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Obras Literarias - PUCPR - 2017

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INOCÊNCIA
O AUTOR
O nobre Alfredo d´Escragnolle de Taunay, pertencente a uma aristocrática e culta família francesa, nasceu no
Rio de Janeiro em 22 de fevereiro de 1843 e morreu na mesma cidade, em 25 de janeiro de 1899. Sua obra é objeto
de discussão sobretudo pelo fato de confundir os críticos. Muitos vinculam seus romances ao regionalismo
romântico; outros veem nele traços marcantes do Realismo. Embora a consagração literária de Taunay tenha se
limitado a duas obras, o conjunto diversificado de sua produção escrita muito contribuiu.
OS PERSONAGENS
� Inocência – a nossa protagonista. Personagem tipicamente romântica, dotada de todas as virtudes físicas e morais
possíveis. Seu nome é capaz de espelhar suas características – Inocência (do latim innocentiae) significa pureza,
simplicidade, ingenuidade. Seu defeito? Sofria de maleita, estando constantemente fragilizada pela doença. Pode-
mos fazer uma série de associações entre o seu nome e o todo da obra.
A vida de moça obediente e frágil sofrerá mudanças ao conhecer Cirino, que a cura da febre da doença e a
infecta com a febre da paixão. É exemplo da situação da mulher à época: segregada, acostumada à obediência cega,
proibida de ter acesso à cultura, destinada aos serviços domésticos, sujeita à vontade do dono, quer ele seja o pai ou
o marido que o pai lhe escolher.
� Cirino – forma com Inocência o par romântico do livro. Mais curioso que estudioso, é o moço da cidade que per-
corre o sertão curando pessoas doentes, munido de um livro de medicina e de ervas curativas sem, entretanto, ter
autorização para medicar. Dotado de nobre caráter, respeitado por todos, culto, honesto, humilde, generoso, con-
quista a confiança do previdente Pereira e o coração da frágil Inocência.
� Pereira – pai de Inocência. Tipifica o patriarca, que dispõe de plenos poderes em sua terra e em sua casa, fazendo
valer suas leis e direitos. Também representa o sertanejo totalmente comprometido com os valores da sociedade
agrária de origem colonial. Seu conhecimento de mundo é formado pela cultura oral, uma vez que não conheceu o
mundo da escrita. Vê a sua filha como uma criança, procurando protegê-la dos homens.
� Manecão – o noivo prometido de Inocência. Durante quase toda narrativa, Manecão permanece ausente de todo o
desenrolar da trama, uma vez que se encontra viajando para negociar gado e para providenciar a documentação
para o casamento. Desempenha o papel de vilão da história.
� Meyer – Um entomologista (que estuda insetos) alemão que se instalará na casa de Pereira. Não poupa elogios à
beleza de Inocência, o que desperta em Pereira grande preocupação. Não podendo expulsar o alemão de sua
casa, pois não podia voltar atrás em sua palavra, Pereira passa a controlar todas as atitudes de Meyer, pois achava
que este queria se aproveitar de Inocência.
� Tico – anão e mudo, verdadeiro “cão de guarda” da nossa protagonista. Pereira confia a esta personagem tão gro-
tesca a tarefa de proteger e vigiar a donzela Inocência.
INOCÊNCIA
CONTOS DE BELAZARTE
O PAGADOR DE PROMESSAS
FELICIDADE CLANDESTINA
2 PUCPR
O ENREDO
I – O Sertão e o Sertanejo
O narrador emite em 3ª pessoa, como observador,
seu ponto de vista sobre o sertão e, principalmente, as
relações existentes entre esse espaço e o homem que
nele habita: o sertanejo.
Longa e detalhada descrição do campo, da estrada
(descreve o cerrado com abundância de arbustos),
alguns fenômenos provocados pela ação do homem,
como o incêndio: a tímida centelha que com o soprar do
vento transforma-se em uma devoradora língua de fogo.
Depois de acalmado o fogo, tudo fica sob a cinza. A
transformação verdejante se dá ao cair a primeira chuva.
Se não há chuva, os campos ficam devastados por
meses; o carcará e o gavião habitam essas paisagens.
O Sertanejo descansa e prossegue, adormece
com serenidade, embora saiba dos perigos que o
rodeiam – é fatalista, sente a paz de espírito ao cair da
tarde. Não tem família, em geral; mas quando a tem, sua
prole segue pelo mesmo caminho.
II – O Viajante
Era inverno no interior do Brasil, em 1860. A Vila de
Sant’Ana do Parnaíba passa por uma fase – como era
comum à época – de ataque de maleitas (febres, sezões e
males) que sempre era da mais perfeita providência a
passagem de um médico por essas paragens. Vem o
viajante, com aparência de não mais de 25 anos, a cavalo,
encontra-se com o sertanejo: conversam, cada um conta
um pouco sobre sua vida e seguem juntos. O sertanejo
oferece ao viajante, que a princípio se dirige para a casa de
Leal, hospedagem em sua casa, pois lá há onde ficar e
mais ainda: ao descobrir que o viajante é doutor, diz ter em
casa uma filha, acometida pelas maleitas da febre. Além
disso, o viajante revela ter contraído dívida de jogo e tem
necessidade de ter muitos clientes para quitar tal débito.
III – O Doutor
O narrador revela então uma porção de omissões
sobre Cirino. Nasceu mesmo no interior de São Paulo,
na Vila de Casa Branca, filho de “boticário”. Aos 12 anos
foi mandado para a casa de um tio em Ouro Preto (onde
não foi bem acolhido), foi mandado ao internato, o tio
faleceu e por não ter deixado coisa alguma para os
padres, sequer algum bem em testamento, o menino,
então com 18 anos, foi expulso do colégio. Voltou a
trabalhar numa botica, como fazia antes com seu pai.
Matriculou-se depois na Escola de Farmácia de Ouro
Preto, mas antes de tirar a carta, começou a viajar pelo
sertão. Como um simples curandeiro, decidiu ir para o
Mato Grosso do Sul, onde pessoas sem esperanças de
melhora depositavam nele toda a fé da cura.
IV – A Casa do Mineiro
Pereira (O Sertanejo) apresentou-se, desde o princí-
pio como nascido em Minas, mas veio morar no interior
depois que a mulher faleceu e ele ficou só com a filha por
criar, pois o filho vive mundo afora.
Ao chegar a casa, são saudados por cachorros,
galos e galinhas; aparece também a preta velha Maria
Conga. Cirino preocupa-se por não ter avisado os
cavaleiros que o acompanhavam que não estava mais
indo para a casa do Leal, mas Pereira o tranquiliza, pois
tinha deixado galhos verdes quebrados no meio do
caminho como indicadores. Jantam e Cirino prepara os
remédios para ver a moça.
V – Aviso Prévio
Pereira chama Cirino para ver a moça (está
anoitecendo). Pereira “prepara” Cirino para entrar em
sua casa e ao contrário do que disse anteriormente
sobre a filha (14 ou 15 anos), revela que a menina já
completou 18 e parece moça da cidade. Fala também da
promessa da mão da filha feita a Manecão e fala sobre
este seu futuro genro. Cita-se o tratamento destinado à
mulher no sertão e a desconfiança alimentada em
relação a elas como se fossem seres capazes de pôr
alguém a perder pelo feitiço.
O bom pai passa a discorrer emocionado sobre os
encantos e a beleza da filha. Cirino mais uma vez reforça
que sabe respeitar todas as famílias por onde passa; diz
que não compartilha da opinião de Pereira em relação às
mulheres.
VI – Inocência
Passeio entre as flores do pomar (flores de
laranjeira). O narrador descreve a alvura do colo da
menina, que deixa Cirino impressionado. Ele a examina
e promete a Pereira que ficará boa em uma semana.
Aparece Tico, um anão que é quase um “cachorrinho” de
Inocência, está sempre pajeando a menina, não fala,
apenas esboça alguns grunhidos quando muito
exaltados. Após as conveniências de apresentação,
Cirino dá o diagnóstico das sezões e recomenda um
suadouro para a menina.
VII – O Naturalista
Descreve um viajante, que, pelo jeito de vir e de
tratar (fustigar) o animal em que vinha montado, não tem
a mínima prática com essa lida.
VIII – Os Hóspedes da Meia-Noite
O “viajante atrapalhado” e seu companheiro
acabam por ser desviados para a casa de Pereira. Após
algumas discussões, chegam à casa e são abrigados.
Muito bem recebidos, os novos hóspedes vão dormir,
enquanto Cirino e Pereira vão visitar a moça para ver se
o suador já fez efeito (já passa da meia-noite).
IX – O Medicamento
No quarto da moça falam sobre as sezões. O pai
vai buscar a dose de café para a menina; enquanto isso,
Cirinofica embevecido com a beleza da moça. Ela bebe
o medicamento e ele não consegue dormir, pois o mal da
paixão instalara-se em seu coração.
X – A Carta de Recomendação
Meyer fala a respeito do propósito de sua viagem
ao Brasil: descobrir novos espécimes de borboletas. Em
meio à conversa, Meyer fala das cartas que vai levar de
volta por não ter encontrado os destinatários, uma delas
é justamente para Pereira; é de seu irmão Chiquinho.
Pereira fala tanto que não deixa sequer o alemão
agradecer.
XI – O Almoço
Cirino fala da vontade de partir no dia seguinte.
Pereira pede para que ele fique por mais duas semanas.
Almoçam e, em meio às falações de Pereira, este
lembra-se de apresentar a filha ao alemão Meyer, pois
ele deve ser considerado da família, já que foi
recomendado pelo irmão de Pereira (Chico) como
hóspede.
XII – A Apresentação
Por ser “de casa”, o alemão elogia
abundantemente a filha de Pereira, fazendo com que o
zeloso pai fique aborrecidíssimo e enfurecido, mas
procurando conter-se.
Enquanto o alemão diz que ficará umas boas duas
semanas em sua fazenda caçando borboletas, Pereira
comenta com Cirino o incômodo que sente com os
elogios à filha. Pereira ainda retruca em voz baixa que
Meyer há de se ver com Manecão caso se meta a
gracejos com Inocência.
XIII – Desconfianças
O alemão oferece de bom grado o vinho que trazia
na bagagem para a cura completa da menina. Pereira
(com alguma desconfiança que não deixa explícita qual
seja) pergunta a Juque (companheiro de viagem de
Meyer) por que ele chama Meyer de Mochu. Juque
responde que é um termo francês, equivalente a senhor.
Pereira começa a adquirir confiança desmedida e
imediata em Cirino, pois este continua comportando-se
de maneira respeitosa em relação a Inocência, enquanto
Meyer, desavisado, não faz questão de esconder sua
surpresa agradável por ver moça tão bela. Pereira tem
de dar uma rápida saída; a confiança em Cirino é tanta
que chega a dizer para o rapaz que pode ir dar o
medicamento à moça sozinho, se ele não tiver voltado
ao meio-dia.
XIV – Realidade
Cirino vê Pereira sumir-se além das laranjeiras. O
dia prometia ser ótimo, tudo era cheio de vida ao seu
redor, e ele estava levemente inquieto. Ao se aproximar
da hora da medicação, aparece Tico, sempre com ar de
poucos amigos quando se trata de Cirino. Cirino se
aproxima de Inocência, beija-lhe o braço, propõe que
dividam o remédio para que ele possa compartilhar do
que ela sente. Ela desmaia, ele lhe dá vinho para
revigorar e confessa que ela é a dona de sua alma.
