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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/333815567 NATUREZA, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE: revisão histórica dos conceitos e suas correlações na ciência geográfica Article · June 2019 CITATIONS 0 READS 164 3 authors, including: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Informações Geográficas e Dados Espaciais aplicados à Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) View project Jefferson Cantelli São Paulo State University 6 PUBLICATIONS 0 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Jefferson Cantelli on 17 June 2019. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/333815567_NATUREZA_MEIO_AMBIENTE_E_SUSTENTABILIDADE_revisao_historica_dos_conceitos_e_suas_correlacoes_na_ciencia_geografica?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/333815567_NATUREZA_MEIO_AMBIENTE_E_SUSTENTABILIDADE_revisao_historica_dos_conceitos_e_suas_correlacoes_na_ciencia_geografica?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Informacoes-Geograficas-e-Dados-Espaciais-aplicados-a-Assistencia-Tecnica-e-Extensao-Rural-ATER?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jefferson_Cantelli?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jefferson_Cantelli?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Sao_Paulo_State_University?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jefferson_Cantelli?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jefferson_Cantelli?enrichId=rgreq-08ba8c4848179139fe96cbf9031fe3ba-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMzMzgxNTU2NztBUzo3NzA2MTgxNjUyOTcxNTNAMTU2MDc0MTA5NjQxMw%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 185 NATUREZA, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE: revisão histórica dos conceitos e suas correlações na ciência geográfica CANTELLI, Jefferson Rodrigo Programa de Pós-Graduação em Geografia, IGCE/UNESP Campus Rio Claro jeffersoncantelli@hotmail.com FORNAZIEIRO, Marcos Paulo Almeida Programa de Pós-Graduação em Geografia, IGCE/UNESP Campus Rio Claro marcos.fornazieiro@gmail.com MARCUCCI, Jessica Corgosinho Programa de Pós-Graduação em Geografia, IGCE/UNESP Campus Rio Claro jessica_marcucci_@hotmail.com Resumo:O presente trabalho realizou uma revisão bibliográfica sobre os conceitos de Natureza, Meio Ambiente e Sustentabilidade, tendo em vista a relevância destas categorias para o debate ambiental e para a Geografia. Buscou-se uma reflexão teórica sobre estes conceitos, correlacionando-os e conectando-os a seus respectivos contextos históricos. Natureza, concebida inicialmente numa visão cosmológica, converteu-se em recurso e separada do homem. A noção de Meio Ambiente surgiu num contexto marcado pela fragmentação entre sociedade e natureza, tornando-se um conceito ambíguo e impreciso. Sustentabilidade esteve, desde sempre, ligado ao processo de desenvolvimento econômico. Por fim, procurou-se demonstrar de que forma a Geografia se apropriou destas categorias em seus esforços de interpretação sobre a relação entre Sociedade e Natureza. Palavras-chave:natureza; meio ambiente; sustentabilidade; conceito; geografia. Resumen:El presente trabajo pretendió realizar un rescate conceptual de Naturaleza, Medio Ambiente y Sostenibilidad, teniendo en vista la relevancia de estas categorías para el debate ambiental y para la propia Geografía. Se buscó una reflexión teórica sobre estos conceptos, correlacionándolos y conectándolos a sus respectivos contextos históricos. La naturaleza, concebida inicialmente en una visión cosmológica, se convirtió en recurso y separada del hombre. La noción de Medio Ambiente surgió en un contexto marcado por la fragmentación entre sociedad y naturaleza, convirtiéndose en un concepto ambiguo e impreciso. La sostenibilidad ha estado, desde siempre, vinculada al proceso de desarrollo económico. Por último, se buscó demostrar de qué forma la Geografía se apropió de estas categorías en sus esfuerzos de interpretación sobre la relación entre Sociedad y Naturaleza. Palabras Claves:naturaleza; medio ambiente; sostenibilidad; concepto; geografía. Introdução O texto, apresentado em forma de revisão bibliográfica,aborda o processo de construção dos conceitos de Natureza, Meio Ambiente e Sustentabilidade, entendidos ora como sinônimos, ora como dotados de certa especificidade, de acordo com