Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 A NEUROSE OBSESSIVA E O HOMEM DOS RATOS - SIGMUND FREUD (1909) DISCIPLINA: CLÍNICA PSICANALÍTICA 2 1. Introdução Publicado em 1909, “Observações sobre um caso de Neurose Obsessiva (“O Homem dos Ratos”) é um dos textos fundamentais dentro da organização e teorização de uma das estruturas mais importantes das Neuroses de Transferência. Iniciada em outubro de 1907 e com duração de 11 meses, o texto apresenta de forma detalhada e sistemática diversos mecanismos relacionados aos sintomas obsessivos e suas causas, tendo como espinha dorsal o caso do “Homem dos Ratos”, mas também contando com observação de outros casos de Neurose Obsessiva acompanhados por Freud, além das observações feitas durante todo o período de criação da psicanálise até data do texto. 2. História Clínica Ernst Lanzer, “O Homem dos Ratos” como ficou conhecido, foi um jovem paciente analisado por Freud que apresenta sintomas de uma neurose obsessiva. Segundo ele, tais sintomas o perturbavam desde criança e foi aumentando de intensidade nos últimos quatro anos. Descreveu como eixo principal da doença o medo de que algo ruim acontecesse ao seu pai e a sua noiva e por vezes “sente impulsos obsessivos, como cortar a garganta com uma navalha de barbear, e criar proibições relativas também a coisas insignificantes.” (p. 17) Antes de procurar Freud, já tinha feito alguns tratamentos. Procurou Freud por indicação de um amigo que tem em altíssima conta com o qual sempre contou quando se sentia atormentado por suas ideias obsessivas e o auxiliava a elevar sua autoestima. Iniciou sua vida sexual aos quatro ou cinco anos, com a governanta da sua casa que permitia que ele visse e tocasse os órgãos genitais dela. Disse que as memórias a partir dos seis anos eram mais completas e que se recordava de ver a governanta nua e de ouvir uma conversa entre ela e outra empregada em que faziam comparação entre ele e seu irmão menor, que o fez sentir-se inferior e aborrecido. Relatou que “já com seis anos(...) sofria de ereções” (FREUD, 1909, p.21) e as associavam as ideias e curiosidade que tinha, situação que culminou em uma ideação obsessiva de que seus pensamentos eram ouvidos por seus pais. Para ele tem-se ai o início de sua doença. Como ele mesmo afirma, “meus pais sabiam de meus pensamentos, e a explicação que dava a mim mesmo é que os havia falado sem ouvi-los.” (p.21) Questionado sobre os seus temores atuais, deu como exemplo o medo de que seu pai morresse, qual não foi à surpresa de Freud ao constatar que o pai morreu havia alguns anos. O pai havia falecido nove anos antes. Quando acreditou que o pai passava apenas por uma crise, “perguntou 3 ao médico quando poderia não haver mais perigo. A resposta foi: Amanhã à noite” (p.34). Ele foi dormir às onze e meia e quando acordou descobriu que seu pai havia falecido, recriminando-se por não estar presente na hora do falecimento. Acreditou também que sua mãe e irmã o recriminavam, porém não lhe falando nada sobre isso. No início não se recriminava por não ter estado presente na morte do pai, mas um ano e meio depois ele foi ao velório de uma tia e passou a se ver como um criminoso, por não ter estado presente no momento da morte do seu pai. Aos oito anos brincava com seu irmão menor com uma espingarda de brinquedo, carregando-a com uma vareta. Pediu ao irmão que olhasse no cano da arma, apertando o gatilho logo em seguida e atingindo-o na testa, mas não machucando seu irmão gravemente. Ficou fora de si, culpando-se por ter tido a intenção de machucar o irmão. Em relação ao irmão, brigavam em demasia, mas ao mesmo tempo se gostavam bastante e sentia ciúmes por ele, pois ele era forte, bonito e o mais querido. No seu sétimo encontro com Freud, conta que tem boa relação com esse irmão, mas está considerando absurdo que ele se case e já pensou em assassinar a futura esposa do irmão para que tal casamento não ocorra. Envolvido em exercícios