XV – História de Meyer
Pereira conta a Cirino que o “alamão” passou o dia
todo a puxar conversa sobre a menina. Falam
descontraidamente durante o jantar sobre a aventura de
Meyer – ele caiu e perdeu as espécies novas
capturadas. Descrevem o ridículo e grotesco da cena do
alemão tirando a roupa, acometido pelo ataque de
formigas.
XVI – O Empalamado
Pereira passa a dormir na sala para vigiar Meyer e
não repara na penosa agitação de Cirino. Falam dos
doentes que começam a chegar para serem curados
pelo doutor. Mais uma vez Meyer dá com a língua nos
dentes sobre a beleza de Inocência. Cirino ensina como
se faz o tratamento para a Moléstia do Empalamado.
XVII – O Morfético
Pereira pergunta ao sr. Garcia (o leproso que vem
procurar o médico) como ele está. Segue-se uma
conversa pungente entre os dois, enquanto aguardam
Cirino sair de dentro de casa. Garcia faz uma pergunta
direta a Cirino: se a doença é contagiosa; Cirino
responde que sim. Então Garcia diz que sairá de casa
para não causar mal aos seus, dá um adeus triste e diz
que vai para São Paulo, e o sertão da Parnaíba nunca
mais tornará a vê-lo.
XVIII – Idílio
Pereira fala que Manecão não deve tardar a voltar de
Uberaba com os papéis para o casamento. Cirino se
inquieta. Trava-se uma ardente conversa ele e Inocência,
já de madrugada, quando Cirino não aguenta e resolve ir
até o quarto da moça. Ela sempre ingênua e amedrontada
e ele cheio de galanteios que falam de amor. Importante o
tipo de evocação ao amor que aqui aparece: Inocência
parece a toda hora tentar saber se aquilo que sente não é
doença, mas amor, enquanto Cirino o tempo todo a faz
crer que realmente se amam porque ele compartilha da
mesma inquietação e desassossego que ela sente.
Escutam um assobio estridente, e o arremesso de uma
pedra na direção dos dois põe fim ao momento de
arrebatamento amoroso. Inocência se assusta, Cirino
vasculha o pátio, mas nada enxerga.
XIX – Cálculos e Esperanças
Inocência já curada do mal e Meyer a reclamar que
ela não aparece. Pereira replica com raiva que são
costumes do lugar. Cirino e Inocência conversam
novamente, e ela diz que dirá ao pai que já não quer
casar-se com Manecão. Inocência fala longamente,
reservada por seu manto de pureza. Cirino decide então
falar com o pai da moça no dia seguinte.
XX – Novas Histórias de Meyer
Pereira reclama a Cirino do abuso de Meyer.
Conta-lhe da insistência do alemão em trazer a filha
como assunto. Mais e mais Pereira dá voto de confiança
a Cirino. Cirino cogita, em uma de suas conversas, se
PUCPR 3
Pereira não deveria consultar a filha sobre o casamento
antes de casá-la. Ao ver a reação totalmente raivosa de
Pereira, logo diz que se enganou e isso de consultar a
opinião das mulheres são coisas da cidade.
XXI – Papilio innocentia
Meyer corre a dizer e mostrar a nova espécie de
borboleta que encontrou, denominando-a Papilio
innocentia, em homenagem à bela filha de Pereira.
Meyer fala também que quando voltar à sua terra já se
terão passado 18 signos do zodíaco e dirá que os
brasileiros são felizes e têm boa índole. Particularmente,
Pereira acrescenta que zelam pela família.
XXII – Meyer parte
Descreve as consultas dadas por Cirino e diz que
no estado em que se encontrava o médico – a
perturbação em nutrir um amor proibido – era natural
que trocasse um remédio por outro, mas o que
importava era a crença dos doentes. A partida de Meyer
alegrava Pereira, que pensava estar se livrando do
intruso que vivia no encalço de Inocência (segundo o
que imaginava Pereira). O alemão parte e logo após
retorna, querendo despedir-se de Inocência, o que não
havia feito por esquecimento. o pai desconversa e não
permite que ele vá se despedir. Mesmo assim, ele diz
que será sempre seu criado, no mundo todo. Finalmente
Meyer e seu companheiro partem.
XXIII – A Última Entrevista
Com a partida de Meyer, os encontros de Cirino e
Inocência se tornaram impossíveis. Combinam um
encontro para lá do laranjal para que não sejam vistos.
Abraçam-se e entram ambos em êxtase, enquanto a
aurora surge. Antes falaram da única possibilidade de
fazer com que a moça não se casasse com Manecão: a
intercessão do padrinho, que Cirino resolve partir no dia
seguinte para encontrá-lo.
Ouvem o assobio e uma gargalhada novamente,
Cirino procura e nada vê. Há uma confusão na casa,
Pereira acorda e atira, Cirino aparece e pergunta o que
acontece, ao que Pereira responde que ouviu um grito
no laranjal e acha que é alma penada. Era Tico, que
acompanhava todos os movimentos do casal.
XXIV – A Vila de Sant’Ana
Cirino segue a cavalo com grande perturbação de
espírito, ora amaldiçoa os olhos que lhe puseram a perder,
ora se dá conta de que isso foi o momento de sua felicidade.
Ao passar pelo povoado, é bombardeado por perguntas das
mais variadas. Encontra Manecão e este está indo para a
casa de Pereira (parece-lhe rude, selvagem, áspero).
XXV – A Viagem
Cirino enfrenta uma difícil empreitada de transpor
as matas e rios. Há uma descrição detalhada do
ambiente inóspito da mata e uma série de conjugação de
sentimentos que perpassam a alma do rapaz: uma
meditação aliada à tristeza; alegria como fato repentino
e passageiro da natureza. Cirino pensa em Manecão,
em sua impotência diante dessa figura. Seu coração
estava tomado de apreensões. Dá-se conta de que tudo
ao seu redor está alegre. Alcança, então, no quarto dia,
a casa de Antonio Cesário, padrinho de Inocência.
XXVI – Recepção Cordial
Pereira recebe Manecão efusivamente, e este lhe
pergunta sobre Inocência.Inocência está no córrego e não responde ao
chamado do pai, que desejava que a moça viesse falar
com o noivo prometido. Noivo e “futuro sogro”
conversam enquanto esperam pela moça.
XXVII – Cenas íntimas
Inocência expressa terror ao encontrar Manecão.
Depois, Manecão e Pereira falam sobre a reação da
moça. Simulando recaída de sezões, Inocência tranca-se
no quarto e sente toda a perturbação na alma. O pai vai
falar com ela. Inocência mente que a mãe apareceu-lhe
dizendo para não se casar com Manecão; porém, não
suportando o peso da mentira, desmente a história da
visão e o pai diz, enérgico, que se ela não aparecer de
boa cara no jantar, irá matá-la. Nesse ponto, no momento
em que Inocência iria revelar o seu desejo de não se
casar com Manecão, há uma suspensão da narrativa,
pois o capítulo seguinte enfocará o que acontece com
Cirino na visita ao padrinho.
XXVIII – Em casa de Cesário
Cirino é recebido e falam de Inocência. Cesário diz
que não é favorável ao casamento da moça com
Manecão, embora já tenha dado a licença. Há um temor
na voz de Cesário ao falar de mulheres (parece crer que
elas enfeitiçam mesmo). Marcam de conversar enquanto
caminham. Cirino começa a falar por meio de ilustrações,
não indo direto ao assunto. Até que perde as forças e
acaba tendo uma atitude grotesca: ele pede que Cesário
o mate para aplacar de vez o seu sofrimento. Depois
confessa seu amor por Inocência e diz que sua única
chance é a intervenção do padrinho. Cesário,
desconfiado, faz muitas perguntas a Cirino e, por fim,
pede-lhe que faça um juramento. Cirino aceita
imediatamente, e Cesário, impressionado com o caráter e
os sentimentos nobres do moço, que jurara sem saber o
quê, promete-lhe pensar durante oito dias. Se resolvesse
ajudá-los, apareceria até o final desse período; caso
contrário, valeria o juramento: Cirino deveria desaparecer
de suas terras e da vida de Inocência.
XXIX – Resistência de Corsa
Inocência é chamada à sala para falar sobre o
casamento. Faz-se de desentendida, diz que não se
lembra de qualquer acerto e prefere morrer a se casar
com Manecão. O pai, encolerizado, arremessa-a contra
a parede e acha que foi Meyer que a pôs a perder.
Manecão promete ir atrás dele na manhã seguinte.
O anão, que sempre espreitara o relacionamento
entre Cirino e Inocência, se aproxima e conta através de
4 PUCPR
gestos que foi Cirino e não Meyer o responsável pela
atitude de Inocência. Manecão, para lavar sua honra
manchada, parte para Sant’Ana em busca de Cirino.
XXX – Desenlace
No último dia do prazo combinado, Cirino espera
ansiosamente ver Cesário. Expirado o prazo, decide se
matar, quando ouve um barulho de cavalo. Era
Manecão, que o vigiava há três dias. Manecão diz
algumas palavras desaforadas a Cirino e, em seguida,
saca de sua arma e atira impiedosamente no rival, que a
princípio o amaldiçoa e depois, sentindo o suor da morte,
diz que não quer morrer assim e faz questão de perdoar
a Manecão, que diz não querer o perdão. Manecão ouve
um barulho e foge; era Cesário, que vinha encontrar
Cirino. Era o apoio por que Cirino e Inocência tanto
esperavam, mas que chegara tarde. Cirino faz Cesário
prometer que este dirá a Inocência que morrera por sua
causa. Cirino morre murmurando o nome de Inocência.
Epílogo: Reaparece Meyer
Em 18 de agosto de 1863, em Magdeburgo,
Germânia, há homenagens da sociedade entomológica
para Meyer. Aparece a notícia no jornal sobre a espécie
encontrada no Brasil que ele explica ter dado o nome em
homenagem à moça bela do sertão do Mato Grosso.
Exatamente nesse dia, completavam-se dois anos da
morte de Inocência.
COMENTÁRIOS
FOCO NARRATIVO em 3ª pessoa, com um narra-
dor onisciente que não é somente o relator dos fatos,
mas sobretudo alguém que julga, que faz interferências
na narrativa através de comentários de várias espécies.
ESPAÇO: o campo, com toda a sua exuberância:
árvores, flores, bichos, etc.: o espaço geográfico é, no
livro, uma verdadeira extensão da vida emotiva.
Enquanto a vida toda se desenrola em campo aberto, os
comportamentos são comandados por valores sociais
que levam à reclusão.
TEMPO: Há duas datas que definem a duração do
conjunto de episódios que constituem a narrativa de
Inocência: 15 de julho de 1860 (dia do encontro entre
Cirino e Pereira) e o dia 18 de agosto de 1863 (dia da
apresentação de Meyer à comunidade científica alemã o
seu grande achado em terras brasileiras). É, via de
regra, histórico, pois busca certa ordem cronológica.
A obra inteira parece estar permeada de uma
beleza que encanta e perturba, representada
principalmente pela beleza misteriosa de Inocência e
pela crença dos homens de que as mulheres têm
realmente o poder de enfeitiçar um homem.
Além da ambientação e do aparecimento de um
estrangeiro louvando as belezas do Brasil, é a
construção da heroína que identifica com maior ênfase a
nacionalidade da obra: a moça é branca, mas tem
cabelos negros e é uma sertaneja, de falares, hábitos e
costumes regionais.