o contexto histórico e as matrizes teóricas e metodológicas de cada fonte consultada. Salientamos que não foi nossa intenção esgotar a revisão bibliográfica sobre o assunto, obviamente, dado o volume e abrangência de estudos sobre o tema e sua complexidade. O propósito do artigo foi ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 186 contribuir com o debate sobre a construção do conhecimento com base nestas categorias tão caras à questão ambiental e à ciência geográfica. Metodologia O método, envolvendo pesquisa e revisão bibliográfica, iniciou-se com a etimologia das palavras natureza, meio ambiente e sustentabilidade. Posteriormente, procedemos ao resgate da construção destes conceitos historicamente, consultando autores de matrizes teóricas e/ou metodológicas distintas. Num terceiro momento, voltamos nossa atenção para a história do pensamento geográfico e procuramos explicitar, em algumas notas, de que forma a Geografia se apropriou destas categorias em seus esforços de interpretação sobre a relação entre Sociedade e Natureza. Resgate aos conceitos de Natureza, Meio Ambiente e Sustentabilidade Quando se discute os termos natureza, meio ambiente e sustentabilidade é preciso enfatizar que o trabalho de pesquisa histórica destes enquanto conceitos, muitas vezes, esbarra em contradições e problemas de delimitação e definição dos conteúdos. Aqui, assume-se o conceito de Natureza como norteador para as discussões sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade que ocorreram já no âmbito da ciência moderna. A etimologia da palavra natureza provém do latim natura, que é a soma do verbo nasci (nascer) com o sufixo urus (força que gera). O uso do conceito de Natureza está relacionado ao estágio dedesenvolvimento científico-tecnológico da sociedade (MORAIS, 1999). De acordo com Springer (2010, p. 168), a noção de Natureza é subjetiva e não há verdade absoluta sobre ela, tendo em vista que a mesma é produto do homem dentro de um contexto histórico, filosófico e geográfico específico. ―A natureza é o que os homens denominam que ela seja [...]. E a partir desta construção humana estabelecemos formas de concebê-la e de nos relacionarmos com ela‖. No Quadro 1 sintetizamos as principais concepções de Natureza diante do contexto histórico preponderante. Não houve pretensão, porém, de dar linearidade ao entendimento do conceito, visto que eles são atemporais e transitam entre os diferentes períodos históricos, redimindo-se ao novo ou contrapondo-se a ele. ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 187 Quadro 1 – Princípios e concepções de Natureza em diferentes períodos históricos Período Princípios Concepção Referências Pré-história Superdeterminismo mágico. Comportamentos humanos e fenômenos do mundo possuem a mesma essência natural. Não há uma separação clara entre o mundo natural e o mundo social. Natureza como algo misterioso e obstáculo. Natureza mágica Grécia Antiga • Rompimento com o sobrenatural e reconhecimento da especificidade da consciência humana. • Physis como o princípio único que ligava e organizava todas as coisas. • Tentativa de explicar a natureza das coisas a partir do conhecimento de seus elementos constituintes, livre do misticismo e da religião. • Não havia distinção entre a Natureza e o Homem, este é parte integrante da primeira. Natureza cosmológica (Physis) Escola Jônica Escola de Mileto Platão Sócrates Aristóteles Greco- Romano • Síntese entre o pensamento grego e a verdade cristã. • Natureza como obra de Deus e as máquinas como obras do homem. • O homem não tem mais seu lugar como as coisas, ele transcende e não pertence mais a natureza. Natureza divinizada Santo Agostinho São Tomaz de Aquino Idade Moderna • Visão matemática e geométrica do mundo. • Separação total entre homem e natureza. • Visão dicotômica de Natureza – recurso a ser explorado versus impossibilidades de agente sobre os eventos naturais. Natureza Mecanizada Copérnico Descartes Isaac Newton Francis Bacon Revolução Industrial • Conceito de natureza técnica com valor prático de uso industrial. • Natureza concebida como algo a ser possuído e dominado. • Separação no campo do pensamento e na realidade objetiva entre homem e natureza. • Ciências Naturais x Ciências Sociais. Iluminismo • Teoria Quântica e da Relatividade dão novo entendimento à natureza. • Teoria da Evolução afasta a ideia antropocêntrica e o