militares, o paciente vivenciou diversos tipos de pensamentos obsessivos que acreditou terem cessado após o início destas atividades. Dois eventos ocorreram durante tais exercícios. Primeiro se relaciona com um capitão que “evidentemente (...) gostava de crueldades” (p.26), do qual tinha medo. Durante as atividades, este capitão cruel lhe contou sobre um castigo corporal usado no Oriente onde “o condenado é amarrado (...), sobre seu traseiro colocam um recipiente virado, contendo ratos que [para sair] perfuravam [o ânus].” (p.26) O paciente demonstrou temor com “a ideia de que aquilo sucedia a uma pessoa cara [a ele]” (FREUD, 1909, p. 27), como sua noiva e seu pai, e este pensamento passou a exercer domínio sobre sua mente, sem que ele conseguisse evitar. Imediatamente reagiu com uma auto repressão, iniciando uma batalha interna para combater tais ideias, o que fazia com que perdesse muito tempo. O analisando associava rato com dinheiro. Quando Freud combinou o valor da análise, ele logo falou tantos florins, tantos ratos. Ocorreu-lhe que ao visitar o tumulo do seu pai, viu um rato passando no cemitério, isso lhe causou a ideia de que o rato estivesse comendo o cadáver do seu pai. Já o segundo evento é relacionado a perda de seu óculos. Por conta disso, precisou encomendar outro; recebendo do mesmo capitão cruel sua encomenda e o recado de que o Tenente A havia pago pelos óculos e que deveria reembolsá-lo. A partir 4 daí, surgiram ideias obsessivas de que se não reembolsasse o tenente A a fantasia da punição com os ratos se realizaria com seu pai e sua noiva. Durante dias não mediu esforços para que o dinheiro fosse entregue ao tenente, porém, não conseguiu devido questões práticas e quando o encontrou, ele lhe disse que não havia feito pagamento algum e que ele na verdade, devia ao Tenente B, o que acarretou uma reação confusa para Freud, já que o paciente acreditava que mesmo não devendo nada ao Tenente A, a esse pagamento devia-se a segurança de seus entes queridos. O rapaz criou um conflito interno que lhe causava um misto de medo pelo que poderia acontecer com uma estafa mental por racionalmente compreender que seus temores eram frutos de obsessões das quais já estava farto. O analisando durante as sessões com Freud relata algumas ocorrências referentes aos seus sintomas obsessivos, como as obsessões suicidas e protetoras. Sua amada teve que viajar para cuidar de sua avó, durante uma semana que ele estava estudando duramente para uma prova, então veio-lhe na cabeça a ideia de pegar uma navalha e cortar sua garganta, ele foi pegou no armário a navalha, porém pensou: “Não, não é tão simples. Você deve ir lá e matar a velha” (p. 48), num exemplo de obsessão suicida. Outra ocorrência aconteceu quando ele estava com sua amada num barco e soprou um forte vento. Ele a obrigou a colocar seu boné, “porque em sua mente formou-se o imperativo de que nada podia acontecer à amada” (p.50). Em outra ocorrência, ele topou com uma pedra no meio da estrada que sua amada passaria e pensou que talvez a pedra danificasse o veículo e “teve de afastá-la para o lado” (p.50). Porém percebeu que sua ideia era absurda e “teve de voltar e colocar a pedra no mesmo lugar.” (p. 50) Estes são exemplos da obsessão protetora que se desenvolveu nele. Antes de casar-se com sua mãe, seu pai fazia corte a uma garota de família modesta, que era tida como “uma bela garota de família modesta” (p.60). A escolha pela mãe lhe trouxe uma grande vantagem financeira onde pode se estabelecer e ter segurança nessa área, algo que não ocorreria se tivesse escolhido a bela garota da história, pois sua mãe pertencia a uma rica família detentora de uma empresa industrial, que lhe gerou benefícios econômicos. Com o falecimento do seu pai, recebeu a proposta da mãe de casar-se com uma filha de um primo distante que ela possuíaquando terminasse os estudos, como forma de ter um futuro tranquilo economicamente. Esse plano familiar despertou um