Quanto à linguagem, Taunay conseguiu dar a seu
romance um dinamismo inigualável entre outros
romances da época. Procurou transcrever o falar do
sertanejo, com os devidos traços de oralidade. Além
disso, o romance está permeado de provérbios,
crendices e “causos” populares, o que reforça a cultura e
o viver do homem do interior.
PUCPR 5
CONTOS DE BELAZARTE
Mário de Andrade
O AUTOR
� Mário de Andrade nasceu em 9 de outubro de 1893, na
cidade de São Paulo, tão festejada em seus versos.
� Fez os estudos iniciais no Ginásio de N. S. do Carmo,
cursando a seguir o Conservatório Dramático e Musi-
cal de São Paulo, de que foi mais tarde professor.
� Foi um dos líderes do Movimento Modernista, que rea-
lizou em São Paulo a Semana de Arte Moderna, tor-
nando-se por muitos anos a figura mais completa e
representativa de nossas letras modernas. Dotado de
extraordinária probidade moral e intelectual, de verda-
deiro espírito de liderança, filósofo da literatura, pro-
fessor de estética, crítico de letras e de artes, poeta,
ficcionista, ensaísta, erudito, folclorista, Mário de
Andrade cultivou todos os gêneros, destacando-se
assim para sempre entre os maiores mestres da Lite-
ratura Brasileira. Foi um mestre por excelência em
toda a extensão da palavra.
� Chamado de “papa do Modernismo” e de “poeta de
São Paulo”, Mário de Andrade esteve presente em
todos os momentos da preparação, realização e afir-
mação do movimento modernista brasileiro.
� Morreu em São Paulo, em sua casa, em 25 de feverei-
ro de 1945.
OBRAS
Poesia – Paulicéia Desvairada, com o Prefácio
Interessantíssimo; Clã do Jabuti; Remate de Males;
Lira Paulistana.
Prosa – Amar, verbo intransitivo; Macunaíma;
Os contos de Belazarte; Contos Novos.
O ESTILO
� A pontuação acompanha o ritmo das emoções e do
pensamento.
� O autor utiliza com frequência:
a) a metalinguagem (o texto que se refere ao próprio
texto);
b) a intertextualidade (referência a textos de outros
autores);
c) o discurso indireto livre (intercalação do discurso
do narrador com o discurso direto);
d) o monólogo interior, em que o personagem dis-
serta consigo mesmo, seguindo um raciocínio lógico.
� Linguagem contida, acabada, que traz como resultado
um profundo mergulho na realidade social e psíquica
do homem brasileiro.
� Os tipos humanos têm densidade psicológica, mos-
tram uma consciência dividida e até contraditória,
exprimem claramente sua relação problemática com o
mundo.
A OBRA
Mário de Andrade utiliza linguagem coloquial
próxima da oralidade. Belazarte, solidário, recolhe
situações do arrabalde paulistano que o tocam em
profundidade.
Situados em bairros na época bem afstados do
centro da cidade – como Lapa e Brás – os contos
colocam em cena brasileiros e imigrantes, homens e
mulheres, trabalhadores e marginais.
Belazarte espelha, sem psicologismo barato, a
angústia do homem; denuncia as contradições da
sociedade. À trama de cada conto prende-se a intensidade
e mesmo o mistério de sentimentos e paixões humanas,
fazendo com que os personagens trascendam situações
datadas. A ausência de perspectivadas vidas entregues à
pobreza e à mediocridade, continua no Brasil de hoje.
As narrativas de Belazarte, como as conversas de
subúrbio, retomam personagens como quem amarra os
capítulos de uma novela. Carmela, personagem
secundária em O besouro e a rosa, torna-se protagonista
em Jaburu malandro, onde reaparece João, o enamorado
de Rosa, para ser novamente desiludido. Teresinha que
acaba viúva de marido vivo, em Caim, Caim e o resto,
ressurge em Piá não sofre? Sofre.
Invertendo a lógica dos contos de fadas cujo final
afiança que os protagonistas “Iviveram felizes para
sempre”, as mulheres n’Os contos de Belazarte, Rosa,
Carmela, Teresinha, “foi/era muito infeliz” as outras
foram falsamente felizes.
I – O BESOURO E A ROSA
Belazarte me contou:
Desde muito pequena, quando a mãe a deu ou
morreu, Rosa vivia com as velhotas solteironas, dona
Carlotinha e dona Ana. Agora já está com 18 anos e
continua “criança”, ingênua, inocente, servindo e
obedecendo às duas velhas. Moça bonita e de corpo
sensual, chamou a atenção de João, o padeiro que se
apaixonou e pediu-a em casamento. Rosa desandou a
chorar, negou-se a casar porque não queria afastar-se
das velhotas. João sofreu, quase perdeu o rumo e Rosa
aos poucos não se lembrava mais dele.
Certa noite de muito calor, Rosa resolveu dormir
de janela aberta. Acordou assustada com um besouro
em cima de seu peito. “O besouro passeava lentamente.
Encontrou o orifício da camisola e avançava pelo vale
ardente entre morros.” Ao levantar-se, o besouro
(bzzz...bzzz..) foi descendo por dentro da camisola, pela
barriga até... emaranhar-se lá... nos pelos dela. “Rosa
estirava as pernas com endurecimentos de ataque.
Rolava. Caiu. Dona Ana e dona Carlotinha vieram
encontrá-la assim, espasmódica, com a espuma
escorrendo do canto da boca. Olhos esgazeados
relampejando que nem brasa.”
6 PUCPR
Rosa mudou. Passou a ficar quieta, indiferente,
louca para ter um homem. Casou-se com um mulato,
pálido por causa da pinga, e desocupado.
Rosa foi muito infeliz.
II – JABURU MALANDRO
Belazarte me contou:
O João, aquele padeiro com quem Rosa não quis
se casar, começou a namorar Carmela, uma linda moça,
de uma numerosa família italiana. Namoravam no portão
para não serem incomodados pelos irmãos.
Certo dia, um circo se instala no bairro e o povo
todo vai ver os espetáculos. Cada membro da família
gostava de um número especial. Rosa fica
impressionada com o número do homem-cobra. Pietro,
irmão de Carmela sumido há anos aparece em casa
dizendo que estava trabalhando no circo e apresentou
vários artistas aos pais e irmãos. Almeidinha, o
homem-cobra, tímido e educado, agradou à Carmela
que passou a flertar com ele.
Nos encontros que aconteceram em seguida, a
moça atirou-se ao rapaz numa paixão enlouquecida,
afirmando que não gostava de João, um pamonha
segundo ela, e que casaria só com o artista. O
“Meidinha” ficou apavorado com a ideia do casamento,
abandonou o circo e sumiu. Nada de grave, além dos
beijos ardentes, havia acontecido entre Carmela e o
artista, mas o desespero da moça quando soube do
sumiço do amado, deixou todo mundo achando... sabe,
né?
“Os rapazes principiaram olhando pra Carmela
dum jeito especial, e ficavam se rindo uns pros outros.
Até propostas lhe fizeram. E ninguém mais não quis
casar com ela. E só se vendo como ela procurava!...
Uma verdadeira... nem sei o que!
Até que ficou... não-sei-o-quê de verdade. E sabe
inda por cima o que andaram espalhando? Que quem
principiou foi o irmão dela mesmo, o tal da dançarina...
Porám coisa que não vi, não juro. E falo sempre que não
sei.
Só sei que Carmela foi muito infeliz.
III – CAIM, CAIM E O RESTO
Belazarte me contou:
De repente, os irmãos Aldo, forte e gordo, e Tino,
franzino, sempre tão unidos em tudo e amigos,
começaram a se desentender, a discutir e a se pegar
nos tapas. Tino era fraco mas traiçoeiro e esperto:
mordia, espetava com agulha; Aldo, forte como um
touro, quando perdia a paciência, arrebentava o irmão
de socos. Um dia, numa briga violenta, Tino mordeu a
mão de Aldo e arrancou-lhe um dedo. Aldo esganou o
irmão até a morte. A mãe, viúva e desesperada, não
conseguiu fazer nada. Aldo foi solto. Legítima defesa.
Aos poucos voltou á vida normal de trabalho. Um dia foi
encontrado morto. O marido da Teresinha, o Alfredo
matou-o em legítima defesa. Mas os jurados não
acreditaram em Alfredo, que foi preso e condenado.
Acreditaram que Aldo, o louco, porque tinha um dedo a
menos e era quieto, era inocente. Teresinha ficou viúva,
com dois filhos, era socorrida com um dinheiro que a
sogra lhe dava. Ia vivendo, recebia até propostas, mas
tinha medo de que, quando o marido, um assassino,
fosse solto... credo!
Teresinha era muito infeliz.
IV – MENINA DE OLHO NO FUNDO
Belazarte me contou:
O maestro Marchese, com o sucesso de sua
escola de música, contratou para auxiliá-lo um jovem
violinista chamado Carlos Gomes.
Dolores, filha de uma rica família, de olhos verdes
insinuantes e que costumava conseguir tudo dos
professores com seus olhares fundos, maliciosos e
encantadores, foi matriculada como aluna do jovem
professor. Dolores apaixonou-se pelo mestre,
insinuou-se inutilmente, passou a estudar seriamente,
tornou-se uma verdadeira artista, mas nada mais
conseguiu devido à seriedade do professor, apesar deste
sentir um chamego especial pela aluna. A moça, então,
utilizou-se de artimanhas. Noivou e desmanchou o
noivado duas vezes, para ver se o professor se decidia
por ela; espalhou entre as colegas fofocas de um suposto
relacionamento entre ela e o professor; denunciou o
professor ao diretor da escola como sedutor; insinuou que
a escola estava sendo mal vista na cidade. O jovem
professor demitiu-se da escola por não aceitar as
acusações do diretor e foi falar com dona Marina, mãe de
Dolores. Diante do escândalo que a filha quis aprontar a
mãe deu-lhe uma bofetada na boca. Quase enlouquecida
com a rejeição do professor, Dolores agarrou-se a ele,
confessou as mentiras que espalhara.
Seu Gomes com doçura se desenlaçando. Dores
gritava, dando cotoveladas na mãe, “Me largue! Me
largue!” rouca duma vez. “Eu quero ir com ele!...”
...Foi chorando pra cama, com uma dor de
angústia aguda, sem ninguém dentro do corpo.
Mas três meses depois estava curada.
V – TÚMULO, TÚMULO, TÚMULO
Belazarte me contou:
Ele próprio, Belazarte, contratou como criado um
pretinho chamado Ellis. Um rapazinho bonito, dedicado,
fiel, que aos poucos conquistou o patrão e com ele
manteve uma amizade muito grande. Belazarte faz
inúmeras considerações sobre a superioridade da
amizade sobre o amor, amizade esta que o levou a não
conseguir ficar sem os préstimos de Ellis, que quase
nem trabalhava, apenas lhe fazia companhia. Ellis se
casa com Dora, tem um filho e Belazarte é o padrinho do
casamento e do menino. Ellis empobrece, adoece, Dora
morre, o filho também morre. Ellis contrai tuberculose e
só consegue morrer quando o ex-patrão vai visitá-lo e
garante que cuidará dele.
PUCPR 7
VI – PIÁ NÃO SOFRE? SOFRE.
