Symbolism, l..ogic and Founáanons in Dionyrius th~ Anopagiu, John Scotus 
Eriugma aná Nuholas ofCusa, Bryn Maur CoUege, 1974. 
21 ICOLAU DE C USA, ltÜJJUI tk sapimtia, L II, h V, n.• 32, linhas 14-17, 
p. 65. 
[XIV] 
tido. Neste contexto, Nicolau de Cusa irá recuperar, posterior-
mente, a noção de uma theologia sermocinalis, uma teologia do 
discurso ou da fala, uma teologia dialógica, que assenta precisa-
mente na força da palavra: "Se devo mostrar-te o conceito, que 
tenho, de Deus, é necessário que a minha locução, se te deve ser-
vir, seja tal que as suas palavras sejam significativas, para que 
assim possa conduzir-te, na força da palavra, que é conhecida 
pelos dois, àquilo que é procurado. Ora o que é procurado é 
Deus. Por isso, a teologia da fala é esta pela qual procuro condu-
z ir-te a Deus pela força da palavra do modo mais fácil e mais 
verdadeiro que posso. "22 Esta teologia dialógica, pela qual se supe-
ram as Limitações do discurso por negações, é simultaneamente 
uma teologia e uma filosofia do símbolo e da interpretação, 
assente no motivo paulincl3 que Leva o autor a declarar no capi-
tulo 11 de A douta ignorância que "todos os nossos doutores 
mais sábios e divinos estiveram de acordo em que as coisas visf-
veis são verdadeiramente imagens do invisível e que, assim, o 
criador pode ser cognoscivelmente visto pelas criaturas como que 
num espelho e por enigmas'!Z4. A partir daqui a reflexão assume 
a forma de uma symbolica investigatio que, aplicada ao divino, 
é sobretudo uma aenigmatica scientia que postula uma atitude 
profundamente interpretativa, mas sempre acautelada pela dis-
tância crítica da "douta ignorância"!25, que implica um duplo 
salto pormenorizadamente teorizado no capítulo 12 desta obra. 
22 IDEM, Idiota t:Ú sapimtia, L. I, h V n.• 33, linhas 5- 11, p. 66. Sobre a 
uo/Qgia urmocinalis e as suas raizes, cf. Peter CAsAREl.U., Nicho/as of Cusa's Th~oÚJgy 
ofWord, YaleUniversity, 1992, pp. 87- 144. Cf. ainda, do mesmo autor, "Language 
and thro/Qgia s~ocinaw in icholas of Cusa's Idiota t:Ú sapimtia", in: 0/d and N= 
in th~ Fifomth Cmtury, XVIII , 1991 , pp. 131 -142. 
23 Cf. Cor 13, 12. Cf. também Rm 1, 20. 
" ICOLAU DE CUSA, A douta ignorância, L. I, cap. 11 , n.• 30, infta, pp. 
22-23. 
zs Sobre a leitura do pensamento cusano como uma ftlosofia do símbolo e da 
interpretação incidiu particularmente a nossa dissertação de doutOramento Smtido, 
simbolimw ~ inurpmação no discurso ji/Qsófico t:Ú Nicolau t:Ú Cusa, Coimbra, Funda-
ção Calouste Gulbenkian/Jun ta acional da Investigação Cientifica e Tecnológica, 
1997. Cf. rambém o nosso artigo de sfmese "La port~ de la philosophie de icolas 
de Cues. La doe/a ignorantia en tant que philosophie de l'interprétation", in: J. A. 
AERTSEN u. V. A. SPEER (Hrsg.) - Misc~llan~a M~dUuvaEa, XXVI , Was ist Phi/Qso-
phic im Miru~, lkrlin!New York, Walter de Gruyter, 1998, 724-730. 
[XV] 
Sublinhe-se, no entanto, que a "douta ignorância" não diz 
apenas respeito ao nosso saber das "coisas divinas ': mas atinge 
também, como veremos a seguir, os nossos conhecimentos do 
mundo empfrico, e se as nossas proposições, como sfmbolos sobre o 
divino, são enigmas, são, no que se refere ao conhecimento em 
geraL conjectura, ou seja, "afirmação positiva que participa, na 
alteridade, da verdade tal como ela é" e é neste sentido que 
alguma negatividade caracterfstica do De docta ignorantia não 
é contraditória, mas sim complementar, com a positividade reco-
nhecida ao discurso humano no De coniecturis26 . Por isso, a 
dialéctica inerente a este saber do não saber é uma dialéctica em 
que se cruza um movimento de redução tramcendentaL que do 
conhecimento finito ascende à incompreemibilidade do infinito, 
com um movimento de dedução tramcendental, em que desse 
incompreemfvel fundamento último se ganha a compreemão do 
finito em que ele se reflecte e exprimtF . 
Não é, no entanto, apenas este jogo entre a negatividade e 
a positividade que marca a originalidade com que o Cusano se 
apropria do motivo da "douta ignorância': t que, para além da 
dimemão gnosiológica referida, ela comporta igualmente uma 
dimemão ôntica, ontológica28 e ainda antropológica, na medida 
em que define o ser do homem, na sua incompletude, como ser 
de desejo intelectuaL como caminho e tarefo, como abertura ao 
dom que nele se perfaz. 
A estas dimemões outras poderão e deverão ser acrescenta-
das, cuja actualidade é inquestionável: é que as implicações da 
"douta ignorância" reflectem-se igualmente no plano ético, no 
plano estético e no plano pedagógico. No plano ético, a "douta 
ignorância': pelas suas fontes e nas suas múltiplas comequências, 
26 C( J. RilTER, Docta ignorantia. Di~ Th~om tÚs Nichtwllinu b~i Nicolaw 
Cwanus, Leipz.ig/Berlin, B. G. Teubner, 1927, pp. 85-95. 
u C[ ]. STAl.l.MACH, lnnnsfall tÚr G~gmsiitu und Wtishút tÚs Nichtwi.ssnu. 
Grundzjjg~ tÚr Philosophic tÚs Nikolaw von Kues, M ünster, Aschendorff, 1989, esp. 
p. 24. 
21 C( W. DUPR.t, "Von det dreif.tchen lkdeutungen der 'docta ignorantia' bei 
ikolaus von Kues", Wusnzschaft und ~/rbild, IS (I 962), 264-276. 
[XVI] 
implica um alcance profundamente terapêutico, pressupondo a 
função "purgativa" que corresponde ao momento da catharsis da 
ascensão dionisiantl9. Mas, ao mesmo tempo que purifica o espí-
rito de preconceitos e presunções, a "douta ignorância': sem signi-
ficar relativismo ou cepticismo, é o outro nome da tolerância e 
do respeito pela liberdade de religião e pela diferença das cultu-
ras. Neste sentido, a obra escrita em 1453, A paz da fé, é a 
indispensável tradução em termos ético-políticos dos princípios 
gnosiológicos afirmados em A douta ignorância e em As conjec-
turas, de tal modo que, inserindo-se numa tradição ecuménica 
que vem de longl!0, abre o caminho para um conjunto de textos 
renascentistas em que é central o motivo da concórdia31 . Pode, 
aliás, considerar-se a dimensão antropológica da "douta ignorân-
cia" como um dos grandes fundamentos dessa tradução prática e 
das suas implicações éticas: é porque a natureza humana não 
pode ser encarada numa perspectiva estática mas dinâmica e, por 
isso, plural, que a sua relação com Deus implica necessariamente 
o respeito pela pluralidade de ritos, com toda a fecundidade 
implícita na expressão "una religio in rituum varietate''32. 
O significado estético da "douta ignorância" torna-se tam-
bém evidente quando nos damos conta de que o saber do não 
saber conduz naturalmente, nos seus múltiplos caminhos, a uma 
scientia laudis perante a beleza do mundo que exprime a suma 
"' Cf. M. L. FUEHRER, "Purgation, illumination and perfection in Nicholas 
ofCusa", Downsitk &vi=, 89 (1980), pp. 169-189. 
30 Cf. Walter Andreas EULER, "Gewohnheit ist kein Amibut Gottes: Die 
Incencion des Religionsdialoges bei Abaelard, Lull und Cusanus", in Kazuhiko 
YAMAKJ (Ed.), Nicho/as of Cusa. A M~diroa/ Think~r for th~ Motkrn Ag~. 
Waseda/Curzon Internacional Series, 2002, pp. 153-166. 
