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1 UNIVERSIDADE NORTE DO PARANÁ SISTEMA DE ENSINO PRESENCIAL CONECTADO CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MARIA ROSILENE SILVA BATISTA ALENCAR SOBRIEDADE E MUDANÇA: Papel do assistente social junto aos alcoolistas e seus familiares. Araripina 2014 2 MARIA ROSILENE SILVA BATISTA ALENCAR SOBRIEDADE E MUDANÇA: Papel do assistente social junto aos alcoolistas e seus familiares. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à UNOPAR – Universidade Norte do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Clarice da Luz Kernkamp Professor Supervisor: professores do 8º Semestre Araripina 2014 3 “Meta a gente busca, caminho a gente acha, desafio a gente enfrenta, vida a gente inventa, saudade a gente mata, SONHO a gente realiza.” (Autor Desconhecido) 4 AGRADECIMENTO Enfim chegou o momento de agradecer aqueles que estiveram junto comigo nesta trajetória, alguns estavam desde o início, poucos passaram pela minha vida e deixaram saudades, e outros que conheci no percurso desta caminhada. Agradeço primeiramente a Deus, meu Senhor por ter permitido que eu chegasse até aqui e por ser minha luz, meu guia, minha fortaleza nas horas de angústia. Agradeço também ao meu esposo Allan Jackson, que de forma especial e carinhosa me deu força e coragem, me apoiando nos momentos de dificuldades, quero agradecer também a meu filho Jackson Gabriel, que embora não tivessem conhecimento disto, iluminou de maneira especial os meus pensamentos me levando a buscar mais conhecimentos. Aos meus pais, deixo meus sinceros agradecimentos, a quem eu rogo todas as noites a minha existência. Agradeço aos professores, Poliana Siqueira, Ana Lúcia Rodrigues através dos quais pude entender o que é o Serviço Social de verdade. Enfim obrigada a todos, inclusive os que não citei aqui, mas que de alguma forma estiveram mesmo de longe torcendo por mim, obrigada por tudo, palavras, orações vocês também me ajudaram a vencer esta etapa tão importante da minha vida! 5 ALENCAR, Maria Rosilene Silva Batista. Sobriedade e Mudança: papel do assistente social junto aos alcoolistas e seus familiares. 2014. 53 f. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade Norte do Paraná, Araripina, 2014. RESUMO A bebida alcoólica é uma das poucas drogas psicotrópicas que tem seu consumo admitido e até incentivado pela sociedade brasileira. Além dos inúmeros acidentes de trânsito e da violência associada a episódios de embriaguez, o consumo crônico de álcool, a depender da dose, frequência e circunstâncias, pode provocar um quadro de dependência conhecido como alcoolismo. O objetivo principal desta pesquisa consiste no conhecimento dos principais danos causados pelo consumo em excesso de álcool, assim como na atuação do Assistente Social no atendimento de pessoas acometidas pelo alcoolismo e de seus familiares. A construção deste trabalho se insere na perspectiva de pesquisa exploratória, estando dividido em três seções: a) Alcoolismo: história, fases, causas e problemas relacionados ao seu consumo em excesso e em longo prazo; b) Políticas Públicas relacionadas ao álcool; c) Atuação do Serviço Social junto aos usuários de álcool e seus familiares. O assistente social apresenta como funções no atendimento às pessoas dependentes de bebidas alcoólicas: Acolhimento e triagem dos pacientes; Atendimento familiar; Encaminhamentos para os serviços adequados para este caso; Acompanhamento nas internações hospitalares; e, Visitas domiciliares. Já o atendimento aos familiares é uma das formas para que as famílias participem ativamente no processo terapêutico, assim a família ganha visibilidade como protagonista parceira dos serviços e corresponsável no provimento de cuidados ao portador de dependência química. O alcoolismo afeta não só o doente alcoólico, mas também os seus familiares mais próximos de uma forma afetiva, econômica e social. A Política Nacional sobre o Álcool surge com o objetivo de reduzir e prevenir os danos relacionados ao consumo abusivo de álcool e sejam desenvolvidas ações e estratégias a fim de reduzir os danos relacionados ao consumo de álcool. Já a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, assume de modo integral e articulado o desafio de prevenir, tratar e reabilitar os usuários de álcool e outras drogas como um problema de saúde pública. Com isso, observou-se a necessidade da contínua pesquisa a cerca de pessoas com dependência ao álcool e as políticas que buscam o tratamento de do alcoolismo como doença, a redução dos danos causados pelo consumo em excesso e em longo prazo e a participação da família no período de reabilitação e no período de ressocialização destes usuários, de forma que não ocorram recaídas. Palavras–chave: Álcool. Alcoolismo. Políticas Públicas. Serviço Social. 6 ALENCAR, Maria Rosilene Silva Batista. T Sobriety and Change: the role of social worker together with alcoholics and their families. 2014. 45 f. Monograph (Degree in Social Work) – University of Northern Parana, Araripina, 2014. ABSTRACT The alcoholic beverage is one of the few psychotropic drugs that have admitted their consumption and even encouraged by the Brazilian society. Besides the numerous traffic accidents and associated with episodes of drunken violence, chronic alcohol consumption, depending on the dose, frequency and circumstances can cause a condition of dependence known as alcoholism. The main objective of this research is the knowledge of the major damage caused by excessive consumption of alcohol, as well as the role of the social worker in caring for people affected by alcoholism and their families. The construction of this work fits in the context of exploratory research and is divided into three sections: a) Alcoholism: history, stages, causes and issues related to its overconsumption and the long term; b) Public policies related to alcohol; c) Practice of Social Work with users of alcohol and their families. The social worker provides functions as the care for people dependent on alcohol: Reception and screening patients; Family care; Referrals to appropriate services for this case; Monitoring in hospital admissions; and home visits. Longer care for family members is a way for families to actively participate in the therapeutic process, so the family gains visibility as the protagonist, partner services and co responsible in providing care for individuals with chemical dependency. Alcoholism affects not only the alcoholic patient, but also their families from an effective way, economic and social. The National Policy on Alcohol appears with the aim of reducing and preventing harm related to alcohol abuse and actions and strategies are developed to reduce the harm related to alcohol consumption. Already Policy of the Ministry of Health for the Integral Attention Users of Alcohol and Other Drugs, assumes full mode and articulated the challenge of preventing, treating and rehabilitating users of alcohol and other drugs as a public health problem. With that, there was the need for continued research about people with alcohol dependence and policies that seek to treat alcoholism as a disease, reducing the damage caused by excessive consumption and long-term family involvement during the period of rehabilitation and socialization of these users so that there are no relapses. Keywords: Alcohol. Alcoholism. Public Policy. Social Service. 7 LISTA DE SIGLAS ABDTRAN - Associação Brasileira de Detrans CAPSad - Centros de Atenção Psicossocial álcool/drogas CAPS - Centros deAtenção Psicossocial CETAD - Centro de Estudos e Tratamento sobre Drogas ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística OMS - Organização Mundial de Saúde ONG - Organizações não governamentais PIB - Produto Interno Bruto SUS - Sistema Único de Saúde 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................... 10 1 ALCOOLISMO: UMA VISÃO GERAL............................................................... 12 1.1 A evolução histórica do conceito de alcoolismo.............................................. 12 1.2 O Alcoolismo: fases e causas com suas determinações............................... 15 1.2.1 Fases do Alcoolismo................................................................................... 19 1.2.2 As causas do Alcoolismo e suas determinações ........................................ 20 1.3 Problemas relacionados ao uso do álcool...................................................... 22 1.3.1 Repercussões Sociais do Alcoolismo ......................................................... 24 1.3.1.1 Repercussões do Alcoolismo na Saúde .................................................. 25 1.3.1.2 Repercussões do Alcoolismo no Trabalho ............................................... 27 1.3.1.3 Repercussões do Alcoolismo na Família ................................................. 29 1.4 Problemas ocasionados após o consumo excessivo de álcool ..................... 31 2 POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADAS AO ALCOOL................................ 33 2.1 Políticas Públicas Relacionadas Especificamente ao Álcool ......................... 33 2.2 O panorama nacional das políticas destinadas ao álcool .............................. 36 2.3 Política de Atenção Integral para Usuários de Álcool e Outras Drogas no Brasil .............................................................................................................................. 39 9 3 A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO ATENDIMENTO DE ALCOOLISTAS E SEUS FAMILIARES ..........................................................................................40 3.1 O Serviço Social e o Programa de Atendimento ao Alcoolista ...................... 