conflito entre seguir os passos do pai e casar-se com a moça de família rica ou permanecer fiel à moça pobre que amava, já que o próprio pai antes de falecer o havia recriminado em relação a levar adiante a ideia de casar-se com 5 sua amada, afirmando “que isso não era prudente e que ele se exporia ao ridículo” (p.63). Na infância, um evento narrado por sua mãe foi trazido para a análise. Ela conta que certa vez na infância, ao morder alguém foi surrado pelo pai o que o deixou bastante irritado. Como resposta a tal repreendida respondeu de forma confusa e criativa. Por conta desta reação, o pai disse uma frase que o marcou profundamente: “Esse menino será ou um grande homem ou um grande criminoso” (p.67). Freud percebeu que aos seis anos o rapaz já vivia não o início da doença, mas ela própria, completa e com todas as suas características: o desejo forte e frequente provocado pela vontade irresistível de observar mulheres nuas, constituindo um domínio pelo instinto sexual e o temor obsessivo de que algo ruim acontecesse como consequência de seus desejos e pensamentos. 3. Dimensão Diagnóstica A dimensão diagnóstica é um ponto fundamental do embasamento prático- teórico dentro da clínica psicanalítica. O diagnóstico psicanalítico possui uma dimensão paradoxal, ocorrendo em dois momentos, cada um deles respondendo a uma exigência e característica distinta dentro do processo analítico. Como aponta DOR, isso ocorre por conta de “toda a especificidade do diagnóstico em psicanálise” (DOR, 1991, p.13). Assim, é preciso “circunscrever o mais rápido possível uma posição diagnóstica para decidir quanto à orientação da cura”, sendo este ato “deliberadamente posto em suspenso e delegado a um devir” (DOR, 1991, p.15). Deve-se esse fato às características do processo analítico e seu objeto, o sujeito e sua relação com o inconsciente, onde “a única técnica de investigação que o analista dispõe é a escuta” (DOR, 1991 p.14), estando assim toda prática dentro na dimensão do dizer e do dito, que possui uma distância só possível de ser observada dentro desse tempo do devir. Essa circunscrição num primeiro momento diagnóstico se faz fundamental para um embasamento do processo clínico, onde é num segundo momento, pelo conjunto do saber produzido por esse dito, encontramos esse segundo tempo do diagnóstico. Apesar do “caráter imprevisível dos efeitos do inconsciente” (DOR, p.15), este saber produzido permite uma estruturação de um diagnóstico das subjetividades. Dentro desta dimensão, o caso de “Homem dos Ratos” é fundamental para a divisão feita das estruturas neuróticas. A observação entre similaridade e diferença com 6 as Neuroses de Histeria se faz fundamental para a compreensão de uma estrutura que se apresenta global e específica ao mesmo tempo. Diferente dos casos de histeria, ao invés de “esquecer o trauma, (o neurótico obsessivo) subtraiu-lhe o investimento afetivo” (p. 57) através da “ruptura dos nexos causais” (p.93) recorrente dessa subtração. Porém, ambas as estruturas se diferem de uma psicose pois são “o resultado de um conflito entre o Eu e seu ID [Isso]” (Pg.177) onde este Eu “defende-se [dos investimentos do Isso] através do mecanismo de repressão” (pg.178) e este conteúdo reprimido “se impõe ao Eu pela via do compromisso, o sintoma” (p.178). Dos elementos principais que o estudo desse caso apresenta, definido por Freud como um caso do Neurose Obsessiva, temos o que foi definido como pensamentos obsessivos, que abriga um conflito representado por “um instinto erótico e uma revolta contra ele, um desejo (ainda não obsessivo) e um temor (já obsessivo) que a ele se opõe” (FREUD, 1909, p.23), onde tal pensamento se mostra como um ato de defesa contra um afeto penoso. Esse pensamento obsessivo como defesa tem sua caracterização mais marcante no caso do juramento feito pelo paciente em relação ao pagamento da dívida do pincenê, oriunda de uma confusão com o capitão cruel. Isso porque aquilo que tal