31 Cf. o nosso texto "Piuralidad de creencias y diferencia de culturas: de la 
concórdia rcnaccncista a la cducación incerculcural", in Mariano ÁLVAREZ GOMEZ 
{ed.), Pluraliáad y smtido tÚ las u/igion~ Salamanca, Ediciones Universidad de Sala-
manca, 2002, pp. 167-198 e também, de nossa autoria, o texto "Coincitkntia 
oppositorum, Concórdia c o sentido existencial da transsumptio em icolau de Cusa", 
in João Maria ANDRf e Mariano ÁI.VAREZ GOMEZ (Eds.), Coincidbuia dos opostos ~ 
concórdia. Caminhos do pmsammto = Nicolau tÚ Cusa, pp. 213-243. 
32 ICO!.AU DE CusA, D~ paufoki, h IX, n.• 6, linhas 10-11 , p. 7. 
[XVII] 
beleza do seu autor33• Trata-se, mais uma vez, da influência da 
"erótica dionisiana" que Nicolau de Cusa repete, num dos seus 
sermões, nestes termos: "Tudo o que é é a partir do belo e do 
bom, no belo e no bom e ao belo e ao bom retorna'54. O capítulo 
13 do Livro II de A douta ignorância, intitulado 'a admirável 
arte divina na criação do mundo e dos elementos" é a conclusão 
natural de uma scientia laudis que descobre, pela "douta igno-
rância': que Deus tudo criou em número, peso e medidd5, e que 
o leva a exclamar: "Quem, pois, não admirará este artífice que 
se serviu de uma tal arte nas esferas, nas estrelas e nas regiões dos 
astros, que, sem precisão alguma, estando a concordância de 
todos na diversidade de todos, dispõe, num único mundo, a 
grandeza das estrelas, os Lugares e os movimentos e ordena de tal 
modo a distância das estrelas que, se cada região não fosse como 
é, nem ela poderia ser, nem estar em tal sítio e ordenada daquele 
modo, nem o próprio universo poderia ser?'56 A fonte desta 
beleza e desta harmonia, esse "admirável artífice" é, no entanto, 
uma plenitude tão excessiva de beleza e de harmonia que escapa 
ao nosso ouvido finito e Limitado, levando o autor a reconhecer: 
"Ascende por aqui ao conhecimento de como a harmonia 
33 A rcimtia laudi.r, sendo teorizada especificamente com esta designação na 
carta a Albergari (publicada por G. von BREDOW em Dar Vmniichmis t:Úr Nikolaus 
von Ku~s. D~r Brüf an Nikolaus Albn-gati n~bst t:Úr Pr~digt in Montoliv~to (1463}, 
Heidelberg. Karl Winrer, 1955), é afirmada também explicitamente no D~ vmatioM 
sapimtia~. onde o louvor constitui o quinto campo da caça da sabedoria e do qual se 
diz {cap. 18, H . XH, n.• 53, linhas 8-10, p. 50): "Deprehendi igirur in hoc laudis 
campo sapidissimam scientiam consisrere in laude dei, quae omnia ex suis laudibus 
ad sui laudem constituir". Sobre a articulação enrre "doera ignoranria", "sacra igno-
rantia" e "scientia laudis" cf. P. CAsAREU..A, "Sacra ignorantia. sobre la doxología filo-
sófica dei Cusano", in João Maria ANDRJ'. e Mariano ÁLVAREZ GOMEZ (Eds.), Coinci-
dbuia tÚJr opostos~ concórdia: caminhos tÚJ pmsammto =Nicolau tÚ Cusa, pp. 51-65. 
~ ICO!.AU DE CUSA, Tota pu/era ~s amica =a (ramo tÚ pulchritudiM), edi-
zione cri tica e inrroduzione di G. Santindlo, Padova, Socierá Cooperativa Tipográ-
fica , 1959, p.35. Sobre a tonalidade estética de rodo o pensamento do autor, cf. 
também G. SANTINELLO, II pmsi"o di Nocolõ Cusano n~lla rua prosp~ttiva mltica, 
Padova, Liviana, 1958, obra em que nas pp. 1-38 procede a uma análise minuciosa 
deste sermão do Cardeal alemão. 
JS C( ICOlAU DE C USA, A tÚJuta ignorância, L II, cap. 13, n.• 176, infra 
p. 125. 
36 IDEM, ibidtm, n.• 178, in&a pp. 126-127. 
[XVIII] 
máxima e com a maior precisão é a proporção na igualdade, que 
o homem vivo não pode ouvir na carne"37. E no reconhecimento 
desta inacessibilidade da fonte da beleza que a estética cusana se 
cruza com a "douta ignorância': como se afirma explicitamente 
em A visão de Deus: "Ora a tua face, Senhor, tem beleza e este 
ter é ser. Por isso, ela é a beleza absoluta, que é a forma que dá 
o ser a toda a forma bela. Ó face excessivamente bela, para 
admirar a tua beleza não são suficientes todas as coisas com as 
quais é dado olhá-la. Em todas as faces aparece a face das faces 
de modo velado e enigmático. Não aparece realmente a desco-
berto, enquanto se não penetra, para além de todas as faces, num 
secreto e oculto silêncio onde nada resta da ciência ou do conceito 
de face. '58 Porque a beleza não pode ser representada objectiva-
mente, só no silêncio e na sua plenitude podemos beber os seus 
vestígios, numa transgressão de todas as fronteiras do saber cientí-
fico e das nossas representações do mundo. 
Por último, a "douta ignorância" é extremamente fecunda 
nas suas implicações pedagógicas. Se toda a filosofia começa com 
o espanto e a admiração, toda a aprendizagem começa com o 
reconhecimento da própria ignorância e dos limites do saber. E 
esta máxima aplica-se ao discípulo porque se aplica antes de 
mais ao próprio mestre. Todos somos, ou devemos ser, sujeitos de 
uma consciente ignorância, e nisso todos somos iguais e nos deve-
mos assumir nessa igualdade radical de quem possui uma razão 
que sabe que não sabe. A dimensão subversiva da "douta igno-
rância" está nesta sua mensagem de libertação: libertação de cer-
tezas feitas, libertação de desigualdades tidas como naturais, 
libertação da distância entre o mestre e o discípulo que vive da 
37 IDEM, ibidnn, L. II, cap. I , n.• 93, infra p. 67. 
38 IDEM, D~ vision~ Dá, Cap. 6, h VI, n.• 20, linhas 13-17 ~r n.• 21 , linhas 
1-4, pp. 22-23. f a consciência desr~ "fundo" indizível para que r~mere aqui o mis-
ticismo esrécico qu~ nos ~rrnir~ ~nsar numa ~rra aproximação ~n~ a ex~riência 
arústica e a ex~riência religiosa ~ a rroescobrir rarnbém aqui a acrualidade do ~nsa­
menro de Nicolau de Cusa, d~ modo a r~rmos r~nrado uma aproximação com algu-
mas das afirmações de Mikel Dufrenn~ no artigo que publicámos r~nremenr~: "A 
acrualidade do ~nsamenro de icolau de Cusa: a 'doura ignorância' ~ o seu signifi-
cado hermenêutico, érico e estético", &vista Fiwsófica tÚ Coimbra, YJ20 (2001), pp. 
313-332. 
[XIX] 
perpetuação do discípulo como condição de sobrevivência do mes-
trt?9. A manuductio, o levar pela mão os espíritos mais jovensr 
não assenta, assim, numa pretema posse de um saber absoluto, 
mas no reconhecimento de que eles poderão, de modo originaL 
elevar-se depois aos mais altos mistérios intelectuais. E se A 
douta ignorância fala de um "conduzir, com segurança, pela 
mão (manuductione indubitata)"40, já no De coniecturis não 
deixará de se articular claramente esta condução dos mais jovens 
com o reconhecimento das próprias limitações de quem os con-
duz. Por isso, aí dirá primeiro o autor: "Acolhe, pois, como 
minhas conjecturas, estas descobertas que abaixo exponho, extraí-
das das possibilidades do meu modesto engenho, através de não 
pequena meditação, talvez bastante inferiores às maiores fUlgura-
ções intelectuais, as quais, embora tema que possam ser despreza-
das por muitos, devido à inépcia do meu modo de as comunicar, 
eu distribuo, todavia, às mentes mais altas, como se fossem ali-
mento não de todo desadequado a ser transformado em ideias 
intelectuais mais claras. " E depois acrescenta: "É necessário, 
porém, que atraia, como que guiando-os pela mão, os mais 
jovem, privados da luz da experiência, à manifestação daquilo 
que se oculta, de tal maneira que possam elevar-se gradualmente 
ao que é menos conhecido. "11 E, já numa clara alusão aos limites 
do saber, dirá o De visione Dei: "Tentarei, do modo mais sim-
ples e comum, conduzir-vos pela mão (manuducere) duma 
forma experienciáveL até à mais sagrada obscuridade. '>12 Assim, 
a manuductio faz parte integrante do processo dialógico em que 
a relação "mestre-discípulo" se perfaz configurada pela "douta 
ignorância': 
39 Cf., a propósito da acrualidade da "douta ignorância" na experiência edu-
cativa, João Maria ANDRf, "Virtualidades hermenêuticas da "douta ignorância' na 
rdação pedagógica", Caduno tk Fiúuofias, 617 (Março de 1994), pp. 109-151. Cf. 
também K. G. POPPEL, Die tÚJcta ignorantia tks Nicolaus Cusanus ah Bildungrprinzip. 
