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Psicopedagogia_Vol2

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Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz
Psicopedagogia
2Volume
2
Volum
e
Psico
p
ed
ag
o
g
ia
9 7 8 8 5 7 6 4 8 7 8 2 1
ISBN 978-85-7648-782-1
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz
Volume 2
Psicopedagogia
Apoio:
Material Didático
M233
Lamoglia, Aliny
 Psicopedagogia. v. 2. / Aliny Lamoglia, Mara Monteiro da Cruz. -
Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2012.
 166 p. ; 19 x 26,5 cm.
 ISBN 978-85-7648-782-1
 1. Psicopedagogia. 2. Aprendizagem. 3. Afetividade. I. Cruz, 
Mara Monteiro. II. Título.
CDD 372.21
Referências Bibliográfi cas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfi co da Língua Portuguesa.
Copyright © 2011, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
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ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO
Aliny Lamoglia
Mara Monteiro da Cruz
COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO 
INSTRUCIONAL
Cristine Costa Barreto
SUPERVISÃO DE DESENVOLVIMENTO 
INSTRUCIONAL 
Miguel Siano da Cunha
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL 
E REVISÃO 
Anna Maria Osborne
AVALIAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO
Thaïs de Siervi
Departamento de Produção
EDITOR
Fábio Rapello Alencar
COORDENAÇÃO DE 
REVISÃO
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REVISÃO TIPOGRÁFICA
Cristina Freixinho
Elaine Bayma
Renata Lauria
Thelenayce Ribeiro
COORDENAÇÃO DE 
PRODUÇÃO
Ronaldo d'Aguiar Silva
DIRETOR DE ARTE
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PROGRAMAÇÃO VISUAL
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ILUSTRAÇÃO
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CAPA
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PRODUÇÃO GRÁFICA
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2012.2/2013.1
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UNIRIO - Leila Medeiros
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Universidades Consorciadas
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia
Governador
Alexandre Cardoso
Sérgio Cabral Filho
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UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO 
NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO
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UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO 
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UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Reitor: Roberto de Souza Salles
Psicopedagogia
SUMÁRIO
Volume 2
Aula 9 – A aprendizagem da leitura e da escrita ________________________ 7
Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Aula 10 – Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico _____________ 29
 Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Aula 11 – A queixa sobre a aprendizagem na escola 
 e na clínica – a visão interacionista ________________________ 45
 Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Aula 12 – Distúrbios que afetam a aprendizagem _____________________ 63
 Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Aula 13 – Defi ciência intelectual – como esses alunos aprendem __________ 81
 Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Aula 14 – Educação especializada para surdos ______________________ 103
 Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Aula 15 – Defi ciência motora e acessibilidade ao currículo ______________ 123
 Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Aula 16 – Atualidades sobre altas habilidades _____________________ 139
 Aliny Lamoglia / Mara Monteiro da Cruz
Referências _______________________________________________ 155
ob
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Metas da aula 
Explicitar o conceito de alfabetização e apresen-
tar duas abordagens que se contrapõem.
Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja 
capaz de:
1. defi nir alfabetização;
2. reconhecer que a alfabetização possui caráter 
processual;
3. reconhecer as abordagens global e fônica em 
alfabetização;
4. identifi car difi culdades no processo de 
alfabetização.
 
A aprendizagem da leitura e da 
escrita
Aliny Lamoglia 
Mara Monteiro da Cruz9AULA
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
INTRODUÇÃO Você faz ideia de há quanto tempo o homem tem registrado, por meio de 
símbolos, suas ideias e os acontecimentos do cotidiano? Há cerca de vinte e 
cinco mil anos, o homem primitivo já fazia desenhos nas cavernas e gravações 
nas rochas das margens dos rios. 
No Brasil, há registros de pinturas deste tipo, chamadas “rupestres”, locali-
zados no Rio Grande do Norte e em outros estados.
Figura 9.1: Pinturas rupestres encontradas no Brasil.
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula.html?aula=11176
As primeiras escritas, bem diferentes do que conhecemos hoje por este termo, 
foram desenvolvidas pelo povo sumério, que viveu na Mesopotâmia entre 
3500 e 2000 a.C., coincidindo com o surgimento das primeiras civilizações 
urbanas, organizadas à volta de cidades como Ur, Uruk, Lagash e Nippur. 
Como a economia desta região não era mais exclusivamente agrícola, os 
registros escritos serviam ao sistema de tributação, para registrar a quantidade 
de sacos de cereais que se produzia ou as cabeças de gado que se possuía. 
Esses registros eram feitos com um pequeno estilete de metal, osso ou mar-
fi m, em placas de argila úmida que eram, depois, secas ao sol. Esse sistema 
é designado pictográfi co, pois os seus símbolos eram desenhos (pictus) que 
representavam o que se queria escrever. 
Com o tempo, esses desenhos foram simplifi cados, dando origem à escrita 
cuneiforme (os símbolos eram feitos em forma de cunha, em diferentes 
tamanhos e orientações). Tratava-se de uma escrita ideográfi ca, ou seja, que 
representava ideias, não os sons da linguagem oral. 
Na mesma época, os egípcios inventaram os hieróglifos (“escrita dos deuses”, 
em grego), um sistema complexo, ao mesmo tempo ideográfi co, pictográfi co 
e fonográfi co, ou seja, esse sistema escrito possuía signos para representar 
ideias, objetos e sons. Além de fazer registros nas paredes dos túmulos e 
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templos, os egípcios foram os primeiros a usar uma espécie de papel (o papiro), 
caneta e tinta. Os rolos de papiro são considerados os primeiros livros de que 
se tem notícia. Alguns continham ilustrações, além de texto. 
Figura 9.2: Alguns signos da escrita egípcia.
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula.html?aula=21392
A passagem dos ideogramas para os sistemas silábicos aconteceu devido à 
necessidade de se representarem elementos da língua falada, como o esta-
belecimento de relações gramaticais, que não podiam ser representados por 
ideogramas. Desta forma, os sinais passaram a representar os sons, e não 
mais os objetos em si (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2000). 
O alfabeto fonético foi inventado pelos fenícios. O registro mais antigo 
corresponde a inscrições em um sarcófago, onde foram utilizados apenas 
vinte e dois sinais diferentes. Esses sinais representavam os sons da fala 
e constituíam um sistema muito mais simples para a aprendizagem, se o 
compararmos com as escritas anteriores, ou até mesmo com os cinquenta 
mil signos da escrita chinesa. 
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
Assista a um vídeo sobre a evolução da escrita:
http://www.youtube.com/watch?v=AVKOCSU8zqI&feature=r
elated%20historia%20da%20escrita%20parte%201
Os fenícios, que eram navegadores e comerciantes, percorreram o Mediter-
râneo levando seu sistema de escrita. Os gregos fi zeram adaptações, acres-
centando as vogais. Quando os romanos conquistaram a Grécia, no século I 
a.C., adotaram o alfabeto grego, fazendomodifi cações na forma de muitas 
letras, introduzindo novas e eliminando as que não serviam para sua língua 
(ROTH; ROCHA, 1992).
Nosso alfabeto atual vem do romano, com alterações como a introdução 
de algumas letras, como o J, o V e o W, mas o sistema continua o mesmo 
desde a invenção pelos fenícios. 
A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA – A VISÃO 
CONSTRUTIVISTA
Piaget (citado por MIRANDA, 1999) defende, a partir de suas 
pesquisas, que ao longo do seu desenvolvimento cognitivo (do nascimento 
à idade adulta), o homem recapitula as etapas pelas quais, historicamen-
te, passou o pensamento humano até chegar ao que é hoje. Em suma, a 
ontogênese recapitularia a fi logênese. 
Ferreiro e Teberosky (1985) chegaram à mesma conclusão com 
relação ao desenvolvimento da linguagem escrita, em pesquisas realiza-
das com crianças de 4 a 6 anos de idade, que frequentavam o ambiente 
escolar: 
É extremamente surpreendente ver como a progressão de hipó-
teses sobre a escrita reproduz algumas das etapas-chaves da 
evolução da história da escrita na humanidade, apesar de que 
nossas crianças estejam expostas a um único sistema de escrita. A 
linha de desenvolvimento histórico vai do pictograma estilizado 
à escrita de palavras (logografi a), à introdução posterior de um 
princípio de “fonetização”, que evolui paulatinamente até as 
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escritas silábicas e, depois de uma complexa etapa de transição, 
culmina no sistema puramente alfabético dos gregos (FERREIRO; 
TEBEROSKY, 1991, p. 279).
A Psicogênese da Língua Escrita, teoria desenvolvida por estas 
autoras, considera a língua escrita como um sistema de representação, e 
não como código. Elas entendem que o aluno que aprende é um sujeito 
cognoscente que, em contato com o mundo letrado, desenvolve suas 
próprias hipóteses sobre a escrita, mesmo antes do ensino formal. A 
alfabetização é, então, concebida como uma aprendizagem conceitual, 
e não como técnica. 
Pesquisando a aprendizagem da língua escrita, Ferreiro identifi cou 
três períodos principais: 
• O primeiro período caracteriza-se pela busca de parâmetros de 
diferenciação entre as marcas fi gurativas e as marcas gráfi cas, não 
fi gurativas, assim como pela formação de séries de letras como 
objetos substitutos, e pela busca das condições de interpretação 
desses objetos substitutos. A criança começa a diferenciar a escrita de 
outros sistemas de representação, como o desenho. Suas produções 
demonstram esta tentativa de estabelecer a diferença entre as marcas 
icônicas (que possuem relação com o objeto que representam) e as 
não icônicas (arbitrárias). 