juramento implica é a proteção contra a “ideia de que aquilo [a punição] sucedia a uma pessoa cara [a ele]” (p.27), onde ele próprio seria o executor da punição. A origem desse duplo sentimento é uma ambivalência afetiva onde “justamente esse amor intenso é condição para o ódio reprimido” (p.40). O que justifica a permanência desse sentimento ambivalente é uma fonte que mantém um nexo que impede que tal sentimento de ódio seja totalmente suprimido pelo amor, ao mesmo tempo que a repressão o impede de se tornar consciente, “de modo que só lhe resta a existência no inconsciente”. (FREUD, 1909, p.41). Assim, cria-se pensamentos e impulsos para dar conta dessa ambivalência afetiva, que surgem “como reação a uma raiva enorme [...] a alguém que aparece para atrapalhar seu amor” (p.49/50). Também surge a obsessão protetora, que “não pode significar outra coisa senão a reação – arrependimento e persistência – a um impulso contrário, ou seja, hostil.” (p.52). Impulsos agressivos contra o pai, oriundo de um desejo que “devia ter se originado num tempo em que a situação era muito diferente (onde não foi) capaz de uma clara decisão, isto é, cedo na infância (...) e isto permaneceu assim para sempre”. (p.43). Freud localiza na infância o conflito entre o amor e o desejo de eliminar o pai por ele ser um estorvo, sendo este de conteúdo 7 erótico, como vimos na exclamação feita pelo paciente em relação ao seu primeiro coito: “Mas isso é formidável, por isso bem se poderia matar o próprio pai”. (p.63) Freud ressalta que o paciente possui uma “relação muito especial com o tema da morte”, surgido desde cedo em sua vida, onde era chamado pelo irmão de “pássaro agourento” (p.97) por ter grande interesse nos velórios que ocorriam, e se repete na obsessão protetora e nos impulsos suicidas, quando por conta de uma mania de emagrecer e subir uma montanha após o almoço, ao chegasse “à beira de uma escarpa, surgiu o imperativo de que pulasse, o que certamente acarretaria a morte” (p. 49). Mas qual seria a origem de tais pensamentos? E como a dama com quem pretende se casar surge dentro da equação? E o que tudo isso possui de relação com a história da punição com ratos contada pelo capitão cruel? Freud encontra tais pistas no evento do castigo executado pelo pai por ter dado uma mordida, ocorrido na infância. Tal evento o coloca dentro desta relação como se fosse ele o rato que é perseguido e eliminado por conta de seus impulsos sexuais. O pai que o pune se mostra como um estorvo a realização de seu desejo, e disso surge o impulso de eliminá-lo. Diante tal conflito o que ocorre a ele é um “deslocamento do afeto recriminador” que oferece ao paciente uma “considerável vantagem da doença”. (p.59), pois com isso “furtou-se à resolução desse conflito adiando todas as ações preliminares requeridas, algo para o qual a neurose lhe ofereceu meio” (p.99) Os exercícios militares do qual realizava quando ocorre a história do capitão cruel também se relaciona com o passado do pai, que também foi militar. Isso o levou a contrair uma dívida, da qual conseguiu se livrar com o auxílio de um amigo. Posteriormente, quando conseguiu sua estabilidade econômica, por conta do casamento com a mãe, buscou o amigo para realizar o pagamento da dívida, o que se mostrou impossível, criando-se assim uma dúvida sobre o caráter e a vida do pai antes do casamento. Tal dúvida se fortalece com uma história que o pai costumava contar sobre uma mulher que ele havia feito a corte antes de casar-se com a sua mãe. Com a morte do pai, ele se vê dentro de uma repetição dessa mesma história por conta da proposta feita pela mãe. Logo ele se via novamente dentro de um conflito “entre seu amor [pela dama] e a persistente vontade do pai”. Como saídaadoece, subtraindo-se da questão “mediante a enfermidade, à tarefa de resolvê-lo na realidade” (p.60). Afinal, “a produção da incerteza é um dos métodos que a neurose utiliza para afastar o doente da realidade e tirá-lo