Eini! piiáadogischt! Unurruchung übi!T tkn &griff tks Wmms und Nichtwissms, Frei-
burg, Lamberrus Verlag. 1956. 
40 JCO!AU DE CuSA, A tÚJuta ignorância, L I, cap. 10, n.• 29, pp. 21-22. 
41 IDEM, Di! coniecturis, L. I, Prologus, h III, o.• 3, linhas 7-13 e n.• 4, linhas 
1-3, p. 5 . 
• , IDEM, Di! visioM Dd, h VI , n.• I , linhas 11-13. 
[XX] 
4. A "douta ignorância" e os "nomes divinos" 
Marcada, pois, pela "douta ignorância': toda a reflexão do 
primeiro livro desta obra, que toma como motivo central o 
Máximo absoluto, não pode deixar de criar um permanente dis-
tanciamento face aos termos humanos com que esse máximo 
acaba por ser caracterizado. O De docta ignorantia é, deste 
modo, o primeiro passo de uma hermenêutica dos nomes divinos, 
profundamente influenciada pela obra do Pseudo-Dionísio como 
já foi referido, que só terminará com a última obra, o De apice 
theoriae. Neste primeiro texto não há, como em outros textos, 
um nome privilegiado para designar Deus, mas há uma abertura 
plural para os diferentes nomes que posteriormente virão a ser 
teorizados. Claro que parece evidenciar-se, a partir dos primeiros 
capftulos, o nome de Máximo a ponto de alguns intérpretes 
terem considerado este como o "maior nome de Deus"13, mas 
penso que, nesta obra, o conceito de Máximo mais que sobrede-
terminar os outros conceitos, acaba por ser sobredeterminado, por 
um lado, pelo conceito de coincidência e, por outro, pelo conceito 
de infinito, sendo sobretudo a insistência nesses traços que per-
mite estabelecer alguma demarcação do Máximo anselmiano44. 
H C( W. HOYE, "Gon - Das maximum. Eine Untersuchung zur Rangord-
nung der Gottesbegriffe in der Theologie des Nikolaus von Kues", Th~o/ogi~ HI!Uú, 
74 (1984) , p. 379. 
« Alguns dos autores que mais se evidenciaram na aproximação de Anselmo 
foram: K. FLA.SCH, Dü M~taphysik tks Einm bá Niko/ous von Kut!s. Probkmg~chich­
tlich~ SuUung und systmuztúch~ &tkutung, Leiden, E. J. BriU, 1973, pp. 161-168; H. 
BLUMENBERG, Asp~ku da Epochmschwt!lk: Cusanu und No/onu, Frankfurt am Main, 
Suhrkamp, 1976, pp. 40-42; e S. DANGELMAYR, Gott~ukmnmis und Go=b~ffin 
tÚn phi/osophischm Schriftm tÚs Niko/ous von Ku~s. Meisenheim am Glan, Anron 
Hain, 1969, pp. 64-65. Um dos aurores que mais contundentemente criticou esta 
aproximação foi J. H OPKJ 5 em A Concis~ lntroduction to th~ Phi/osopphy of Nicho/os 
ofCusa, Minneapolis, Universiry of Minnesota Press, 1978, pp. 14-15 e noras 51-55 
(pp. 163-164), e em Nicho/os ofCusa's Diakctical Mysticism. Tat. Trans/otion and 
lnurp"tativ~ Study of "D~ visiom Dá~ Minneapolis, The Anhur Banning Press, 
1985, pp. 57-60. C( também, a este propósito, Mariano Ál.VAREZ GóMEZ, '"Coinci-
dentia opposirorum' e infinirud, codeterminantes de la idea de Dios según icolás 
de Cusa", Ciudad tÚ Dios, 176 (1963), p. 671. 
[XXI] 
O Máximo, com efeito, é imediatamente caracterizado como 
aquele que é de um modo tal que com ele coincide o mínimo45, 
superando assim toda a oposição, incluindo essa oposição entre 
máximo e mínimo46. Alids, na carta do autor que se publica 
comocomplemento à obra, é justamente a coincidência dos opos-
tos que é apontada como tema central do primeiro Livro: "Mas, 
nestes [mistérios} profondos, todo o nosso engenho humano deve 
esforçar-se por se elevar à simplicidade em que coincidem os con-
traditórios; é nisso que trabalha a concepção do primeiro Livro. •>ll 
Não se peme, no entanto, que a "coincidência dos opostos': sejam 
os contrdrios ou os contraditórios (Nicolau de Cusa recorre tanto 
a uma como a outra fórmula), se apresenta como uma boa defi-
nição de Deus. Outros textos posteriores, nomeadamente o De 
coniecturis e o De beryllo, esforçar-se-ão por demomtrar que 
Deus não é a coincidência, mas se situa mesmo para Ld da pró-
pria coincidência, chegando até o De visione Dei , quando o 
define como "oposição dos opostos'>~8, a situd-lo para Ld do muro 
do paraíso, que é o muro da coincidência, onde habita na sua 
inacessibilidade49. Curiosamente, o capitulo do De visione Dei 
em que é introduzida a expressão "oposição dos opostos" é o que 
mais radicalmente afirma a infinitude divina, tendo justamente 
como titulo "Deus aparece como a infinidade absoluta" e fazendo 
uma curiosa articulação entre a infinidade e a inominabilidade: 
'/I infinidade nenhum nome pode convir. Com efeito, todo o 
nome pode ter um contrdrio. Mas à infinidade inomindvel nada 
pode ser contrdrio. "50 Assim, a caracterização do infinito como 
41 Cf. NJCOU.U DE C USA, A douta ignorância, L. I, cap. 4, n.• 11 , infra p. 9. 
46 Cf. IDEM, ibidnn, L. I, cap. 16, n.• 43, infra p. 33. 
47 IDEM, ibidnn, "Cana do autor", n.• 264, infra p. 187. 
48 Cf. IDEM, D~ vision~ Dá, cap. 13, h VI , n.• 54, p. 46. Sobre o conceito de 
Deus como "oppositio oppositorum", cf. W. BEIERWALTES, "Deus oppositio opposito-
rum icolaus Cusanus D~ vision~ Dá, XIIl)", Salzburgn- }ahrbuch for PhiÚJiophi~. 8 
(1964}, pp. 175-185. 
49 Sobre a metáfora do muro da coincidência, cf. R. HAuBST, "Die erkenm-
nistheoretische und mystische Bedeurung der 'Mauer der Koinzidenz'", Miruilungm 
und Forschungsbritriig~ tkr Cwanw-Gmlhchaft, 18 (1989), pp. 167-191. 
10 ICOU.U DE CUSA, D~ vision~ Dri, Cap. 13, h VI, n.• 55, linhas 7-9, 
p. 47. 
[XXII] 
infinito e a sua adjectivação como infinito é a única forma de 
manter a legitimidade dos outros nomes, já que aquele cujo 
nome é infinito é aquele que pode ser chamado com todos os 
nomes, sem ter, como nome preciso, nenhum desses nomes: "Todos 
esses nomes são nomes que explicam a complicação do único 
nome inefável. E, pelo facto de o nome apropriado ser infinito, 
assim ele complica tais nomes, em número infinito, de perfeições 
particulares. Por isso, por muito numerosos que sejam os nomes 
que o explicam, nunca serão tantos e tão grandes que não possam 
ser ainda mais. Qualquer um desses nomes está para o nome pró-
prio e inefável como o finito está para o infinito. "51 
Neste contexto, a fecundidade do conceito de infinito para 
nomear, sem nomear, a divindade manifesta-se na pluralidade 
de designações a que A douta ignorância recorre. Assim, para 
além do conceito de Máximo ou do conceito de "coincidentia 
opositorum': poder/amos ainda referir, no primeiro Livro, o 
recurso aos conceitos de unidade (que atravessa os capítulos 5 a 
9), que Lhe permite igualmente tematizar a sua natureza trinitá-
ria j untando-Lhe os conceitos de igualdade e de conexão. 