Belazarte me contou:
Sabe aquela Teresinha que indiretamente
provocou a briga dos irmãos Aldo e Tino, em que Aldo
acabou matando o irmão que lhe arrancara o dedo com
uma mordida? E cujo marido Alfredo matou o Aldo para
se defender e acabou indo para a cadeia como culpado?
Pois o filho menor dessa Teresinha morreu de tifo e ela,
mais a mãe e o filho que sobrou, viviam na miséria,
passando fome num porão sujo, sobrevivendo com o
dinheirinho que a mulatona, mãe de Alfredo, levava todo
mês. O piá barrigudinho, de tanta fome que passava,
começou a comer formiga, barata e terra. Teresinha
finalmente arranjou um amante. A sogra descobriu,
discutiu um monte de baixarias com a nora, levou o neto
com ela e não ajudou mais a Teresinha. Depois de sofrer
toda sorte de violência da mãe, o menino passou a sofrer
mais ainda nas mãos da avó e das filhas dela. Seu
consolo era comer terra, apesar de agora ter comida em
abundância. Foi emagrecendo, tossindo, vomitando,
sujando a casa e sendo obrigado a cada acesso de
tosse e de baba a sair lá fora. Elacom uma vontade
louca de comer terra, mas se segurava para não
apanhar da avó e das tias.
Um dia estava ele no portão vendo o movimento,
quando viu a mãe vestida de prostituta passando. Gritou
pela mãe, que o abraçou, chorou, beijou e foi embora
pensando que ele estava em boas mãos. E o piá,
carente de amor, sozinho, doente.
Paulino de-pezinho, sem um gesto, sem um movi-
mento, viu afinal lá longe o vestido azul desaparecer.
Virou o rostinho.Havia um pedaço de papel de embrulho,
todo engordurado, rolando engraçado no chão. Dar três
passos pra pegá-lo... Nem valia a pena. Sentou-se de
novo no degrau. As cores da tarde iam cinzando man-
sas. Paulino encostou a bochecha na palminha da mão
e meio enxergando, meio escutando, numa indiferença
exausta, ficou assim. Até a gosma escorria da boca
aberta na mão dele. Depois pingava na camisolinha.
Que era escura pra não sujar.
VII – NÍZIA FIGUEIRA, SUA CRIADA
Belazarte me contou:
Essas coisas de felicidade e infelicidade não tem
significado nenhum, si a gente se compara a si mesmo.
Infelicidade é fenômeno de relação...
Quando se pensa que alguém é feliz... ou infeliz,
vai ver, é o contrário do que se imaginava.
Nízia Figueira aos dezessete anos ficou sozinha
no mundo com uma criada preta que ela se acostumou a
chamar de prima Rufina. Viviam as duas sozinhas na
chacrinha cultivando frutas e verduras, ela costurando e
fazendo crochê e Rufina vendendo tudo nas feiras e
casas. O dinheiro era bastante e Rufina sempre trazia as
compras, dinheiro e...cachaça para casa. A pinga e o
cachimbo eram o consolo de Rufina. A bebedeira era
seu céu. Rufina acabou se engraçando por um
filho-da-mãe que a engravidou e fugiu com o dinheiro
delas.
Nízia acreditou que a barriga de Rufina era doença
e nem percebeu quando a preta teve nenê, saiu às
escondidas e deu sumiço na criança. Nízia vivia na
santa ingenuidade até que, já com vinte e poucos anos,
começou a sentir vontade de homem. Ficava no portão.
Começou a beber junto com Rufina, só um pouquinho no
começo, mas quando as duas ficavam tontas, Rufina
revelava os segredos do mundo para Nízia.
Seu Lemos trabalhava no correio, morava numa
casinha embaixo do Viaduto do Chá. Quando morreu a
velha sua mãe. Resolveu pedir Nízia em casamento.
Viam-se uma vez por semana, depois a cada quinzes
dias, depois a cada mês, até que seu Lemos,
encrencado no novo emprego não apareceu mais. Nízia
que a princípio pensara ter encontrado a felicidade,
percebeu que o amor começou a lhe trazer mais
ansiedade e angústia. O bairro cresceu, as pessoas se
conheciam e conversavam, só Nízia não se dava nem
não se dava com ninguém.
Deu mais foi pra beber. E os porres com Rufina se
tornaram frequentes.
Prima Rufina punha a mão sem tato na cabeça de
Nízia e consolava a serena:
– É isso mêmo, mia fia... num chore mais não! A
gente toma pifão, pifão dá gosto e bota desgraça pra
fora... Mecê pensa que pifão num é bom... é bão sim!
Pifão... pifãozinho... pra esquentá desgraça desse
mundo duro...
Nízia ficava piscando, piscando devagar,
mansamente. Que calma no quarto sem voz, na casa...
Que calma na terra inexistente pra ela... Piscava mais.
Os cabelos meio soltos se confundiam com o assoalho
na escureza da noitinha. Mas inda restava bastante luz
na terra, pra riscar sobre o chão aquele rosto claro. Muito
sereno, um reflexo leve de baba no queixo, rubor mais
acentuado na face conservada, sem uma ruga, bonita.
Os beiços entreabriam pro suspiro de sono sair.
Adormecida calma, sem nenhum sonho e sem gestos.
Nízia era muito feliz.
8 PUCPR
O PAGADOR DE PROMESSAS
O AUTOR
Dias Gomes nasceu em 19 de outubro de 1922,
na rua do Bom Gosto, em Salvador (BA).
Na infância, estudou em colégios católicos, o que
fez dele um religioso até os dezessete anos, quando
passou a ser materialista.
Jovem, foi para o Rio de Janeiro tentar a sorte.
Começou o curso de Engenharia, mas abandonou-o;
estudou Direito por três anos, também abandonou o
curso. Só conseguiu se “encontrar” quando começou a
escrever peças de teatro, aptidão que desde a infância
lhe acenava com verdadeira vocação.
Nos anos 40, Dias Gomes tinha uma intensa
produção artística. Suas peças iam sendo publicadas e
o autor passou ainda a trabalhar no rádio, meio que lhe
rendia melhores ganhos.
Casou-se com Janete Clair (1925-1983),
radionovelista e, depois, telenovelista de sucesso. Tudo
parecia caminhar muito bem em sua profissão.
Entretanto, a partir dos anos 50 – e principalmente nos
anos 60 – começa a ter sérios problemas com a censura.
Quase todas as suas peças são proibidas de ir ao palco
ou ao ar.
É quando começa a escrever para a televisão,
novo modelo de mídia. Resultado? Foi o pioneiro da
literatura para a TV, dando a esse meio de cultura um
ótimo nível de qualidade. Além de um dos maiores
dramaturgos brasileiros de todos os tempos, Dias
Gomes torna-se também um dos maiores nomes da
teledramaturgia, ao escrever novelas de grande
sucesso junto ao público e à crítica, tais como Roque
Santeiro, O Bem-Amado, Sinal de alerta e Saramandaia.
O pagador de promessas, sua obra mais
importante, mostra o choque da religiosidade ingênua e
simplória do Zé-do-Burro com a malícia e os interesses
dos personagens urbanos, tanto os religiosos quanto os
seculares.
Esta e outras obras de Dias Gomes (O Santo
Inquérito, A Revolução dos Beatos) colocam em
destaque os choques e conflitos sociais, culturais,
religiosos, econômicos e políticos. É uma eterna luta de
classes abrangente e generalizada.
O autor falece aos 76 anos, em 18 de maio de
1999, vítima de um acidente automobilístico.
A OBRA
Encenada pela primeira vez em 1960, essa marca
a consagração de Dias Gomes como um dos mais
consagrados autores do teatro brasileiro.
A adaptação da peça para o cinema, em 1962,
recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, até o
hoje o maior prêmio recebido pelo cinema brasileiro.
Além disso, a peça também recebeu importantes
prêmios nacionais e internacionais.
Peça rápida, que retrata muito bem um sério
problema enfrentado pelo Zé-do-Burro, o protagonista: a
tragédia da incomunicabilidade.
A peça guarda a unidade de tempo e espaço, isto
é, tudo se passa num mesmo período temporal (a ação
começa de madrugada e termina ao entardecer) e no
mesmo lugar (tudo ocorre em frente à igreja). É nesse
sentido que O pagador de promessas possui todos os
ingredientes próprios da tragédia, pois além da unidade
de tempo e de espaço, a colisão entre o protagonista e o
antagonista verifica-se em função de valores
fundamentais, ao menos para os dois adversários e os
grupos humanos a que pertencem; valores religiosos
pelos quais se empenham até o âmago de sua
existência.
A religiosidade arcaica e o ingênuo sincretismo de
Zé-do-Burro, para quem Iansã e Santa Bárbara, o
terreiro e a igreja tendem a confundir-se, chocando-se
inevitavelmente com o formalismo dogmático do padre
que, ademais, não pode admitir a promoção do burro a
ente digno de promessas.
Está claro que O pagador de promessas constitui
uma crítica ao formalismo clerical, que inscreve sob uma
mesma rubrica problemas tão diferentes. O apego a
certas aparências e o culto rigoroso da razão, em casos
como o de Zé-do-Burro, tornam-se, inevitavelmente,
formas de intolerância, embora tudo se faça para
negá-la. Essa intolerância erige-se, na peça, em símbolo
da tirania de qualquer sistema organizado contra o
indivíduo desprotegido e só. (Sábato Magaldi)
O Pagador de Promessas: a tirania do sistema
contra o indivíduo
Considerada pela crítica como uma tragédia, no
sentido clássico do termo, O pagador de promessas
retrata o drama vivido pelo nosso protagonista, ao
querer simplesmente cumprir uma promessa.
Zé-do-Burro é um sertanejo baiano, simples e
crédulo que, para pagar uma promessa feita a Santa
Bárbara, divide seu sítio com lavradores pobres e carrega
uma pesada cruz aos ombros num trajeto de 7 léguas (=
42 quilômetros!). A santa salvara a vida do burro Nicolau
e Zé quer cumprir a sua promessa: depositar a cruz no
altar-mor da igreja da santa, em Salvador.
Após vencer todos osobstáculos físicos (o cansaço
e o desgaste), começam seus problemas com as
pessoas, quando chega a Salvador. A crença simples de
Zé-do-Burro vai se chocar com a praticidade de Rosa,
sua mulher, que se deixa levar por Bonitão, um cafetão,
para o conforto do hotel. Vai ser impedido de entrar na
igreja pelo padre Olavo, um símbolo da intolerância
eclesiástica e universal, fanático e intransigente, que não
permite a entrada de Zé-do-Burro no templo, por entender
que sua promessa era um ato de feitiçaria, coisa do
demônio, pois fora feita a Iansã, num terreiro de
candomblé. Emerge assim o conflito, baseado em dupla
PUCPR 9
intransigência – a do padre, que não admite o sincretismo
religioso, e a de Zé-do-Burro, que não arreda pé e quer
entrar na igreja a qualquer custo. Nosso personagem terá
ainda suas ideias mal interpretadas e deturpadas pela
imprensa, tendenciosa e ávida de sensacionalismo, e
será mostrado como um pseudo-herói oportunista.
