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IX Congresso Brasileiro de Geotecnia Ambiental (REGEO 2019) VIII Congresso Brasileiro de Geossintéticos (Geossintéticos 2019) São Carlos, São Paulo, Brasil © IGS-Brasil/ABMS, 2019 REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. Comportamento estatístico das propriedades de resistência ao cisalhamento de Resíduos Sólidos Urbanos Brasileiros Leonardo Vinícius Paixão Daciolo Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil, leonardodaciolo@gmail.com Natália de Souza Correia Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil, ncorreia@ufscar.br RESUMO: A estabilidade de um aterro sanitário fica condicionada por diferentes variáveis, envolvendo geometria, execução, propriedades geotécnicas dos resíduos sólidos urbanos (RSU), bem como geração de pressões neutras no interior do aterro. Decorrente da variabilidade na composição e nos estágios de degradação dos RSU presentes nos aterros sanitários, uma grande diferença nas propriedades de resistência ao cisalhamento desses materiais é observada, acarretando em uma grande dificuldade na escolha dos parâmetros de resistência dos RSU para as análises de estabilidade. Assim, este trabalho analisou o comportamento estatístico de dados de parâmetros de resistência de RSU brasileiros, obtidos por meio de ensaios de laboratório, num total de 254 pares de ângulo de atrito e coesão. As análises contemplaram ainda, a verificação da influência do tipo de ensaio nos parâmetros de resistência dos RSU. Como resultados, intervalos de variação para o ângulo de atrito e coesão dos RSU foram analisados obtendo-se comportamento distintos de dispersão entre os dados, com respectivos coeficientes de variação de 47% e 85%, destacando-se principalmente a variabilidade dos resultados obtidos. As análises por tipos de ensaio evidenciaram diferentes mobilizações das parcelas coesivas e atritivas dos RSU, embora foram observadas proximidades entre envoltórias de resistência ao cisalhamento para cada ensaio. PALAVRAS-CHAVE: Aterro Sanitário, Resíduos Sólidos Urbanos, Resistência ao Cisalhamento, Avaliação Estatística, Ensaio de Laboratório. ABSTRACT: The stability of a landfill is conditioned by different variables, involving geometry, execution and the geotechnical properties of municipal solid waste (MSW), as well as generation of porepressures. Due to the variability in the composition and degradation stages of the MSW present in the landfills, a great difference in the properties of shear strength of these materials is observed, leading to a great difficulty in choosing the MSW resistance parameters for the stability analyzes. Thus, this work analyzed the statistical characteristics of data of resistance parameters of Brazilian MSW, collected in the literature, in a total of 254 pairs of angle of friction and cohesion. The analyzes also included the verification of the influence of the type of test on the MSW resistance parameters. As results, intervals for the friction angle and cohesion of the MSW were analyzed obtaining different dispersion behavior, with respective coefficients of variation of 47% and 85%, mainly highlighting the variability of the obtained results. The analyzes by type of test evidenced different mobilizations of MSW resistance plots, however, regions close to the incidence of values and proximity of resistance envelopes can be observed. KEY WORDS: Sanitary Landfill, Municipal Solid Waste, Shear Strength, Statistic Analysis, Laboratory tests. REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. 1 INTRODUÇÃO Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, em 2018 a geração de RSU no Brasil foi de 214.868 t/dia, dos quais, 53,9% são destinados à aterros sanitários (ABRELPE, 2018). Políticas públicas têm fomentado a adoção de meios técnicos, econômicos e ambientalemente adequados para a destinação final dos resíduos sólidos urbanos (RSU), através de reúso, reciclagem, compostagem, reaproveitamento energético e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos em centrais de tratamento de resíduos que englobam os aterros sanitários (BRASIL, 2010). Contudo, grande parte dos RSU ainda são destinados diretamente para disposições finais, visto que cerca de 30% dos municípios brasileiros ainda não apresentam sequer ações de coleta seletiva (ABRELPE, 2018). Esta realidade é presente em países subdesenvolvidos e difere para países desenvolvidos, onde geralmente se concentram orientações de projeto (JAHANFAR et al.; 2017). Da ótica geotécnica, o projeto e monitoramento dos aterros sanitários deve garantir a estabilidade global e interna da estrutura, além de restringir deslocamentos verticais e horizontais a níveis de segurança aceitáveis. Muitos relatos de casos de rupturas em aterros sanitários têm sido observados na literatura nacional e internacional. No Brasil, destacam-se os casos de ruptura dos aterros Bandeirantes, Sítio São João e Itaquaquecetuba, decorrentes da interação de fatores deflagradores como o aumento da pressão neutra, excesso de sobrecarga, desconhecimento e variabilidade dos parâmetros geotécnicos ao longo do maciço (BATISTA, 2010). A concepção técnica e racionalizada destes projetos passa pelo conhecimento acerca das propriedades geotécnicas que os RSU apresentarão, sobretudo, quanto aos parâmetros de resistência ao cisalhamento, os quais governam o desempenho estrutural do maciço e são empregados nas análises de estabilidade dos taludes do aterro. Contudo, devido à heterogeneidade intrínseca dos RSU e da variabilidade de componentes destinados diretamente aos aterros sanítários, os valores de ângulo de atrito e coesão, bem como de peso específico, diferem significativamente nos trabalhos relatados na literatura, acarretando dúvidas para a escolha e recomendação destes parâmetros em projeto. Neste sentido, resultados de pesquisas nacionais podem apresentar uma maior proximidade para a concepção de projetos de aterros sanitário a serem realizados no Brasil, uma vez que reúnem resultados de resíduos com características semelhantes. Diversas pesquisas apresentam dados de resistência de RSU brasileiros como Carvalho (1999), Lamare Neto (2004), Martins (2006), Nascimento (2007), Cardim (2008), Karimpour-Fard et al. (2011), Correa et al. (2015), Abreu e Vilar (2017), entre outros. Carvalho (1999) realizou ensaios de laboratório com RSU provenientes do aterro sanitário de Bandeirantes em São Paulo - SP, verificando valores do ângulo de atrito da ordem de 21° a 27° e de coesão de 40 a 60 kPa. Karimpour-Fard et al. (2011) realizaram ensaios triaxiais com resíduos de diferentes composições provenientes do aterro sanitário metropolitano central de Salvador - BA. Estes autores observaram a influência do teor de fibras nas propriedades de resistência dos RSU, bem como sua variação em diferentes níveis de deformação, cujos resultados para o ângulo de atrito variaram de 9 a 26º e para a coesão de 2 a 46 kPa. Abreu e Vilar (2017) analisaram o efeito da composição e degradação de amostras provenientes do aterro sanitário de São Carlos - SP, através de ensaios de cisalhamento direto, observando um aumento da parcela atritiva e diminuição da parcela coesiva com o avanço da degradação, cujos valores situaram-se no intervalo de 22 a 30° para o ângulo de atrito e 4 a 14 kPa para coesão dos RSU. Ainda, de acordo Petrovic et al. (2016), a diferença de resultados de ensaios de resistência de RSU pode superar a magnitude de 50º e 80 kPa de oscilação. Devido à variabilidade das propriedades de resistência dos RSU, metodologias probabilísticas de análises de estabilidade de taludes de aterros sanitários têm apresentado maior atratividade neste cenário, sobretudo, pela possibilidade da avaliação e influênciado comportamento estatístico dos parâmetros envolvidos nas análises, fazendo-se necessário o REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. conhecimento das distribuições estatísticas de cada parâmetro (PETROVIC et al., 2016; JAHANFAR et al., 2017). Neste aspecto, este trabalho objetiva contribuir para o conhecimento do comportamento de resistência dos RSU brasileiros, avaliando sua dispersão e variação estatística a partir de resultados de ensaios de laboratório disponíveis na literatura brasileira, com estudos realizados em diferentes localidades do país. As análises contemplaram ainda, a influência do tipo de ensaio nos parâmetros de resistência. 