• O segundo período é caracterizado pela construção de modos de 
diferenciação entre os encadeamentos de letras, baseando-se alterna-
damente em eixos de diferenciação qualitativos e quantitativos. 
Neste período, denominado pré-silábico, a criança formula hipó-
teses sobre o sistema de representação da escrita. Para que algo seja 
legível, ou para ler coisas diferentes, é preciso encontrar diferenças nos 
dois textos. Essas diferenças correspondem a dois eixos: o quantitativo 
(a criança pensa que para produzir escrita é necessária uma quantidade 
mínima de caracteres) e o qualitativo (deve haver uma variedade destes 
caracteres). 
• O terceiro período é o que corresponde à fonetização da escrita, que 
começa por um período silábico e culmina no período alfabético. 
A fonetização da escrita se inicia quando a criança começa a iden-
tifi car os grupos de sons que compõem as palavras e tenta, de alguma 
forma, representá-los na escrita, estabelecendo, a princípio, relações de 
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
quantidade, com a correspondência termo a termo (nível silábico). Neste 
nível, a escrita apresenta diferenças no eixo quantitativo (representa cada 
sílaba da palavra falada com um caracter na escrita) e no qualitativo 
(começa a empregar letras similares para emissões sonoras parecidas). 
Sempre em contato com a língua escrita, produzindo seus próprios 
textos, tentando ler, quando vê os adultos escreverem ou ainda quando 
leem para ela, “a criança abandona a hipótese silábica [...] devido ao 
confl ito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima 
de grafi as e o confl ito entre as formas gráfi cas que o meio lhe propõe e 
a leitura dessas formas em termos de hipótese silábica” (FERREIRO; 
TEBEROSKY, 1991, p. 196). Assim, a criança entra em confl ito cogni-
tivo toda vez que compara a escrita que vê no meio em que vive (livros, 
jornais) e a escrita tal como pensa (hipótese silábica). De modo geral, 
há mais letras na escrita social que na sua individual. 
A passagem para o nível alfabético se dá gradativamente, carac-
terizando um período híbrido, o silábico-alfabético, em que a criança 
representa parte das palavras silabicamente, e parte alfabeticamente, até 
que, fi nalmente, produza a escrita alfabética, escrevendo, sistematica-
mente, uma letra para cada som da fala. 
A aprendizagem da escrita, assim como da leitura, envolve com-
plexos processos cognitivos. Ao alfabetizar-se, a criança recria a escrita, 
tornando-a um sistema seu; desenvolve um outro tipo de linguagem com 
características muito diferentes da linguagem oral, cuja aprendizagem 
prescinde de ensino formal. No entanto, deve ser considerado que exis-
tem diferenças signifi cativas entre os processos de leitura e escrita, que 
se desenvolvem de forma relacionada, porém não condicionada. 
Goodman (1987) refere-se à leitura como “um processo em que 
pensamento e linguagem estão involucrados em contínuas transações, 
quando o leitor busca obter sentido a partir do texto impresso” (p. 11). 
Como o leitor tem por objetivo obter o sentido do texto, o foco de sua 
atenção só se voltaria para aspectos como as letras, palavras ou a pró-
pria gramática quando este tivesse difi culdade em obter o signifi cado 
de maneira global. Assim, “aquilo que acreditamos ver é, em sua maior 
parte, o que esperamos ver” (op. cit., p. 18), uma vez que o cérebro guia 
os olhos em busca do sentido que espera encontrar. 
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Em suma, ao privilegiar a busca pelo sentido, Goodman descreve 
a leitura como um sistema de antecipação semântica – em suas palavras, 
um jogo de adivinhação psicolinguístico (citado por HOUT, 2001). 
As diversas teorias sobre a construção de sentido a partir da leitu-
ra, tais como as de Partz (2001), Morton e Petterson (1980, citados por 
HOUT, 2001), e o amplo debate acerca do processo de leitura confi r-
mam a complexidade do mesmo. Sternberg (2000) ressalta que a leitura 
envolve, no mínimo, linguagem, memória, pensamento e inteligência. As 
pessoas que têm difi culdades em dominar estes processos “podem sofrer 
intensamente em uma sociedade que coloca um prêmio alto na leitura 
fl uente” (p. 136).
Atende ao Objetivo 1
1. Pensando no processo de alfabetização, responda: ensinar a escrever 
apenas propondo cópias do quadro seria um método válido? Justifi que a 
sua resposta.
RESPOSTA COMENTADA
Não seria válido em hipótese alguma. A aprendizagem da escrita, 
assim como da leitura, envolve complexos processos cognitivos. 
Alfabetizar-se signifi ca desenvolver a capacidade de “desmantelar” 
a língua, analisá-la em suas unidades mínimas e ser capaz de mani-
pular estas unidades em dois âmbitos: a decodifi cação, no caso da 
leitura, e a codifi cação, no caso da escrita. Para ser capaz de executar 
todas essas operações, a criança deve possuir o que chamamos 
“consciência fonológica”, ou seja, a capacidade de pensar nos sons 
que formam a língua. Esta capacidade depende, na grande maioria 
das vezes, do ensino formal para ser desenvolvida. 
ATIVIDADE
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
A ALFABETIZAÇÃO INFORMADA PELA NEUROPSICOLOGIA 
– A VISÃO FÔNICA
Apresentaremos um breve histórico do Núcleo de EducaçãoInclu-
siva da Unirio (www.nucleoeducacaoinclusiva.com.br) para contextuali-
zar a discussão sobre alfabetização na abordagem fônica ou cognitivista 
que se seguirá. Iniciamos as atividades do Núcleo de Educação Inclusiva 
(NEI) da Unirio em março de 2009, com o apoio do Programa Incluir 
da Secretaria de Educação Superior do MEC. Dentre as ações do Núcleo 
estão a capacitação de alunos do curso de Pedagogia, a realização de 
pesquisa e o trabalho de extensão (neste caso, a oferta de atendimento 
psicopedagógico a crianças da rede pública de ensino do município do 
Rio de Janeiro). Para divulgarmos o Serviço de Psicopedagogia, entra-
mos em contato com escolas da rede pública e oferecemos vagas para 
atendimento de alunos da Educação Infantil (EI), uma vez que o objetivo 
era (e continua sendo) acompanhar crianças que ainda não fracassaram 
no processo de alfabetização, caracterizando, desta forma, um trabalho 
preventivo. Isto se deve ao fato de acreditarmos que vários indícios de 
difi culdades no processo de aprendizagem podem ser identifi cados antes 
do início do período formal (e obrigatório) de ensino.
Invariavelmente, ouvíamos das coordenadoras e orientadoras 
das escolas de EI que não havia queixas de aprendizagem neste nível 
de escolaridade, mas que se o Núcleo acompanhasse também crianças 
matriculadas a partir do primeiro ano do Ensino Fundamental (EFI) 
haveria uma infi ndável lista de crianças a serem encaminhadas. 
Começamos, então, a acompanhar dezesseis crianças, com média 
de idade de oito anos. Distanciamo-nos, portanto, do trabalho preventivo 
que pretendíamos fazer e atualmente caracterizamos o trabalho, para a 
maioria das crianças acompanhadas, como um resgate do processo de 
alfabetização que, pelos motivos que veremos adiante, não foi possível 
que a escola, responsável ofi cial por realizar este processo, assim o fi zesse.
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Atende ao Objetivo 2
2. A que você poderia atribuir o fato de os profi ssionais que trabalham 
com Educação Infantil não identifi carem as difi culdades no processo de 
alfabetização antes de as crianças fracassarem na tentativa formal de alfa-
betização, ou seja, antes do primeiro ou do segundo ano de escolaridade?
RESPOSTA COMENTADA
Muitos professores desconhecem os precursores da alfabetização. O 
principal deles é o domínio da língua falada. Por isto as atividades 
linguísticas realizadas na Educação Infantil (EI) são tão importantes. 
A criança precisa, ainda no período da EI, dominar funções como 
narrar, descrever, recontar, descontextualizar a língua. Todas estas 
habilidades a levarão a compreender que se pode desenhar não só 
o que se vê, mas também aquilo que se ouve (VYGOTSKY, 1994).
ATIVIDADE
Os métodos de alfabetização
Ainda de forma tímida, o Brasil inicia a discussão sobre os métodos 
de alfabetização. Curiosamente, os resultados apresentados pelo Brasil 
nas avaliações internacionais de profi ciência de leitura e escrita ainda 
não orientam de forma relevante os estudos, pesquisas e práticas de 
alfabetizadores e professores que atuam na formação de professores do 
ciclo básico de ensino. Vivemos, no Brasil, desde os anos de 1980, um 
fenômeno que chamamos aqui “adesão ao construtivismo”. Em nome 
desta forma de compreender o desenvolvimento infantil, traçaram-se 
parâmetros que nunca foram anunciados por Piaget. Muito antes, pelo 
contrário, Piaget enfatizou sempre que foi possível que sua alçada era 
a epistemologia e que cabia aos pedagogos e aos psicólogos pensarem 
em metodologias e estratégias de ensino e de aprendizagem. Em suas 
palavras:
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
É um problema de pedagogia experimental decidir se a maneira 
de aprender a ler consiste em começar pelas letras, passando em 
seguida às palavras e fi nalmente às frases segundo preceitua o 
método clássico chamado “analítico” ou se é melhor proceder na 
ordem inversa, como recomenda o método “global” de Decroly 
(...). [Para a pedagogia experimental] completar suas averiguações 
por meio de interpretações causais ou "explicações", é evidente 
que precisa recorrer a uma psicologia precisa, e não simplesmente 
àquela do senso comum (PIAGET, 1969, p. 29-32). 