homem passa a ser visto como produto da natureza. • Soerguimento de barreiras nos campos do conhecimento levou aos equívocos do darwinismo social, reduzindo o social ao natural, biológico. Natureza orgânica Albert Einstein Charles Darwin C o n te m p o râ n eo • Positivismo, neopostivismo. • Sobreposição da técnica ao pensamento e a coisificação do mundo uniformizaram a ciência natural e social. • Consagrou a Ciência Natural como o estudo da natureza e a Ciência Social, da sociedade. • Materialismo Histórico. • Historicidade da natureza e naturalidade da história. • História da natureza e da sociedade é um processo único. • Entende-se que é por meio do trabalho humano que ocorre a produção da natureza. Natureza histórica AugustoCo mte Karl Marx Friedrich Engels Fonte: Morais (1999), Kesselring (2000), Oliveira (2002) e Springer (2010). ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 188 Percebe-se que a visão dicotômica entre Natureza e Sociedade marca o desenvolvimento da ciência ocidental moderna, mas nem sempre esta foi a tônica do debate. Na ideia contemporânea de Natureza, ora ela é vista como externa ao homem, ora é concebida inseparável dele. Para Morais (1999), a natureza torna-se um objeto que deve ser dominado pelo homem por meio de sua força produtiva, embora nem todos eles sejam proprietários dela. Ainda segundo a autora (op. cit.), a natureza externalizada é dada ora como hostil, ora como harmoniosa e virtuosa. Na perspectiva de separação entre a natureza das coisas e a natureza dos homens, alguns autores tentam marcar esta inter-relação. Para Shiva (2000), o termo recursos naturais sofreu uma ruptura conceitual com o advento da industrialização e do colonialismo. Originalmente o conceito remetia a uma ideia de reciprocidade e zelo dos homens para com a natureza, para o próprio bem do ser humano. Com o colonialismo e a industrialização, a natureza passou a ser considerada ―um repositório de matérias-primas que aguardam sua transformação em insumos para a produção de mercadorias‖ (SHIVA, 2000, p. 300). Na inter-relação entre Natureza e Sociedade, Rehbein (2010) destaca que o termo ambiente ora remete ao entorno físico e, por isso, natureza, e outras vezes deixa de ser natureza frente às concepções sociais. Sanchez (2006, p. 18), por sua vez, apresenta que o conceito de Meio Ambiente é amplo, multifacetado e maleável, podendo ―ser reduzido ou ampliado de acordo com necessidades do analista ou interesses envolvidos‖. Pensando na definição de Meio Ambiente, Geraldino (2014) ressalta a necessidade de se afirmar as características dos seres de que se fala para encontrar as propriedades do seu ambiente. Dessa forma, apresenta três tipos fundamentais de seres: (a) inanimados ou não- vivos; (b) vivos ou orgânicos, (c) conscientes ou humanos. Assim, o autor considera: • O ambiente das coisas: "O ambiente relativo aos seres inanimados, não-vivos ou inorgânicos, age sobre eles deteriorando-os. A relação ser/meio, nesse caso, é constituída por uma via de mão única" (GERALDINO, 2014, p. 404). Por exemplo, uma pedra que se deteriora e transforma-se em areia, a forma se dilui e muda-se a outra. • O ambiente dos viventes: "[...] ao mesmo tempo em que é negado pelo meio, o ser depende igualmente do meio para continuar a ser; em outras palavras, o meio nega e afirma o ser concomitantemente" (GERALDINO, 2014, p.406). Ou seja, o ser vivo está ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 189 sujeito as influências do meio em que vive, lutando para sobreviver ao mesmo tempo que depende das condições em que está, uma mescla de adversidades e possibilidades. • O ambiente dos humanos: destaca-se a capacidade simbólica do ser humano. "A instauração do módulo simbólico não só modificou nossa relação com o entorno, mas também implicou mudanças radicais no próprio processo da evolução natural" (GERALDINO, 2014, p. 408). Portanto, ―O conceito de ambiente é flexível. [...]