2 METODOLOGIA Para esta pesquisa, foram analisados trabalhos publicados que apresentassem dados de ensaios laboratoriais de resistência de RSU brasileiros, bem como dados de informações sobre nível de deformação e o tipo de ensaio realizado. O levantamento utilizado possibilitou a identificação de 9 trabalhos com RSU localizados em diferentes cidades brasileiras, os quais geraram 254 pares de atrito-ceosão, permitindo-se gerar um panorama das propriedades geotécnicas dos RSU ao longo de diferentes localidades do território nacional (Figura 1). Para cada trabalho, foram coletadas informações referentes às características da amostra, tipo de ensaio realizado e resultados de resistência ao cisalhamento dos RSU. Foram reunidos parâmetros de resistência referentes aos ensaios de cisalhamento direto (CDir), triaxiais consolidados isotropicamente drenados (CID) e consolidados isotropicamente não drenados (CIU), em ensaios tanto de pequeno quanto de grande porte, para níveis de deformação até 20% (Tabela 1). A determinação deste valor de deformação foi realizada com base na recomendação de Karimpour-Fard et al. (2011), uma vez que apresentam maior incidência na literatura, aliado ao fato de que níveis maiores de deformação são pouco observados nas análises de estabilidade, além de apresentarem maior variabilidade de resultados. A partir da Tabela 1, verifica-se similar quantidades de amostras nos diferentes tipos de ensaio. Figura 1. Localização dos RSU analisados em cada pesquisa utilizada no presente estudo. Tabela 1. Tamanho da amostra (N), correspondente aos pares de atrito-coesão, obtida em cada trabalho. # Trabalho N Pares por ensaio CDir CID CIU 1 Abreu e Vilar (2017) 18 18 0 0 2 Cardim (2008) 6 6 0 0 3 Carvalho (1999) 58 0 42 16 4 Correa et al. (2015) 40 40 0 0 5 Karimpour-Fard et al. (2011) 72 0 16 56 6 Lamare Neto (2004) 6 6 0 0 7 Machado et al. (2014) 2 0 0 2 8 Martins (2006) 12 12 0 0 9 Nascimento (2007) 40 0 24 16 Total 254 82 82 90 Ainda na Tabela 1, destaca-se que os trabalhos elencados apresentaram características variadas em suas metodologias. Como visão geral, se observa a presença de resíduos com composição preponderante de componentes orgânicos, sobretudo no estado fresco destes materiais quando destinados aos aterros sanitários. Carvalho (1999) realizou ensaios com resíduos oriundos do aterro sanitáro de REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. Bandeirantes, utilizando sua composição natural e também sua parcela de matriz básica. Ensaios com materiais oriundos de aterros sanitários também foram objetivos dos trabalhos de Nascimento (2007), Karimpour-Fard et al (2011) e Abreu e Vilar (2017), cuja idade e profundidade possibilitaram identificar amostras jovens e avançadas em sua degradação. Os trabalhos de Lamare Neto (2004), Martins (2006) e Cardim (2008) utilizaram amostras frescas coletadas de usinas de compostagem ou diretamente do caminhão de coleta de resíduos, sendo que os RSU utilizados por Lamare Neto (2004) ainda apresentaram tratamento mecânico e biológico empregado. Já Correa et al. (2015) realizaram a composição de um resíduo sintético a partir de caracterísitcas da composição gravimétrica dos resíduos presentes no aterro sanitário da região metropolitana de Recife, utilizando solo e tiras plásticas. Destes trabalhos, ressalta-se também as diferenças metodológicas utilizadas em cada pesquisa. Devido à ausência de normatizações específicas e particularidades dos escopos das pesquisas analisadas (amostragem e metodologia de ensaios), observou-se a utilização de amostras com componentes sem segregação ou redução de tamanhos (em ensaios de grande porte), amostras com remoção de componentes superiores a 20 ou 50 mm e, ainda, amostras com granulmetria similar aos solos (comportamento terroso). Também destaca-se o gradiente de velocidades observado, variando em taxas de deslocamento de 0,5 mm/min até 3 mm/min, com preponderância da ordem de 0,8 mm/min. As tensões confinantes localizaram-se no intervalo de 0 à 250 kPa (CDir) e 0 à 400 kPa (CID e CIU), resultando em envoltórias de resistência consideradas lineares nos intervalos analisados e níveis confinantes representativos de diferentes alteamentos de aterro sanitário. Com relação ao escopo das pesquisas, o efeito da variação da composição do corpo de prova foi verificado por Carvalho (1999), Lamare Neto (2004), Martins (2006), Karimpour-Fard et al (2011) e Correa et al. (2015), atentando-se, sobretudo, ao teor de fibras e parcela orgânica empregados. Aspectos físicos como peso específico e condições de umidade das amostras também foram variáveis presentes nos trabalhos analisados. Assim, a partir destes dados disponíveis na literatura, foram analisadas as correlações, dispersões e o comportamento estatístico das variáveis ângulo de atrito e coesão dos RSU brasileiros, mediante os diferentes tipos de ensaio empregados. 