do mundo” (p.94). Assim, o Neurótico Obsessivo tem por característica essencial 8 de serem incapazes de decisão, especialmente em questões de amor; procura adiar toda decisão, e, na dúvida de por qual pessoa ou por qual medida contra uma pessoa devem decidir, têm seu modelo nos velhos tribunais alemães, cujos processos geralmente terminavam com a morte das partes em litígio, antes da sentença do juiz. (p.98) Características marcantes do quadro, “a Neurose Obsessiva utiliza-se prodigamente da incerteza e da memória para a formação de sintomas” (p.95), explicando a presença dessa relação com o pai mesmo depois de morto, seja pelo cumprimento do juramento para evitar um mau ao pai ou numa “fantasia a que se afeiçoou, a de que o pai ainda vivia e podia retornar a qualquer momento“, quando estudava até tarde. Freud fala sobre “a onipotência que ele atribuiu ao seus pensamentos e sentimentos, a seus bons e maus desejos” (p.95), de onde origina o poder das ideias obsessivas. Um exemplo desta onipotência dos pensamentos temos na observação que Freud faz sobre as atividades masturbatórias, que ocorrem em momentos específicos na vida do paciente, onde o próprio Freud não pode “deixar de sublinhar que (...) o que havia em comum era a proibição e o desafio a uma ordem” (p. 65) Além das histórias do pai, temos outro elemento de impossibilidade de realização do desejo, referente a sua dama a quem declara amor incondicional, mas por ter lhe oferecido uma “recusa inicial e depois com a frieza, havia lhe dado motivo para sentimento hostil”. Mais do que isso, toda a dúvida em relação a escolha do casamento corre em torno do fato de sua amada ser estéril por conta de uma intervenção cirúrgica no útero, impedindo assim seu desejo de ter filhos. Ratos, dívida, punição, ambivalência. Estão dados todos os elementos que ligam seus sintomas a história do capitão cruel. Mas é através do surgimento da história da Senhora dos Ratos, presente em O pequeno Eyolf de Ibsen, que as ligações com o evento da infância foram possíveis. Através dessa história temos a relação feita entre a criança e o rato que rói e morde, e por isso é “cruelmente perseguido e implacavelmente liquidado”. Desta forma, ele se via como “asqueroso, sujo, pequeno, que enraivecido podia morder e fora terrivelmente castigado por isso”. Assim, o papel da história do capitão cruel que ocorre em dois momentos tem a função de lançar uma “palavra- estímulo” (p.78), desencadeando a reaparição dos sintomas através das ideias obsessivas. No primeiro momento, o capitão cruel ocupa o lugar de seu pai punidor, e por conta desta crueldade tornasse passível de punição, a mesma relatada pelo capitão, a ser executado pelo próprio paciente. Mas é no segundo momento, com o equívoco do 9 capitão relacionado ao reembolso que as ideias obsessivas surgem pela ligação com os diversos elementos já citados. Essa palavra-estímulo desencadeia toda a sequência do pensamento obsessivo, como aquela que busca ofender duas pessoas caras a ele: “É tão certo que pagarei o dinheiro quanto meu pai [já falecido] e ela [estéril] poderem ter filhos.” Tal pensamento é respondido com a exigência de uma punição, a qual consistiu “na autoimposição de um juramento impossível de ser cumprido”. (p.80). A forma como o erro do capitão foi ignorado, pois com o conhecimento que possuía do expediente dos correios teria solucionado o mistério, mostra outra característica dessa representação do pai: “o pai não erra” (p.80). Temos aqui a repetição de um modelo, onde o conflito entre a imposição da representação do pai e a realização de seu desejo se reatualiza. Mas foi apenas através do auxílio de uma fantasia de transferência que foi possível realizar uma “perfeita analogia entre a transferência fantasiada e a realidade de outrora” (p.61) Havia ele encontrado uma jovem na escada do edifício de Freud, a quem acreditou ser uma filha do seu médico e havia lhe agradado. Logo, ele “imaginou que [Freud] era