Enquanto a discussão toma vulto, a praça da igreja
fica repleta de gente: ali estão os tipos baianos, a partici-
par do conflito, cada qual a seu modo: é
Dedé-Cospe-Rima, poeta popular, querendo capitalizar
o episódio para um folheto de cordel; são Mestre Coca e
Manoelzinho-Sua-Mãe, mestres de capoeira; é
Minha-Tia, figura tradicional da Bahia, a vender seus
quitutes. Não faltam outros elementos, a participar direta
ou indiretamente da trama: o espanhol Galego, dono de
um bar, feliz com os lucros possíveis; o repórter sensaci-
onalista, fazendo estardalhaço com o “furo” exclusivo
para o jornal; o Secreta, que, “comprado” por Bonitão,
explorador de mulheres e sedutor de Rosa, mulher de
Zé-do-Burro, investiga o caso. Importante observar que,
ao mesmo tempo em que o conflito se avulta, o ambiente
é festivo, já que se comemora o dia de Iansã por toda a
cidade: cantos, rodas de capoeira, foguetório.
O desfecho da confusão em torno de Zé-do-Burro
e de sua promessa é trágico: acuado pela polícia e
decidido mesmo a entrar na igreja, Zé-do-Burro saca de
um punhal. Nesse momento, o padre Olavo o desarma,
os policiais caem sobre ele e os capoeiras por cima dos
policiais. Um tiro atinge Zé-do-Burro. Morto, paga a sua
promessa: é conduzido pelo povo para dentro da igreja,
estendido sobre a cruz, até o altar de Santa Bárbara.
As ideias singelas do protagonista entrarão em
choque com as peças dessa engrenagem destrutiva que
é a sociedade e suas instituições e Zé-do-Burro será
destruído, aniquilado. O autor, Dias Gomes, assim se
manifesta no prefácio da obra:
“Zé-do-Burro é trucidado não pela Igreja, mas por
toda uma organização social, na qual somente o povo
das ruas com ele confraterniza e a seu lado se coloca...
A invasão final do templo tem nítido sentido de
vitória popular e destruição de uma engrenagem da
qual, é verdade, a Igreja, como instituição, faz parte...
O sincretismo religioso que dá motivo ao drama é
fato comum nas regiões brasileiras que, ao tempo da
escravidão, receberam influências de cultos africanos.
Não podendo praticar livremente esses cultos, procura-
vam os escravos burlar a vigilância dos senhores bran-
cos, fingindo cultuar santos católicos, quando, na
verdade, adoravam seus deuses nagôs...
O Pagador de Promessas nasceu, principal-
mente, dessa consciência que tenho de ser explorado e
impotente para fazer uso da liberdade que, em princípio,
me é concedida. ...
Zé-do-Burro faz aquilo que eu desejaria fazer –
morre para não conceder. Não se prostitui. E sua morte
não é inútil, não é um gesto de afirmação individualista,
porque dá consciência ao povo, que carrega o seu
cadáver como bandeira.”
CENAS FUNDAMENTAIS DA OBRA
I
(Uma praça pequena, ladeiras, prédios coloniais,
uma igreja modesta com escadaria de quatro ou cinco
degraus. Uma vendola na esquina onde se vendem café,
cachaça, etc. São quatro e meia da manhã. Ouvem-se
sons distantes dos atabaques dum candomblé.
Zé-do-Burro surge carregando uma enorme e
pesada cruz de madeira, seguido de Rosa, sua mulher.
Estão cansados, de passos lentos. Zé tem uns 30 anos,
magro, de estatura mediana, de olhar morto e
contemplativo. Seu rosto transmite um ar de bondade,
tolerância e certa infantilidade. Seus gestos e sua
maneira de falar são lentos e preguiçosos. Tem barba de
dois ou três dias e traja-se decentemente, embora sua
roupa seja mal talhada e esteja amarrotada e suja de
poeira.
Rosa parece ter pouco em comum com ele, é uma
bela mulher, embora seus traços sejam um pouco
grosseiros, tal como suas maneiras. Ao contrário do
marido, tem “sangue quente”, revelando, logo à primeira
vista, uma insatisfação sexual e uma ânsia recalcada de
romper com o ambiente em que se sente sufocar.
Veste-se como uma provinciana que vem à cidade, mas
também como uma mulher que não deseja ocultar os
encantos que possui.)
ROSA – Que é que você está procurando?
ZÉ – Qualquer coisa escrita... pra a gente saber se
essa é mesmo a igreja de Santa Bárbara.
ROSA – Claro que é essa.
ZÉ – (Corre os olhos em volta). Se a gente
pudesse perguntar a alguém...
ROSA – Essa hora está todo o mundo dormindo.
(Olha-o quase com raiva e procura convencê-lo).
Escute, Zé... já que a igreja está fechada, a gente podia
ir procurar um lugar pra dormir...
ZÉ – E a cruz?
ROSA – Você deixava a cruz aí e amanhã, de dia...
ZÉ – Podem roubar...
ROSA – Quem é que vai roubar uma cruz, homem
de Deus?
ZÉ – Tem tanta maldade no mundo. Era correr um
risco muito grande, depois de ter quase cumprido a
promessa. E você já pensou; se me roubassem a cruz,
eu ia ter que fazer outra e vir de novo com ela nas costas
da roça até aqui. Sete léguas!
ROSA – Você já pagou a promessa, trouxe a cruz
de madeira até à igreja de Santa Bárbara. Pronto. Agora,
vamos embora.
ZÉ – A igreja é da porta pra dentro.
ROSA – Mas a porta está fechada e a culpa não é
sua. Santa Bárbara deve saber disso, que diabo.
ZÉ – Eu prometi levar a cruz até dentro da igreja e
tenho que levar. Não vou me sujar com a santa por
causa de meio metro.
10 PUCPR
(Rosa olha-o com raiva e vai deitar-se num dos
degraus da escada da igreja. Zé se ajeita ali mesmo
perto da cruz. Subitamente, irrompem na praça Marli e
Bonitão. Ela tem, na realidade, vinte e oito anos, mas
aparenta mais dez. Pinta-se com algum exagero, mas
mesmo assim não consegue esconder a tez
amarelo-esverdeada. Possui alguns traços de uma
beleza doentia, uma beleza triste e suicida. Seus gestos
e atitudes refletem o conflito da mulher que quer
libertar-se de uma tirania que, no entanto, é necessária
ao seu equilíbrio psíquico – a exploração de que é vítima
por parte de Bonitão vem, em parte, satisfazer um
instinto maternal frustrado. Há em seu amor e em seu
aviltamento, em sua degradação voluntária, muito de
sacrifício maternal, ao qual não falta, inclusive, um certo
orgulho. Bonitão é insensível a tudo isso. Ele é frio e
brutal em sua “profissão”. Encara a exploração a que
submete Marli e outras mulheres, como um direito que
lhe assiste, ou melhor, um dom que a natureza lhe
concedeu, juntamente com seus atributos físicos. Em
seu entender, sua beleza máscula e seu vigor sexual,
aliados a um direito natural de subsistir, justificam
plenamente seu modo de vida. De estatura um pouco
acima da média, forte e de pele trigueira, amulatada. A
ascendência negra é visível, embora os cabelos sejam
lisos, reluzentes de gomalina e os traços regulares, com
exceção dos lábios grossos e sensuais e das narinas um
tanto dilatadas. Veste-se sempre de branco, colarinho
alto, sapatos de duas cores. Descem a ladeira, ela na
frente, passos rápidos. Ele a segue, como se viessem já
de uma discussão.)
BONITÃO – (Segura-a pelo braço, mete
subitamente a mão no decote de Marli e tira de entre os
seios uma nota). Sua vaca!
(Ele faz menção de dar-lhe um bofetão, ela corre e
refugia-se atrás da cruz. Zé-do-Burro desperta de sua
semi-sonolência e começa a prestar atenção à cena).
MARLI – Eu precisava desse dinheiro. Pra pagar o
quarto, você sabe.
BONITÃO – Não gosto de ser tapeado. Por que
não pediu?
MARLI – E você dava?
BONITÃO – Ora, mas é claroque não.
MARLY – O que lhe falta? Eu não tenho lhe dado
tudo o que você me pede? Se for preciso dou mais
ainda. (Alisa sua roupa e admira-o maternalmente).
Tenho prazer em ver você vestido com a roupa que eu
dei, com os sapatos que eu comprei e com a carteira
recheada de notas que eu ganhei pra você. Tenho
orgulho, sabe?
BONITÃO – (Guardando o dinheiro no bolso).
Então... Agora vai pra casa que eu preciso trabalhar!
(Acende um cigarro, abstraindo-se da presença de Marli,
que o fita como um cão escorraçado pelo dono e sai.
Bonitão se mostra intrigado com a cruz no meio da
praça. Examina-a curiosamente e por fim dirige-se a
Zé-do-Burro). É sua?
(Zé balança a cabeça em sinal afirmativo).
ZÉ – (Olhando na direção de Marli). É sua?
BONITÃO – (Faz que mais ou menos). Digamos
que eu sou assim uma espécie de fiscal do imposto de
renda. (Olha a cruz). Encomenda?
ZÉ – Não. Promessa.
(Bonitão faz como se fosse sair, mas se detém
diante de Rosa, cujo vestido, levantado, deixa um palmo
de coxa).
ROSA – (Abre os olhos, sentindo que está sendo
observada). Que é? (conserta o vestido).
BONITÃO – Também veio pagar promessa...
ROSA – Eu não, ele. Por causa disso tenho que
dormir aqui no batente de uma igreja, como mendiga.
(Senta-se).
ZÉ – Que horas são?
BONITÃO – (Consulta o relógio). Um quarto para
as cinco.
ZÉ – A que horas abre a igreja?
BONITÃO – Não é bem o meu ramo...
ZÉ – Mas hoje é o dia de Santa Bárbara...
BONITÃO – Quem sabe a sacristia já esteja
aberta. Por que o senhor não vai olhar? A porta é do lado
de lá...
ZÉ – É... Rosa, você vigia a cruz, eu não demoro.
(Sai)
BONITÃO – Isso não é trato que se dê a uma
mulher... mesmo sendo mulher da gente. Tem qualida-
des para exigir mais: boa cama e melhor companhia.
ROSA – Não fale em cama pra quem tem o corpo
todo moído, como eu. Duas noites sem dormir...
BONITÃO – (Se aproxima dela e acaricia-lhe o
braço). Pobrezinha...
(Rosa puxa o braço bruscamente, depois mantém,
por alguns segundos, um olhar de desafio).
ROSA – Não faça isso! Ele pode voltar de repente.
(Volta a sentar-se na escada). Dava a vida por uma
cama...
BONITÃO – Eu posso lhe arranjar um hotelzinho
aqui perto...
Sou muito cotado com o porteiro do hotel e tenho
boas relações com a polícia. Nesta zona, todos
respeitam o Bonitão.
ROSA – (Quase sensualmente). Bonitão, é...
BONITÃO – (Senta-se junto dela)... No hotel tem
banheiro... colchão de mola...
(Entra Zé-do-Burro. Bonitão levanta-se).
ZÉ – Tudo fechado. Tem jeito não.
ROSA – (Revoltada) E eu que aguente este
batente frio até Deus sabe que horas. A promessa nem é
minha, e eu aqui, pagando...
ZÉ – Paciência, Rosa, essa a santa fica lhe
devendo...
PUCPR 11
ROSA – E desde quando santo paga dívida?
(Rosa volta a deitar-se no degrau)
BONITÃO – (Assumindo um ar tão eclesiástico
quanto possível). Não seja assim tão descrente... Quem
sabe se Santa Bárbara já não está providenciando o
pagamento dessa dívida também e escolheu a mim pra
pagador? Porque o senhor não sabe, mas eu posso, em
cinco minutos, arranjar uma boa cama num hotel perto
daqui.