3 RESULTADOS E ANÁLISES A partir do levantamento dos dados da Tabela 1, foram realizadas análises estatísticas para a verificação do comportamento de cada parâmetro de resistência dos RSU. Primeiramente, foi analisado o comportamento estatístico geral dos parâmetros ângulo de atrito e coesão, sem distinção do tipo de ensaio. Os resultados obtidos para a análise geral podem ser visualizados na Tabela 2, a qual reúne as estatísticas descritivas das amostras analisadas. Observa-se na Tabela 2 que, a partir do número amostral, foram verificados elevados coeficientes de variação entre os valores encontrados, sobretudo com relação à coesão que apresentou flutuação entre 2,5 e 77,8 kPa. Tabela 2. Estatísticas descritivas gerais dos parâmetros de resistência dos RSU analisados. Estatística ϕ (°) c (kPa) Tamanho Amostral (N) 254 254 Média (μ) 22,5 17,0 Coeficiente de Variação (δ) 47% 85% Mínimo 2,7 0,0 15º Percentil (P15) 12,9 2,5 Mediana (P50) 19,8 13,8 85º Percentil (P85) 34,5 31,6 Máximo 66,0 77,8 A fim de verificar a influência do tipo de ensaio na dispersão dos dados dos parâmetros de resistência dos RSU, estes foram agrupados segundo tipo de ensaio de laboratório (cisalhamento direto, triaxial CID ou triaxial CIU), cujas estatísticas descritivas referentes ao ângulo de atrito são apresentadas na Tabelas 3, enquanto a Tabela 4 apresenta as estatísticas referentes à parcela de coesão. Na Figura 2 também são apresentados os boxplots de dispersão individual dos parâmetros de resistência dos RSU. REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. Tabela 3. Estatísticas descritivas do ângulo de atrito dos RSU brasileiros analisados em cada tipo de ensaio. Estatística [ϕ (º)] CDir CID CIU Tamanho Amostral (N) 82 82 90 Média (μ) 24,1 18,9 24,2 Coeficiente de Variação (δ) 45 32 53 Amplitude Total 39,7 31,3 57,0 Tabela 4. Estatísticas descritivas da coesão dos RSU brasileiros analisados em cada tipo de ensaio. Estatística [c (kPa)] CDir CID CIU Tamanho Amostral (N) 82 82 90 Média (μ) 18,5 20,4 12,5 Coeficiente de Variação (δ) 7286 87 Amplitude Total 48,1 77,7 68,0 Figura 2. Parâmetros de resistência ao cisalhamento dos RSU brasileiros segundo o tipo de ensaio: (a) Ângulo de atrito; (b) Coesão. Caixas com 70% dos dados amostrais. Na Tabela 2, a partir do comportamento do ângulo de atrito, se verifica que este parâmetro apresentou coeficiente de variação da ordem de 30 a 50%, com a presença de outliers mais incidentes em ensaios triaxiais. O comportamento da mediana dos dados apresentou proximidade entre os diferentes ensaios (Figura 2a), onde 70% dos dados amostrais em cada ensaio estão representados dentro das delimitações das caixas. Neste sentido, é possível veririficar que o ângulo de atrito apresentou maior concentração de valores na ordem de 11 a 37º (CDir), 13 a 26º (CID) e 12 a 41º (CIU). De acordo com a Figura 2b, o parâmetro de coesão apresentou elevada dispersão, observada pelos coeficientes de variação superiores a 70%, o que justifica a presença de longas caudas e maiores outliers nos diagramas de caixa. Essa elevada flutuação de valores se justifica, principalmente, pelas diferentes composições das amostras, uma vez que a porcentagem de matéria orgânica e de elementos fibrosos está diretamente associada aos valores coesivos apresentados. A amplitude dos valores de coesão apresentou magnitude da ordem de 50 kPa (CDir), 80 kPa (CID) e 70 kPa (CIU), sendo que a incidência de 70% dos dados está localizada entre 3 e 34 kPa (CDir), 6 e 40 kPa (CID) e 0 e 20 kPa (CIU). Além do comportamento estatístico individual das variáveis, foram analisados os comportamentos estatísticos conjuntos, uma vez que os parâmetros de resistência estão fisicamente correlacionados. Na Figura 3 são apresentadas as dispersões conjuntas dos parâmetros de resistência apresentados para os diferentes ensaios de laboratório. A partir da comparação das dispersões com regiões recomendadas na literatura international, se verifica uma baixa aderência dos dados às recomendações de Singh e