. Todavia, tais observações remetem à possibilidade de múltiplas articulações teórico-metodológicas que podem nos aproximar da complexidade organizacional do espaço geográfico‖ (REHBEIN, 2010, p. 172). Bertrand e Bertrand (2007) destacam que o conceito de Meio Ambiente, historicamente, evoluiu de uma concepção naturalista da flora e da fauna para uma visão de comunidade (biocenose) e, posteriormente, para uma concepção ecologicamente mais elaborada, em parte inspirada pelo conceito de Ecossistema. Na atualidade, o conceito de Meio Ambiente encontra-se mais robusto e temsituado o homem não mais como agente externo, mas como elemento integrante e ativo no meio. A conceituação trazida por Troppmair (1992, p. 1) já demonstrava a ruptura com a concepção puramente naturalista ao incorporar os aspectos nóoticos, sendo, portanto, o meio ambiente ―um complexo de elementos abióticos, bióticos e noóticos que interagem entre si com reflexos recíprocos afetando de forma direta todos os seres vivos, inclusive o homem‖. A noção de Meio Ambiente viu-se ampliada também na doutrina jurídica brasileira. Conforme destacou Sirvinskas (2018), embora a Política Nacional de Meio Ambiente tenha definido Meio Ambiente como ―o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas‖ (BRASIL, 1981), a doutrina, ciente das limitações desse conceito, ampliou-o para abranger também as esferas cultural, artificial e do trabalho. Diante disso, a interpretação de meio ambiente ecologicamente equilibrado, dada pela Constituição Federal de 1988, concilia desenvolvimento e meio ambiente, compatibilizando-os de forma a considerar as suas inter- relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço no processo contínuo de planejamento (BRASIL, 1988). Mesmo diante de sua evolução conceitual, a concepção naturalista de Meio Ambiente ainda persiste, o que faz parecer um desafio para a nova geração de cientistas e ambientalistas incorporarem na abordagem ambiental a perspectiva humana (social, econômica, política e ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 190 cultural), enxergando o homem não como um fator, mas como elemento constituinte do ambiente (MENDONÇA, 2001). Neste sentido, o termo sustentabilidade tem ganhado, há algumas décadas, notoriedade no discurso ambientalista e econômico, apostando numa relação harmoniosa entre Sociedade e Natureza. Boff (2017, n.p), em consulta aos dicionários atuais e clássicos 1 , esclarece que na "raiz de sustentabilidade e de sustentar está a palavra latina sustentare com o mesmo sentido que possui em português". O autor argumenta que há dois significados para o conceito de Sustentabilidade: um ativo e outro passivo. A acepção ativa de sustentar "enfatiza a ação feita de fora para conservar, manter, proteger, nutrir, alimentar, fazer prosperar, substituir, viver"(BOFF, 2017, n.p). Desta forma, "sustentabilidade representa os procedimentos que tomamos para permitir que a Terra e seus biomas se mantenham vivos, protegidos, alimentados de nutrientes a ponto de estarem sempre bem conservados e à altura dos riscos que possam advir‖ (BOFF, 2017, n.p). Já o significado passivo de sustentar remete à ideia de "equilibrar-se, manter-se, conservar-se sempre à mesma altura, conservar-se sempre bem" (BOFF, 2017, n.p). Nesta perspectiva, sustentabilidade é definido por "tudo o que a Terra faz para que um ecossistema não decaia e se arruíne"(BOFF, 2017, n.p). Assim, a Terra é responsável por manter condições para que ela e seus biomas se conservem como são, mas também coevoluam, fortaleçam-se e prosperem. Contudo, Boff (2017) adverte que o conceito de Sustentabilidade tem uma história bastante antiga, com mais de 400 anos. Na época do mercantilismo,o uso intensivo de madeira pela sociedade europeia, como matéria prima para suas atividades - por exemplo a construção de barcos e edificações, e sendo a principal fonte de combustível –fez surgir uma preocupação com o uso racional das florestas. Boff (2017) assinala que foi na Alemanha, em 1560, na Província da Saxônia, através dos escritos sobre silvicultura (produção e manejo de florestas), que surgiu a palavra Nachhaltigkeit, que significa Sustentabilidade. Porém, já naquela época, a preocupação com a manutenção da exploração econômica de recursos naturais motivava o emprego do conceito de sustentabilidade: "devemos tratar a madeira com cuidado (...), caso contrário, acabar-se-á o negócio e cessará o lucro" (BOFF, 2017, n.p). Estas foram as palavras do capitão Hans Carl 1 Novo Dicionário Aurélio e Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandez (1942). ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 191 von Carlowitz que, em 1713, na Saxônia (Alemanha), "escreveu um verdadeiro tratado na língua científica da época, o latim, sobre a sustentabilidade (...) das florestas com o título de Sylviculturaoeconomica." (BOFF, 2017, n.p). Foi então, no contexto da silvicultura, que o conceito de Sustentabilidade nasceu e se manteve vivo até o início do século passado. Um bom número de autores concordam que o termo sustentabilidade ganhou notoriedade mundial enquanto adjetivo ao conceito de Desenvolvimento, na década de 1970, a partir das reuniões organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), "quando surgiu forte a consciência dos limites do crescimento que punha em crise o modelo (de desenvolvimento) vigente praticado em quase todas as sociedades mundiais"(BOFF, 2017, n.p). A definição clássica do conceito de Desenvolvimento Sustentável provém do relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 (CMMAD), publicado em 1987, denominado Our Common Future: ―Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer suas próprias necessidades‖ (NASCIMENTO, 2012, p.54). Para Nascimento (2012, p. 51), a partir da publicação do citado relatório, abriu-se "um imenso debate na academia sobre o significado de desenvolvimento sustentável". Para este autor, o conceito de desenvolvimento sustentável "se tornou um campo de disputa, no sentido utilizado por Bordieu, com múltiplos discursos que ora se opõem, ora se complementam". Dessa forma, a polissemia do conceito é a maior representação de um campo de forças que envolve desde governos, empresariado, representantes políticos, até os movimentos sociais e organismo multilaterais. Não obstante, Boff (2017) registra que a definição clássica do Desenvolvimento Sustentável carrega consigo a busca pela satisfação das necessidades humanas em três dimensões: a econômica, a ambiental e a social. O modelo-padrão de desenvolvimento sustentável que aparece nos discursos oficiais de governos e conceitualmente adotado por empresas se resume na frase: "Para ser sustentável o desenvolvimento deve ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto" 3 (BOFF, 2017, n.p). 2 Comissão dirigida pela ex-primeira ministra da Noruega, Gro Harlen Brundtland. O relatório publicado pela comissão também é conhecido como Relatório Brundtland. 3 É o famoso tripé chamado de Triple Botton Line (a linha das três pilastras) que deveriam garantir a sustentabilidade. O conceito foi criado em 1990 pelo britânico John Elkington, fundador da ONG SustainAbility, ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 192 Nascimento (2012) ressalta que, apesar de haver um consenso de que o desenvolvimento sustentável se concentra nas três dimensões citadas, há alguns autores, inclusive o próprio, que consideram a relevância de outras dimensões da sustentabilidade, como o poder e a cultura. Segundo o mesmo,não dar o devido destaque à dimensão política do desenvolvimento sustentável é escamotear a "assimetria de poder no âmbito da sociedade" (NASCIMENTO, 2012, p.56) Boff (2017) argumenta que o discurso de sustentabilidade de empresas e governos, em geral, é retórico e vazio, pois Tudo é realizado desde que não se afetem os lucros, não se enfraqueça a competição e não se prejudiquem as inovações tecnológicas. Aqui, a utilização da expressão "desenvolvimento sustentável" possui uma significação política importante: representa uma maneira hábil de desviar a atenção para os reais problemas, que são a injustiça social nacional e mundial, o aquecimento global crescente e as ameaças que pairam sobre a sobrevivência de nossa civilização e da espécie humana (BOFF, 2017, n.p). Sachs (2000), ao desvelar os fatos históricos que abriram caminho para o casamento entre desenvolvimento e meio ambiente, mostra como a ideologia desenvolvimentista evocou a erradicação da pobreza, em nível de discurso, como meta principal para a manutenção dos programas desenvolvimento pelo mundo. Citando o Relatório Brundtland: "Pobreza reduz a capacidade das pessoas de usar recursos de uma maneira sustentável; ela intensifica a pressão sobre o meio ambiente... Uma condição necessária, mas não suficiente, para a erradicação da pobreza absoluta é um crescimento relativamente rápido nas rendas per capita no Terceiro Mundo". O caminho assim estava livre para o casamento entre "meio ambiente" e "desenvolvimento"(SACHS, 2000, p.121). A relação entre Sociedade e Natureza no contexto da ciência geográfica A Geografia se desenvolve enquanto ciência no decorrer do século XIX, centrada em duas vertentes, isto é, no estudo da diferenciação espacial