A psicologia precisa a que Piaget se referia pode, nos dias de hoje, 
ser identifi cada com uma vertente da psicologia denominada neuropsi-
cologia cognitiva, que estuda os processos do conhecimento humano à 
luz das descobertas da neurociência cognitiva.
Para saber mais sobre a neuropsicologia cognitiva e sobre 
alfabetização, visite o site:
http://www.nucleoeducacaoinclusiva.com.br/metodo_foni-
co_capovilla_parte1.pdf
Em outros países como Inglaterra, França e Estados Unidos, a 
queda no nível de profi ciência em leitura e escrita das crianças à época do 
“construtivismo” levou os governos a discutirem em que medida os parâ-
metros que orientavam os currículos se relacionavam aos quadros que se 
confi guravam no âmbito da educação básica. A partir das descobertas 
que fi zeram, os governos destes países redirecionaram os parâmetros e 
as práticas em alfabetização, como veremos adiante.
Métodos sintéticos e métodos analíticos
A diferença essencial entre eles é simples. O método global – ou 
sintético – acredita que a alfabetização deve ser realizada a partir de 
textos, que devem ser introduzidos logo no início da alfabetização, antes 
que a criança aprenda a decodifi car (ler) e a codifi car (escrever), sendo 
que não há um ensino deliberado e sistemático das correspondências 
letra-som (ou grafema-fonema), pois se espera que a criança perceba 
sozinha tais relações (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2007). Já o método 
fônico – ou analítico – afi rma que o texto deve ser introduzido de modo 
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gradual, com complexidade crescente, e à medida que a criança for 
adquirindo uma boa habilidade de fazer decodifi cação grafofonêmica 
fl uente, ou seja, 
Depois que ela tiver recebido instruções explícitas e sistemáticas 
de consciência fonológica e de correspondências entre grafemas e 
fonemas. Até os anos 1990, o método global era adotado em gran-
de parte dos países. Porém, a queda sistemática no desempenho 
da população escolar desses países produziu enorme e crescente 
insatisfação entre os educadores sensíveis à involução e fracasso 
progressivo das crianças, o que produziu a grande controvérsia 
conhecida como A Guerra da Leitura (The Reading Wars, Lemann, 
6, 1997) e forçou as autoridades a buscar evidências sólidas de 
pesquisa experimental para poder fazer uma opção ofi cial por um 
ou outro método (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2007). 
No método fônico, a alfabetização se dá através da associação entre 
símbolo e som. Para que a criança se torne capaz de decifrar milhares de 
palavras, ela aprende a reconhecer o som de cada letra. De outra forma, 
ela teria que memorizar visualmente todo o léxico, algo inefi ciente do 
ponto de vista dos defensores do método fônico. O método parte da 
regra para a exceção. 
Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/01/o-mtodo-fnico-de-alfabe-
tizao.html
No Brasil, vemos muitos alfabetizadores que optam pelo ensino 
assistemático da leitura e da escrita em nome de uma metodologia atri-
buída a Piaget, mas sobre a qual, conforme demonstrado aqui, o autor 
nunca enunciou. Além disto, muitos professores atribuem o fracasso em 
massa das crianças brasileiras na alfabetização à situação socioeconômica 
de suas famílias, quase nunca a uma questão metodológica.
O que temos visto na prática do Núcleo de Educação Inclusiva, 
em relação a boa parte das crianças que chegam com queixa na apren-
dizagem da leitura e da escrita, após dois ou três anos de tentativas sis-
temáticas de alfabetização, é que a elas faltam conhecimentos explícitos 
de consciência fonológica. Iniciamos, então, este processo e orientamos 
as famílias a sistematizarem também em casa – a partirde instruções 
objetivas – as atividades que ajudarão estas crianças a associarem grafe-
mas a fonemas. Uma das atividades consiste em escolher com a criança 
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
uma lista de palavras de alta frequência, isto é, palavras com as quais 
ela tem contato na modalidade escrita desde muito cedo, e solicitar 
que alguém em casa leia as palavras para a criança e solicite que ela as 
soletre. Gradativamente a lista é acrescida de novas palavras, até que a 
soletração se torne fl uente e sem esforço.
Por que os pressupostos teóricos são fundamentais? O exemplo 
dos países que transformaram suas abordagens em alfabetização
Os documentos dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França 
descrevem as lições que a guerra contra o analfabetismo funcional deixou 
nestes países. Nas palavras de Capovilla e Capovilla (2007): “O que 
distingue autoridades governamentais respeitáveis de nações desenvolvi-
das na área de educação é a seriedade com que tomam decisões a partir 
de evidência científi ca sólida quando se trata de decidir o futuro de suas 
crianças.” Por exemplo, o Congresso dos Estados Unidos realizou uma 
pesquisa para avaliar os resultados de mais de 100 mil estudos científi cos 
conduzidos sobre a efi cácia de diferentes métodos de alfabetização. Esta 
pesquisa demonstrou a superioridade do método fônico e levou o Con-
gresso dos Estados Unidos a estabelecer ofi cialmente o método fônico 
como o método mais efi caz para a alfabetização. Outros países, como a 
Inglaterra e a França, também empreenderam suas pesquisas e chegaram 
à mesma conclusão. E, depois de assistirem aos índices de profi ciência em 
leitura e escrita de suas crianças decaindo, obtiveram excelentes posições 
entre os primeiros do mundo em competência de leitura. 
Os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de 
Alunos) deixam claro que os países que adotam ensino fônico 
produzem jovens com maior competência de leitura (como a 
Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos), seguidos pelos 
países que adotam métodos não puramente fônicos, mas mistos 
(como Itália e Alemanha), e fi nalmente, nas últimas posições, os 
países que teimam em seguir o construtivismo (como Portugal, 
México e Brasil) ainda que em detrimento da educação de seus 
jovens (Op. cit.). 
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Sobre o Pisa, visite a página do Inep (Instituto Nacional de Estudos e 
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira):
http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/
Vamos avaliar o que aconteceu particularmente com a Inglaterra. 
Em meados dos anos 1990, o governo britânico, preocupado com os 
índices em declínio de alfabetização de suas crianças, ensinadas a partir 
do método global ideovisual, sem um período preparatório de instruções 
fônicas e metafonológicas, criou a “força-tarefa” denominada “The 
Literacy Task Force”. Esta iniciativa determinava que um levantamento 
deveria ser realizado para averiguar as causas do declínio da profi ciência 
da leitura e da escrita das crianças que concluíam os primeiros anos do 
ensino básico, quando, então, deveriam saber ler e escrever um comu-
nicado simples. Esta defi nição de alfabetização – saber escrever uma 
mensagem simples – é a adotada pela OMS.
Os estudos realizados por Capovilla e Capovilla (2000) com crian-
ças disléxicas demonstraram que é necessário levá-las à conscientização 
da existência dos segmentos da fala e à possibilidade de manipulá-los 
para que possam ser alfabetizadas. Se esta hipótese é verdadeira para 
aquelas crianças que apresentam um funcionamento cerebral específi co 
para grafemas e fonemas – apesar de ouvirem perfeitamente –, como é 
o caso da dislexia, o mesmo deverá valer para aqueles que não possuem 
transtorno fonológico.
Outros países, como a França e os Estados Unidos, também 
vivenciaram situações semelhantes. Na França, foi criado o Observatório 
Nacional de Leitura, e os Estados Unidos empreenderam cerca de 115 
mil estudos sobre alfabetização. Invariavelmente, estes países investiram 
em capacitação profi ssional para os professores alfabetizadores, que 
foram orientados a transformar as suas práticas em alfabetização, antes 
“construtivistas”, para “fônicas”.
Os autores consideram que os Parâmetros Curriculares Nacionais 
brasileiros encontram-se na contramão da História, já que o Brasil registra 
de 89% a 96% de fracasso no Ensino Fundamental, segundo o Sistema 
de Avaliação da Educação Básica, e um dos recordes mundiais de incom-
petência em leitura. Segundo dados da Organização para Cooperação e 
2 0 C E D E R J
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
Desenvolvimento Econômicos – OCDE –, divulgados em dezembro de 
2010, o Brasil está na 53ª colocação entre os 65 países pesquisados, à 
frente apenas de países como Colômbia, Argentina, Cazaquistão, Tunísia, 
Indonésia, Albânia, Catar, Azerbaijão, Panamá, Peru e Quirguistão.
O Brasil não possui testes padronizados de avaliação da alfabetização que 
atinjam toda a população de crianças matriculadas no primeiro segui-
mento do Ensino Fundamental. Recentemente, foram selecionados 6 mil 
alunos de 262 turmas de escolas municipais, estaduais e particulares de 
todas as capitais do país para participar da prova ABC. Para mais informa-
ções visite: http://maisbrasilia.com/mb2011/noticias/conteudo/2889/Prova_
detectar%C3%A1_n%C3%ADvel_de_alfabetiza%C3%A7%C3%A3o_no_
in%C3%ADcio_do_fundamental.html
Algumas secretarias municipais de educação ou instituições de 
ensino superior utilizam testes não padronizados para avaliar localmente 
e acabam por caracterizar iniciativas isoladas de investigação, sem con-
seguirem mapear a real situação da alfabetização no Brasil.
Um dos problemas decorrentes desta ausência de sistematização é a 
falta de uma defi nição clara de alfabetização. Capovilla & Capovilla (2007) 
afi rmam que os PCN brasileiros confundem leitura com compreensão e 
escrita com produção de texto e tomam como base de referência para 
tal afi rmação publicações como, por exemplo, o National Reading Panel 
Report (NATIONAL READING PANEL, 2000), o National Literacy 
Strategy (OFFICE FOR STANDARDS IN EDUCATION, 2000) ou o 
Apprendre à Lire (FRANCE, 1998), que são formalmente equivalentes 
aos PCN brasileiros.