Murphy (1990) e Petrovic et al. (2016), evidenciando a diferença do comportamento dos resíduos brasileiros perante estudos de outros países. Figura 3. Dispersões conjuntas dos parâmetros de resistência ao cisalhamento dos RSU brasileiros e sugestões de intervalos da literatura. CIUCIDCDir 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Tipo de Ensaio c (k P a ) CIUCIDCDir 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Tipo de Ensaio ϕ ( º) a) b) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 0 10 20 30 40 50 60 C o es ão ( k P a) Ângulo de atrito ( ) CDir CID CIU Petrovic et al. (2016) Singh e Murphy (1990) REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. A partir das dispersões apresentadas na Figura 3, constata-se a elevada variabilidade dos parâmetros de resistência, sobretudo considerando que são representativos do mesmo país, evidenciando as diferenças amostrais, metodológicas e comportamentais dos ensaios de RSU realizados. Ensaios triaxiais tipo CIU apresentaram tendência de mobilização principal da parcela atritiva de resistência, enquanto ensaios triaxiais tipo CID, da parcela coesiva. Já ensaios de cisalhamento direto (CDir) apresentaram tendência de mobilização mútua das parcelas de resistência. Apesar da dispersão dos parâmetros, é possível identificar uma região com incidência predominante de pontos amostrais para os RSU avaliados, localizada no intervalo de 10 a 30º e 0 a 35 kPa. O comportamento conjunto dos parâmetros de resistência também foi avaliado por meio de análises de envoltórias de resistência lineares (Mohr-Coulomb) nos intervalos de tensão utilizados nos diferentes ensaios de laboratório. Para cada par atrito-coesão, foram determinadas as respectivas tensões cisalhantes para diferentes tensões normais do intervalo dos ensaios. Assim, foram analisadas as dispersões das tensões cisalhantes, resultando nas regiões de incidência de dados apresentadas na Figura 4 (limites superior e inferior, regiões de percentis), onde a região destacada representa 70% dos valores determinados. A partir da Figura 4, observa-se que ensaios triaxiais apresentaram maior dispersão de envoltórias que ensaios de cisalhamento direto. A mobilização das diferentes parcelas de resistência (atritiva e coesiva) para cada ensaio também é visualizada em termos de envoltórias de resistência. Ensaios triaxiais CID apresentaram predominância de comportamento coesivo, enquanto ensaios CIU de comportamento atritivo e CDir de mobilização mútua dos parâmetros de resistência. Verifica-se na Figura 4 que, apesar da diferença geral dos comportamentos, as medianas das envoltórias apresentaram valores de parâmetros de resistência próximos, indicando a adequadabilidade dos ensaios para determinação do comportamento dos resíduos e existência de regiões de convergência dos parâmetros de resistência dos RSU. Figura 4. Regiões de incidência das envoltórias de resistência dos RSU brasileiros segundo o tipo de ensaio: (a) CDir; (b) CID; (c) CIU. Pn: n-ésimo percentil. 0 50 100 150 200 0 50 100 150 200 T en sã o C is al h an te ( k P a) Tensão Normal (kPa) Limites Linear (P85) Linear (P50) Linear (P15) CDir a) 0 50 100 150 200 0 50 100 150 200 T e n s ã o C is a lh a n te ( k P a ) Tensão Normal (kPa) Limites Linear (P85) Linear (P50) Linear (P15) CID b) 0 50 100 150 200 0 50 100 150 200 T e n s ã o C is a lh a n te ( k P a ) Tensão Normal (kPa) Limites Linear (P85) Linear (P50) Linear (P15) CIU c) REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. Já a comparação com a recomendação de Ramaiah et al. (2017), também na Figura 4, evidenciou que a resistência dos RSU brasileiros apresenta, em termos gerais, magnitudes inferiores às retratadas na literatura, devendo portanto, ser avaliada por recomendações de intervalos específicos para os RSU brasileiros. De modo geral, os dados utilizados nessa pesquisa, provenientes de diferentes localidades do território nacional, forneceram uma adequada amostra para avaliação do comportamento e dispersão dos resultados de resistência dos RSU brasileiros. Contudo, ressalta-se que este trabalho, por se tratar de uma pesquisa secundária (que utiliza e analisa dados primários), apresenta algumas limitações que merecem discussão. Os parâmetros de resistência dos RSU estão sujeitos a influência de diferentes fatores e pela forma