Mas outros nomes se vão insinuando, entretanto, nesta pri-
meira obra filosófica do autor. É assim que o conceito de idem, 
que constituirá o nome divino aprofundado no pequeno opúsculo 
De genesi, aparece aqui introduzido no movimento pronominal 
do hoc para o id e do id para o idem, ou da unitas para a idi-
tas e da iditas para a identitas52. 
Acrescente-se ainda que, em A douta ignorância, não surge 
o nome divino "Não-outro" (non aliud), que só o diálogo que 
ficará conhecido com este título, mas que teria como título origi-
nal Directio speculantis, aprofundará como outra face do idem 
com a dialéctica implícita na categoria de 'ínfinitus". Mas, em 
H IDEM, A douta ignorância, L I, cap. 25, n.• 83, infra p. 60-1. Um dos 
primeiros esrudos a chamar a atenção para a importância do conceito de infinito no 
pensamento de Nicolau de Cusa e a propor uma rei nterpretação de roda a sua filoso-
fia a panir desta categoria foi o de Mariano ÁLVAREZ GOMEZ, Di~ vorborgm~ G~m­
wart des Unnui/ichm bú Nikolaus von Kun, München/Salzburg. Anton Puster, 1968. 
52 Cf. ICO!.AU DE CUSA, A douta ignorância, L I, cap. 9, n.• 25, infra p. 19. 
[XXIII] 
contrapartida, surgem já outras caracterizações do Máximo tam-
bém como infinito que contêm implícitos dois dos nomes divinos 
mais originais no discurso cusano: o possest e o posse ipsum. O 
que a adopção desses dois nomes traduz é uma progressiva substi-
tuição, na definição de Deus, do primado do esse pelo primado 
do posse, de tal maneira que o posse ipsum, o poder-ele-pró-
prio, acaba por surgir no discurso cusano como sucedâneo do 
ipsum esse subsistens, adoptado, por Tomás de Aquino, como 
nome divinrr3. Quando, no capítulo 4 do Livro !, Nicolau de 
Cusa diz do Máximo que ele, "sendo tudo o que pode ser, é com-
pletamente em acto "54, está a atribuir-Lhe uma plena coincidên-
cia entre potência e acto, não apenas entre a sua potência e a sua 
actualidade, mas mais radicalmente e de forma abrangente entre 
toda a potência ou a potência de todas as coisas e a sua (do 
Máximo) actualidade. Ora é precisamente este o sentido da fór-
mula possest que ele criará em 1460 como nome divino. A 
anteceder tal fórmula estão precisamente as mesmas considera-
ções: "Sendo a potência e o acto o mesmo em Deus, então Deus é 
em acto tudo aquilo de que se pode verificar o poder ser. Com 
efeito, nada pode ser que Deus não seja em acto. ·~5 i destes pres-
supostos que o autor parte para a sua original e inovadora desig-
nação: "Admitamos que uma expressão signifique, com signifi-
cado simplicíssimo, quanto {significa} esta expressão complexa: o 
poder é: por outras palavras, que o próprio poder seja. E porque 
o que é é em acto, então, que o poder seja é o mesmo que poder 
ser em acto. Chame-se possest. Nele são complicadas todas as 
coisas e é um nome de Deus bastante apropriado segundo o con-
ceito humano que dele temos. i um nome que abraça todos e 
cada um dos nomes e ao mesmo tempo nenhum. '~6 Sabemos, 
entretanto, que já no final da sua vida Nicolau de Cusa optará 
H Cf. TOMÁS DE A QUI O, Summil th~o/ogUu, l, q. 4, a. 2. 
~ ICOI.AU DE CuSA, A douta ignorância, L I, cap. 4, n.• 11 , infta, p. 9. Cf. 
também, L I, cap. 22, n.• 68, infta pp. 50-51 , onde o ser em acto rudo o que pode 
ser ~ traduzido pdo conceito da complicatio divina. 
ss ICOI.AU DE CuSA, D~ po=t, h Xl2, n.0 8. 
S6 I DEM, ibidnn, n.• 14, linhas 3-10, pp. 17-18. 
[XXIV] 
por uma fórmula, ainda mais simples para traduzir a mesma 
ideia: "Compreendi então que devo admitir que a hipóstase das 
coisas, isto é, a subsistência, é o poder. E porque pode ser, sem o 
poder-ele-próprio [posse ipsum] níúJ pode ser. Como poderia sem 
poder? Por isso, o poder-ele-próprio [posse ipsum] sem o qual 
nada pode o que quer que seja é aquilo relativamente ao qual 
nada pode haver de mais subsistente. '57 No entanto, ao desenvol-
ver esta noçiúJ de posse ipsum o autor mais não fará do que tor-
nar explicito aquilo que já estava verdadeiramente complicado 
na definição de Máximo como "omne id quod esse potest" apre-
sentada em A douta ignorância58 . 
Os três últimos capitulas do Livro !, abordando sucessiva-
mente o nome de Deus no quadro da teologia afirmativa, os 
nomes atribuldos pelos gentios a Deus e a teologia negativa, com-
tituem um bom epilogo para a reflexão sobre o Máximo desen-
volvida desde as primeiras páginas, mas, simultaneamente, ao 
porem a questão da nominabilidade divina, abrem o caminho 
para um fecundo aprofundamento da natureza da linguagem 
que virá a ser desenvolvida em obras posteriores. Com efeito, é já 
aqui estabelecido o principio segundo o qual "todos os nomes sÍÚJ 
impostos por uma certasingularidade própria da razão, em vir-
tude da qual se faz a distinção entre uma coisa e outra" e, por 
isso, "onde todas as coisas são uma só, nenhum nome pode ser 
apropriado"59. Compreende-se, assim, que o autor diga que 
"qualquer um desses nomes está para o nome próprio e inefável 
como o finito está para o infinito '60. Mesmo a unidade, se por 
ela se entende algo que se opõe à multiplicidade, é um nome 
redutor quando aplicado a Deus, pois "pluralidade e multiplici-
SJ IDEM, D~ apic~ th~orilu, n.• 4, linhas 6-10, p. 119. 
sa Sobre o poM~t e o poM~ ipsum como nomes divinos, para além do artigo de 
P. CAsAREu... " icholas of Cusa and the Power of the Possible", já anteriormente 
citado, cf. também A. BRÜNTRUP, Konnrn wui &in. Du Zusammmhang tkr Spiilm-
schriftm dn Nikolaw von Kues, München/Salzburg, Anton Pustet, 1973, e ainda J. 
STAU.MACH, "Sein und das Kõnnen-sdbst bei ikolaus von Kues", in: K. FLASCH 
(Hrsg.), Parusia. Studim zur Phi/osophic Platons wui zur Probkmg~chichu dn Plato-
númw, Frankfurt arn Main, Minerva, 1965, pp. 407-421. 
s9 ICOLAU DE CuSA, A tÚJUJII ignorância, L I, cap. 24, n.• 74, infra p. 55. 
60 IDEM, ibilkm, cap. 25, n.• 84, infra p. 61. 
[XXV] 
dade opõem-se à unidade segundo o movimento da razão. Daí 
que não convenha a Deus a unidade, mas sim a unidade à qual 
não se oponha a alteridade, a pluralidade ou a multiplicidade. 
Este é o nome máximo que complica todas as coisas na simplici-
dade da sua unidade, é este o nome inefável e que está acima de 
toda a intelecção. '151 Esse nome máximo é-o porque significa uma 
plenitude excessiva de sentido, sendo, por isso, a condição de 
possibilidade do nome de todas as coisas e o sentido que em todos 
os nomes se exprime e explica de uma forma plural, como se 
depreende do passo seguinte do De filiatione Dei: "Portanto, 
convém que suponhas que o uno, que é o princípio de todas as 
coisas, é inefável na medida em que é o princípio de todos os efá-
veis. Tudo aquilo que se pode exprimir não exprime o inefáve~ 
mas toda a expressão diz o inefável. O uno, o pai ou o gerador 
do ~rbo é, com efeito, tudo aquilo que é dito em qualquer pala-
vra, significado em qualquer sinal e assim sucessivamente. '152 
Neste sentido, a imprecisão que caracteriza todo o nome com que 
pretendamos designar Deus repercute-se também numa certa 
imprecisão de toda a linguagem, na medida em que todas as 
palavras procuram exprimir o inexprimivel que, enquanto tal, 
escapa a toda e qualquer tentativa de fixação linguistica ou con-
ceptua~ revelando-se também aqui, mais uma vez, o alcance 
profundo da "douta ignorância'153• 
5. O universo, a natureza, e as concepções cosmológicas de 
Nicolau de Cusa 
Do segundo livro de A douta ignorância, três temas mere-
cem a nossa particular atenção: a concepção sistémica e orgânica 
61 IDEM, ibidnn, cap. 24, n.• 76, infra p. 56. 
62 IDEM, D~ fi/Uuion~ Dá, cap. 4, h IV, n.• 72, linhas i-6, p. 54. 
63 Sobre a filosofia da linguagem subjacente ao misticismo cusano, cf. K.-0. 
APEL, "Die ldee der Sprache hei Nikolaus von Kues", Arrhiv for &griffigDchichu, I 
(1995) , pp. 200-221. Cf. ram~m Hans-Gerhard SENGER, "Die Sprache der 
Meraphysik", in K. (Hrsg.), op. cit., pp. 74-100; cf. , ainda João Maria ANo~ "O 
problema da linguagem no pensamento filosófico-teológico de icolau de Cusa", 
&vista Filos6fica tÚ Coimbra, 11/4 (1993), pp. 369-402. 