40 3.2 O assistente social na abordagem familiar de alcoolistas ............................. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 50 10 INTRODUÇÃO Hoje em dia o primeiro convidado na maioria dos acontecimentos sociais, familiares e de comemorações em grupos é a bebida alcoólica. Ela é a primeira a chegar às mesas de honra, nas reuniões, nos clubes, em toda festa e cerimônia onde encontra apreciadores, é preferida e bem recebida por todas as classes sociais, desde os lugares mais humildes, até o palácio mais refinado. A bebida alcoólica é uma das poucas drogas psicotrópicas que tem seu consumo admitido e até incentivado pela sociedade brasileira. Por esses motivos ela é encarada de forma diferenciada pela sociedade, quando comparada com as demais drogas, sendo seu consumo uma condição frequente, atingindo cerca de 10 a 12% da população adulta brasileira. Além dos inúmeros acidentes de trânsito e da violência associada a episódios de embriaguez, o consumo crônico de álcool, a depender da dose, frequência e circunstâncias, pode provocar um quadro de dependência conhecido como alcoolismo. Esta doença possui multicausal idades, ou seja, há fatores de vulnerabilidade genética, biológica, psicológica e principalmente socioculturais, que interagem ao sujeito com maior ou menor permanência na determinação e na instalação do alcoolismo. Assim sendo, o consumo inadequado do álcool é um importante problema de saúde pública que requer intervenção, acarretando altos custos para sociedade e envolvendo questões médicas, psicológicas, profissionais e familiares. Neste sentido, torna-se relevante compreender a importância da inserção da família nas ações desenvolvidas neste espaço sócio ocupacional. A justificativa de tal intervenção concentra-se no fato de que as famílias de dependentes químicos adoecem junto com os mesmos. Diante do exposto, sentiu-se a necessidade de realizar um estudo exploratório, como requisito para conclusão do curso em bacharel em Serviço Social, que investigasse quais os principais danos associados ao consumo de 11 álcool na vida social das pessoas e as funções dos assistentes sociais no atendimento de pessoas com dependência ao álcool e de seus familiares. Assim, o objetivo principal desta pesquisa consiste no conhecimento dos principais danos causados pelo consumo em excesso de álcool, assim como na atuação do Assistente Social no atendimento de pessoas acometidas pelo alcoolismo e de seus familiares, de forma que estes consigam tratamento espontaneamente e consigam se socializar. Delimitamos ainda como objetivos específicos: Conhecer os fatores relacionados ao alcoolismo; Caracterizar os problemas relacionados ao consumo em excesso e ao consumo crônico do álcool; Apontar as repercussões do alcoolismo nos diferentes setores de vida desses dependentes químicos; Identificar as políticas públicas relacionadas ao álcool. A construção deste trabalho se insere na perspectiva de pesquisa exploratória, estando dividido em três seções. A primeira está voltada para o alcoolismo, passando por sua evolução histórica, suas fases, suas causas e seus problemas devido o consumo em excesso e a longo prazo. Ainda abordaremos as repercussões sociais na saúde, no trabalho e na família desses dependentes de bebidas alcoólicas. A segunda seção abordará as Políticas Públicas relacionadas ao álcool, destacando as políticas relacionadas exclusivamente ao álcool, o panorama nacional dessas políticas destinadas ao álcool, podendo citar a Política Nacional sobre o Álcool e a Política de Atenção Integral para usuários de álcool e outras drogas no Brasil. Já na terceira seção falaremos sobre a atuação do serviço social junto aos usuários de álcool e seus familiares. 12 1 ALCOOLISMO: UMA VISÃO GERAL 1.1 A evolução histórica do conceito de alcoolismo O consumo de álcool pela humanidade é uma prática extremamente antiga, sendo que os primeiros indícios sobre a ingestão do mesmo datam, aproximadamente, de 6000 A.C, conforme registros arqueológicos. O álcool era visto como uma substância divina pelos povos antigos, como exemplo podemos citar vários escritos da mitologia grega e da Bíblia Sagrada, sendo um dos fatores responsáveis pela manutenção do hábito de beber ao longo do tempo (VARGAS, 1988). Segundo Vargas (1988 p. 19), o termo álcool originou-se de uma palavra árabe (Kuhil, Kohil ou Kohol) e significa pó fino. O hábito da ingestão de bebida alcoólica pode ser observado na história como atrelado ao desenvolvimento agrícola, pela maneira de sua fabricação, pois as bebidas alcoólicas eram totalmente artesanais e seus elementos retirados da natureza. A cerveja, por exemplo, foi a primeira bebida alcoólica elaborada em grande escala pelo homem, proveniente da cultura do arroz na Índia e da cevada cultivada no Velho Egito. A cerveja e o vinho foram às primeiras bebidas alcoólicas a serem consumidas, pois no século XI um perfumista árabe descobriu o processo de destilação do álcool, iniciando assim a industrialização da bebida destilada. Isso beneficiou o surgimento da cerveja e do vinho, pois as mesmas dependiam exclusivamente do processo de fermentação (VARGAS, 1988, p. 20). Quando os portugueses chegaram ao Brasil, no início da colonização, descobriram o costume indígena de produzir e consumir uma bebida forte, fermentadaa partir da mandioca e suco de frutas, chamada de “cauim”. Seu consumo estava associado a rituais e festas, fazendo parte da cultura indígena (MASUR, 1988). Já os portugueses sempre traziam consigo vinhos, cervejas e destilados de alta graduação alcoólica, desconhecidos pelos índios e apresentados a eles aqui. 13 Após a instalação dos engenhos de cana-de-açúcar no Nordeste do Brasil, os portugueses descobriram um melaço que colocavam no cocho para animais e escravos mais conhecido na época como “cagaça”. Este melaço, mais tarde, passou a ser destilado em alambique de barro tornado-se a conhecida cachaça, a qual era oferecida aos escravos pelos fazendeiros para fins medicinais e para alegrá-los nos dias de festas religiosas (MASUR, 1988). Como se observa, o álcool como bebida fermentada ou destilada, em uma grandíssima variedade de tipos e de marcas, tornou-se um dispositivo social inserido em pautas culturais, em hábitos e costumes, como um elemento simbólico (BERTOLOTE, 1997). Durante o decorrer da história, segundo Jandira Masur (1988), o abuso do álcool estava relacionado á degradação moral, a falta de caráter e a fraqueza, sendo utilizado como medidas para o tratamento do alcoolista, castigos, prisão e internamento em hospitais psiquiátricos, esta última medida ainda é utilizada nos dias atuais em clínicas para a desintoxicação. Masur (1984, p. 10), apresenta algumas hipóteses de que o álcool seja a droga mais consumida no Brasil. A disponibilidade do álcool sempre foi muito grande, uma vez que por ser produto da fermentação de açucares, é facilmente obtido em qualquer região do mundo, diferente de outras substâncias psicoativas, como opiáceos, maconha e cocaína, de origem vegetal e que necessitam de condições climáticas e/ou de solo adequadas para serem produzidas. Além disso, o álcool possui baixo custo de produção quando comparados a outras drogas. Outro fator que faz com que as bebidas alcoólicas sejam a droga mais consumida pela humanidade é a sua peculiaridade de fornecer energia, uma vez que cada grama de álcool provem sete Kcal (calorias), mesmo que estas calorias não se relacionem a proteínas, sais minerais ou vitaminas, terminam por fornecer energia, fazendo do álcool uma droga aparentemente mais atraente que outras substâncias. 14 Segundo Vargas (1988 p. 17), há três critérios que fundamentam as definições e conceitos do alcoolismo. O primeiro é baseado nas consequências da ingestão alcoólica para o indivíduo e para a sociedade; o segundo, o do padrão - consumo de álcool, e o terceiro critério, o do tipo de resposta (fisiopatológica) individual face ao álcool. Nos anos 1950, o alcoolismo passa a ser considerada uma doença biológica, que não escolhe sexo, idade ou classe social, a qual é irreversível e incurável, mas que pode ser tratada. Em 1956, a Organização Mundial da Saúde (OMS) posiciona-se no sentido de considerar o alcoolismo como doença, no entanto, não inclui em seu manual a expressão alcoolismo, mas sim “Síndrome da Dependência do Álcool”: Estado psíquico e também geralmente físico, resultante da ingestão de álcool, caracterizado por reações de comportamento e outros que sempre incluem uma compulsão para ingerir álcool de modo contínuo ou periódico, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e por vezes evitar o desconforto de sua falta (BERTOLOTE, 1990 p. 17). A OMS ainda define: O alcoolismo é toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores como: a hereditariedade, a constituição física ou as influências fisiopatológicas e metabólicas adquiridas (VARGAS apud OMS, 1988 p. 18). Muitas pessoas desconhecem, mas o álcool é uma droga psicotrópica, que atua no sistema nervoso central provocando mudança no comportamento de quem o consome, além de ter o grande potencial de causar dependência. Devido sua ampla aceitação, o consumo excessivo de álcool passa a ser uma problemática, podendo causar inúmeros acidentes de trânsito e violência associada a episódios de embriaguez, assim como ao alcoolismo, resultado do consumo de álcool em longo prazo (VARGAS, 1988). 