ZÉ – (Pensativo)... Que é que você diz, Rosa?
ROSA – (Percebendo o jogo de Bonitão). Quero
não, Zé. Prefiro ficar aqui com você.
ZÉ – Ainda agora mesmo você estava se
queixando.Vá com o moço, não tenha acanhamento.
BONlTÃO – Eu vou com ela até lá, apresento ao
porteiro, que é meu conhecido, depois volto para lhe
dizer o número do quarto.
ZÉ – Se o senhor fizer isso, é um grande favor.
ROSA – Zé, é melhor eu ficar com você...
ZÉ – Pra que, Rosa? Assim você descansa, não
precisa ficar aí nesse batente frio...
BONlTÃO – Um perigo! Pode pegar uma
pneumonia.
ROSA – (Inicia a saída. Pára, hesitante. Pressente
o perigo que vai correr. Procura, com o olhar, fazer
Zé-do-Burro compreender o seu receio). Zé...
ZÉ – Ah, sim. (Enfia a mão no bolso, tira um maço
de notas). Pode ser que precise pagar adiantado...
(Rosa recebe o dinheiro. Encara o marido e sobe a ladei-
ra. Bonitão a segue. Zé senta-se ao pé da cruz e procura
uma maneira de apoiar o corpo sobre ela. Aos poucos, é
vencido pelo sono. Entra Beata).
II
(O sacristão sonolento é xingado pela Beata
porque a igreja ainda está fechada e ambos conversam
sobre o estranho com uma cruz dormindo na praça)
BONlTÃO – ( Bonitão e vê a igreja aberta. Sacode
Zé-do-Burro). Camarado... oh, meu camarado!...
ZÉ – (Desperta). Já é dia...
BONITÃO – Já. E a igreja já está aberta, você
pode entregar o carreto.
ZÉ – (Levanta-se, com dificuldade, os músculos
adormecidos e doloridos). É verdade...
BONITÃO – Eu voltei aqui pra lhe dizer o número
do quarto de sua senhora. É o 27. Um bom quarto, no
segundo andar. (Apressadamente). Foi o que o porteiro
garantiu, e o hotel é aquele ali, Hotel Ideal.
ZÉ – Ah, obrigado...
(Entra Padre Olavo. É um padre moço ainda. Deve con-
tar, no máximo, quarenta anos. Sua convicção religiosa
aproxima-se do fanatismo. Talvez, no fundo, isto seja
uma prova e falta de convicção e autodefesa. Sua intole-
rância, que o leva, por vezes, a chocar-se contra princí-
pios de sua própria religião e a confundir com inimigos
aqueles que estão de seu lado, não passa, talvez, de
uma couraça com que se mune contra uma fraqueza
consciente).
ZÉ – (Adianta-se inclina-se, respeitoso e beija-lhe
a mão).
PADRE – Deus te abençoe, meu filho.
ZÉ – Eu vim de muito longe, Padre, pra trazer esta
cruz.
Promessa pra Santa Bárbara. Estava esperando
abrir a igreja...
PADRE – Deve ter recebido dela uma graça muito
grande!
ZÉ – Ah, sim! Graças a Santa Bárbara, a morte
não levou o meu melhor amigo, Nicolau. Ele foi ferido na
cabeça por um galho de árvore que caiu, num dia de
tempestade. Eu e minha mulher tratamos dele, mas no
dia seguinte, quando saí de casa Nicolau estava
prostrado, tinha muita febre e não pôde se levantar. Foi a
primeira vez que isso aconteceu. Todo mundo reparou,
porque ele andava sempre comigo. Se eu ia na missa,
ele ficava esperando na porta da igreja...
PADRE – Porque, ele não é católico?
ZÉ – (Com grande tristeza). Não. Nicolau teve o
azar de nascer burro... de quatro patas.
(Bonitão dá uma estrondosa gargalhada).
PADRE – Burro?! Então foi por um burro que o
senhor fez essa promessa?
ZÉ – Foi.
PADRE – (Tentando se controlar). Continue.
ZÉ – Nem as rezas do preto Zeferino deram jeito.
Eu já estava começando a perder a esperança, pensei
que nunca mais ia ouvir os passos do meu bom amigo
me seguindo por toda parte. Até me puseram um
apelido: Zé-do-Burro. Foi então que comadre Miúda
recomendou que eu fosse no candomblé de Maria de
Iansã. Eu sei que seu vigário vai ralhar comigo. Mas o
pobre Nicolau estava morrendo. A Mãe-de-Santo disse
que eu devia fazer uma promessa pra Iansã. E já que
Iansã é Santa Bárbara, prometi que se Nicolau ficasse
bom eu carregava uma cruz de madeira lá da roça até a
Igreja de Santa Bárbara, no dia de sua festa, uma cruz
tão pesada como a de Cristo. E prometi também dividir
as minhas terras com os lavradores mais pobres que eu.
SACRISTÃO – E o burro ficou bom?
ZÉ – Sarou em dois tempos. Milagre de Santa
Bárbara!
PADRE – (Procurando inicialmente controlar-se).
Em primeiro lugar, não se trata de um milagre, apenas
de uma graça. Além disso, Santa Bárbara jamais faria
isso num terreiro de candomblé!
ZÉ – Mas Iansã é Santa Bárbara...
PADRE – (Explodindo). Santa Bárbara é uma
santa católica! E mais! O senhor disse que prometeu
carregar uma cruz tão pesada como a de Cristo! Isso
prova que está querendo igualar-se ao Filho de Deus!
Com certeza está querendo ser visto como um novo
Cristo! Mas é muita pretensão! De jeito nenhum! Nesta
12 PUCPR
igreja o senhor não entrará com essa cruz! (Dá as costas
e dirige-se à igreja).
ZÉ – (Em desespero). Mas Padre... eu preciso
cumprir a minha promessa!
PADRE – Fizesse-a então numa igreja e não num
antro de feitiçaria. Não se pode servir a dois senhores, a
Deus e ao diabo!
ZÉ – O senhor não entendeu, foi pra salvar o
Nicolau! Eu sempre servi a Deus e a igreja é dele. O
senhor não pode impedir a minha entrada!
PADRE – Vai desrespeitar a minha autoridade?ZÉ – Entre o senhor e Santa Bárbara, eu fico com
Santa Bárbara.
PADRE – Pois eu fecho as portas da igreja! Aqui
essa cruz não passa! (Entra na igreja).
III
(Zé-do-Burro, nervos tensos, olhos dilatados, numa ati-
tude de incompreensão e revolta, parece disposto a não
arredar pé dali. Bonitão, um pouco afastado, observa,
tendo nos lábios um sorriso irônico... Ouve-se um pre-
gão: “Beiju... olha o beiju!” ...Logo após, surge uma bai-
ana em trajes típicos, com um tabuleiro na cabeça).
MINHA TIA – ( Para Galego que estava abrindo a
venda). Iansã lhe dê um bom-dia.
GALEGO – Graças, Minha Tia. (Ele a ajuda a
montar seu tabuleiro).
MINHA TIA – Não vai abrir a igreja hoje? Dia de
Santa Bárbara...
BEATA – (Lança um olhar para Zé-do-Burro). Não
enquanto ele não for embora. Quer entrar com essa cruz
na igreja.
MINHA TIA – Foi promessa?
BEATA – Foi. Mas pra Iansã... (Minha Tia toca com
as pontas dos dedos o chão e a testa.)
(Minha Tia, Dedé, poeta popular, Galego, Beata e Boni-
tão comentam os acontecimentos – Aparece o Guarda e
insiste com Zé para que tire a cruz do caminho e depois
vai falar com o padre. – Rosa desce a ladeira. Vem um
pouco apressada, como se temesse não mais encon-
trá-lo ali. Mas quando vê Zé-do-Burro, diminui o passo,
tranquiliza-se em parte. Não perde, entretanto, um certo
ar culposo, que procura disfarçar).
ROSA – Você ainda está aí! (Nota a igreja
fechada). A igreja não abriu?
ZÉ – Abriu, sim. Mas o Padre não quer me deixar
entrar com a cruz.
ROSA – Por quê?
ZÉ – (Balança a cabeça, na maior infelicidade).
Não sei, Rosa, não sei... Já não entendo nada... parece
que me viraram pelo avesso e estou vendo as coisas ao
contrário do que elas são. O céu no lugar do inferno... o
demônio no lugar dos santos.
ROSA – (Refletindo na própria experiência). É...
De repente, a gente percebe que é outra pessoa... É
horrível. Zé, isso está parecendo castigo! Vamos
embora daqui.
ZÉ – Não posso.
REPÓRTER – (Entra acompanhado do Fotógrafo)
Lá está ele. (Vai a Zé, enquanto o Fotógrafo circula à
procura de ângulos. O Repórter é vivo e perspicaz). Bom
dia, amigo! (Aperta efusivamente a mão de
Zé-do-Burro). Parabéns! O senhor é um herói. Sete
léguas carregando esta cruz! Quarenta e dois
quilômetros! Puxa! (Desconfiança de Rosa e
Zé-do-Burro). (Para o Fotógrafo). Carijó, pode bater uma
chapa. (Posa de frente para Zé-do-Burro, de caderno e
lápis em punho). O senhor vai ficar famoso!
ZÉ – (Contrariado). Eu não quero ficar famoso.
ROSA – (Interrompe, em tom de repreensão). Que
é isso, Zé. Ele é da gazeta...
REPÓRTER – Mulher dele?
ROSA – Sou. (Como uma metralhadora giratória).
Também andei sete léguas. Saímos ontem de
manhãzinha, cinco horas da manhã, e chegamos aqui
antes das cinco. Por causa do burro que adoeceu e ia
morrer, daí ele fez a promessa pra Santa Bárbara.
REPÓRTER – Um burro?
ZÉ – (Irritado). Por quê? O senhor também acha
que o meu burro não vale uma promessa?
REPÓRTER – Não, de modo algum... Tudo isso é
por causa de um burro... (Repentinamente, antevendo o
interesse que despertará a reportagem). Fabuloso!
ROSA – E não foi só isso. Ele prometeu também
repartir o nosso sítio com aquela gente...
ZÉ – Gente que quer trabalhar e não tem terra. E
não estou arrependido. O que ficou pra nós dá e sobra.
Cada um tem que trabalhar no que é seu.
REPÓRTER – (Anota). É a favor da Reforma
Agrária e contra a exploração do homem pelo homem. O
senhor pertence a algum partido político, seu...?
ZÉ – ... Zé-do-Burro... Não, não sou político, não
senhor.
REPÓRTER – Mas com certeza seria eleito com
burro e tudo! Avalio a agitação que o senhor fez com
isso. Pelas estradas, no caminho até aqui, deve ter-se
juntado uma verdadeira multidão para vê-lo passar.
ZÉ – É, tinha...
REPÓRTER – E imaginem a volta! A chegada à
sua cidade, em carro aberto, banda de música,
foguetório!
ZÉ – Moço, eu vim a pé e vou voltar a pé.
ROSA – Não seja estúpido, homem! O moço está
querendo ajudar a gente.
ZÉ – Então ele que me ajude a convencer o vigário
a abrir a porta...
REPÓRTER – Eu vou já entrevistar o vigário.
ZÉ – Eu vou também.