[XXVI] 
do universo, a concepção dinâmica de natureza e as intuições 
cosmológicas dos últimos capítulos. 
A concepção do universo pressupõe, como bem sublinhou já 
há muito H Rombach, a tramição de uma ontologia da subs-
tância para uma ontologia da re/ação64, e é por isso que, por um 
lado, ele é definido como unidade da multiplicidade ("universo 
significa universalidade, ou seja, unidade de muitas coisas 'r;5) e, 
por outro, é definido como contracção do Máximo, de tal 
maneira que é uma espécie de intermediário entre a unidade do 
Máximo e a pluralidade das coisas existentes. Assim, o universo é 
relaciona/idade plena, unificando, nessa relaciona/idade, a plura-
lidade de tudo o que existe, quer no que se refere à reciprocidade 
que se estabelece entre as coisas existentes, quer no que se refere à 
relação entre o conjunto dos entes finitos e o seu principio fim-
Jante. Contraindo, na sua unidade, a unidade do Máximo, 
exprime essa mesma unidade na contracção que cada ente em si 
realiza, tanto da plenitude máxima, como da realidade finita de 
todos os outros entes. Toda esta concepção do universo está assim 
marcada, pelo repemamento e aprofundamento de fragmento de 
Ana.xágoras tv navrlnavr6ç, recordado logo no inicio do capí-
tulo 5: "Se comideras com agudeza o que já foi dito, não te será 
dificil ver o fundamento de verdade daquela frase de Anaxágoras 
'qualquer coisa é em qualquer coisa: talvez ainda mais profunda 
do que o próprio Anaxágoras pensou. Com efeito, sendo mani-
festo, segundo o livro primeiro, que Deus é em todas as coisas de 
um modo tal que todas são nele, e comtando agora que Deus é 
em todas as coisas como que mediante o universo, daí resulta que 
tudo é em tudo e que qualquer coisa é em qualquer coisa. 'u As 
comequências que, com Nicolau de Cusa, daqui podem ser reti-
radas são profundas e extremamente actuais: no ser concreto de 
cada ente se contraem todos os outros entes no que são, no que 
foram e no que serão, como se contrai o próprio passado e o pró-
64 C( H. ROMBACH, Substanz, Sysum und Struktur. Di~ Onw~ da Funlr-
tionalinnu.s und tÚr phiklsophisch~ Hintugrund tÚr modunm Wrssmschaft, l, Frei-
burg/München, 1965, pp. 173-179. 
65 ICOU.U DE CUSA, A doura ignorância, L II, cap. 4, n.• 115, infra p. 82. 
66 IDEM, ibidnn, L II, cap. 5, n.• 117, infra p. 83. 
[XXVII] 
prio foturo desse mesmo ente. Pode, pois, dizer-se que o mundo 
de Nicolau de Cusa não é um aglomerado de individuas tomados 
na sua atómica singularidade, mas uma teia de relações, em que 
tudo tem a ver com tudo, como o postula a própria metáfora do 
organismé7 com que o autor reescreve a sua perspectiva sisté-
mictf>B. Este paradigma relacional, revisitado no final do século 
XX coloca-nos, pois, na órbita do pensamento hollstico que 
caracteriza o paradigma que vai emergindo tanto na Biologia, 
como na Física, na Química ou na Antropologia69. 
Esta concepção relacional e sistémica repercute-se numa 
concepção também ela profUndamente dinâmica de natureza, 
desenvolvida sob uma marcada influência da Escola de Chartres 
na sua reinterpretação quer dos motivos do neoplatonismo, quer 
dos próprios princípios da Física de Aristóteles. Tal concepção é 
fUndamentalmente introduzida na exploração das várias catego-
rias através das quais se explicita a trindade do universo que, 
contraindo a trindade divina, se transforma, neoplatonicamente, 
em teofonia. Possibilidade, necessidade de complexão e nexo, por 
um lado, potência, acto e movimento, por outro lado e, ainda, 
matéria, forma e esp írito do universo, são conceitos que vão per-
mitindo ao autor desenvolver a sua perspectiva dinâmica da 
natureza que acaba por definir como a união complicativa do 
movimento descensivo da forma para a matéria com o movi-
mento ascensivo da matéria para a forma, ou seja, o movimento 
de conexão da potência com o acto: "E, assim, da subida e da 
descida, surge o movimento que Liga ambas. Este movimento é o 
meio de conexão da potência e do acto, porque da possibilidade 
do móvel e do motor formal surge o movimento enquanto inter-
67 IDEM, ibidon, L. II, cap. 5, n.• 121 , infra p. 86. 
61 Cf. João Maria ANDRt, "Da mlstica renasantista à racionalidade cientifica 
pós-moderna (a propósito da articulação enue Ciência, Filosofia e Misticismo em 
icolau de Cusa}", &vista FiloJ6jica tÚ Coimbra, TV/7 (1995}, esp. pp. 89-91. Cf. 
tam~m W . STROBLE, "EI pensamiemo de icolàs de Cusa y las ciências comem-
poraneas", in Nico/às tÚ Cwa ma V Cmtmario tÚ su mrmu (1464-1964), MadJid, 
Instituto Luis Vrves de Elosofia, 1%7, pp. 99-106. 
69 Cf. M. B. PEREIRA, MotÚmidiuk ~ umpo, Para uma kiturado di.Jcuno 
motÚmo, Coimbra, Livraria Minerva, 1990, pp. 216-234, e ainda, do mesmo autor 
"Do biocemrismo à bioética ou da urgência de um paradigma holístico", &vista 
FiloJ6fica tÚ Coimbra, l/ 1 (1992}, pp. 5-50. 
[XXVIII] 
medidrio. Este espírito estd difuso e contraído por todo o universo 
e por cada uma das suas partes e chama-se natureza. Por isso, a 
natureza é, de algum modo, a complicação de todas as coisas que 
acontecem através do movimento. '90 Se o que aqui se insinua é 
ainda a ideia aristotélica de que 'a natureza é um princípio e 
uma causa de movimento e de repouso para a coisa em que ela 
reside imediatamente como atributo essencial e não acidental'91, 
é jd também o par de conceitos complicatio/ explica tio e a ideia 
de que a natureza, à imagem de Deus, é do mesmo modo e 
simultaneamente complicação e explicação: complicação, como 
foi referido, de tudo o que acontece através do movimento, mas 
também explicação, pelo movimento, de tudo o que contém com-
plicativamente, ou sej a, a natureza explica o posse fieri do 
mundo segundo as razões do intelecto divim!l. Acresce ainda que 
toda esta concepção dinâmica da natureza, no contexto do para-
digma animista em que se inscreve, lhe introduz um vínculo 
amoroso de que resulta um cosmos harmónico, proporcional, ou 
seja, no seu sentido etimológico, belo: "E este é o movimento da 
conexão amorosa de todas as coisas para a unidade, de modo que 
de todas as coisas surja um universo uno'93. Também toda esta 
perspectiva se articula profUndamente com algumas visões actuais 
da natureza, permitindo inclusivamente a exploração do par de 
conceitos complicatio/explicatio não só algum paralelismo com 
certas ideias que têm vindo a ser apresentadas por determinados 
fisicos, como David Bohrrl4, mas também alguma convergência 
com determinadas teses de um certo evolucionismo cristãt!5. 
70 NICOlAU DE C USA, A tÚJuta ignorância, L. II , cap. 10, n .~ 152- 153, infra 
pp. 109- 110. 