15 A dependência do álcool caracteriza-se pela perda da liberdade de consumir o álcool, o qual se faz independente de algum compromisso, data, horário e outros motivos. O dia é planejado em função do beber. Existe a vontade compulsiva, contínua ou episódica de ingerir bebidas alcoólicas, sem pensar na família, amigos, vida profissional e sem preocupar-se com a própria saúde, assim caracteriza-se a dependência do álcool. Tal dependência inclui a subordinação física, a saliência, a prevalência do beber, em detrimento dos outros aspectos da vida. Este processo de transição, do beber sem ser dependente ao alcoolismo, é longo, sinalizado por várias formas, como o beber mais que o normal, a ponto das outras pessoas perceberem, beber sozinho frequentemente, apresentar manifestações orgânicas do consumo do álcool, e beber pela manhã são alguns dos sintomas. Do beber socialmente ao alcoolismo é uma lenta passagem que pode levar anos. O alcoolismo deve ser reconhecido como doença, já que seu consumo esta relacionado a padrões culturais. 1.2 O Alcoolismo: fases e causas com suas determinações. No Brasil, o estudo do alcoolismo constitui-se numa constante busca de novas formas para se intervir no problema e estabelecer uma visão preventiva e curativa. O alcoolismo não se constitui numa preocupação de saúde somente para o Brasil, é um problema com as mesmas dimensões para toda a humanidade. Portanto, independentemente da cultura, regime político ou da religião, o alcoolismo tem sido um dos mais graves problemas de saúde física, mental e social, que exige estratégias educativas e formas eficazes e humanas de tratamento. Com o uso do álcool vêm inúmeros problemas, dentre eles o alcoolismo, que se relaciona com um consumo crônico de álcool. Apresenta como primeiro sintoma a embriaguez, quando a pessoa se excede na ingestão de bebidas alcoólicas sendo efetivada quando a quantidade de álcool ingerida é bem maior que a velocidade da sua metabolização. (MASUR, 1984) 16 O álcool é oxidado, ou seja, metabolizado no organismo numa velocidade em torno de 0,2g/I por quilo de peso por hora. Isto implica que o álcool contido em uma garrafa grande de cerveja (cerca de 24g) vai levar perto de duas horas para ser metabolizado por uma pessoa de setenta quilos. (MASUR, 1984, p.16) Assim sendo, podemos citar alguns sinais da embriaguez: fala pastosa, coordenação motora diminuída, reações retardadas, visão e audição com prejuízos progressivos levando a um menor desempenho de atividades que requerem eficiência física e diminuição das inibições comportamentais. (MASUR, 1984) A Organização Mundial da Saúde define alcoolismo como sendo: Um estado psíquico e também físico resultante da ingestão do álcool, caracterizado por reações de comportamento e outras , que sempre incluem uma compulsão por ingerir álcool, de modo continuo ou periódico, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e por vezes evitar o desconforto da sua falta, sendo que a tolerância ao mesmo poderá ou não estar presente. (FORTES, 1975, p.3) A tolerância ao álcool é entendida como a perda ou a diminuição da sensibilidade aos efeitos iniciais do álcool. Assim, os pacientes aumentam a quantidade de álcool ingerida para compensar a tolerância que se estabelece aos efeitos agradáveis do álcool (KRAEMER, 2001). Vieira ainda completa: O alcoolismo, da mesma forma que as demais dependências químicas, é uma doença que se inicia por fenômenos de suscetibilidade psicológica e completa-se por um quadro fisiológico de dependência organo-psíquica. (VIEIRA, 1996, p. 16) Segundo Masur(1994), o alcoolismo é uma doença que implica em uma situação de dependência tão intensa que leva a um visível prejuízo físico e/ou das relações interpessoais. Logo, a dependência é a consequência de um desejo sem medida, onde o indivíduo dependente vive uma relação totalitária com a droga, prejudicando assim todas as outras relações, inclusive na esfera social. 17 Enfim, Assunção (1998), ressalta que o alcoolismo é uma doença progressiva, crônica e fatal, como explica: Progressiva: porque os sintomas vão se intensificando, à medida que o alcoolista continua a usar bebidas alcoólicas, com aumento das doses e diminuição do intervalo de tempo entre as mesmas; Crônica: porque uma vez que o indivíduo tornou-se dependente do álcool, só se manterá sem beber se evitar qualquer aporte desta substância no seu organismo, seja vinagre, ou xarope, ou qualquer bebida ou alimento que contenha álcool; Fatal: porque causa severos danos em todos os planos da vida do indivíduo alcoolista. (ASSUNÇÃO, 1998, p.12) Vale ressaltar que muitas pessoas conseguem consumir bebidas alcoólicas sem o mínimo transtorno, enquanto outras tornam-se dependentes. De acordo com França (1996), é importante diferenciar a pessoa que depende do álcool e a pessoa que abusa do mesmo: Dependência: condição em que a substância é ingerida em quantidades maiores ou por um período de tempo mais longo do que o desejado. Há um desejo persistente de consumir a substância, associado a esforços para interromper ou controlar a utilização do álcool. O indivíduo frequentemente apresenta sintomas de abstinência (quando não está intoxicado), deixando de cumprir obrigações importantes de seu papel no trabalho, em casa e na sociedade em geral (por exemplo, não trabalhar por estar de ressaca ou render menos que o esperado). Outro ponto importante no desenvolvimento da dependência é que ele passa a apresentar uma acentuada tolerância para o álcool, ou seja, consome a mais até 50% do que consumia antes para obter os mesmos efeitos. Abuso: condição em que uma pessoa, sem qualquer outro diagnóstico, necessita de algum tipo de ajuda por utilização de bebida alcoólica de forma continuada, interferindo no desempenho social, profissional ou familiar, psicológico ou físico, persistente ou recorrente, causado ou exacerbado pela utilização da substância. Essa condição implica que alguns indícios da perturbação persistem por pelo menos um mês, ou ocorrem repetidamente por um curto período, inclusive em situações em que este é fisicamente arriscado como, por exemplo, dirigir intoxicado pelo álcool. (FRANÇA, 1996, p. 9 e 10) Vieira (1996) coloca que o alcoolista é um doente caracterizado pela compulsão para o consumo do álcool, o qual não tem condições de escolher livremente entre ingerir bebida alcoólica ou abster-se. Os alcoolistas são pessoas que necessitam abster-se do álcool numa sociedade que estimula seu consumo, seja por propagandas em TV, rádio, jornais e revistas, seja em festas, cerimônias, 18 comemorações familiares ou qualquer forma de entretenimento parece. O consumo de bebidas alcoólicas no Brasil é frequentemente associado a eventos esportivos e a vários símbolos de saúde e sucesso, uma vez que a indústria de bebidas alcoólicas patrocina praticamente todos os grandes eventos veiculados através de fortes meios de comunicação de massa, como a televisão. A quantidade e a frequência da ingestão do álcool demarcam o alcoolismo, no qual os problemas orgânicos causados pelo uso do álcool aparecem quando essas pessoas o ingerem frequentemente e em grande quantidade esporadicamente (finais de semana). Porém, este critério não é suficiente, pois beber muito é uma condição necessária, mas não suficiente para definir alcoolismo. Ou seja, todos os alcoolistas bebem muito, mas o contrário não é verdadeiro (MASUR, 1984) Entre as várias formas propostas que procuram demarcar entre o beber normal e o alcoolismo está a que destaca a quantidade e a frequência de álcool ingerido, ou seja, o alcoólatra seria aquele que bebe frequentemente acima de determinado volume de álcool. As pessoas que não bebem diariamente, mas que esporadicamente ingerem grandes quantidades de bebidas alcoólicas também seriam classificadas como alcoólatras. (MASUR, 1984, P.23) Masur (1984) diz que beber pela manhã pode ser um indicador para diagnosticar o alcoolismo, já que eles o fazem para controlar o mal estar e o tremor das mãos que pode se manifestar pessoas com sintoma da dependência física. Assim que o álcool é ingerido, desaparecem estes sintomas. Dependência física é o que ocorre com o uso continuo de várias drogas, inclusive o álcool. O organismo nesse caso, passa a precisar da droga para poder funcionar normalmente. No momento que a pessoa para de usar a droga, ocorre o que se chama de síndrome de abstinência, ou seja, a pessoa sofre sérios problemas físicos por alguns dias até que o organismo se acostume novamente a funcionar sem a droga. (MASUR, 1984, p.24) Ainda segundo a autora, é importante que não se confunda o conceito de dependência do álcool com o conceito de dependência física, pois àquele envolve além da dependência física, a prevalência do comportamento de beber em 19 detrimento de quaisquer outros aspectos da vida. É preciso ter consciência de que o álcool é a substância mais difundida e mais consumida, sendo que o homem o busca para fugir da sua realidade. Faz-se importante observar a relevância do assunto alcoolismo para toda a sociedade. Na área social vemos os altos custos para a saúde pública, em um pais onde já temos doenças demais e sem atendimento; a perda do sentimento cívico, o maior valor para os dependentes usuários é o álcool; a queda acentuada na produtividade profissional, acidentes de trabalho, entre outros. 