com que a amostragem e os ensaios foram realizados, contribuindo para o comportamento de resistência dos RSU avaliados. A ausência de uma padronização nas metodologias de realização dos ensaios, aliada às variabilidades inerentes do RSU (degradação, composição, nível de deformação, umidade, etc.), certamente contribuem para as dispersões encontradas. Além das diferenças físicas e metodológicas, outro fator que possivelmente gera esta variação e dispersão dos resultados ao longo das diferentes deformações, pode ser a consideração do efeito fibra do RSU. De acordo com Lamare Neto (2004), a matriz fibrosa dos materiais tem sua resistência mobilizada devido ao aumento das deformações, afetando sobretudo, o valor do parâmetro de coesão nos ensaios de resistência. Assim, as análises aqui apresentadas visam evidenciar a problemática e complexidade da temática do comportamento mecânico dos RSU, em especial, considerando o que temos atualmente disponível no Brasil. As constatações de região de incidência e comportamento estatístico propiciam uma visão geral e predominante das propriedades de resistência dos RSU, mas estes parâmetros de resistência são variáveis aleatórias, sendo influenciados por fatores intrínsecos e externos às amostras. Neste sentido, destacam-se a importância da realização de ensaios locais e utilização de recomendações de intervalosde parâmetros de resistência dos RSU com cautela. 5 CONCLUSÕES Este trabalho analisou as caracterísitcas estatísticas de dados de parâmetros de resistência de resíduos sólidos urbanos brasileiros, coletados na literatura, num total de 254 pares de ângulo de atrito e coesão. As análises contemplaram ainda a influência do tipo de ensaio nos parâmetros de resistência. A partir das análises realizadas, pode-se concluir que: Os parâmetros de resistência dos RSU apresentaram uma grande amplitude de resultados, decorrente da variabilidade de composição, degradação e metodologia empregadas nas amostras, permitindo inferir a grande dispersão dos resultados presentes na literatura; De modo geral, o ângulo de atrito concentrou valores no intervalo de 13 a 35º, apresentando coeficiente de variação de 47%, enquanto que a coesão apresentou valores no intervalo de 3 a 32 kPa com 85% de coeficiente de variação; No escopo dos dados desta pesquisa, o ângulo de atrito apresentou menores dispersões para ensaios triaxiais CID quando comparados com resultados de ensaios de cisalhamento direto. Ainda, ensaios triaxiais (CIU e CID) apresentaram as maiores dispersões para a coesão dos RSU. Apesar das elevadas faixas de valores obtidos, as medianas dos ensaios apresentaram valores da ordem de 20º para o ângulo de atrito e 18 kPa para a coesão; A comparação com recomendações da literatura internacional evidenciou a necessidade de adoção de recomendações nacionais para a estimativa dos parâmetros de resistência dos RSU, uma vez que não apresentaram adequada aderência aos dados brasileiros; Os resultados obtidos nesta pesquisa apresentam indicadores de dispersão e estimativas de parâmetros de resistência dos RSU brasileiros. Contudo, recomenda-se que a realização de ensaios in situ e o conhecimento do comportamento dos resíduos locais sejam considerados. REGEO/Geossintéticos 2019, São Carlos/SP, Brasil. Neste contexto, ressalta-se a importância do conhecimento das propriedades dos resíduos para projetos e avaliações de aterros sanitários racionalizados e seguros. Além disto, a atual pesquisa segue para a categorização do comportamento das propriedades de interesse segundo classes convenientes, de forma a diminuir a dispersão dos resultados empregados. Ainda, extrapolações do comportamento de resistência de RSU externos aos considerados neste banco de dados devem ser realizadas com cautela. AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. REFERÊNCIAS ABRELPE. (2018). Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil. Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. v. 15, 74p. ABREU, A. E. S.; VILAR, O. M. (2017). Influence of composition and degradation on the shear strength of municipal solid waste. Waste Management. v. 68, p. 263-274. BATISTA, H. P. (2010). Desenvolvimento de Diretrizes para Monitoramento Geotécnico e Plano de Continência/Emergência em Aterros Sanitários. 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