Depois de realizar a atividade, você vai encontrar as defi nições 
de leitura e compreensão de texto, já que, reunidas, estas habilidades 
constituem o que chamamos alfabetização.
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Atende ao Objetivo 3
3. Quais são as principais diferenças entre o método global e o método 
fônico de alfabetização?
RESPOSTA COMENTADA
No método global não há instruções explícitas de consciência fono-
lógica, isto é, a criança não é incentivada a pensar nos sons das 
letras e das palavras de forma sistemática. O texto (ou a frase) é 
apresentado como uma unidade mínima sobre a qual a criança deve 
aprender a pensar desde muito cedo, antes ainda de ter o conheci-
mento sobre as partes que o compõem. Em contrapartida, o método 
fônico propõe que, inicialmente, as letras sejam apresentadas para 
as crianças uma a uma, pontuando as possíveis irregularidades 
entre os diferentes sons que as letras podem adquirir umas ao lado 
das outras, como é o caso do “c”, por exemplo, que pode ser o de 
“casa” e o de “cinto”.
ATIVIDADE
DO QUE UMA CRIANÇA PRECISA PARA APRENDER A LER E 
ESCREVER
Ler não signifi ca, apenas, a capacidade de identifi car automati-
camente as palavras. Escrever não consiste, apenas, em transcrever os 
sons da fala. Ambos envolvem a capacidade de decodifi car fonemas em 
grafemas e vice-versa, mas o objetivo de ler é compreender, e o objetivo 
de escrever é comunicar. Aprender a ler e escrever envolve três níveis de 
competência: memória, consciência fonológica e vocabulário.
Ensinar essas competências em níveis progressivamente mais 
elaborados constitui o cerne do programade ensino e do “processo” de 
alfabetização de praticamente todos os países do mundo que possuem 
um sistema alfabético de escrita, como o nosso.
2 2 C E D E R J
Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
O processo de alfabetização tem princípio, meio e fi m, e seu fi m 
ocorre quando o aluno adquire o nível de fl uência necessário para ter 
um mínimo de autonomia na leitura e escrita.
O ensino dessas competências antecede, acompanha e sucede o 
processo de alfabetização, mas é independente delas. As pessoas com-
preendem antes de saber ler e são capazes de contar histórias, fazer 
descrições ou relatar notícias antes de saber escrever. 
No caso da leitura, é necessária uma fl uência mínima para que 
haja compreensão. No caso da escrita, a fl uência mínima para o aluno 
enfrentar os desafi os do 2º ano de escolaridade é próxima ao ritmo da 
fala pausada do professor que dita, por exemplo, uma tarefa de casa. 
Testes adequados de alfabetização devem levar em conta a mensu-
ração da fl uência de leitura e escrita de textos, e não apenas de palavras. 
Saber escrever palavras, ainda que uma grande lista delas, não torna 
alguém capaz de produzir um texto.
Professores da série seguinte à alfabetização são os melhores juízes 
para avaliar se o aluno está ou não alfabetizado: o aluno que não lê o 
texto do livro não copia o que precisa copiar no tempo adequado e, se 
não toma notas de forma defi nida, não tem funcionalidade. Portanto, é 
um “analfabeto funcional escolarizado” (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 
2007). 
Para avaliar a fl uência de leitura, instrumentos mais robustos e 
sofi sticados devem incluir: 
• um texto que o aluno não tenha lido, de estrutura morfossintática 
compatível com a idade e com o nível de desenvolvimento dele;
• uma leitura cronometrada (pois se for rápida demais ou lenta demais 
pode comprometer a compreensão do texto);
• contagem de erros (gaguejar, parar, silabar, “adivinhar” a palavra).
Para avaliar a capacidade de escrita, o ditado é um instrumento 
que apresenta um elevado grau de validade, e normalmente é avaliado 
levando em conta:
• a fl uência, ou seja, o tempo necessário para escrever;
• a legibilidade;
• o nível de correção ortográfi ca;
• o atendimento a regras básicas de pontuação e uso de maiúsculas;
• a disposição da escrita no papel, de acordo com a natureza da mensagem. 
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Um aluno pode ser considerado alfabetizado quando domina 
essas competências.
Os termos transparente e opaco são usados na literatura especia-
lizada para indicar o grau de maior ou menor proximidade entre os sons 
da fala e sua representação gráfi ca. Essa propriedade da língua faz com 
que a alfabetização se realize em um ano em países como a Finlândia 
ou a Itália, mas leve cerca de dois anos em países francófonos e cerca de 
três anos nos países de língua inglesa.
De acordo com o Instituto Paulo Montenegro (ligado ao Ibope), 
54% dos alunos que estudaram até a 4a série chegaram apenas ao nível 
rudimentar de alfabetismo (10% continuaram analfabetos absolutos). 
Vinte e quatro por cento dos alunos que cursaram entre o 6º e o 9º anos 
do Ensino Fundamental ainda permaneceram no nível rudimentar. Dos 
que cursaram alguma série ou completaram o Ensino Médio, quando 
se esperava que todos os alunos estivessem plenamente alfabetizados, 
ainda assim, apenas 38% atingiram o nível pleno de alfabetismo (http://
www.ipm.org.br/). 
 Resultados de estudos realizados no Brasil (CAPOVILLA; GÜTS-
CHOW; CAPOVILLA, 1997) e em outros países que possuem sistemas 
linguísticos grafofonêmicos como o nosso corroboram a hipótese do défi -
cit fonológico, segundo a qual os distúrbios de processamento fonológico 
são a principal causa dos problemas de leitura e escrita das crianças que 
fracassam na escola após os primeiros anos de tentativas de alfabetiza-
ção. Tais problemas parecem estar bem menos relacionados à posterior 
alfabetização do que às questões fonológicas. Tais dados replicam, para 
a aquisição de leitura e escrita no português brasileiro, os achados de 
Demont (1997) quanto à aquisição de leitura e escrita em francês.
CONCLUSÃO
A despeito de toda a complexa discussão que existe quando tra-
tamos do tema “inteligência”, há um parâmetro relativamente simples 
a ser considerado, que é o tempo. Vejamos: quando dizemos que uma 
criança de quatro anos aprendeu a ler e escrever, consideramos que ela 
é precoce. Quando, por outro lado, dizemos que uma criança de dez 
anos aprendeu a ler e escrever consideramos que ela está atrasada em 
seu processo de aprendizagem. Por que isto acontece? Isto se dá devido 
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
ao parâmetro de normalidade, que nos informa que uma criança deve 
aprender a ler e escrever por volta dos seis ou sete anos de idade. É assim 
na nossa cultura e em muitas outras. Como já foi dito anteriormente, 
para considerarmos uma criança alfabetizada temos que avaliar se ela 
é capaz de ter em mente um texto e conseguir colocá-lo no papel para, 
assim, transmitir uma mensagem e se ela é capaz de compreender uma 
mensagem que outra pessoa escreveu. Se ambas as habilidades estão 
presentes, difi cilmente estaremos diante de uma pessoa com um rebai-
xamento cognitivo signifi cativo. 
Considere o exemplo de um jovem de quinze anos que é capaz de 
escrever corretamente palavras como estrela, ventilador e conspiração 
em um ditado, mas quando solicitado a escrever livremente sua produ-
ção mostra um texto incoerente que não permite ao leitor identifi car a 
mensagem que pretendia enunciar.
Se apenas 14,5% dos habitantes do planeta são acometidos de 
alguma defi ciência (dado da OMS), não podemos atribuir os índices de 
fracasso na alfabetização que temos a questões orgânicas das crianças. 
Há que se ter outra forma de explicar o fracasso. Há que se pensar na 
questão metodológica. 
Para aqueles que não apresentam difi culdade alguma de aprendiza-
gem, o método utilizado pode não ser muito relevante, pois a criança terá 
subsídios para lançar mão das mediações assistemáticas que o contexto 
de interação do qual participa lhe oferece. Por isto temos a impressão de 
que algumas crianças, muitas vezes, “aprendem sozinhas”. Na verdade, 
elas não aprendem sozinhas, o que acontece é que o próprio contexto 
letrado do qual ela faz parte se encarrega de fornecer as “pistas” de que 
ela precisa para deduzir o funcionamento do código alfabético. Mas, ao 
contrário, para crianças que, por qualquer motivo, apresentam alguma 
difi culdade de se benefi ciar do contexto de interação é necessária uma 
“intervenção deliberada”, lembrando aqui, mais uma vez, Vygotsky. É 
certo que as pessoas não aprendem exatamente da mesma forma, cada 
uma se utiliza de estratégias e recursos diferenciados para se apropriar 
de determinados conhecimentos. 
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O que a neurociência contemporaneamente tem procurado fazer é 
encontrar alguns caminhos para explicar a “uniformidade que marca uma 
grande parte do repertório de comportamentos humanos” (DAMÁSIO, 
2010, p. 343) e, assim, se soubermos como alguns processos humanos 
acontecem, poderemos pensar em estratégias que melhor nos ajudem a 
alcançá-los. 
ATIVIDADE FINAL 
Atende aos Objetivos 1, 2, 3 e 4
Figura 9.3: Charge "Paulo Freire: alfabetização de 
adultos".
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9todo_Paulo_
Freire
Comente a seguinte citação de Paulo Freire, relacionando-a ao conteúdo da aula: 
alfabetização – difi culdades – diferentes abordagens:
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Psicopedagogia | A aprendizagem da leitura e da escrita
Eu colocaria mais um condimento no pedagógico – a capacidade amorosa da 
educadora. [...] É preciso, porém, saber amar. O fato de só amar não basta. 