1.2.1 Fases do Alcoolismo Conforme estudo realizado por Paula (2001), os dependentes e seus familiares passam por quatro fases distintas do alcoolismo, que não ocorrem necessariamente nessa ordem: negação, ira ou revolta, barganha e aceitação. NEGAÇÃO: É uma fase que nem o doente nem a família reconhecem a presença de um membro alcoolista na família, acham que apenas coisa de adolescente ou que eventualmente a pessoa se excede na bebida. IRA OU REVOLTA: Nesta fase ocorre geralmente o primeiro contato da família ou do doente com algum serviço de tratamento, consultório médico, clínica, grupo de ajuda e/ou ambulatórios, no qual o dependente começa a vivenciar sentimentos de depressão, de baixo-estima e ter atitudes agressivas consigo mesmo. Já a família vive o momento de vergonha e decepção, atribuindo a dependência do familiar a alguma coisa ou pessoa. BARGANHA: O dependente faz promessas que não vai cumprir, manipula a família e a si mesmo, sobretudo na base da chantagem; a própria família faz promessas e ou ameaças para o dependente para que ele pare de usar. Esse é o momento onde os dependentes e familiares estão mais fragilizados psicologicamente, aceitam tudo o que ouvirem falar para ajudar o dependente, qualquer forma de ajuda é bem vinda, não interessando os custos, econômicos ou sócios culturais. 20 ACEITAÇÃO: Ocorre quando o paciente e/ou familiares reconhecem a doença e admitem a impotência perante o álcool. 1.2.2 As causas do Alcoolismo e suas determinações Como citado acima às pessoas que consomem bebidas alcoólicas de forma excessiva, com o tempo podem desenvolver a dependência, condição conhecida como alcoolismo. Os fatores que podem levar ao alcoolismo são variados, envolvendo aspectos de origem biológica, psicológica e sócio cultural Masur (1984, p. 27). Na determinação biológica, o pressuposto teórico básico é que o alcoolismo vai se desenvolver, ou não, dependendo das características biológicas inatas. Logo, existirão pessoas que podem beber e não se tornar alcoolistas, enquanto que outras desenvolverão a dicçãoao álcool (MASUR, 1984). Esta hipótese baseia-se no fato de que o alcoolista, quando inicia a ingestão do álcool, não consegue se restringir a uma ou duas doses, bebendo até a embriaguez. Esse fenômeno é conhecido como a perda de controle, que ocorre em decorrência de uma reação fisiológica em cadeia, desencadeada por uma quantidade inicial de álcool, que levará à ingestão de quantidades cada vez maiores. O alcoolista deve ser considerado vitima de uma doença, cujo sinal característico é a perda de controle, entendida como: Assim qualquer quantidade de álcool que penetra no organismo dá inicio a uma compulsão que faz com que o alcoolista continue bebendo até que ele esteja tão intoxicado ou se sinta tão doente a ponto de não mais beber (MASUR, 1980, p.73). Psicologicamente falando, a autora afirma que o alcoolismo está baseado em duas hipóteses que estão situadas em duas teorias: a teoria da personalidade e a teoria da aprendizagem. A primeira teoria divulga a ideia que alcoolistas se caracterizam por traços de personalidade, como dependência, insegurança, passividade e introversão. Porém, essas características são observadas entre alcoolistas, e não sua causa. 21 A outra teoria procura explicar a etiologia do alcoolismo na concepção psicológica, supõe que os alcoolistas são aqueles que aprenderam a lidar com os problemas existenciais através dos efeitos do álcool. Neste enfoque, o fenômeno da dependência, em si mesmo, torna-se fator prioritário na vida do usuário, já não havendo mais espaço para suas atividades laborais, sua convivência familiar e social em geral. Todas as pessoas estabelecem relações de dependência com pessoas, objetos ou situações, sendo umas funcionais, desempenhando papel importante para o bem estar individual, e outras que acarretam em problemas, gerando a dependência. No caso dos dependentes do álcool, estes são vitimas de consequências extremamente destrutivas em nível social e pessoal. O alcoolista cria sua própria visão de mundo, não percebendo sua situação dentro do contexto familiar e social. Os sintomas da dependência psíquica são percebidos através do agir do alcoolista, consumindo-o em várias ocasiões. O ato do consumo do álcool deixa de ser voluntário, e nos momentos de sobriedade, o alcoolista vê tudo destruído a sua volta, e precisa reagir, mas não tem forças, então volta a beber (MASUR, 1984). Na determinação sociocultural o alcoolismo atinge todas as classes sociais, não discriminando pobres ou ricos, homens ou mulheres, grau de escolaridade, atingindo igualmente países com organizações políticas diferentes, variando do capitalismo ao socialismo (MASUR, 1984). De um modo geral, o álcool é uma droga aceita culturalmente pela sociedade e permeia as relações sociais, aparecendo como uma problemática de saúde em todo o mundo. A mídia induz o consumo desta droga lícita, não levando em conta os riscos e consequências, e o álcool é livremente comercializado. Há no imaginário popular que a crença do consumo de bebidas alcoólicas estimula a diversão, pois se trata de um mecanismo cultural que o identifica como um prazer. É bem claro que dentre alguns dos fatores sociais que levam o indivíduo ao alcoolismo, destacam-se a pobreza, a competição do mercado de trabalho, o 22 aprendizado, muitas vezes em família, como tradições antigas, e o uso ritualístico (FORTES 1991). Conforme o exposto acima, conclui-se que não há uma explicação universal, seja ela psicológica social ou biológica, sobre as causas do alcoolismo, pois estão explícitos diferentes fatores de vulnerabilidade. Todas as pessoas que ingerem álcool podem ou não se tornarem alcoolistas, porém, a maior ou menor probabilidade, vai depender da integração entre os diferentes fatores de vulnerabilidade. 1.3 Problemas relacionados ao uso do álcool A atual Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde apresenta o álcool e o tabaco como as substâncias psicoativas mais consumidas em todo o mundo e de uso historicamente lícito, e são as que trazem consequências mais graves para a saúde pública mundial. Os problemas decorrentes do consumo indevido dessas substâncias são evidentes, assim como a crescente elevação dos custos relacionados direta ou indiretamente a tal uso. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), 50% dos danos ocasionados pelo consumo de álcool são atribuídos ao uso crônico e os outros 50% ao uso abusivo. Este último atinge pessoas que não são classificados como alcoolistas ou consumidores prejudiciais, mas que causaram algum dano após a embriaguez, o qual é responsável, segundo Gorgulho (2004), a 3,2% de todas as mortes e 4,0% de todos os anos perdidos de vida útil. Depois do tabaco, o álcool é a segunda maior causa de mortes relacionadas a drogas. Na maioria dos países, o álcool tem um impacto ainda maior em termos de mortes, ferimentos e custos econômicos se comparado com as drogas ilícitas. O álcool tem impacto em qualquer estágio da doença, em todos os grupos etários, de maneira direta e indireta (STRONACH, 2004:29). O número de internações e gastos decorrentes do uso indevido de álcool tem se mantido bastante elevado, sendo que estes gastos estão relacionados a 23 transtornos físicos, como a cirrose hepática, e lesões decorrentes de acidentes, como automobilísticos (BRASIL, 2003). Fernandez (1998) afirma que as enfermidades cardíacas e vasculares são as principais responsáveis pela mortalidade alcoólica na idade média e avançada da vida, enquanto que nos jovens, são os acidentes as principais causas de mortes relacionadas ao uso do álcool. O comprometimento global consequente do uso de álcool e outras drogas envolvem muito estigma, exclusão, preconceito e discriminação, que ao mesmo tempo se constituem como agravantes e resultantes das implicações decorrentes do consumo dessas substâncias. Além disso, provoca a perda ou restrição das habilidades de um individuo para exercer uma atividade, função ou papel social, em qualquer um dos domínios da sua vida. Apesar de ser conveniente pensar em três dimensões de problemas, físicos, mentais e/ou sociais relacionados ao consumo de álcool, elas não podem ser separadas na análise da vida real dos usuários, uma vez que as dificuldades em uma das áreas provocam e são ampliadas por limitações nas outras. Normalmente, quanto mais grave a dependência, maior a probabilidade de prejuízos relacionados ao álcool nessas três áreas. Segundo Stronach (2004), os danos imediatos causados após a embriaguez são: envolvimento em acidentes, violências, agressões, atividade sexual não planejada ou não desejada e mortes acidentais. Por outro lado, os danos causados em longo prazo pelo consumo excessivo de álcool podem desencadear implicações clínicas, sociais e psicológicas: Problemas clínicos: surgimento ou agravamento de doenças (do aparelho digestivo e cardiovascular, psiquiátricas, neurológicas, cânceres, entre outras) e maior incidência de traumatismos e ferimentos. Problemas Psicológicos: depressão, transtornos de comportamento e crises psicóticas. Problemas Sociais e Interpessoais: conflitos familiares, perda de relacionamentos pessoais, problemas no ambiente de trabalho, problemas 24 financeiros, situações de conflito com a justiça, violência doméstica e negligência familiar. Como essas três dimensões estão interligadas, o efeito prolongado da embriaguez no cérebro pode estimular mudanças na personalidade, desgaste na vida emocional, falta de interesses no desenvolvimento de atividades da vida diária, diminuição da motivação para a participação social, perda da capacidade de planejamento e organização, entre outros. Certamente, essas mudanças irão afetar a qualidade das relações interpessoais e o estilo de vida, podendo comprometer de forma significativa aconvivência na família e no ambiente de trabalho. O consumo frequente e abusivo do álcool também pode acarretar em prejuízos financeiros, principalmente nas pessoas que possuem um nível salarial mais baixo. Tais dificuldades ocorrem geralmente na vida daquelas pessoas que consomem frequentemente grandes quantidades de bebida alcoólica e por consequência tem maiores gastos e até mesmo o endividamento. As situações de vulnerabilidades relacionadas ao álcool podem ser em maior ou menor nível, dependendo inclusive do momento em que o individuo se encontra em seu ciclo vital e das condições sociais que apresenta. Todos esses problemas apresentados podem levar o dependente a um processo gradativo de fragilização da sua autoestima e dos vínculos sociais. 