71 AR.ISTóTEUS, Physica, L. II , cap. I. 
72 Cf. NiCOlAU DE CUSA, D~ vmation~ sapimtia~. cap. 4, h XI I, n.• 10, 
linhas 12-15, p. 13. 
73 IDEM , A tÚJuta ignorância, L. II , cap. 10, n .• 154, infra p. 110. 
7
• Cf. David BOHM, La tota!itÚui y ~1 ordnr implica@, uad. cast. de J. Apfd-
baume, Barcelona, Kair6s , 1988, esp. pp. 19-43 e 240-295 . 
75 Cf. R. HAuBST, "Der Evolutionsgedank in der cusanischen Theologje", in 
IDEM , Strdfzüg~ in di~ cusani.sch~ Thrologie, Münster, Aschendorff, 199 1, pp. 216-
239. Cf. também S. SCH EIDER, "Cusanus als Wegbereiter der neuzeidichen atur-
wissenschaft", Mittdlungm und For>chungsb~itriig~ tÚr CUSI1nus-Gmllschaft, 20 
(1 992), esp. pp. 210-21 7. 
[XXIX] 
b precisamente a partir das concepções metafisicas subjacen-
tes à sua visão do universo e da natureza que Nicolau de Cusa 
avança, nos últimos capítulos do segundo livro, um conjunto de 
intuições cosmológicas que virão a revelar-se decisivas na gestação 
da nova visão do mundo que vird a impor-se sobretudo a partir 
do século XVII. Ao avaliar o alcance dessas intuições é necessdrio, 
no entanto, acautelar três aspectos que nos parecem importantes: 
em primeiro lugar, essa vinculação à inspiração místico-teológica 
que as suporta; em segundo lugar, a novidade que, em determi-
nados aspectos, as caracteriza; finalmente, em terceiro lugar, as 
limitações com que são formuladas e, por isso, a distância que 
ainda as separa da revolução cosmológica dos séculos seguintes. 
Que hd uma dependência incontestdvel entre estas intuições 
e as concepções filosóficas desenvolvidas ao longo do segundo livro 
é o que o próprio título do capitulo 11 jd deixa claramente esta-
belecido: "coroldrios sobre o movimento': Tudo é, pois, introdu-
zido nestes termos: "Sabemos agora por elas que o universo é 
trino e que nada hd no universo que não seja uno pela potência, 
o acto e o movimento de conexão, e que nenhum deles pode sub-
sistir de modo absoluto sem o outro, de tal maneira que necessa-
riamente eles estão em todas as coisas segundo graus muito diver-
sos{ . .] E não se chega em algum género, mesmo de movimento, 
ao mdximo e ao minimo de modo simples. Por isso, é impossível 
que a mdquina do mundo tenha esta terra sens{vel, o ar, o fogo 
ou qualquer outro elemento como centro fixo e imóvel, considera-
dos os vdrios movimentos das esferas. Não se chega, pois, ao 
minimo de modo simples, como o centro fixo, porque é necessdrio 
que o minimo coincida com o máximo. "76 E, logo a seguir, o 
desaparecimento da esfera das estrelas fixas é apresentado nestes 
termos: "como não é poss{vel que o mundo seja fichado entre um 
centro corpóreo e uma circunferência, o mundo é ininteiigivel e o 
seu centro e circunferência são Deus. "17 Tendo em conta esta con-
textualização, não podemos deixar de reconhecer, no entanto, que 
é um passo grande aquele que é dado na passagem para a cosmo-
16 JCOU.U DE C USA, A tÚJuuz ignorância, L. II , cap. li , n .• I 56, infta 
p. 112. 
n IDEM, ibidnn, infoz pp. 112-113. 
[XXX] 
logia moderna enquanto passagem do "mundo fechado" ao "uni-
verso infinito ': como a caracterizou A. Koyrf18: esbate-se, pelas 
razões referidas, a ideia de um centro do universo, elimina-se 
aquilo que o fechava, estabelece-se a homogeneidade entre a terra 
e os outros astros, admite-se a possibifidmie de estes serem habita-
dos por seres com caracterlsticas próprias, afirma-se que a Terra 
não pode ser privada de movimento e questiona-se a finitude do 
mundo. Há, assim, um conjunto de elementos que nos permitem 
afirmar que Nicolau de Cusa vai, relativamente a certos aspec-
tos, mais longe que Copérnico, na medida em que já não se trata 
apenas de uma substituição do centro do universo, mas do pró-
prio questionamento desse centro. Todavia, a audácia com que 
estas propostas são avançadas e a consciência da sua novidade 
("admirar-se-ão talvez os que Lerem estas coisas antes inauditas, 
posto que a douta ignorância mostra que elas são verdadeiras"19) 
não nos podem Levar a juizos precipitados e a confondir os traços 
desta cosmologia com os da de Giordano Bruno, em muitos casos 
influenciados pela percepção do carácter revolucionário das afir-
mações daquele a quem ele chamava 'o divino Cusano ". Com 
efeito, por um Lado, ainda não é a infinitude do mundo que 
aqui é afirmada: "E embora o mundo não seja infinito, contudo 
não pode ser concebido como finito, porque está privado de Limi-
tes entre os quais esteja encerrado. '60 Por outro Lado, se a terra 
não estd imóvel, isso não significa que se insinue aqui qualquer 
tipo de heliocentrismo, já que, afinal, ao mesmo tempo que se 
afirma que "assim como as estrelas estão em movimento em torno 
de pólos conjecturais na oitava esfera, assim a Terra, a Lua e os 
planetas são como estrelas que se movem em torno de um pólo': 
afirma-se também que a terra é "quase como uma estrela, mais 
próxima do pólo centra/'61, movendo-se também, mas "ainda 
menos que todos os outros astros'82. Mesmo assim, não há dúvida 
de que é mesmo uma nova cosmologia que, sobre este chão mís-
p. 112. 
78 Cf. A. KoYRf, Du montÚ cloJ à l"univ= infini, Paris, Gallimard, 1973. 
79 NICOLAU DE CUSA, A douta ignorância, L. II, cap. li , n.• 156, infra 
80 IDEM, ibitúm, infra p. 113. 
81 IDEM, ibitúm, L. II , cap. II, n.• 160, infra p. 115. 
82 IDEM, ibitúm, L. ll , cap. II , n.• 159, infra p. 114. 
[XXXI] 
tico-teológico, começa a emergir e a anunciar os tempos novos 
que se aproximam. 
6. A Antropologia e a Cristologia de Nicolau de Cusa 
O terceiro livro constitui, na economia da obra, um 
momento importante e decisivo, na medida em que é através da 
reflexão que nele é desenvolvida que se estabelece, por um lado, a 
mediação entre o registo filosófico e o registo teológico do seu dis-
curso e, por outro lado, a mediação entre o máximo absoluto e o 
máximo contraído num aprofundamento, correspondente àqueles 
dois registos, quer do lugar que o homem ocupa no pensamento 
do autor, quer do estatuto do Homem-Deus, jesus Cristo, no 
quadro da sua mundividênciamístico-teológica. 
Num texto bem expressivo da unidade que representa este 
terceiro livro, diz Nicolau de Cusa como introdução ao capitulo 
significativamente intitulado 'os mistérios da fé':- "Os nossos 
antepassados afirmaram em concordância uns com os outros que 
a fé é o início do conhecimento intelectual. Com efeito, em qual-
quer disciplina pressupõem-se coisas como princípios primeiros, 
que só são aprendidos pela fé, dos quais brota a inteligência do 
que deve ser tratado. t necessário que todo aquele que quer 
ascender ao saber creia neles, sendo impossivel, sem eles, ascender. 
Diz efectivamente Isaías: 'Se não acreditardes, não entendereiS: 
Por isso a fé é o que complica em si tudo o que é inteligível. E o 
conhecimento intelectual é a explicação da fé. Assim, o conheci-
mento intelectual é dirigido pela fé e a fé estende-se pelo conheci-
mento intelectual. Dai que onde a fé não é sã, nenhum conheci-
mento intelectual é verdadeiro. t bem manifesto a que conclusão 
conduzem o erro dos princípios e a debilidade dos fundamentos. 
Mas nenhuma fé é mais perfeita que a própria verdade que é 
jesus. '83 Se aqui se aprofunda a unidade entre a fé e o intelecto, 
não deixa, simultaneamente, de se pressupor a sua distinção: são 
efectivamente identificadas como duas instâncias diferentes de 
conhecimento para cuja articulação se apela mais uma vez ao 
83 lDEM, ibükm., L III, cap. 11, n.• 244, infoz pp. 171-172. 