Para amar como educadora você precisa cientifi camente saber como amar, 
saber como você pode fazer-se mais efi caz e tornarseu amor mais efi caz 
para que ele seja meio de libertação e não prática de opressão (FREIRE apud 
ZACCUR, 1999, p. 19).
RESPOSTA COMENTADA
Paulo Freire alerta para a necessidade de estudos científi cos acerca da alfabetização, 
sobre como se aprende, para que se possa ensinar melhor, ou, diríamos, ensinar 
adequadamente, utilizando uma abordagem que identifi que a alfabetização como 
um instrumento de autonomia.
Provavelmente, como vimos na aula, grande parte das difi culdades na alfabetiza-
ção deve-se à utilização de metodologias inadequadas, desenvolvidas a partir de 
abordagens que consideram a linguagem escrita meramente como um código a 
ser decifrado pelo aluno. 
Freire referia-se à opressão em um contexto político bastante amplo, da ditadura 
militar. No entanto, podemos afi rmar que nos dias atuais, na sociedade democráti-
ca, o analfabetismo é, certamente, motivo de opressão, pois impede ou difi culta a 
realização de inúmeras atividades do cotidiano do mundo letrado. 
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O caráter processual da escrita e da leitura é um processo que se inicia muito 
precocemente na vida da criança, quando ela ainda é um bebê e vai, aos poucos, 
se apropriando da língua dos seus cuidadores, de forma a se tornar também uma 
usuária da língua. A língua oral é, portanto, a precursora da língua escrita. Se a 
criança faz uso da língua em sua modalidade oral de forma funcional, tudo nos 
leva a crer que será capaz de se apropriar do código escrito. Outro importante 
precursor da língua escrita é o desenho. Repetindo as palavras de Vygotsky, deve-
mos explorar a expressão da criança através do desenho, de forma a esgotá-lo, 
para que ela perceba que é possível desenhar não só o que ela vê, mas também 
o que ouve.
Encontramos diferentes abordagens em alfabetização a fi m de que todos vocês 
possam, diante de uma prática, identifi car qual a metodologia aplicada.
Existem,ainda, alguns entraves no processo de aprendizagem da leitura e da 
escrita, com destaque para a difi culdade dos profi ssionais que atuam nos anos 
iniciais da infância em identifi car precocemente os indicadores de problemas na 
alfabetização.
ob
jet
ivo
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Meta da aula 
 Valorizar a atividade lúdica no contexto educacio-
nal, relacionando-a à ampliação de possibilidades 
de interação do ser humano com o meio, favore-
cendo seu desenvolvimento nas dimensões da lin-
guagem moral, cognitiva, afetiva e físico-motora.
Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja 
capaz de:
1. classifi car os jogos, segundo a teoria de Piaget;
2. reconhecer a importância do lúdico para o 
desenvolvimento do ser humano;
3. identifi car recursos lúdicos que podem ser 
utilizados na escola.
 
Ludicidade e interação – 
o olhar psicopedagógico
Aliny Lamoglia 
Mara Monteiro da Cruz10AULA
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico
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INTRODUÇÃO Na Aula 9, vimos como é importante o desenvolvimento da linguagem, 
que possibilita a comunicação entre as pessoas e organiza o pensamento, 
favorecendo a aprendizagem. Você deve estar se perguntando como esti-
mular a comunicação e a interação, ampliando, assim, as possibilidades de 
aprendizagem na escola. Nesta aula, perceberemos que as atividades lúdicas 
proporcionam momentos de interação fundamentais para o processo edu-
cacional. A psicopedagogia se utiliza destes recursos em diversas situações, 
como, por exemplo, na avaliação de alunos com difi culdades no processo 
de aprendizagem. A escola também deve se apropriar destas atividades para 
tornar o processo de ensino-aprendizagem mais prazeroso e produtivo, res-
peitando o estágio de desenvolvimento das crianças.
BRINCAR... POR QUÊ?
O adjetivo lúdico é derivado do substantivo ludus, em latim, que 
signifi ca “jogo” e está relacionado a entretenimento, passatempo e diver-
são. Entretanto, segundo Brougère, na Antiguidade, gregos e romanos 
utilizavam a palavra ludus tanto para designar a atividade livre e espon-
tânea, quanto a atividade imposta que caracterizava a escola e os treinos 
dos gladiadores, por exemplo. Isso signifi ca que escola era sinônimo de 
treino e exercícios. Esta defi nição não parece atual se considerarmos 
algumas escolas da atualidade?
Segundo Winnicott (1975), a brincadeira é universal e própria 
da saúde, facilita o crescimento e conduz aos relacionamentos grupais.
Vygotsky afi rma que a atividade imaginativa e o jogo de faz de 
conta ou jogo dramático são muito importantes para o desenvolvimento 
da criança. Através do brinquedo ou da brincadeira, a criança experi-
menta as regras, ao vivenciar os papéis que representa. Por exemplo, na 
escola, na Educação Infantil, você já deve ter visto crianças brincando 
de casinha, quando representam cenas do cotidiano familiar. Por outro 
lado, em casa, algumas crianças costumam brincar de escolinha, imitando 
a professora e reproduzindo cenas que vivenciaram na escola.
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Figura 10.1: Crianças brincando de casinha.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1148550
No contexto da atividade lúdica, a criança também busca a rea-
lização de seus desejos e necessidades no seu universo do faz de conta. 
Assim, a imaginação teria origem na ação da criança bem pequena, evo-
luindo ao longo de sua vida. Segundo Vygotsky (1989): “O velho adágio 
de que o brincar da criança é a imaginação em ação deve ser invertido; 
podemos dizer que a imaginação nos adolescentes e nos adultos é o 
brinquedo sem ação” (p. 122).
Vygotsky observou que a brincadeira infantil proporciona intensa 
atividade simbólica. Assim, transformando caixas em carrinhos e cabos de 
vassoura em cavalos, a criança experimenta a ação regida por regras e deter-
minada pelas ideias, não pelos objetos em si. Conceição (2010) ressalta que:
A intensa elaboração imaginativa, a motivação para a realização e/
ou supressão do desejo/necessidades, a habilidade em ressignifi car 
objetos, bem como o desenvolvimento de regras, permite, por 
meio das atividades lúdicas, o desenvolvimento da criança (p. 37).
Este exercício da imaginação que reelabora a realidade percebida 
cria, segundo Vygotsky (1994), uma zona de desenvolvimento proximal, 
ou seja, um espaço do desenvolvimento onde é possível interferir e provo-
car transformações/aprendizagens, favorecendo, assim, a internalização 
de conceitos e o desenvolvimento das funções psíquicas, porque: 
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Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico
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No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comporta-
mento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; 
no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. 
Como foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas 
as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, 
ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (p. 134).
Na Aula 5, vimos que zona de desenvolvimento proximal corresponde 
à distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz 
de fazer com a intervenção de um adulto; é uma potencialidade para 
aprender, que não é a mesma para todas as pessoas, ou seja, consiste 
na distância entre o nível de desenvolvimento real (onde se localizam as 
aprendizagens consolidadas) e o potencial (as aprendizagens futuras).
Piaget afi rma que, no brincar, a aprendizagem ocorre através 
dos processos de assimilação e acomodação dos conteúdos vivenciados 
(reveja estes conceitos na Aula 4) e relaciona os tipos de jogos ao estágio 
de desenvolvimento da criança, classifi cando-os desta forma:
– Jogos de exercício
 Atividade presente no desenvolvimento infantil até 18 meses, estes 
jogos reaparecem, depois, em outras situações. Consistem em uma longa 
repetição motora que dá prazer. É provável que você já tenha visto um 
bebê lançar um objeto ao chão repetidas vezes, parecendo divertir-se ao 
ver que o adultosempre o pega de volta. Da mesma forma, a criança de 
3 ou 4 anos que pergunta “por quê” inúmeras vezes está mais interessada 
no jogo de repetição do que propriamente nas respostas. 
– Jogo simbólico
 Possível a partir da formação do símbolo na criança, do desen-
volvimento da linguagem, começa aproximadamente aos 2 anos de idade 
e corresponde à brincadeira de “faz de conta”. A criança brinca com 
bonecos, miniaturas que representam objetos de seu cotidiano, como 
panelinhas, móveis, eletrodomésticos etc. ou transforma objetos, imagi-
nando serem outros instrumentos, como, por exemplo, cantar utilizando 
uma escova como microfone.
Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enri-
quecem sua identidade, porque podem experimentar outras for-
mas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as coisas e 
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pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens. Na 
brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação 
de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema 
de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das 
construções humanas (BRASIL, 1998).
– Jogos sociais (ou de regras)
O interesse por estes jogos surge aos 7 anos, aproximadamente. 
Podem ser desportivos, cooperativos, de tabuleiro, jogos de rua etc. Nos 
dias atuais, principalmente nos grandes centros urbanos, a escola é a 
grande responsável pela realização dos jogos de regras. Nestas regiões, 
as crianças não podem mais brincar nas ruas e o apelo dos videogames 
é muito forte. 
Figura 10.2: Crianças brincando na rua – jogo de regras. 
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/909359
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Veja crianças brincando na rua em Belo Horizonte nos anos 
1950, acessando:
http://www.youtube.com/watch?v=a2Fd6Gn88-c&feature=fvsr
– Jogos de construção
 É o meio termo entre trabalho e jogo. Busca-se manipular objetos 
ou elementos do espaço na construção de um novo ambiente. Consiste 
na utilização de brinquedos, como blocos, quebra-cabeças e jogos de 
encaixe, por exemplo.