1.3.1 Repercussões Sociais do Alcoolismo Como já citado, o álcool é uma droga psicotrópica muito poderosa que, além de causar sérios problemas de saúde em seus dependentes, também afeta sua família e o meio social onde vivem. Segundo Vieira (1996), apesar de o álcool ser uma droga pesada pela forte dependência física e psicológica que causa, ele é culturalmente aceito, pois faz parte das sociedades. Embora o uso de drogas remonte aos primórdios da humanidade, foi nas últimas décadas do século XX que seu uso e abuso aumentaram assustadoramente, transformando-se na doença médico-social mais crônica da atualidade. 25 Segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil os dados são insuficientes para se prever a cifra de consumo per capita, produção e venda de bebidas. Conforme Vargas (1991): A produção de bebidas alcoólicas no Brasil constitui cerca de 10% de todo imposto recolhido pelo governo sobre produtos industrializados, só perdendo para a arrecadação com cigarros. No entanto, o alcoolismo utiliza, de forma direta, 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB) por comprometimento da produção de nove milhões de alcoolistas adultos, além dos inestimáveis gastos na assistência médica as consequências do uso de bebidas alcoólicas. Cumpre ressaltar que, além do grande contingente de indivíduos assistidos por alcoolismo, encontra-se em nossos serviços de saúde ponderável parcela da população, principalmente masculina (de 27 a 58 %), com consumo de álcool de forma potencialmente comprometedora a nível orgânico, sem que esse consumo fosse à razão declarada do atendimento. Desta forma, fica claro que a marginalização social do alcoolista, responde a necessidade que a sociedade tem de manter ocultas suas contradições. Se considerarmos o denominado hábito social, levando em conta a disponibilidade de bebidas alcoólicas e os interesses econômicos presentes através da propaganda, estaremos provavelmente abarcando grande parte da questão no Brasil (VARGAS, 1991 p. 171). A doença do alcoolismo é, hoje, ponto pacífico de existência, tão lamentada quanto aceita. Mas é certo que a negação caracteriza o alcoolista como igualmente seus familiares e entes próximos. Todos negam a doença, por isso faz-se necessário conhecer as repercussões do alcoolismo na saúde, na família e no trabalho para melhor compreendermos esta problemática. 1.3.1.1 Repercussões do Alcoolismo na Saúde As consequências do alcoolismo são inúmeras, dependendo da porcentagem de álcool etílico e do estado físico da pessoa. Conforme citado anteriormente, as bebidas podem ser fermentadas, com teor de álcool em torno de 9 a 12%, ou destiladas, que possuem teor de álcool acima de 35%. A intoxicação pelo álcool pode ser aguda ou crônica. A aguda é consequência da ingestão excessiva de bebida alcoólica em curto espaço de tempo, produzindo uma sensação de bem-estar como euforia, diminuição do senso crítico e diminuição das capacidades motoras. Já a crônica corresponde à 26 toxicomania e provém do uso excessivo, periódico, ou contínuo de bebidas alcoólicas (MASUR, 1988). O álcool, quando ingerido em altas dosagens, pode causar intoxicação, agressividade, juízo destorcido e dificuldades de caminhar. Se estas doses forem muito maiores, podem levar ao estado de coma e até a morte por depressão respiratória e baixa temperatura, respiração lenta e ofegante, ritmo cardíaco acelerado e pupilas dilatadas (VARGAS, 1991). Os sintomas mais característicos e frequentes desenvolvidos no alcoolismo estão relacionados com os comprometimentos do Sistema Nervoso, Sistema Digestivo e Aparelho Cardiocirculatório. A característica que mais marca no sistema nervoso é o tremor apresentado por muitos alcoolistas. No sistema digestivo, é comum a falta de apetite que constitui queixa constante, a gastrite com vômitos matinais e a cirrose hepática, além do álcool favorecer a predisposição ao câncer esofágico e gástrico. Já no sistema cardiovascular, aparece uma degeneração adiposa, curada com a abstinência e piorada com o excesso de álcool, assim como a insônia, o que favorece uma maior necessidade de beber a noite. Além destes sintomas, podemos citar a diminuição da potência sexual, a atrofia dos testículos e a diminuição da excreção hormonal nos homens; e, a ausência de menstruação nas mulheres. Caso a mulher alcoolista engravide e continue a beber, poderá ter um bebê com lesões cerebrais. Segundo Soibelman (1996), uma pessoa que se torna dependente do álcool transforma-se por completo, pois a substância afeta as estruturas cerebrais e consequentemente causam transtornos psicoativos. O indivíduo perde o domínio de suas emoções. Sua personalidade sofre profundas alterações, que vão desde a irritabilidade incontrolável, ao mau humor crônico. Muitos chegam a desenvolver ideias delirantes de perseguição, ciúme e desconfiança, sem a menor base real. 27 Com o exposto acima, podemos notar que a grande e crescente incidência de alcoolismo na atualidade, é mais um risco sério para a saúde do homem, e que por repercutir em seu organismo afeta diretamente suas atividades em geral, inclusive sua vida laboral como veremos adiante. 1.3.1.2 Repercussões do Alcoolismo no Trabalho O alcoolismo vem se difundindo de forma lenta e gradual no âmbito da sociedade, vinculado a fatores socioeconômicos e culturais que interferem diretamente no patamar das relações de trabalho, ou seja, em instituições públicas e privadas (CAPANAMA, 1997). O alcoolista sofre as repercussões de seu vicio também no seu ambiente de trabalho, os seus efeitos, conforme Ramos e Bertolote (1997) constituem-se em atividade grave e extremamente perigosa e representa custo para o empregador e para a sociedade, resultando em perda de produtividade, e confiabilidade pública da empresa. Os autores baseados em dados da OMS mencionam que um empregado alcoolista falto cerca de cinco vezes mais ao trabalho que os demais acarretando perda significativa de produtividade. Os reflexos causados pelo alcoolismo no ambiente de trabalho são visíveis, dentre eles podemos citar: Dificuldade de relacionamento com chefias e colegas; Instabilidade emocional e profissional; Estagnação ou diminuição da carreira profissional; Atrasos e faltas; Baixo rendimento; Três a quatro vezes mais acidentes de trabalho; Falsas justificativas para o mau desempenho; Discussões frequentes com os colegas de trabalho, dentre outras consequências. 28 O álcool altera, de forma progressiva, o sistema nervoso e a resistência do trabalhador, afetando na sua conduta social, profissional e capacidade mental. Logo, fica claro que o alcoolismo influência diretamente as relações de trabalho, alterando o desempenho profissional e a produção do trabalho. O indivíduo pode comparecer ao trabalho, mas rende menos, ou deixa serviços para os outros, ele pode representar um perigo real para si ou para os outros pela maneira inadequada de lidar com máquinas; a bebida pode impedir sua promoção ou levar a um relaxamento, pode ter que ser rebaixadopara função que não exija tanta habilidade, e finalmente pode estar desempregado ou prestes a perder o emprego (RAMOS e BERTOLOTTE p.134). Além do exposto acima, devemos levar em consideração que devido as constantes mudanças vivenciadas no mundo do trabalho resultantes do ideal neoliberal, como automação, terceirização e globalização, utilização da microeletrônica e robótica, há um enfraquecimento da organização dos trabalhadores. Logo, o individuo com problemas relacionados ao álcool e outra droga encontra-se em maior situação de vulnerabilidade, uma vez que a competitividade e a redução do vínculo empregatício aumentam ainda mais a distância e a probabilidade de investimentos por parte do empregador no tratamento e prevenção as drogas (ANTUNES, 1991 p. 41). Todavia, alguns fenômenos ocorridos dentro do ambiente de trabalho podem contribuir para que o uso do álcool e outras drogas aumentem dentro do ambiente de trabalho, tais como preocupação da dispensa iminente, exigência de qualidade e aumento de produção, estresse e baixos salários. Por isso a temática do alcoolismo merece destaque, no sentido de ser abordada tanto na prevenção quanto reabilitação, no interior de organizações e instituições privadas e públicas, e pelos profissionais destas, fazendo com que o reconhecimento e entendimento deste fenômeno se deem no âmbito biológico, físico, social e psicológico, seja um passo importante para a tentativa de amenizar a problemática, contribuindo para a melhoria e qualidade de vida destes trabalhadores (CAPANAMA, 1997). 