[XXXII] 
par de conceitos complicatio/explicatio84 . Invocando Isaías (7, 
9) e pressupondo tanto Agostinho como Anselmo, considera-se a 
fé, enquanto complicatio, o início do intelecto e considera-se o 
processo discursivo tÚl mente humana uma explicação do que a fé 
contém complicativamente. Significa isto que há um núcleo de 
princípios que são proporcionados ao pensamento pela revelação e 
pela fé, mas que podem ser explicitados e desenvolvidos no plano 
racional, CÚlndo assim um sentido muito particular àquilo a que 
se poderá chamar filosofia cristã ou pensamento cristão. AintÚl 
no quadro desta distinção e, ao mesmo tempo, desta aproximação 
entre o registo filosófico e o registo teológico, com claras implica-
ções para a antropologia cristocêntrica que procura elaborar, 
sublinhe-se a identificação operatÚl entre jesus e a vertÚlde, ins-
crevendo assim nesta reflexão a teologia do logos divino que 
desempenha um lugar central no pensamento cusano, de que são 
exemplo os numerosos sermões que glosam os versículos joaninos 
"no princípio era o Verbo " e "o verbo fez-se carne': Assim, a pers-
pectiva cristocêntrica não resulta apenas do facto de a Encarna-
ção de Cristo constituir um motivo central na economia tÚl 
redenção, mas também tÚls implicações inerentes à reinterpreta-
ção tÚl seguntÚl pessoa tÚl TrintÚlde como logos. 
Neste contexto, o terceiro livro não entra directa e imediata-
mente na temática cristológica, mas estabelece, como etapa inter-
média para chegar a ela, uma reflexão sobre o lugar específico do 
homem no universo, retomando e aprofontÚlndo o tema, bebido 
nos autores antigos, do homem como microcosmo85• O carácter 
14 Cf. , para as diversas interpretações desre passo, A. BONETTI , La riurca 
mf!tajlsica na pmsim1 di Nico/à Cwano, Brescia, Paideia, 1973, pp. 16-1 7, nora 4. 
Ainda sobre a an:iculação entre fé e intelecto, cf. S. OANGEI.MAYR, "Vernunfr und 
G1aube bei ikolaus von Kues", Tübing" Th~ologiJch~ Quartalschrift. 148 (1968), 
pp. 429-462. 
as Para as fontes de Nicolau de Cusa na abordagem desre rema, cf. as noras 
críticas à edição de Heidelberg da sua obra: h I, p. 127, nora à linha 2 e ss., h III, 
p. 143, nora à linha 10 do n.• 143 e h XII , p. 91, nora à linha 9 do n.• 15. Sobre 
o rraramento que a tradição deu a este tema, cf. R. Al..U.RS, "Microcosmos from 
Anaximandro t0 Paracelsus", Traáirio, II (1 944), pp. 318-407; M. KuRDZIALLEK, 
"Der Mensch als Abbild des Kosmos", in: A. Zimmerman (H rsg.), D" &griff dn-
1?f>raesmtario im Mitulaku. Misalitt=a MedianJaJUJ, 8, Berlin- ew York, Walrer de 
Gruyrer, 1971 , pp. 35-75; C. RICCATI, "Proc=io" er "Explicatio ~ La doctri= tk la 
criarion cha Jean Scot et !Vuolas tk Ú«s, apoli, Bibliopolis, 1983, pp. 178-183. 
[XXXIII] 
mediador de Cristo assenta, asszm, no carácter mediador da 
natureza humana, que, como "imago Dei': é uma contracção do 
máximo absoluto, mas, ao mesmo tempo, reúne em si o que nos 
entes do universo aparece plurificado, determinando, deste modo, 
a posição intermédia da humanidade no conjunto do universo e 
realçando, assim, a sua excelência. A natureza humana repre-
senta o ponto mais alto das naturezas inferiores, aproximando-se 
do ponto mais baixo das naturezas superiores e é por isso que é 
chamada microcosmo: "Mas a natureza humana é aquela que é 
elevada acima de toda a obra de Deus e é pouco inferior à natu-
reza angélica. Ela complica a natureza intelectual e a natureza 
sensível e reúne tudo em si, pelo que os antigos a chamaram com 
razão microcosmo, ou seja, pequeno mundo. '86 A abordagem que 
Nicolau de Cusa fará deste tema não s6 em outras obras mais 
marcadamente filos6ficas, como o De coniecturis, o De ludo 
globi e o De venatione sapientiae, mas também em alguns dos 
seus sermões, inscrevem-no de uma maneira muito peculiar entre 
os autores que, no Renascimento, prestaram particular atenção à 
dignidade do homem81, com especial destaque para Pico de/la 
Mirando/a e para a sua Oratio de hominis dignitate88• 
Mas se à humanidade são reconhecidas prerrogativas que 
permitem estabelecê-la como mediação entre Deus e o universo, 
Nicolau de Cusa não deixa de acusar, mesmo aqui, as influên-
cias de um certo nominalismo na sua resposta à questão dos uni-
versais e, por isso, vê-se forçado a afirmar que não é a humani-
dade, enquanto tal, que desempenha esse papel mediador, mas 
ICOLAU DE C USA, A douta ignorância, L. III , cap. 3, n.• 198, infra 
p. 139. 
117 Sobre o rema do microcosmo em Nicolau de Cusa e, sobrerudo, o seu 
carácrer dinâmico, cf. W. DuPRt., "Der Mensch ais Mikrokosmos im Denken des 
Nikolaus von Kues", Miruilungm und Fonchungsbritriig~ tÚr Cusanus-Gm/Jschaft, 13 
(\978), pp. 68-87. Cf. também o desenvolvimenro que demos a este tema em João 
Maria ANoRt., "O homem como microcosmo. Da concepção dinâmica do homem 
em icolau de Cusa à inflexão espirirualisra da anuopologia de Ficino", Phiw•ophica 
14 (1999), pp. 7-30. 
11 Sobre a presença do rema da "dignitas homini" em alguns dos autores 
renascemisras, cf. Miguel A. GRANADA, El umbral tk la Motkrnidad. Emu:lioJ wb" 
ftwwf/4, raigión y cimcia mm P~trarca ~ Descarm, Barcelona, Herder, 2000, pp. 
193-259. 
[XXXIV] 
sim um homem em quem, por um lado, a humanidade atinja a 
sua plenitude sem deixar de ser humanidade e, por outro, a 
divindade se presentifique sem abancúmar a maximidade que a 
caracteriza. Deste modo, só um ser concreto e individual, que 
seja simultaneamente criador e criatura, Deus e homem, pode 
constituir o complemento e a plenitude do universo e a realiza-
ção plena da humanidade: '.ít humanidade, no entanto, não é 
senão de modo contraído nisto ou naquilo. E assim não seria pos-
sível que mais do que um só homem verdadeiro pudesse ascender 
à união com a maximidade e este, certamente, seria homem de 
um modo tal que seria Deus e seria Deus de um modo tal que 
seria homem, perfeição do universo, tendo entre todas as coisas o 
primado e, nele, as naturezas mínima, máxima e média, unidas 
à maximidade absoluta coincidiriam de tal modo que seria a 
perfeição de todas as coisas e todas as coisas, enquanto contraídas, 
repousariam nele como na sua perfeição. '69 Ora esse homem só 
pode ser, na perspectiva do autor, jesus: "E assim em jesus, que é 
a igualdade de ser todas as coisas, não só existem, como sendo 
Filho na divindade, que é a pessoa intermédia, o Pai eterno e o 
Espírito Santo, mas existem também todas as coisas, como sendo 
o verbo, e toda a criatura é nessa humanidade suprema e suma-
mente perfeita que complica, de modo universal, tudo o que é 
criável de modoque toda a plenitude o habita. '90 Todavia, ao 
afirmar-se, assim, a concretização da plenitude da mediação na 
figura de jesus, este constitui-se em modelo do homem como 
tarefo, acentuando ainda mais todo o dinamismo inerente a esta 
antropologia: se o Verbo, enquanto Filho, é a igualdade (na trin-
dade da unidade, da igualdade e da conexão}, o homem é ten-
dência para a igualdade, e se a filiação divina, realizada em 
Cristo, é igualdade da identidade, a afiliação a realizar pelo 
homem é semelhança dessa igualdade. E se a primeira é uma 
filiação natural e absoluta, a segunda é aquilo a que Nicolau de 
Cusa chama uma "filiação por adopção'91. Tal filiação por adop-
ção é entendida também ela como um processo, o processo da 
19 ICOLAU DE CUSA, A douta ignorância, L. III , cap. 3, n. o 199, infra 
p. 140. 