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Figura 10.3: Criança brincando com jogo de encaixe.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/472031
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Kishimoto (2009) acrescenta, como tipos de brincadeiras infantis, 
o jogo educativo e as brincadeiras tradicionais. 
O jogo educativo tem por objetivo ensinar conceitos escolares. 
O uso do jogo potencializa as situações de aprendizagem, desde que 
sejam respeitadas as condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação 
intencional da criança para brincar. A autora ressalta, portanto, que, se 
uma criança empilha as peças de um quebra-cabeça para construir um 
castelo, em vez de uni-las para aprender a nomear cores, como havia sido 
planejado pelo professor, jamais deve ser corrigida ou reprimida. Neste 
caso, ela não atingirá o objetivo proposto, mas vivenciará o lúdico, o 
faz de conta, a criatividade e a habilidade para empilhar as peças, o que 
também deve ser valorizado.
As brincadeiras tradicionais infantis são folclóricas, transmitidas 
de pai para fi lho e têm a função de desenvolver formas de convivência 
social e permitir o prazer de brincar. Como exemplos destas brincadeiras, 
podemos citar as brincadeiras de roda e outras, como passa-anel. 
Figura 10.4: Criança soltando pipa.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1040395
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Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico
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Atende ao Objetivo 1
1. Observando o quadro Jogos e brinquedos infantis, pintado por Pieter 
Brueghel, identifi que três brincadeiras, classifi cando-as de acordo com a 
teoria de Piaget.
Figura 10.5: Jogos e brinquedos infantis, 1560. Obra de Pieter Brueghel que 
retrata crianças brincando em uma aldeia medieval. 
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula.html?aula=5331
RESPOSTA COMENTADA
Jogo simbólico: crianças brincando de cavalinho na cerca.
Jogos sociais: três-marias, rodar pião, corrida de aro, bolinhas de 
gude, carniça.
ATIVIDADE
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Christie (1991, citada por KISHIMOTO, 2009, p. 25) relaciona 
as seguintes características dos jogos:
1. Não literalidade: as situações de brincadeira caracterizam-se por um 
quadro no qual a realidade interna predomina sobre a externa. Novos 
sentidos são criados (não literais) para substituir os sentidos habituais. 
O ursinho de pelúcia servir como fi lhinho é exemplo de uma situação 
em que o sentido não é literal.
2. Efeito positivo: brincar gera prazer e alegria. Quando brinca livremente 
e se satisfaz, isso confere efeitos positivos aos aspectos corporal, moral 
e social da criança. 
3. Flexibilidade: as crianças estão mais dispostas a ensaiar novas combi-
nações de ideias e de comportamentos em situações de brincadeira que 
em outras atividades não recreativas. Brincar leva a criança a tornar-se 
mais fl exível e buscar alternativas de ação para as situações-problema.
4. Prioridade do processo de brincar: enquanto a criança brinca, sua 
atenção está concentrada na atividade em si e não em seus resultados 
ou efeitos. O objetivo do jogo deve ser somente este: brincar.
5. Livre escolha: o jogo infantil só pode ser chamado jogo se for escolhido 
espontânea e livremente pela criança.
6. Controle interno: são os próprios jogadores que determinam o desen-
volvimento dos acontecimentos.
Atende ao Objetivo 2
2. Leia a citação a seguir e comente-a, abordando a importância da atividade 
lúdica para o desenvolvimento humano: “Brincar não é perder tempo, é 
ganhá-lo. É triste ter meninos sem escola, mas mais triste é vê-los enfi lei-
rados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação 
humana” (Carlos Drummond de Andrade).
ATIVIDADE
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico
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RESPOSTA COMENTADA
Carlos Drummond de Andrade faz uma crítica à escola que não 
considera os interesses e características das crianças, oferecendo 
exercícios descontextualizados, sem valor para sua formação. Ao 
afi rmar que “brincar não é perder tempo”, aponta para o valor da 
brincadeira para a aprendizagem. De acordo com Vygotsky, no 
contexto da atividade lúdica, a criança busca a realização de seus 
desejos e necessidades no seu universo do faz de conta. Brincar 
favorece a aprendizagem e o desenvolvimento, criando zonas de 
desenvolvimento proximal. Por este motivo, o brincar deve ser valo-
rizado principalmente na educação de crianças.
O BRINCAR E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Para trabalhar com crianças, é preciso apren-
der a jogar com elas antes de interpretar 
E. Pavlovsky
No contexto psicopedagógico, o brincar é um importante recurso 
de avaliação e de intervenção nos casos de difi culdades no processo de 
aprendizagem. Paín (1992) descreve a Hora do Jogo como primeira 
ferramenta utilizada para este fi m. Utilizada com crianças de até 9 anos, 
aproximadamente, tem por objetivo descobrir como a criança brinca e 
em que condições é capaz de brincar. Fernandez (1991) também utiliza a 
Hora do Jogo Pedagógico como estratégia de avaliação. Em suas palavras:
O saber se constrói fazendo próprio o conhecimento do outro, 
e a operação de fazer próprio o conhecimento do outro só se 
pode fazer jogando. Aí encontramos uma das interseções entre o 
aprender e o jogar (PAÍN, 1992, p. 165).
A terapeuta apresenta à criança, dentro de uma caixa fechada, 
elementos com as seguintes características: para desenhar, para recortar, 
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para pegar, para costurar, para olhar, para ler, para escrever, para guardar 
(caixinhas de diferentes tamanhos que possam ser colocadas umas dentro 
das outras), para modelar, para juntar... Também elementos diferentes 
com a mesma ação (como cola e fi ta adesiva, por exemplo).
 Enquantoa criança brinca com os materiais da caixa, a terapeuta 
observa e faz registros. A análise destes dados pode revelar analogias 
com a forma de aprender daquela criança, observando-se como ela se 
comporta em relação à terapeuta e à utilização do material. A criança 
tenta classifi car o material disponível antes de utilizá-lo (faz um inventário 
experimentando ou simplesmente olhando)? A criança utiliza o material 
em função de uma organização simbólica e se “apropria dele” – relaciona 
seus elementos, levanta hipóteses, propõe um jogo? 
A criança que tem um problema de aprendizagem devido a uma 
inibição cognitiva não consegue se organizar nesta atividade, apresen-
tando difi culdades no inventário, na organização e/ou na apropriação 
dos materiais. 
Na sala de aula, o professor também pode organizar espaços com 
diferentes materiais para que o aluno escolha e utilize como quiser, em 
algum momento livre, como, por exemplo, ao concluir uma tarefa antes 
do restante da turma. 
Os jogos devem ser utilizados como privilegiados recursos de 
estimulação da aprendizagem, tanto na clínica psicopedagógica quanto 
no ambiente educacional escolar. Educadores como Fröebel e Montessori 
abordaram, em seus trabalhos, a importância do aprender brincando. 
Atualmente, com tantos recursos que seduzem a criança fora da escola, 
como os brinquedos tecnológicos, é cada vez mais necessário valorizar 
o lúdico e resgatar o prazer de aprender. 
Friedmann (1996), baseando-se nos estudos de Piaget, afi rma que 
a atividade lúdica favorece o desenvolvimento humano nas seguintes 
dimensões: 
• linguagem: o jogo funciona como um canal de comunicação de pen-
samentos e sentimentos;
• moral: nas atividades lúdicas, se evidencia o processo de construção 
de regras, o que deve acontecer numa relação de confi ança e respeito. 
A criança pequena tem difi culdade em aceitar perder o jogo, devido 
ao egocentrismo intelectual. No entanto, vivenciando os momentos de 
ganhos e perdas, e evoluindo cognitivamente, torna-se naturalmente 
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico
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capaz de lidar com estas situações, o que não acontecerá se sempre 
for protegida das frustrações, o que ocorre em muitas famílias em que 
os pais nunca deixam as crianças perderem nos jogos. Estas crianças 
tendem a ter difi culdades em lidar com regras, mesmo quando já se 
encontram em estágios de desenvolvimento cognitivo que não justifi -
cam mais tais difi culdades; 
• cognitiva: o jogo favorece o acesso a novas informações, que podem 
originar novos conhecimentos;
• afetiva: a atividade lúdica pode facilitar a expressão dos sentimentos 
e emoções;
• físico-motora: esta dimensão será contemplada nas atividades em que 
a criança explora o corpo e o espaço, interagindo com o meio, como 
nos jogos desportivos ou nas brincadeiras de rua. 
Figura 10.6: Menino jogando bola.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1159097
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As atividades lúdicas podem ser livres ou dirigidas. No ambiente 
educacional, o professor deve utilizar estes momentos para observar e 
conhecer melhor seus alunos. Nas atividades dirigidas, deve colocar-se 
como mediador, propondo desafi os e enriquecendo o ambiente para 
favorecer a construção de conhecimentos. 
O professor não educa sozinho. Pais, profi ssionais, outras crian-
ças e a comunidade, todos fazem parte deste conjunto de atores 
responsáveis pela educação. O primeiro passo da educação é a 
descoberta do que a criança gosta, seus interesses, o que já sabe e 
o que gostaria de saber. O brincar é excelente recurso para obser-
vação dos interesses e ações da criança. Pelo brincar, a criança 
evidencia saberes e interesses, além de propiciar condições para 
aprendizagens incidentais (KISHIMOTO, 2011).
Kishimoto (2011) dá algumas sugestões para a utilização de jogos 
e brinquedos na sala de aula:
1. Necessidade de escolher os brinquedos. Não se pode utilizar 
brinquedos destinados ao consumo familiar, de uso individualizado 
de uma criança, para uso institucional. Os brinquedos destinados 
ao uso coletivo devem ser seguros, ter durabilidade e resistência. 