29 1.3.1.3 Repercussões do Alcoolismo na Família Ao falarmos de família, remetemo-nos aos arranjos familiares existentes na sociedade brasileira, a qual se constitui, segundo Mioto (1997), como “um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos”. O alcoolismo é uma doença que afeta não apenas o dependente, o qual passa a ser apenas parte do problema, cujas consequências atingem diretamente a sua família. O impacto dessa doença nos membros da família manifesta-se principalmente através da ruptura e desorganização das relações interpessoais com consequente prejuízo para o desenvolvimento das pessoas e a qualidade de saúde daqueles que convivem com esta problemática. O alcoolista vai, de maneira progressiva, sofrendo as influências do uso do álcool, assim como a sua família também será afetada em estágios previsivelmente progressivos (RAMOS E BETOLLOTE, 1997). No primeiro momento, a família começa a experimentar a ansiedade em decorrência do abuso do álcool pelo dependente. Apesar da constante negação pelos próprios membros da família, o relacionamento entre eles vai se tornando cada vez mais tenso, passando o surgir discussões e dificuldades. No segundo momento, a preocupação da família está focada especificamente no uso do álcool. Ao mesmo tempo se ilude a respeito da doença, tenta controlar o uso e as consequências do abuso por parte do dependente e a vida familiar se desgoverna à medida que os membros desenvolvem sintomas físicos e emocionais, se afastando do convívio social. Assim a família faz um acordo de forma implícita ou explicita de não falar do assunto, tentando ignorar que o álcool é o causador dos problemas da família. Já no terceiro momento, os membros da família assumem papéis rígidos e previsíveis, tornando-se facilitadores do problema e desenvolvendo sérias disfunções. Aqui é comum a negação do sofrimento emocional e outros sofrimentos (SILVA, 1996). 30 No quarto momento, poderão ocorrer crises graves na família onde os membros cansados buscam maneiras de fugir da situação que se torna insustentáveis, podendo ocorrer um afastamento emocional completo ou divórcio ou, até mesmo, um suicídio ou homicídio. Ao mesmo tempo, a família continuará a ter sentimentos fortes, protetores do dependente. Este último momento se caracteriza pela exaustão emocional. Com a progressão da doença, a família experimenta sentimentos como raiva, ressentimento, dor, vergonha, culpa solidão e perda do contato com o plano real. Conforme Segundo Ramos e Bertollote (1997), as famílias de alcoolistas sofrem muitos conflitos, desenvolvendo papeis rígidos para lidar com um estresse que nunca discutem abertamente. Vivem com medo do futuro e sofrem com a negação da realidade sentindo vergonha do dependente e de si mesmas, acostumando-se assim a falsear a verdade de maneira que nem sabem mais confrontar seus próprios sentimentos. A falta de conhecimento sobre o alcoolismo como doença, desperta a ideia de que o alcoolista é um individuo irresponsável e que não se interessa pela família, chegando a ponto de perder o respeito e a confiança de sua família. O fato de o alcoolismo ser tratado como uma doença é pouco discutido nos meios de comunicação em massa, que pelo contrário, incentivam o uso de bebidas alcoólicas fazendo com que o processo de conscientização destas famílias e do próprio usuário seja mais lento e prejudique diretamente o tratamento e a recuperação deste, afinal o ato de “beber” é culturalmente aceito e legitimado pela sociedade. Como relatado nesse item, vimos que o álcool domina a vida do alcoolista, e este acaba tornando-se totalmente dependente dele, levando-o a abrir mão de toda sua vida e a questão da dependência do álcool afeta as relações familiares, pois bem como já abordamos, o alcoolismo é uma doença de cunho biopsicossocial. 31 1.4 Problemas ocasionados após o consumo excessivo de álcool Vários estudos indicam que o consumo de álcool pode provocar comportamentos violentos acima do que se considera acidental, enquanto outros sugerem que a relação de causalidade é perigosa apesar do uso de álcool parecer ser responsável frequentemente pela desinibição e liberação de comportamentos violentos ou sexualmente agressivos. Franch (2004) relata que em relação às violências que tem como vítima principal as mulheres, o uso de bebidas alcoólicas é evidenciado como um importante fator de risco, pois quando ingerido pelo agressor, o álcool pode reduzir as inibições e afetar tanto a capacidade de emitir julgamentos quanto de interpretar sinais, ocasionando casos de violência sexual e outras violências cometidas por parceiros íntimos. O consumo do álcool pelas mulheres as torna mais vulneráveis a situações de risco, porque dificulta sua percepção dos sinais de perigo e reduz a sua capacidade de reagir. Pesquisas realizadas comprovam que mais de 50% dos casos de espancamento de esposas tinham relação direta pelo consumo de álcool pelo agressor. Uma análise dos casos investigados de negligência ou abuso de crianças no Canadá revelou que o agressor havia consumido álcool em 87% dos casos. Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Drogas nos EUA (1997) foi revelado que o uso excessivo de bebida alcoólica estava presente em 68% dos homicídios culposos, 62% dos assaltos, 54% dos assassinatos e 44% dos roubos ocorridos. Os dados estatísticos costuma destacar os efeitos físicos mais comuns, no entanto, os problemas psicológicos e doenças pós-traumáticas não devem ser minimizados ou ignorados. As vítimas de um estilo de vida baseado na violência doméstica podem apresentar problemas de longo prazo ou até problemas de desenvolvimento, de natureza emocional (STRONACH, 2004). Em diferentes países, análises realizadas a respeito de agressões entre homens jovens em bares trazem elementos significativos para esse debate. 32 Observa-se que muitas pessoas, quando estão sobre o efeito do álcool, superestimam seu poder, correm mais riscos e respondem com maior agressividade às provocações. Essas alterações comportamentais podem iniciar o conflito no contexto da socialização masculina e estimular brigas. Cabeesclarecer que a relação do álcool com violência se manifesta principalmente em estados de intoxicação etílica¹. A cidade de Diadema, no estado de São Paulo, tornou-se um grande exemplo de como a restrição de horários para o fechamento de bares e outros estabelecimentos que vendiam bebidas alcoólicas podem auxiliar na redução do número de homicídios. A lei do fechamento de bares, que restringe a venda de bebidas alcoólicas das 23h às 6h todos os dias, conseguiu reduzir de 124 ocorrências de homicídios no primeiro semestre para 29 ocorrências em 2009, uma redução de 76,67%. Isso mostrou que políticas que mudam a forma como o álcool é vendido podem ser altamente eficazes na prevenção dos problemas relacionados ao consumo. O consumo de álcool pode acarretar também em vários tipos de acidentes traumáticos, causados por acidentes de trânsito, quedas, incêndios, afogamentos ou ferimentos, uma vez que o álcool diminui a concentração, percepção e avaliação da situação (STRONACH, 2004). Um dos maiores problemas do consumo prejudicial de álcool é a grande incidência de acidentes de trânsito envolvendo os usuários. Foi confirmado cientificamente que o uso de bebidas alcoólicas aumenta a probabilidade de acidentes, na medida em que modifica a capacidade discriminatória visual e auditiva, reduz a coordenação motora e os reflexos, altera o comportamento e traz uma falsa sensação de segurança, tanto nos condutores quanto nos pedestres (Melcop; Oliveira, 1997 apud Melcop, 2004, 9. 92). Em estudo multicêntrico feito em quatro capitais brasileiras, Recife, Brasília, Salvador e Curitiba, financiada pela Associação Brasileira de Detrans (ABDTRAN), Centro de Estudos e Tratamento sobre Drogas (CETAD) da Universidade Federal da Bahia e Instituto Raid, em 1997, sobre o consumo de 33 álcool em vítimas de acidente de trânsito revelou que 61% das pessoas envolvidas estavam com alcoolemia positiva. Quanto aos atropelamentos, 52% apresentavam algum nível de álcool no sangue. Assim, os consumos de álcool se constituem em importante fator desencadeante de episódios acidentais e situações de violência, expondo as pessoas a comportamentos de risco e situações de vulnerabilidade, consequentemente evidenciando a diminuição dos anos potenciais de vida da população. 2. POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADAS AO ALCOOL 2.1 Políticas Públicas Relacionadas Especificamente ao Álcool A reafirmação histórica do papel nocivo apresentado pelo álcool deu origem a uma extensa gama de respostas políticas para o enfrentamento dos problemas decorrentes do seu consumo, comprovando o fato concreto da grande magnitude da questão no contexto da saúde pública mundial (DELGADO; et AL, 2004). Conforme Babor e Caetano (apud, Laranjeira e Dualibi, 2007), são consideradas políticas do álcool aquelas que se referem a relação entre o álcool, segurança, saúde e bem-estar social. Definindo-as como qualquer esforço ou decisão de autoridades governamentais ou de organizações não governamentais (ONG) para minimizar ou prevenir os problemas relacionados ao consumo excessivo de álcool. O álcool se constitui como importante fonte de danos para a saúde e segurança pública, não podendo ser tratado como mais um produto subordinado às leis do mercado. O mercado de venda do álcool precisa ser melhor regulado e estabelecer um controle social sobre essa substância. Existem evidências científicas que o estabelecimento de políticas regulatórias de controle do acesso e disponibilidade do álcool é efetivo para reduzir o consumo e os problemas relacionados, conforme expressam Laranjeira e DUALIBI: 34 A consequência desse descontrole e da excessiva oferta e acessibilidade têm gerado consumo elevado a baixos preços e ampla disponibilidade de álcool nos ambientes, banalizando o seu consumo e levando a tolerância em relação às transgressões legais. Poucas restrições as propagandas nos meios de comunicação as tornam eficientes em seduzir o público, principalmente o jovem, para o consumo de bebidas alcoólicas (LARANJEIRA e DUALIBI, 2007:03). Segundo Laranjeira e