REPÓRTER – Carijó, bata mais uma chapa. (Para
Zé-do-Burro). Quer fazer o favor de carregar a cruz?
PUCPR 13
(Para Rosa). A senhora também. (Zé-do-Burro fica
indeciso, sem palavras para traduzir a sua indignação.)
ROSA – Vamos, Zé! (Empurra-o para baixo da
cruz e coloca-se a seu lado, numa atitude forçada. O
Fotógrafo bate a chapa).
IV
(Bonitão desce a ladeira e para na vendola. Rosa o vê e
não esconde a emoção, vai à venda e encosta-se no bal-
cão ao lado de Bonitão).
BONITÃO – Ele desconfiou de nós?
ROSA – Nada. Só pensa na cruz e na promessa.
BONITÃO – Sabe que eu não consegui dormir
pensando em você?
ROSA – Melhor que não pense.
BONITÃO – Está arrependida?
ROSA – Estou.
BONITÃO – Agora é tarde.
ROSA – Dá vontade de contar tudo.
BONITÃO – Não é má ideia. Ele largava você aqui
na cidade e voltava sozinho.
ROSA – Você me obriga a fazer o que eu não
quero
BONITÃO – Que culpa tenho eu de ter nascido
com tantas qualidades?
ROSA – Ele precisa de mim. (Ela vai voltar ao
centro da praça. Ele a segura pelo braço).
BONITÃO – (Baixo). Espere...
ROSA – Está louco?
BONITÃO – Ele não pode sair de junto da cruz.
Mas você pode. Vamos descansar lá no hotel...
(Entra Zé-do-Burro. Rosa e Bonitão disfarçam).
MINHA TIA – (Detendo-o). Meu filho, eu sou
“ekédi” no candomblé da Menininha. Você fez obrigação
pra Iansã, Iansã está lá pra receber!
ZÉ – Como?
MINHA TIA – Eu levo você lá com a cruz a santa
recebe e você fica em paz com ela!
ZÉ – Não, não foi num terreiro que eu disse que
levaria a cruz, foi numa igreja de Santa Bárbara.
MINHA TIA – Santa Bárbara é Iansã. E ela está lá!
ZÉ – Não. Não é a mesma coisa.
(Abre-se a porta da igreja e surgem Repórter e
Fotógrafo).
REPÓRTER – (Indo a Zé-do-Burro). Nada feito, o
padre é uma rocha. Mas ele vai acabar cedendo. Eu lhe
garanto. Agora a causa não é só sua, é também do
nosso jornal e do povo! Resista! Afinal de contas, é um
direito que o senhor adquiriu em 42 quilômetros de “via
crucis”. Eu confio no senhor. (Sai seguido do Fotógrafo).
BONITÃO – Jornalistas, é?
ROSA – É. (Com vaidade). E tiraram o meu retrato.
(Neste momento, entra Marli pela direita. Ao ver Bonitão
junto a Rosa, avança para ele em atitude agressiva).
MARLI – Eu sabia!...
BONITÃO – Que é que você vem fazer aqui?
MARLI – Venho saber por que o senhor não apareceu
em casa esta noite.
BONITÃO – Que casa?
MARLI – A minha casa.
BONITÃO – Estava indisposto. Porquê?
MARLI – (Mede Rosa de alto a baixo). Eu estou vendo a
sua “indisposição”
BONITÃO – (Em voz contida, mas enérgico). Não faça
escândalo!
Pra que fazer a senhora passar vexame.
MARLI – (Irônica) Senhora! Se essa daí é senhora, eu
sou donzela... Dormiu com ela, não foi?
(O rosto de Zé-do-Burro se cobre de sombras e ele
busca nos olhos de Rosa uma explicação. Ela não o fita).
BONITÃO – (Segura Marli por um braço, violentamente).
Vamos para casa!
MARLI – Eu vou! Mas primeiro quero que essa vaca
saiba que você é meu. (Com orgulho). Meu! (Grita para
Rosa). Esta roupa foi comprada com o meu dinheiro!
Esta e todas as que ele tem!
BONITÃO – (Perde a paciência, ameaçador). Se você
não for para casa imediatamente, nunca mais eu deixo
você me dar nada!
MARLI – (Deixando-se arrastar por ele). Fique com seu
beato e deixe meu homem em paz!
(Há uma pausa longa, na qual Zé-do-Burro apenas fita
Rosa, silenciosamente, sob o impacto da cena. Em seu
olhar, lê-se a dúvida, a incredulidade e sobretudo o
pavor diante de um mundo que começa a desmoronar).
V
ROSA – (Para o marido). São três horas da tarde.
Você não está com fome?
ZÉ – Não. (Não esconde o ressentimento que
guarda dela). Com certeza Santa Bárbara está me tes-
tando pra ver se eu desisto da promessa... Ainda há
pouco quase que eu caio. Quando aquela sujeita disse
aquilo tudo de você, o sangue me subiu e se eu não con-
trolo tinha matado um homem ou uma mulher, ia preso e
não cumpria a promessa. Tudo isso é uma provação.
ROSA – É a única explicação, Santa Bárbara me
usoupra te pôr à prova. Foi uma vontade maior que a
minha. E você ajudou. Você também é culpado. Eu não
queria ir mas você insistiu. O que é que eu podia fazer?
ZÉ – Resistir, como eu fiz ainda há pouco.
ROSA – Isso não vai acontecer mais...
ZÉ – (Não muito convencido). Esse assunto nós
vamos resolver depois, na volta.
(Entra Bonitão pela direita e com o Secreta. Traz um jor-
nal embaixo do braço).
BONITÃO – (Em voz baixa, disfarçadamente).
Você veio depressa.
SECRETA – Que é que você quer falar comigo? (
14 PUCPR
BONITÃO – (Corta, sorrindo) Olha aí... (Indica,
com o olhar, Zé-do-Burro).
SECRETA – Quem é ele?
BONITÃO – (Mostrando o jornal). Leia... (O
Secreta põe-se a ler o jornal atentamente). O homem é
perigoso. Não é à toa que o padreco fechou a igreja e
jurou que ele não entra.
SECRETA – É...
BONITÃO – Porque não “guarda” ele por uns
dias... Dá o flagra no homem!
(Vão até Zé-do-Burro. Zé-do-Burro recebe Bonitão
e Secreta com desconfiança. Rosa mostra certo
constrangimento diante de Bonitão. Este apresenta o
Secreta).
BONITÃO – Já viram isso? (Dá o jornal a Rosa).
ROSA – (lê e mostra-o a Zé-do-Burro). Não estou
gostando nada disso, Zé.
ZÉ – (Vendo o jornal). Nem eu...
BONITÃO – (Apresentando o Secreta). Um amigo.
Ele quer ajudar.
ZÉ – (Dentro dele, uma revolta de proporções
imprevisíveis começa a crescer). Todo o mundo quer
ajudar... (Rasga o jornal).
ROSA – (Assustada). Não faça isso, homem!
SECRETA – O senhor sabia que suas ideias são
muito perigosas?
ZÉ – Perigosas?
SECRETA – O senhor não devia dizer isso no
jornal. Pode lhe dar muita complicação. Por muito
menos já vi gente ir parar no xadrez. Estou avisando
como amigo.
ZÉ – Amigo. Já vi que estou cercado de amigos. É
amigo por todo lado... Cada qual querendo ajudar mais
do que o outro. A vontade que eu tenho é de jogar uma
bomba... Que Deus me perdoe! Padre! Deus é
testemunha! Ainda não comi hoje... E não vou comer até
que abra a porta! Vou morrer de fome na porta da sua
igreja, padre!
(Abre-se de súbito a porta da igreja e entra o
Padre).
PADRE – Que pretende com essa gritaria?
Desrespeitar a casa de Deus?
ZÉ – Não, Padre, lembrar somente que ainda
estou aqui com a minha cruz.
PADRE – (Agora para toda a praça). Estive o dia
todo estudando este caso. Consultei livros, textos
sagrados. Naquele burro está a explicação de tudo. É
Satanás! Só mesmo Satanás podia levar alguém a
ridicularizar o sacrifício de Jesus.
ROSA – Não, Padre, o Zé é um homem bom.
Nunca fez mal a ninguém.
ZÉ – (Interrompe) Padre, eu sou católico. Pode ser
que eu tenha errado, mas sou um bom católico.
PADRE – Então desista da promessa que fez
jogue fora essa cruz e venha, sozinho, pedir perdão a
Deus.
ZÉ – Não! Não posso fazer isso! Não posso
arriscar a vida do meu burro!
PADRE – Então é porque você acredita mais na
força do demônio do que na força de Deus!
ZÉ – (Subitamente fora de si, corre para a cruz,
levanta-a nos braços como um aríete e grita) Padre! Por
Santa Bárbara ou por Satanás, vou colocar esta cruz
dentro da igreja, custe o que custar!
PADRE – Eis a prova! Um católico não ameaça
invadir a casa de Deus!
(E ante a investida de Zé-do-Burro, que caminha
para a igreja, corre e cerra a porta no momento mesmo
em que Zé sobe os degraus. Zé-do-Burro solta a cruz,
senta-se num dos degraus e esconde o rosto entre as
mãos).
BONITÃO – (Para o Secreta). Que está
esperando?.. Não está convencido ainda?..
SECRETA – Você fica aí e vigia o homem que eu
vou buscar reforço. (Sai).
VI
(ROSA – Zé, esta praça está ficando cada vez menor...
como se eles estivessem fechando todas as saídas.
(Volta-se para ele, com veemência). Vamos embora Zé,
enquanto é tempo!
ZÉ – (Notando a apreensão de Rosa) Que há?
ROSA – Aquele homem que estava com Bonitão
não é nosso amigo. Ouvi dizer que é da polícia. Alguém
denunciou você.
ZÉ – Não sou nenhum criminoso, não fiz mal a
ninguém.
ROSA – Por isso mesmo, você não sabe fazer
mal...
ZÉ – (Desiludido). Não se preocupe, Rosa. Esta
noite a gente vai embora.
ROSA – E por que não agora? De noite, talvez seja
tarde pra voltar!
Com certeza foi o próprio Bonitão que denunciou
você à polícia, era amigo dele, não era? A gente devia
ganhar a estrada agora mesmo. Você tinha razão, todos
querem ajudar, mas só fazem é desgraçar a vida da
gente.
MINHA TIA – (Para Zé-do-Burro) Chegou um carro
da Polícia! Eles estão com o Padre, na sacristia.
ZÉ – Eu não roubei, não matei ninguém! Não vou
fugir como qualquer criminoso.
ROSA – Zé! Não adianta... não adianta mais... A
Polícia já está aí! Veio cercar a praça!
MINHA TIA – Some daqui, meu filho!
ROSA – Vamos, Zé!
ZÉ – Santa Bárbara me abandonou, Rosa!
ROSA – Se ela abandonou você, abandone
também a promessa.
PUCPR 15
ZÉ – Não... mesmo que ela me abandone... eu
preciso ir até o fim...ainda que já não seja por ela... que
seja só para ficar em paz comigo mesmo.
DELEGADO – Vamos à delegacia...!
ZÉ – Mas eu não fiz nada...
ROSA – Não!
ZÉ – Ninguém vai me levar! Eu não fiz nada pra ser
preso! Daqui só saio é morto! Juro por Santa Bárbara!
Só morto!
ROSA – Zé!
ZÉ – Me deixe, Rosa! Não venha para cá!