da superfície terrestre e na relação homem-meio (CAPEL, 1981). Sob influência do positivismo formal e do raciocínio indutivo, a ciência geográfica é caracterizada inicialmente como uma ciência de síntese, descritiva e empírica, conferindo o caráter idiográfico da chamada Geografia Tradicional ou Clássica. Nessa época, ganharam visibilidade a escola alemã de Geografia, expressa nas obras clássicas de Alexander von que se propõe exatamente a divulgar estes três momentos como necessários a todo desenvolvimento sustentável. (BOFF, 2017) ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 193 Humboldt (1769-1859), Carl Ritter (1779-1859) e Friedrich Ratzel (1844-1904), e a escola francesa de Geografia, que teve como principal expoente Paul Vidal de La Blache (1845- 1918). As escolas alemã e francesa de Geografia pautaram-se no princípio baconiano de conhecimento da natureza e no seu domínio pelo ser humano, predominando uma definição de Natureza e Meio Ambiente ainda bastante naturalista e utilitarista, que ainda se sobressai nos dias atuais (BISPO, 2012). O surgimento da Geografia Quantitativa (ou Teorética), caracterizada pela vinculação à filosofia neopositivista, pela adoção do raciocínio hipotético-dedutivo, pelo embasamento em leis e teorias emprestadas das ciências naturais e por uma renovação em termos de linguagem (matemática), trouxe certo vigor a Geografia Física, nos quesitos planejamento e organização do espaço, bem como na exploração de recursos naturais. Essa renovação no processo de investigação e análise da Geografia se deu através do uso de técnicas estatísticas, da análise fatorial, dos modelos preditivos e diagramas, entre outros (ANDRADE, 2004; MENDES, 2010 apud GAMA, MELO, MORAIS, 2015). Dessa forma, observamos que, "[...] Este paradigma procura leis ou regularidades empíricas sob a forma de padrões espaciais" (SOUZA, MARIANO, 2008, p.83), notando-se a consideração da natureza como recurso, o que, por sua vez, influiu no uso da Teoria Geral dos Sistemas, com a relação ao organismo-meio (GAMA, MELO, MORAIS, 2015). Na Geografia Física, temos a proposição de Viktor Sotchava com o ―geossistema‖ como abordagem metodológica marcante. Utilizando-se de análise integrada, ou seja, uma conexão natureza- sociedade, tem-se que ―Os Geossistemas são fenômenos naturais, porém seu estudo engloba os fatores econômicos e sociais das paisagens modificadas pelo homem‖ (SOUZA, MARIANO, 2008, p.87). Nas décadas de 1970 e 1980, a corrente de pensamento geográfico com abordagem crítica deixa de ver o homem com um ser passivo em relação à natureza e entende-o ―como principal atuante sobre o meio, produzindo seu espaço‖ (SOUZA, MARIANO, 2008, p.83). Assim, o materialismo histórico e a dialética, enquanto método, passam a ser incorporados pelos geógrafos desta corrente. Conforme destaca Casseti (1991) apud Bispo (2012), a concepção de Natureza para a corrente crítica do pensamento geográfico diferencia-se em dois momentos. No primeiro, a natureza é incorporada ao homem e este a utiliza como valor de uso, ao passo que no segundo ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 194 momento a natureza é caracterizada pelo valor de troca. Desse modo, Karl Marx concebe a natureza como produto social, em que a relação homem-meio é mediada pelo trabalho. Conforme apresentam Moraes e Costa (1984, p.54), Engels ―[...] foi o único autor clássico do marxismo a tentar desenvolver uma reflexão sistemática no domínio das ciências naturais.‖ Esse autor escreveu a obra intitulada Dialética da Natureza, porém foram tecidas críticas severas a mesma, como concessões ao positivismo e darwinismo. Dessa forma, ―A natureza apresenta formas de causalidade distintas dos processos sociais. A dialética deve ser concebida, então, como o modo específico de captar o movimento do ser social‖ (MORAES; COSTA, 1984, p.55). Na Geografia Humanista, temos que o indivíduo vincula-se ao lugar, ao ambiente em que vive. Tuan (1980) expõe que as pessoas podem desenvolver uma capacidade excepcional de adaptação frente um meio ambiente hostil. No Ártico, por exemplo, há épocas em que nenhum horizonte separa o céu da terra, quando a cena é visualmente indiferenciada. No entanto, o esquimó é capaz de viajar cento e cinquenta quilômetros, ou mais, através dessas terras desoladas(TUAN, 1980, p. 89). Tuan (1980) destaca ainda a integração entre o meio ambiente