90 IDEM, ibidnn, L. III, cap. 4, 0 .0 204, infra p. 145. 
" IDEM, Ih filúuWru Dri, cap. I, h TV, n.o 54, linhas 22-26, p. 42. 
[XXXV] 
deificatio ou da deiformitas, que inscreve uma dimensão escato-
lógica como configuradora de toda esta antropologia e que se 
prende com a concepção do homem como imago viva, ou simbolo 
vivo, dotado da capacidade de se tornar cada vez mais seme-
lhante àquele de quem é imagerrr2, tomando como modelo (ou 
seja, como "caminho': como "verdade" e como "vida"93) Cristo, 
mediador universal. Toda a antropologia cusana é, pois, uma 
antropologia cristocêntrictl4 e escatológica e é assim que ele ins-
creve, nos últimos capitulos de A douta ignorância, uma pro-
blemática ética e praxlstica que conflui para a afirmação da 
caridade como a "forma" em que se realiza a plenitude da ft, 
que "não pode ser máxima sem a caridade'95, aquela que, em 
outros textos, é justamente considerada 'a forma ou a vida de 
todas as virtudes'96 e que foi já considerada a componente fim-
damental de todo o ser7. E, por isso, natural que esta obra 
encerre com um capitulo dedicado à Igreja como forma de con-
cretização dessa mesma caridade. 
7. Influências e recepfão do pensamento cusano 
Apesar de toda a sua estatura e da densidade do seu pen-
samento, a História nem sempre reconheceu a Nicolau de Cusa o 
92 C( IDEM, Carta a Albn-gati, ed. cit. , n." 6, p. 28, linhas 8-13. Esta ideia é 
transposta para a metáfora do homem como auto-retrato vivo do pintor divino, 
apresentada também na Carta a Albn-gati, n." 8, p. 28, linhas 19-23 e retomada do 
Jdiouz tk mmu, cap. 13, H. V, n." 149, linhas 1-12, pp. 203-204. 
91 }o 13,13 e 14, 6. Cf. NICOL\U DE CUSA, A douuz ignorânciJZ, L. III , cap. 8, 
n." 229, infra p. 161. Cf. também Dt visiont Dt~ cap. 25, h Vl , n." 119, linhas 
1-3, p. 89. 
" Sobre a C ristologia de Nicolau de Cusa, cf. R. HAUBST, Dit Chrirtoklgit dn 
Niltolaus von Kun, Freiburg, Herder, 1956. 
91 Cf. IDEM, A douuz ignorânciJZ, L. III , cap. 11 , n." 250, infra p. 176. 
96 IDEM, Sumo XU, Can.fo.k, filia, H . XVII, n." 23, linhas 3-4. Segundo H . 
G . SENGER ("Zur frage nach einer philosophischen Ethik des ikolaw von Kues", 
Wwnuchtrji wui Wt/bild, 33 (1970) , p. 117), uma ética baseada assim na caridade é 
plenamente convergente com uma ética baseada na igualdade e na jwriça, virtudes 
também defendidas por icolau de Cusa em outros textos como alicerces de toda a 
ética. 
'17 C( W. DuPR.Jô, "Liebe ais Grundbestandteil allen Seins und 'Form oder 
Leben aller Tugenden'", Miruiúmgm uná Forschung>btitrãgt tkr Cusanus-Gru/Jschaft, 
26 (2000), pp. 65-91 . 
[XXXVI] 
lugar que lhe é devido no panorama do pemamento europet/8. 
Assim, se é certo que ele terá sido conhecido em algum cfrculos 
humanistas do século XV italiano, nomeadamente no que se 
refere aos pensadores neoplatónicos, se o conhecimento da sua 
obra se espalhou um pouco por toda a Europa devido às quatro 
edições então publicadas (Estrasburgo, 1488; Milão, 1502; 
Paris, 1514, revista por Lefevre d'Étaples; Basileia, 1565) e se 
acabou, como já foi referido, por influenciar significativamente 
Giordano Bruno, depressa passou, no entanto, ao esquecimento, 
salvo em algum escritos matemáticos que continuaram a ser lidos 
e estudados em determinados círculos especializados. O próprio 
Descartes apenas se lhe refere de passagem, a propósito da infini-
tude do universo, e por isso a sua presença no pemamento euro-
peu, até ao século XIX, é mais a de um pemamento esquecidtl9, 
do que a de um autor claramente identificado e reconhecido. P 
certo que, numa conferência pronunciada em 1940, E. Ho./f-
mann o comidera "o fundador da filosofia alemã ''~00, mas tam-
bém é certo que em outra conferência pronunciada no mesmo 
ano avançará com a proposta de que, afinal, Bruno foi uma 
espécie de pseudónimo através do qual o Cardeal alemão chegou 
ao século XVIII, com· o comequente empobrecimento da demi-
dade metafisica do seu pensamento101• Assim, apesar da forma 
como terá influenciado o idealismo alemão, Hegel não lhe con-
cede qualquer lugar na sua História da Filosofia. 
E a partir da segunda metade do século XIX que se inicia a 
redescoberta deste pemador e o retomo à sua filosofia. Primeiro, é 
o movimento neotomista, numa certa ambiência apologética, 
estabelecendo-se um confronto com Giordano Bruno, sempre em 
torno da questão da imanência ou não de Deus e do comequente 
98 Para uma s(nres(: geral da reapção do pensamento cusano entre os séculos 
XV c XX, veja-se João Maria AND!lt, Smtido, Jimbolismo t inttrprruzção no dúcurso 
filosófico tÚ Nicolau tÚ Cuuz, pp. 19-44. 
99 Cf. S. MElER-ÜSER, Dic Priiimz da Voxromm. Zur &:uption tÚr Philoso-
phic dn Nikolaw Cwanw von 15. bú zum 18. }ahrhulUÚrt, Münster, Aschcndorff, 
1989. 
100 Cf. E HOFFMANN, • ikolaus von Kues und seine Zeit", in IDEM, Niko-
law von Kr=. Zwri W>nragt, Heidelberg. F. H . Kerre, 1947, p. 38. 
101 Cf. IDEM, ikolaus von Kues und dic dcurschc Philosophic", in Nikolaw 
von K=s. Zwri W>nragt, p. 57. 
[XXXVII] 
panteísmo daí resultante. Depois, surgem as interpretações de 
Cassirer e de J Ritter, no quadro do movimento neokantiano do 
princípio do sécuÚJ XX Em terceiro lugar, deve considerar-se o 
início da publicação dos Opera ornnia pela Academia de Heidel-
berg, que, em 1932, dá à estampa o De doera ignorantia, por 
iniciativa de E. Hojfmann e de R. Klibansky. Este trabalho, 
ainda em curso, mas de que resultou já a edição de praticamente 
todas as obras fiwsóficas e de um significativo conjunto de ser-
mões, veio proporcionar aos estudiosos o material indispensável 
para o estudo deste autor e, assim, provocar uma verdadeira reno-
vação do interesse pela sua fiwsofia. Finalmente, na década de 
sessenta, dá-se, em primeiro lugar, a fondação da "Gesellschaft 
for Cusanusforschung" que deu origem ao '1nstitut for Cusanus-
forschung': primeiro a foncionar em Mainz e depois transferido 
para Trier. Tem sido este Instituto a continuar, em conjunto com 
alguns investigadores ligados ao Thomas lnstitut de Colónia, o 
trabalho de investigação conducente à conclusão da edição crítica 
ainda em curso sob os auspícios da Academia de Heidelberg, 
como também tem sido ele a organizar com regularidade sim-
pósios em Trier sobre o pensamento cusano e a assegurar a publi-
cacão da série Mitteilungen und Forschungsbeitrage der 
Cusanus-Gesellschaft e da colecção "Buchreihe der Cusanus-
Gesellschaft '~ Note-se que esta sociedade cusana, para além de ter 
crescido significativamente, conta já com mais duas congéneres, 
uma na América e outra no Japão. Ainda na mesma década 
registam-se as comemorações do quinto centenário da morte de 
Nicolau de Cusa, que, com os simpósios organizados em diversos 
países, atraíram mais a atenção dos estudiosos sobre a obra deste 
autor. Se a isto acrescentarmos, no primeiro ano deste sécuÚJ, as 
celebrações do VI centenário do seu nascimento, com Congressos 
amplamente participados na Europa, na América e na Asia, e a 
que Portugal e Espanha não foram alheio102, damo-nos conta do 
102 Os livros Coincüiinria dos oposros ~ conc6rdia. Gzminhos do pmsammro nn 
Nicoúzu tk Cusa, e Coincitkncia tk op~U</:QS y concordia. Los caminos tkl

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