Pratos e xícaras não podem ser de miniatura e de plástico pouco 
resistente. Melhor os de tamanho normal, feitos de material resis-
tente. As panelas devem ser de alumínio e as conchas de madeira. 
2. Ao selecionar e organizar os brinquedos nas salas é necessário 
pensar nas temáticas simbólicas signifi cativas no contexto em 
que a criança vive, sem fazer distinções de gênero, classe social 
ou etnia. Verifi car a faixa etária das crianças para selecionar tais 
brinquedos. [...] 3. Verifi car a utilidade do brinquedo ou objeto 
colocado na área da brincadeira, questionando qual o uso que a 
criança fará, que tipo de experiência poderá adquirir com o objeto. 
Pensar nas experiências signifi cativas das crianças para a seleção 
dos brinquedos. 4. Separar os brinquedos em áreas ou setores de 
modo que a criança possa utilizá-los sem se desorganizar. Se o 
brinquedo serve para construir é preciso que estejam disponíveis 
em áreas em que a construção seja possível. Se os brinquedos se 
destinam ao faz de conta é preciso que estejam juntos para faci-
litar o aparecimento de temáticas simbólicas. Se o brincar requer 
uso de água ou terra é preciso providenciar espaço e materiais. 
Brinquedos misturados, quebrados e mal conservados dentro de 
caixas não auxiliam o desenvolvimento do imaginário das crianças 
5. É importante dar opções de brincadeiras coletivas e individuais 
que representem a diversidade da cultura lúdica do país. 6. Toda 
Psicopedagogia | Ludicidade e interação – o olhar psicopedagógico
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criança deve ter o direito ao brinquedo e brincadeira independente 
de questões de gênero, etnia e classe social, o que equivale dizer 
que não se pode separar os brinquedos para meninos e meninas 
ou pobres e ricos. A diversidade cultural brasileira deve ser con-
templada na inserção de brincadeiras dos segmentos culturais aos 
quais pertencem as crianças. 7. Os brinquedos devem ser organi-
zados em ambientes que favoreçam o uso autônomo da criança, 
junto a mobiliário na altura da criança para que favoreça o uso 
e a guarda do material.
 
CONCLUSÃO 
Além de ser um momento propício à aprendizagem e ao desenvolvi-
mento, a atividade lúdica precisa ser respeitada, porque é inerente à natu-
reza da criança, e preservada. Em tempos de computador e videogame, que 
estimulam o desenvolvimento de algumas habilidades, mas muitas vezes 
favorecem o isolamento social, e da violência que impede a brincadeira 
de rua, se os profi ssionais da educação não se responsabilizarem por 
oferecer este tipo de atividade à criança, correm o risco de se extinguir 
tanto a riqueza cultural dos brinquedos e brincadeiras infantis quanto 
a condição saudável do desenvolvimento da criança que se descobre 
descobrindo o mundo de forma livre, espontânea e natural.
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Figura 10.7: Criança brincando com bolinha de sabão.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/781028
ATIVIDADE FINAL 
Atende ao Objetivo 3
A partir das teorias estudadas nesta aula, imagine que você precisa providenciar 
recursos lúdicos para uma turma de crianças de três anos de idade. Que recursos 
você adquiriria? Justifi que sua resposta.
 
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RESPOSTA COMENTADA
A criança de três anos de idade precisa ter garantido o espaço do jogo simbólico, 
que pode ser estimulado com um espaço, na sala de aula, com roupas e acessórios 
(para brincar de faz de conta), ou com bonecos e miniaturas de móveis e utensílios 
(para brincar de casinha). Uma caixa com sucata (limpa e que não ofereça riscos 
à criança) também pode servir para este fi m. Também são importantes jogos deconstrução, com peças grandes (blocos, jogos de encaixe), para que experimen-
tem diferentes combinações e formas de encaixe. Brinquedos e jogos educativos 
adequados a esta faixa etária também são interessantes e podem ser encontrados 
no mercado. 
R E S U M O
As atividades lúdicas proporcionam momentos de interação fundamentais para 
o processo educacional. Autores como Winnicott, Vygotsky e Piaget descrevem 
a importância de jogos e brincadeiras para o desenvolvimento da criança, nas 
dimensões da linguagem, moral, cognitiva, afetiva e físico-motora.
Piaget afi rma que, no brincar, a aprendizagem ocorre através dos processos de 
assimilação e acomodação dos conteúdos vivenciados e relaciona os tipos de 
jogos ao estágio de desenvolvimento da criança, classifi cando-os como jogos 
de exercício, jogo simbólico, jogos sociais (ou de regras) e jogos de construção. 
Kishimoto acrescenta, como tipos de brincadeiras infantis, o jogo educativo e as 
brincadeiras tradicionais. 
No contexto psicopedagógico, o brincar é importante recurso de avaliação e de 
intervenção nos casos de difi culdades no processo de aprendizagem. 
As atividades lúdicas podem ser livres ou dirigidas. No ambiente educacional, o 
professor deve utilizar estes momentos para observar e conhecer melhor seus 
alunos. Nas atividades dirigidas, deve se colocar como mediador, propondo desa-
fi os e enriquecendo o ambiente para favorecer a construção de conhecimentos. 
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Meta da aula 
Apresentar os grandes grupos de transtornos na 
aprendizagem e algumas intervenções psicope-
dagógicas possíveis para cada um deles, a saber: 
defi ciência intelectual, difi culdade de aprendizagem 
e doença mental.
Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja 
capaz de:
1. identifi car as diferenças entre defi ciência 
intelectual, difi culdade de aprendizagem e 
doença mental;
2. reconhecer algumas propostas psicopedagógicas 
para atender as necessidades deste aluno em 
sala de aula.
 
A queixa sobre a 
aprendizagem na 
escola e na clínica – 
a visão interacionista
Aliny Lamoglia 
Mara Monteiro da Cruz 11AULA
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista
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INTRODUÇÃO Como já vimos em aulas anteriores, “aprender envolve a simultaneidade da 
integridade neurobiológica e a presença de um contexto social facilitador” 
(FONSECA, 2009, p. 66). Veremos, nesta aula, em que consiste “integridade 
neurobiológica” e um ambiente facilitador. Para este fi m, abordaremos os 
tipos de problemas (as etiologias) que impedem ou difi cultam que o organismo 
mantenha a sua funcionalidade, bem como algumas formas de avaliar e intervir 
junto às difi culdades ou mesmo os impedimentos a alguns tipos de aprendi-
zagem trazidos pelo contexto de interação no qual a criança se desenvolve.
Cabe lembrar que, para a concepção interacionista de desenvolvimento que 
adotamos neste curso, desenvolvimento intelectual e desenvolvimento linguístico 
se confundem e podem mesmo ser considerados um só, tal como postulado por 
Vygotsky (1993-1994). 
O ORGANISMO QUE APRENDE
Antes de tudo, é importante discriminar os três grandes grupos 
de problemas que podem afetar a aprendizagem:
– a defi ciência intelectual;
– a difi culdade de aprendizagem;
– a doença mental.
Abordaremos cada um separadamente para que as aproximações 
e as diferenças entre eles possam fi car claras.
A defi ciência intelectual
Muitos termos são utilizados para nos referirmos a pessoas que 
possuem funcionamento intelectual abaixo do que é considerado a média 
de inteligência normal. Entre eles estão: rebaixamento cognitivo; défi cit 
cognitivo; defi ciência mental; défi cit intelectual; inteligência limítrofe; 
retardo mental. 
Ressaltamos, no entanto, que, desde 2001, na Conferência Interna-
cional sobre Defi ciência Intelectual, no Canadá, vem sendo recomendado 
o uso da expressão “defi ciência intelectual”, ofi cialmente adotada em 
2010 pela American Association on Mental Retardation (AAMR) ou, 
em Língua Portuguesa, Associação Americana de Retardo Mental, que 
passou, por este motivo, a chamar-se Associação Americana de Defi ciência 
Intelectual e Desenvolvimento (AADID). Todas as diretrizes políticas 
atuais, no Brasil, têm adotado esta nomenclatura. 
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São características da defi ciência intelectual:
• Organicidade. 
• Permanência.
• Comprometimento da inteligência.
• Prejuízo global do desenvolvimento.
Por organicidade, entendemos que existe uma disfunção ou 
transtorno do organismo, algo que, mesmo que não possa ser mapeado 
ou visível, existe e impede o organismo de funcionar em sua plenitude. 
Logo, todas as causas de defi ciência intelectual possuem algum corres-
pondente no organismo.
Esta condição é permanente, ou seja, uma criança que é diag-
nosticada com defi ciência intelectual aos quatro ou cinco anos de idade 
tenderá a ter a mesma condição aos doze ou aos vinte anos. Isto signifi ca 
que a interferência do ambiente – como estímulos, escola especializada, 
acompanhamentos clínicos especializados – não é capaz de reverter o 
diagnóstico. 
Em outras palavras, interação com o grupo social, escolarida-
de, apoios terapêuticos favorecem sobremaneira o desenvolvimento, 
mas este será sempre limitado, em função da organicidade (grau de 
comprometimento). 
A defi ciência intelectual na perspectiva da AADID refere-se a 
limitações substanciais no funcionamento atual. Caracteriza-se por 
um funcionamento intelectual signifi cativamente abaixo da média, que 
geralmente coexiste com limitações em duas ou mais das seguintes áreas 
de competências adaptativas (LUCKASSON, 1992): 
– comunicação;
– cuidado pessoal;
– atividades domésticas;
– competências sociais;
– utilização dos serviços da comunidade;
– autodeterminação;
– saúde e segurança;
– competências acadêmicas funcionais;
– lazer;
– trabalho.