e a visão de mundo dos povos: ―Como meio de vida, a visão do mundo reflete os ritmos e as limitações do meio ambiente natural‖ (TUAN, 1980, p. 91). No final do século XX entram em discussão metodologias que tentam reaproximar a Geografia e a Ecologia, como a Ecogeografia, apresentada por Jean Tricart e Jean Killian, cujo objetivo é estudar como o homem se integra aos ecossistemas, ou melhor, [...] como esta integração é diversificada em função do espaço terrestre, envolvendo dois aspectos principais: a dependência natural dos homens ao ecossistema e as modificações voluntárias ou não que o homem provoca nos ecossistemas (SOUZA, MARIANO, 2008, p.87). Na atualidade, ganha espaço na Geografia uma abordagem socioambiental, em que prevalece a visão holística dos fenômenos, apoiando-se, segundo Bispo (2012), no princípio da ética e na concepção de sociedade enquanto sujeito, ou seja, não apenas como agente, mas tendo sua dimensão social incorporada aos problemas ambientais. Nos estudos sobre as cidades sustentáveis ou o desenvolvimento urbano sustentável destacam-se trabalhos de autores que não necessariamente adotam uma abordagem geográfica para explicação dos fenômenos socioambientais.Exemplos são os trabalhos de ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 195 Haughton&Hunter (2004) 4 , Acselrad (1999) e Jacobi (1997) 5 . Já em relação a pesquisas sobre qualidade de vida em ambientes urbanos e planejamento urbano, com uma visão geográfica do fenômeno, sobretudo por um viés crítico, é notável a contribuição de geógrafos, por exemplo os trabalhos de Silva, De Souza & Leal (2012) e Souza (2001) 6 . Já autores da Geografia Agrária nacional tem pensado a questão do desenvolvimento rural sustentável também por um viés crítico e de desconstrução. Montenegro Gómez (2012) é radical ao evocar o conceito de decolonialidade para exaltar povos e comunidades tradicionais na América Latina que realmente praticam uma racionalidade e relação com a natureza que se sustentam ao longo de sua existência. Júnior (2010) denuncia as condições nada sustentáveis de trabalho que se submetem um número cada vez maior de trabalhadores do chamado complexo do agrohidronegócio que, em nome da sustentabilidade da atividade primária nacional, promovem grandes obras estruturais para escoamento da produção e acumulação de capital. Considerações Finais Pode-se observar que as questões e os conceitos relativos a Natureza, Meio Ambiente e Sustentabilidade estão dentro de um contexto multidisciplinar. Ao longo da trajetória histórica, diferentes métodos de interpretação foram utilizados nos estudos científicos, o que igualmente influenciou a Geografia. As relações Sociedade x Natureza e Homem x Ambiente foram tratadas ao longo da história sob diversas abordagens e campos de estudo, inclusive na Geografia, a qual teve, e continua tendo, contribuições essenciais para o debate sobre a natureza. Conforme demonstrou Bertrand e Bertrand (2007), a natureza é primeiramente espaço dentro da concepção geográfica, espaço este cada vez menos natural e cada vez mais antropizado. Por fim, importa ressaltar que determinados conceitos, como Natureza, Meio Ambiente e Sustentabilidade, são utilizados conforme a visão de mundo de quem os emprega e atendem a objetivos específicos, dotados de intencionalidade, o que obriga o pesquisador a observar cuidadosamente o discurso construído, o método adotado e os verdadeiros interesses. 4 HAUGHTON, Graham; HUNTER, Colin. Sustainable Cities. Routledge, 2003. 368p. 5 JACOBI, Pedro. Meio ambiente urbano e sustentabilidade: alguns elementos para a reflexão. In: CAVALCANTI, Clóvis (Org.) Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997. p. 384-390. 6 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 558 p. ISBN: 978-85-87197-36-8 https://cboe2019.wixsite.com/cboe 196 Bibliografia ACSELRAD, Henri. Discursos da sustentabilidade urbana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 1, p. 79-90, 1999. Disponível em: <http://rbeur.anpur.org.br/rbeur/article/view/27/15>. Acesso em: 05 mai 2018. BERTRAND, Georges; BERTRAND, Claude. Uma geografia transversal e de travessias: o meio ambiente através dos territórios e das temporalidades. Maringá: Massoni, 2007. 332p. BISPO, Marcileia Oliveira. A concepção de natureza na Geografia e a relação com a Educação Ambiental. 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