Dualibi (2007), a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera importantes as políticas públicas relacionadas com o álcool para a saúde, a segurança e a economia internacional. Por isso, realizou um estudo com especialistas de nove países, cujo objetivo era avaliar as diferentes políticas relacionadas ao consumo excessivo de álcool. Dentre as dez melhores práticas, composta por tais especialistas, cinco são referentes às políticas de controle do álcool, quatro estão relacionadas com o controle de beber e dirigir e uma consistem na instituição de processos terapêuticos do tipo intervenções breves para pessoas que consomem álcool de maneira abusiva. São elas: Estabelecimento (e fiscalização) de idade mínima legal para compra de bebidas alcoólicas; Monopólio governamental das venda de bebidas no varejo; Restrição dos horários ou dias de venda; Restrições de densidade dos pontos de venda de álcool; Criação de impostos para o álcool; Redução do limite de concentração sanguínea do álcool permitida para dirigir; Suspensão administrativa da licença de motoristas que dirigem alcoolizados; Estabelecimento de postos de fiscalização de sobriedade; Política de “tolerância zero” quanto ao dirigir alcoolizado, por vários anos, no licenciamento para motoristas novatos. A bebida alcoólica tem sido apoiada por livres valores de mercado e têm seus interesses defendidos pelas suas indústrias de forma crescente, as quais entraram no debate político para defender seus interesses comerciais. Embora a 35 indústria do álcool tente fazer alguma propaganda educativa, como por exemplo: “se beber não dirija” ou “beba com moderação”, seus interesses comerciais acabam entrando em conflito com as medidas de saúde pública. Laranjeira e Dualibi (2007) não acreditam na efetividade dessa medida e defendem que a proibição da propaganda do álcool é mais eficaz: Embora possuam apelo popular, a propaganda educativa nunca é tão bem produzida, nem possui os mesmo recursos e frequência nos meios de comunicação do que a propaganda da indústria do álcool. Apresenta alguma efetividade quando parte integrante de um programa mais amplo de políticas. Proibir a publicidade do álcool custa bem menos e é bem mais eficaz que qualquer medida de contra propaganda (LARANJEIRA e DUALIBI, 2007:04). As evidências de que as estratégias publicitárias de bebidas alcoólicas acarretam consequência à saúde pública são fortes o bastante para fazer com que o Estado regule a promoção do álcool, ao invés de aceitar que a indústria e a mídia façam sua “auto regulação”, levando a oferta excessiva, preços baixos e consumos elevados. Um estudo comparou 17 países com proibição total, parcial e sem proibição de publicidade e propaganda de bebidas alcoólicas, chegando assim a tais resultados: os países que proíbem a publicidade de destilados têm níveis de consumo 16% mais baixos e 10% menos acidentes automobilísticos fatais do que os países sem proibição. Já os países que proíbem a propaganda de cervejas, vinhos e destilados, apresentam níveis de consumo 11% menores e 23% menos acidentes automobilísticos fatais do que os que proíbem apenas a propaganda de destilados (LARANJEIRA e DUALIBI, 2007). Alguns autores defendem a tolerância zero em situações onde o uso de álcool pode trazer danos a terceiros, tais como: bebida alcoólica e direção; bebida alcoólica e manuseio de maquinário técnico e individual; consumo de álcool por gestantes ou lactantes; e, adolescentes e crianças, os quais não são capazes ainda de tomar decisões conscientes. Os países que têm políticas específicas para o álcool recomendaram a necessidade da adoção de estratégias intersetoriais que levem em conta os seguintes objetivos principais: restringir o acessoe o consumo e regular a propaganda, a fim de reduzir os danos causados pelo consumo do álcool. Algumas iniciativas que privilegiam o aumento do preço e a taxação, a 36 fiscalização do cumprimento da legislação e difusão de informações realistas e isentas de julgamento foram citadas como ações eficazes e positivas (DELGADO; et al, 2004). 2.2 O panorama nacional das políticas destinadas ao álcool No Brasil, existem apenas algumas leis federais que propõem ações regulamenta tórias relacionadas ao uso do álcool: a Lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos (art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90 e Lei das Contravenções Penais, artigo 63) e a legislação do Código Brasileiro de Trânsito (artigo 165), que considera como infração gravíssima dirigir alcoolizado com níveis de álcool superiores a seis decigramas por litro de sangue. Nesse caso, o condutor fica sujeito à multa, suspensão do direito de dirigir, retenção do veículo e recolhimento da sua carteira de habilitação (LARANJEIRA e DUALIBI, 2007). Mas observa-se que essas leis não são respeitadas devido à fiscalização ineficiente e a falta de punição adequada, como afirmam Laranjeira e Dualibi: Reconhecendo que nenhuma política é efetiva, a menos que seja fiscalizado permanentemente, estudo nacional mostra que menores de 13 a 17 anos conseguiram facilmente comprar bebidas alcoólicas em diferentes tipos de estabelecimentos. Sem multa e fiscalização adequada, dificilmente poderia haver condições de se promover uma melhora nesta situação. O que funciona realmente é a certeza de que uma determina infração será punida. Pesquisa realizada em Diadema (São Paulo) concluiu que quase 20% dos motoristas pesquisados com bafômetros estavam dirigindo com níveis de álcool iguais ou maiores que os permitidos pela lei (Laranjeira e Dualibi, 2007:07). A questão da necessidade de adoção de políticas com ênfase no consumo de álcool passou a serem debatidos nos últimos cinco anos. Em novembro de 2005, foi realizada a Primeira Conferência Pan-Americana de Políticas Públicas sobre o Álcool, realizada em Brasília, com apoio da Organização Pan-Americana de Saúde. Seu documento final enfatiza que as estratégias nacionais devem incorporar uma lista culturalmente apropriada de políticas baseadas em evidências, estudos científicos e sistemas de informação. Atualmente existem boas perspectivas de avanços na legislação nacional, já que foi aprovada a Política Nacional sobre o Álcool através do Decreto n°6.117, 37 em 22 de maio de 2007. A função de implementar essa política será da Secretaria Nacional Antidrogas, que articulará e coordenará este processo, cujo inicio ocorrerá com implantação das medias para a redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade (BRASIL, 2007). Logo, pela primeira vez no Brasil, o consumo de bebidas alcoólicas será tratado como um grave problema de saúde pública, objetivando adotar iniciativas voltadas a reduzir e prevenir os danos à saúde e à vida, bem como as situações de violência e acidentes associados ao uso abusivo do álcool pela população brasileira. A política é formada por 30 ações, divididas em quatro blocos: legislação, educação, restrição da propaganda e assistência para dependentes. Envolve ação de três ministérios: Cidades, Justiça, Saúde e do Gabinete de Segurança Institucional. A política pretende se apoiar na lógica do conceito de redução de danos como referencial para as ações políticas, educativas, terapêuticas e preventivas relativas ao uso de álcool. Apresenta como objetivo principal: estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool, contemplando a intersetor alidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à vida causada pelo consumo desta substância, bem como as situações de violência e criminalidade devido o consumo de bebidas alcoólicas (BRASIL, 2007). Dentre as medidas desta política voltadas para os alcoolistas, podemos citar: ampliação das redes de tratamento, promoção de programas para os profissionais de saúde que atuam na rede de atenção integral a usuários de álcool do SUS; regulamentação, monitoramento e fiscalização da propagando e publicidade de bebidas alcoólicas; estimular e fomentar medidas que restrinjam os pontos de venda e consumo de bebidas alcoólicas; estimular a inclusão de ações de prevenção ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas nas instituições de ensino e nos ambientes de trabalho; fortalecer a fiscalização das medidas previstas em lei que visam coibir a associação entre o consumo de álcool e o ato de dirigir; proibir a venda de bebidas alcoólicas nas faixas de domínio nas rodovias federais. 38 O resultado deste trabalho culminou na elaboração da Declaração de Brasília de Políticas Públicas sobre o Álcool, que fez as seguintes recomendações para as medidas a serem adotadas pelos países quando da elaboração de suas políticas públicas no combate ao álcool e outras drogas, dentre elas (BRASIL, 2008): Que a prevenção e redução dos danos relacionados ao consumo abusivo de álcool sejam consideradas uma prioridade de saúde publica; Sejam desenvolvidas estratégias regionais e nacionais, a fim de reduzir os danos relacionados ao consumo de álcool; A política deve contemplar áreas prioritárias de ação, o consumo geral da população, mulheres (inclusive mulheres grávidas), população indígena, jovem, outras populações vulneráveis, violência, lesões intencionais, consumo de álcool por menores de idade e transtornos relacionados ao uso de álcool; As estratégias devem estar apoiadas em estudos científicos sobre o impacto do álcool e os efeitos. Embora abrangente, a Política Nacional sobre o Álcool não faz referência como as ações serão conduzidas, não traz metas, prazos e recursos necessários para sua execução. Por isso, o grande desafio do governo será garantir os recursos necessários à implementação das ações previstas na política e definir as metas que serão alcançadas em longo prazo. Uma medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 21 de janeiro de 2008, proibia a venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos localizados às margens das rodovias federais, devendo pagar multa caso descumprisse a norma. Tal medida gerou uma série de protestos e liminares dos comerciantes, os quais alegavam que teriam prejuízo. Com isso, para que o projeto fosse aprovado na Câmara dos Deputados, foram realizadas alterações, dentre elas a liberação da venda de bebidas alcoólicas nos perímetros urbanos das rodovias federais. 