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista
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Note-se que todas as capacidades citadas, quando preservadas, 
dizem respeito a uma pessoa que, na idade adulta, é capaz de gerenciar 
sua vida com autonomia. Isto é o que se espera de qualquer indivíduo 
que se desenvolve em condições adequadas. Esta defi nição de Luckasson 
et al. (1992) implica ainda que sejam respeitados os seguintes princípios:
1. A avaliação tem de ter em conta a diversidade cultural e linguística e 
as diferenças entre diferentes grupos nos aspectos da comunicação e 
do comportamento.
2. A determinação de limitações em competência adaptativas tem de 
respeitar as características do contexto comunitário de que a criança 
faz parte e os apoios ou oportunidades de aprendizagem que lhe foram 
proporcionados.
3. Muito frequentemente, pode acontecer que, a par de limitações adap-
tativas específi cas, existam potencialidades em outras áreas adaptativas 
ou capacidades pessoais.
4. Geralmente, o funcionamento da pessoa com defi ciência intelectual 
melhora se lhe forem proporcionados apoios adequados durante um 
período de tempo continuado. 
É importante apontarmos, no entanto, que a defi ciência intelectual 
diz respeito a um tipo de funcionamento intelectual. Não se trata apenas 
de uma necessidade maior de tempo para que a criança “cumpra” deter-
minados conteúdos acadêmicos ou não. Se fosse apenas uma questão de 
tempo de aprendizagem, seria possível para todas as pessoas com defi ci-
ência intelectual chegar à faculdade levando apenas mais anos para isso. 
Acontece que, em casos de defi ciência intelectual, estão comprometidas, 
em maior ou menor grau, dependendo do caso, as estruturas cognitivas 
que dão sustentação para as aprendizagens. 
Para citar um exemplo, aprender a falar, apesar de ser visto como 
algo “natural”, para o que basta estar em contato com sujeitos falantes, 
requer habilidades como generalização (compreensão de queinicial-
mente todos os bichos são “auau”, mas com o tempo os nomes vão se 
diferenciar), simbolização (ideia de que uma palavra pode substituir a 
presença do objeto), classifi cação, compreensão do contexto de interação 
(signifi cado), articulação dos fonemas corretos na sequência correta, 
reação adequada ao uso que outras pessoas fazem das palavras, uso 
correto das palavras e, por fi m, defi nição de palavras. Como se pode ver,
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muitas habilidades estão em jogo quando nos referimos ao “simples” 
ato de aprender a falar. O mesmo acontece com outras capacidades emi-
nentemente humanas, como aprender a ler e escrever, realizar cálculos, 
articular fatos históricos, compreender leis da Física etc. 
Todas estas aquisições requerem um organismo intacto, como 
foi dito antes, e determinados obstáculos para o desenvolvimento típi-
co podem difi cultar ou mesmo impedir alguns tipos de aprendizagem 
considerados complexos em relação ao comprometimento apresentado 
pelo sujeito. 
Na visão interacionista, deve-se considerar o grau de comprome-
timento intelectual, os tipos de suportes e escolarização disponibilizados 
para cada caso. É importante lembrar que não há um sujeito igual ao 
outro, ainda que acometidos pela mesma síndrome ou defi ciência. Na 
Aula 14, aprofundaremos nossos estudos sobre esta defi ciência. 
Se você quer saber mais sobre o assunto, visite o site
http://www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/
O diagnóstico de defi ciência intelectual é feito por equipe multi-
disciplinar. O psicólogo aplica testes padronizados e avalia se o prejuízo 
se dá em todas as esferas da vida da criança, quais sejam: socialização (se 
tem amigos da mesma idade); escolaridade (se acompanha os conteúdos 
da série escolar para a sua idade); cognição (se brinca adequadamente, 
com brinquedos e brincadeiras adequadas à sua idade); língua (se o 
desenvolvimento da fala está adequado ao esperado para a sua idade 
cronológica) e outras.
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista
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No fi lme Uma lição de amor (I am Sam, 2001), Sam Dawson 
(Sean Penn) é um homem com defi ciência intelectual que cria 
sua fi lha Lucy (Dakota Fanning) com uma grande ajuda de 
seus amigos. Porém, assim que faz sete anos, Lucy começa a 
ultrapassar intelectualmente seu pai, e esta situação chama a 
atenção de uma assistente social que quer Lucy internada em 
um orfanato. A partir de então, Sam enfrenta um caso virtual-
mente impossível de ser vencido por ele, contando para isso 
com a ajuda da advogada Rita Harrison (Michelle Pfeiffer), que 
aceita o caso como um desafi o com seus colegas de profi ssão.
A difi culdade de aprendizagem
Atualmente, em nossas escolas, temos observado um aumento de 
casos nos quais o aluno não apresenta defi ciência e, apesar disso, não 
alcança os objetivos escolares. Nestes casos, podemos estar diante de uma 
difi culdade de aprendizagem, que apresenta as seguintes características:
• pressupõe inteligência normal ou acima da média;
• pode ou não apresentar organicidade;
• tem caráter transitório;
• afeta apenas uma das áreas do desenvolvimento.
Ao contrário do que acontece nos casos de defi ciência intelectual, 
os casos de difi culdades na aprendizagem pressupõem inteligência nor-
mal ou acima da média. Há casos de difi culdades de aprendizagem que 
apresentam algum tipo de organicidade, como é o caso, por exemplo, 
da dislexia, considerada atualmente como uma disfunção específi ca do 
cérebro para o processamento de grafemas e fonemas (estudaremos 
sobre dislexia na Aula 12). E há casos em que não é possível encontrar 
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nenhuma correspondência orgânica para a difi culdade. Isto não signifi ca 
que não exista uma questão orgânica; signifi ca, simplesmente, que nossos 
recursos diagnósticos ainda não nos permitem visualizá-la.
No caso de uma criança disléxica, por exemplo, o transtorno 
pode difi cultar ou mesmo impedir a apropriação do código fonológico 
na modalidade escrita, mas todas as suas capacidades de aprender estão 
intactas. Então, esta criança poderá conversar sobre assuntos adequados 
à sua faixa etária, ter amigos da mesma idade, interessar-se pelas mesmas 
coisas que outras crianças que não apresentam dislexia.
Há também situações em que a difi culdade é causada por questões 
emocionais ou conjunturais, como morte de um ente querido, separação 
de um dos pais ou de ambos, timidez extrema etc.
A transitoriedade refere-se ao fato de a difi culdade de aprendiza-
gem ser receptiva à intervenção, isto é, uma vez que haja uma interferência 
adequada no processo de aprendizagem da criança, o problema tenderá 
a ser sanado. Comparativamente falando, o mesmo não acontece com os 
casos de rebaixamento intelectual, nos quais a intervenção não é capaz 
de promover a mudança da condição da pessoa afetada.
A difi culdade de aprendizagem é pontual, ou seja, afeta apenas 
uma das áreas da vida da criança. Todas as demais seguem o curso típico 
de desenvolvimento, fazendo com que esta criança se pareça “global-
mente” com uma criança sem difi culdade de aprendizagem.
Para avaliarmos – de forma assistemática – a capacidade cognitiva 
de uma criança que, por exemplo, apresenta resultados insatisfatórios no 
ensino formal, é necessário nos aproximarmos e verifi carmos como se 
comporta nas capacidades (ou competências) adaptativas listadas antes. 
Em outras palavras, é necessário sabermos do que esta criança gosta, 
com o que brinca, se possui amigos da mesma idade, se suas atividades 
de lazer são semelhantes às da maioria das crianças da sua idade, se o 
uso da língua está adequado etc. Se todos estes itens forem considerados 
positivamente, é muito provável que estejamos diante de uma criança 
com uma difi culdade de aprendizagem.
Psicopedagogia | A queixa sobre a aprendizagem na escola e na clínica – a visão interacionista
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Figura 11.1: Crianças brincando.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1103342
A doença mental
As doenças mentais são também chamadas “doenças do pensa-
mento”. Não se trata, nesse caso, de uma questão de quantidade de inte-
ligência, mas sim da qualidade do pensamento, que está comprometida.
Para compreender melhor do que estamos tratando, imagine 
que você está assistindo a uma aula e o professor se dirige à porta da 
sala por imaginar que há alguém a observá-lo. Ao verifi car que não há 
ninguém atrás da porta, ele volta à sua explanação e continua a aula. 
Cinco minutos depois, ele volta a repetir o mesmo comportamento por-
que aquele pensamento de que há alguém atrás da porta a observá-lo 
recorre na sua cabeça. Ele volta a olhar atrás da porta e, de novo, não 
há ninguém. Se este comportamento se repete outras tantas vezes, isto 
irá, certamente, atrapalhar o seu desempenho como professor, além, é 
claro, de afetar a sua imagem perante os alunos. A partir deste exem-
plo, percebe-se que um transtorno psíquico (ou doença mental) é algo 
que afeta o comportamento social da pessoa. Se há qualquer alteração 
signifi cativa do pensamento sem que esta interfi ra no comportamento 
humano, não se pode falar de um transtorno psiquiátrico.
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As principais características da doença mental são:
• doença do pensamento;
• comprometimento do curso, conteúdo ou forma;
• concorre com inteligência normal na maior parte dos casos;
• pode apresentar comorbidades.
O comprometimento no curso do pensamento pode ser exempli-
fi cado por:
1. Lentidão: muitas vezes é acompanhado de lentidão no uso da língua 
(fala), é característico de estados depressivos.
2. Aceleração: o uso da língua (fala) também fi ca acelerado, é caracte-
rístico de estados maníacos.
3. Interrupção: bloqueio do pensamento e, portanto, da fala. A pessoa 
deixa a frase pela metade e/ou roubo do pensamento

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