Zé-do-Burro, de faca em punho, recua em direção
da igreja. Sobe um ou dois degraus, de costas. P Padre
vem por trás e dá uma pancada em seu braço, fazendo
com que a faca vá cair no meio da praça. Zé-do-Burro
corre e abai- xa-se para apanhá-la. Os policiais aprovei-
tam e caem sobre ele para subjugá-lo. E os capoeiras
caem sobre os policiais para defendê-lo. Zé-do-Burro
desaparece na onda humana. Ouve-se um tiro. A multi-
dão se dispersa como num estouro de boiada. Fica ape-
nas Zé-do-Burro no meio da praça, com as mãos sobre o
ventre. Ele dá ainda um passo em direção à igreja e cai
morto).
ROSA – (Num grito.) Zé! (Corre para ele.)
PADRE – (Num começo de reconhecimento de
culpa.) Virgem Santíssima! (Desce os degraus da igreja
em direção ao corpo de Zé-do-Burro.)
ROSA – (Com rancor.) Não chegue perto!
PADRE – Queria encomendar a alma dele...
ROSA – Encomendar a quem? Ao Demônio?
O Padre baixa a cabeça e volta ao alto da escada.
Bonitão surge na ladeira. Mestre Coca consulta os com-
panheiros com o olhar. Todos compreendem a sua inten-
ção e respondem afirmativamente com a cabeça. Mestre
Coca inclina-se diante de Zé-do-Burro, segura-o pelos
braços, os outros capoeiras se aproximam também e aju-
dam a carregar o corpo. Colocam-no sobre a cruz, de
costas, com os braços estendidos, como um crucificado.
Carregam-no assim, como numa padiola e avançam para
a igreja.Bonitão segura Rosa por um braço, tentando
levá-la dali. Mas Rosa repele-o com um safanão e segue
os capoeiras. Bonitão dá de ombros e sobe a ladeira. Inti-
midados, o Padre e o Sacristão recuam, a Beata foge e os
capoeiras entram na igreja com a cruz, sobre ela o corpo
de Zé-do-Burro. O Galego, Dedé e Rosa fecham o cor-
tejo. Só Minha Tia permanece em cena. Quando uma tro-
voada tremenda desaba sobre a praça.
MINHA TIA – (Encolhe-se toda, amedrontada, toca com
as pontas dos dedos o chão e a testa.) Eparrei, minha
mãe!
E O PANO CAI LENTAMENTE.
FIM
16 PUCPR
FELICIDADE CLANDESTINA
Clarice Lispector
1. FELICIDADE CLANDESTINA
Lembranças da infância da autora em Recife.
Ela gostava de ler. Sua situação financeira não era
suficientemente boa para comprar livros. Por isso, ela
vivia pedindo-os emprestados a uma colega que não
gostava de ler e que era filha de um dono de livraria.
Essa amiga da protagonista é descrita como uma
menina rica, baixa e sardenta, com um enorme talento
para a crueldade.
Certo dia, a filha do livreiro informou à narradora
que podia emprestar-lhe “As Reinações de Narizinho”,
de Monteiro Lobato, mas que fosse buscar o livro em sua
casa. A protagonista passa a sonhar com o livro. Mal
sabia que a colega queria exercitar sua crueldade.
Todos os dias, invariavelmente, o empréstimo do livro
era adiado, pelos mais diversos motivos: ou já estava
emprestado, ou estava de manhã, mas à tarde não
estava mais... Enfim, esse suplício durou muito tempo
até que, certo dia, a mãe da colega cruel interveio na
conversadas duas e percebeu a atitude da filha; então,
emprestou o livro à sonhadora por tanto tempo quanto
desejasse:
“Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que
não o tinha, só para depois ter o susto de o ter... Criava
as mais falsas dificuldades para aquela coisa
clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria
ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.
Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor
em mim...
Não era mais uma menina com um livro: era uma
mulher com seu amante”.
2. UMA AMIZADE SINCERA
O narrador conheceu um colega de escola no
último ano de estudo. Desde então, tornaram-se amigos
inseparáveis. Quando não conversavam pessoalmente,
falavam-se pelo telefone conversavam sobre tudo e a
todo tempo. Mas, aos poucos, a amizade entre ambos
vai esfriando por falta de novidades, os assuntos
começaram a faltar. Às vezes, marcavam encontro e,
não tendo sobre o que conversar logo se despediam
embora se ressentissem da solidão ao chegarem a
casa:
“Cheguei a ler livros apenas para poder falar deles.
Mas uma amizade sincera queria a sinceridade mais
pura. À procura desta, eu começava a me sentir vazio.
Nossos encontros eram cada vez mais decepcionantes.
Minha sincera pobreza revelava-se aos poucos.
Também ele, eu sabia, chegara ao impasse de si
mesmo... todos os problemas já tinham sido tocados,
todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas
essa coisa que havíamos procurado sedentos até então
e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo,
sabíamos, e com que amargor sabíamos, de sair da
solidão que um espírito tem no corpo”.
Passaram a dividir o mesmo apartamento, e
apesar de se sentirem alegres, a falta de assunto
persistia. Só se sentiam amigos, nada mais.
As férias foram angustiantes. A solidão de um ao
lado do outro era incômoda demais. Quando o amigo
teve uma pequena questão com a Prefeitura, o narrador
fez disso pretexto para uma intensa movimentação,
agora tinham sobre o que comentar e exageravam nas
palavras e nos detalhes de pouca importância. Foi então
que o narrador entendeu por que os namorados se
presenteiam, por que marido e mulher cuidam um do
outro e por que as mães multiplicam o zelo pelos filhos: é
para terem oportunidade de ceder a alma um ao outro.
A pretexto de férias, arrumaram justificativas para
viajarem sozinhos para junto de suas famílias. Sabiam
que nunca mais se veriam novamente.
“Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no
aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão
por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever.
E sabíamos também que éramos amigos. Amigos
sinceros.”
3. MIOPIA PROGRESSIVA
Se era inteligente, não sabia. Ser ou não ser
inteligente dependia da instabilidade dos outros.
A chave de sua inteligência escapava ao menino,
pois, as mesmas coisas que às vezes provocavam sutis
reações de admiração nos adultos, outras vezes eram
ignoradas. Sua inteligência dependia do estado de
espírito deles? E o menino pestanejava de curiosidade,
denunciando um início de miopia. Passou a pestanejar e
a franzir o nariz para denunciar e aprofundar a própria
perplexidade. A aceitação da incerteza e do fato de
ninguém ter a chave fê-lo crescer normalmente e viver
em serena curiosidade. A instabilidade dos familiares
passou para ele, e manteve pelo resto da vida:
pestanejava e franzia o nariz, deslocando os óculos que
usava por causa da miopia. Toda vez que desenvolvia
esse cacoete, era sinal de que estava interiormente
tendo noção de sua instabilidade.
Certa vez, disseram-lhe que passaria o dia inteiro
na casa de uma prima casada, sem filhos, que adorava
crianças. Ali, pressentiu ele, não haveria instabilidade: o
tempo todo seria julgado o mesmo menino.
Na semana que antecedeu a esperada visita, a
cabeça do menino ferveu, pois não sabia de que forma
iria apresentar-se diante da prima. Sentia até um aperto
no estômago quando antecipava a situação de que ia
ser amado sem seleção, sem escolha, o que represen-
tava uma estabilidade ameaçadora. Aos poucos, suas
preocupações passaram a ser outras: que elementos ele
daria à prima para ela ter certeza de quem ele era?
Como encararia o amor que ela nutria por ele?
PUCPR 17
Ao entrar na casa da prima, duas surpresas o
desnortearam (ele se desnorteava com surpresas): 1) a
prima tinha um dente de ouro no lado esquerdo da boca;
2) ela o recebeu com naturalidade, sem evidenciar
amá-lo.
Já que suas previsões foram por terra, resolveu
brincar de não ser nada. No entanto, à proporção que o
dia avançava, o amor da prima se evidenciava mais. Era
um amor sem gravidez: ela queria que ele tivesse
nascido dela; por isso demonstrava o amor estável, a
estabilidade do desejo irrealizável. Amor que incluía
paixão, a paixão pelo impossível.
Quando o menino descobriu o ingrediente da
paixão no amor, ele perdeu a miopia e viu o mundo
claramente. Foi como se ele tivesse tirado os óculos e a
própria miopia o fizesse enxergar.
Desde então, talvez, ele adquiriu o novo hábito de
tirar os óculos a pretexto de limpá-los “e, sem óculos,
fitava o interlocutor com uma fixidez reverberada de
cego.”
4. RESTOS DO CARNAVAL
Novamente, as lembranças da infância de Clarice.
A menininha de Recife gostava de carnaval. Entretanto,
a atenção da família se concentrava na doença da mãe;
por isso, permitia-se pouca participação da menina na
folia: ficava até onze horas da noite, ao pé da escada do
sobrado onde morava, olhando os outros se divertirem.
Ela não se fantasiava; porém, cheia de felicidade, se
assustava com os mascarados e até conversava com
alguns deles.
E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo
vital e necessário porque vinha de encontro à minha
mais profunda suspeita de que o rosto humano também
fosse uma espécie de máscara À porta de meu pé de
escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito
entrava no contato indispensável com o meu mundo
interior, que não era feito só de duendes e príncipes
encantados, mas de pessoas com o seu mistério.
A seu pedido a irmã frisava-lhe os cabelos, pintava
sua boca de batom bem forte e passava ruge nas faces e
ela se sentia bonita e feminina e fugia da meninice.
Tinha oito anos quando o seu carnaval foi
diferente. A mãe de uma amiguinha fantasiou a filha de
rosa (flor), usando papel crepom; com as sobras, fez a
mesma fantasia para a protagonista.
Na expectativa do momento de vestir a fantasia, a
euforia era tanta que até superou o orgulho ferido de
ganhar um presente apenas por ter sobrado papel.
Entretanto, quase na hora de ser fantasiada, sua
mãe subitamente piorou de saúde. Coube à menina, já
com a roupa, mas ainda sem os cabelos enrolados e
sem maquiagem, correr pela rua para buscar remédio.
Mais tarde, acalmada a crise da mãe, ela saiu com
a fantasia completa. Porém, o encantamento já não
existia mais:
“(...) não era mais uma rosa, era de novo uma
simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era
uma flor, era um palhaço pensativo de lábios
encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes
começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me
do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.”
Só horas depois veio a compensação: um garoto
de doze anos encheu a cabeça dela de confetes:
“Considerei pelo resto da noite que alguém me
havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.”
5. O GRANDE PASSEIO
Uma velhinha pobre andava pelas ruas. Era
apelidada de Mocinha. Havia sido casada, tivera dois
filhos: todos morreram e ela ficou sozinha.
Depois de dormir em vários lugares, Mocinha
acabou, não se sabia por que, passando a dormir
sempre nos fundos de uma casa grande no bairro
Botafogo. Cedinho ela saía “passeando”. Na maior parte
do tempo, a família moradora da casa se esquecia dela.
Certo dia, a família achou que Mocinha já estava lá
por muito tempo. Resolveram levá-la para Petrópolis,
entregá-la na casa de uma cunhada alemã. Um filho da
casa, com a namorada e as duas irmãs, foi passar um
fim-de-semana lá e levou Mocinha.
Na noite anterior, a velhinha não dormiu, ansiosa
por causa do passeio e da mudança de vida. Como se
fossem flashes

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