39 No entanto, em 20 de maio de 2008, essa MP foi votada no Senado, liberando o comércio de bebidas alcoólicas em todas as rodovias urbanas e rurais, justificando que o foco da lei deve ser o motorista, e a ordem anterior penalizava os comerciantes e não os motoristas. Por isso, em 19 de junho de 2008, foi aprovada a Lei n° 11.705, que estabelece alcoolemia zero e impõe severas penalidades para aqueles que dirijam sob a influência do álcool, além de instituir restrições ao uso e propaganda de bebidas alcoólicas, dentre outras medidas. 2.3 Políticas de Atenção Integral para Usuários de Álcool e Outras Drogas no Brasil O Ministério da Saúde, em 2008, afirmou seu compromisso de enfrentar os problemas associados ao consumo de álcool e outras drogas, publicando assim o documento "A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas", pelo qual "assume de modo integral e articulado o desafio de prevenir, tratar e reabilitar os usuários de álcool e outras drogas como um problema de saúde pública" (Brasil, Ministério da Saúde, 2004). O órgão introduziu, dessa forma, a possibilidade do desenvolvimento de uma política menos centrada nocontrole e na repressão. Comprometeu-se a enfrentar os diferentes problemas associados ao consumo de drogas, buscando promover a melhoria das condições sanitárias dos usuários, dos dependentes e da população em geral (OLIVEIRA, 2006). Segundo Oliveira (2006), no documento sobre a política nacional, foram definidos o marco teórico-político e as diretrizes para a área, em associação com os princípios e orientações do Sistema Único de Saúde - SUS, da reforma psiquiátrica e segundo uma lógica ampliada de redução de danos. Como diretrizes foi proposto a alocação do uso de álcool e outras drogas entre os problemas da saúde pública; a indicação do paradigma da redução de danos nas ações de prevenção e de tratamento; a desconstrução da concepção do senso comum de que todo usuário de drogas é doente e requer internação ou prisão; e a 40 mobilização da sociedade civil para práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras. O projeto propôs ainda a criação de uma rede de atenção integral do SUS, a construção de malhas assistenciais formadas por dispositivos especializados, como os Centros de Atenção Psicossocial álcool/drogas – Capsad, e não especializados, como unidades básicas, programas de saúde familiar e hospitais em geral, bem como o estabelecimento de ações intersetoriais (MACHADO e MIRANDA, 2007). Essa política do Ministério da Saúde para a atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas rompe com abordagens reducionistas e considera a presença das drogas nas sociedades contemporâneas como um fenômeno complexo, com implicações sociais, psicológicas, econômicas e políticas, não podendo ser objeto apenas das intervenções psiquiátricas e jurídicas nem tampouco de ações exclusivas da saúde pública (OLIVEIRA, 2006). Assim cada vez mais é fundamental o conhecimento e ampla apresentação das políticas voltadas para usuários de álcool e outras drogas, mostrando a importância de ações de prevenção do uso, tratamento, recuperação e reinserção social. O tema do uso indevido de álcool e outras drogas afetam a todos sejam como familiares, profissionais, ou seja, cidadãos brasileiros. 3 A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO ATENDIMENTO DE ALCOOLISTAS E SEUS FAMILIARES 3.1 O Serviço Social e o Programa de Atendimento ao Alcoolista O assistente social apresenta como funções no atendimento às pessoas dependentes de bebidas alcoólicas: Acolhimento e triagem dos pacientes; Atendimento familiar; Encaminhamentos para os serviços adequados para este caso; Acompanhamento nas internações hospitalares; e, Visitas domiciliares. 41 O acolhimento e triagem tratam-se do primeiro contato do paciente com os profissionais, constituindo-se como um espaço de escuta que possibilita a vinculação com a instituição de saúde e permite ao paciente e seus familiares formularem o desejo de se tratar, repensar o estilo de vida e a relação com as substâncias psicoativas. O acolhimento proporciona ainda o estabelecimento do diagnóstico da situação; a identificação dos fatores de risco e dos fatores de proteção pessoal e familiar; a obtenção de informações sobre as características da instituição; o mapeamento da rede familiar e social; e a definição da elegibilidade e das condições para a concretização do projeto terapêutico (VARGAS, 2007). Esta fase representa um grande desafio para o assistente social, que precisa muitas vezes motivar o paciente para realizar o tratamento, pois na maiorias dos casos, estes comparecem ao programa, pressionados pela família ou determinação judicial. Segundo Mota e Queiroz (2006) o acolhimento é uma função institucional que nos permite escutar a subjetividade, elaborar a demanda, acolher os questionamentos e trabalhá-los da maneira mais clara possível. Visa proporcionar uma forma de organização ao universo caótico do paciente, para que este possa aos poucos, voltar o seu olhar para si e para os outros, e ir se conhecendo no caminho trilhado. De acordo com Duarte (2002) o profissional diante do caos aparente em que está a vida do paciente, deve fazer junto com ele uma leitura positiva de toda a situação, concluindo que o trabalho a ser feito é difícil, mas é possível. Este individua deve se sentir acolhido pelo profissional que ali representa uma alternativa real de mudança na sua vida, por isso o profissional deve assumir uma postura que transmita segurança e confiança ao paciente. Esse processo também representa o primeiro passo para a reinserção social do paciente, pois levanta potencialidades, expectativas e interesses que poderão ser trabalhados e transformados em ações gradativas, a depender do estágio de recuperação em que se encontra (DUARTE, 2002). Assim, o acolhimento é realizado em quantas visitas forem necessárias para atingir os seus objetivos. 42 Há casos em que não é indicado o encaminhamento imediato do usuário à psicoterapia, porque há necessidade de uma intervenção individual e/ou familiar prévia. Esta atividade é desenvolvida somente pelo Serviço Social ou em conjunto com a Psicologia. Uma segunda razão para o não encaminhamento à psicoterapia refere-se à situações em que o usuário apresenta um nível de comprometimento psiquiátrico que impede este tipo de intervenção. Nesta situação, o assistente social continua a atender o usuário e/ou familiar, em conjunto com o psiquiatra (VARGAS, 2007). Quanto à participação familiar, considera-se fundamental no processo de tratamento do usuário de substâncias psicoativas, uma vez que procura-se estimular o familiar a manifestar o desejo de tratar as questões que dizem respeito à dinâmica das relações familiares e, principalmente, auxiliar a família a desenvolver a sua autonomia e encorajá-las nas suas competências (VARGAS, 2007). Segundo Vargas (2007), além do acompanhamento individual, esta participação pode acontecer em forma de grupos familiares, buscando assim a troca de experiências. Trata-se de um momento de escuta com a finalidade de atenuar as tensões por meio de apoio, orientações, esclarecimentos, expressão de sentimentos e discussão de estratégias de enfrentamento, objetivando resgatar a identidade, a competência e autonomia do familiar e/ou da família. Nos casos em que se encaixa a dinâmica familiar, devem ser realizadas a avaliação familiar e terapia familiar, em conjunto com a psicologia. Na medida em que a família se envolve com o tratamento da dependência, ela é para o individuo uma fonte de recursos para o crescimento, uma rede de apoio para ele no momento da abstinência e da reinserção sócia, bem como a família se enriquece em seu conjunto, tendo se fortalecido e adquirido seus próprios recursos, propiciando que todos os seus membros sintam-se competentes para cuidar de si mesmos. No caso de pacientes internados em hospitais, o atendimento é feito a familiares e pacientes durante esse período, cujo objetivo é levar a sensibilização 43 sobre sua problemática e mobilizá-los em relação aos cuidados com a saúde, assim como para a necessidade e possibilidade de tratamento ambulatorial. A solicitação de atendimento é feito pelos profissionais que o atendem mediante suspeita ou confirmação de abuso ou dependência de álcool ou de outras substâncias. Tal abordagem é feita antes da alta do paciente. Outra forma de atuação do assistente social é a coordenação do trabalho comunitário, realizado com a participação de toda equipe, se constituindo em assessoria técnica a instituições e empresas públicas e privadas, visitas institucionais, cursos e treinamentos para equipes de saúde e chefias, e palestras e eventos em colaboração com outros serviços da comunidade. São realizadas as visitas domiciliares para ampliar o conhecimento a cerca do contexto familiar e da rede de apoio do paciente, com o propósito de envolver outros atores sociais no processo de tratamento terapêutico. Para responder
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