tão amável e paciente com ele porque o desejava para genro” (p.61), gerando novamente o conflito entre a figura do pai representada por Freud e o “inabalável amor à sua dama” (p. 61). E através da interpretação de um sonho, observa que o interesse pela suposta filha de Freud residia na crença de um elevado nível em torno da família de Freud, buscando assim casar-se com ela pelo seu dinheiro, da mesma forma que o pai. Vale ressaltar a semelhança entre ratte (rato) e rate (prestação), fechando assim o jogo simbólico em torno das ideias obsessivas que formam o sintoma do paciente. É na “repressão do ódio infantil ao pai [que] enxergamos o elemento que impeliu tudo que sucedeu depois para o âmbito da neurose” (p. 100), conclui Freud, já que “o amor não pôde extinguir o ódio, apenas empurrá-lo para o inconsciente” (p.101). 4. Processo de Análise e Desfecho Freud procurou formular a partir do estudo do caso uma explicação sobre a neurose obsessivo compulsiva a luz da teoria psicossexual do desenvolvimento. Freud aceita o caso e impôs a condição ao tratamento “dizer tudo o que lhe vier à mente ainda que lhe seja desagradável, ainda que lhe pareça insignificante, impertinente e sem sentido” (pag.18). A partir da análise é muito importante descrever que é na infância que todo trauma é vivido, transcorrendo para a fase adulta como uma neurose obsessiva. No 10 processo de análise o paciente traz as lembranças que na infância já tivera suas primeiras ereções e que sentia desejos de ver pessoas nuas. Para este desejo cria-se a obsessão que sempre que vier este pensamento, algo de ruim deverá acontecer, como nos pensamentos do tipo “se tenho o desejo de ver uma mulher nua, meu pai vai morrer” (pag.23). Estes impulsos serviriam para prevenir que qualquer coisa de ruim viesse a acontecer. Ele adquiriu hábitos incomuns, que por vezes no mesmo ato ele fazia duas ações opostas, uma afim de agradar e outra com intuito de irritar. Constata-se uma luta entre o amor e o ódio direcionado a mesma pessoa, onde essa luta se representa em manifestações no ato obsessivo. Ao longo da análise, pode-se alcançar que o medo correspondente a um desejo antigo, então reprimido é o oposto do que se trata. Na verdade, é que quando o paciente fala que teme a morte do pai, o conteúdo inconsciente de suas manifestações traz o real desejo que isso se realize. A ideia da tortura com os ratos estimulou e despertou várias recordações, que nesse intervalo de tempo adquiriu vários significados simbólicos, que puderam ser interpretados através da história da Senhora dos Ratos. A história dos ratos despertou impulsos cruéis e de conotação sexual. O paciente assimilou certas vivências suas com características dos ratos, tanto como um animal pequeno, que costuma ser perseguido e castigado, exatamente como inconscientemente se imaginava na infância, pequeno, cometendo atitudes sujas, vindo a ser punido pelo pai. Freud concentrou-se na ambivalência do paciente para com seu pai, originada em sua sexualidade precoce e intensa, e sentimentos antigos de raiva com seu pai que foram severamente reprimidos. O amor que nutria pelo seu pai é a condição para o ódio reprimido. Colocando o pai como grande vilão na infância após o castigo o inseriu na fantasia como o responsável por ser um estorvo de seus apetites sexuais. O pai era como uma ameaça aos seus desejos. Este desejo da morte do pai surge assim num momento em que seu desejo sensual falasse mais forte, não sendo capaz de tornar esta decisão clara, já que tais impulsos reprováveis derivam de um caráter infantil inconsciente, onde a responsabilidade ética não tem validez para criança.Freud observa que existe uma espécie de delírio ao imaginar que os pais saberiam de seus desejos, e consegue dar fim a eles através das explicações/interpretações que lhe transmite sobre sua obsessão, principalmente através das fantasias de transferências, como no exemplo da jovem da escada. A vergonha (como se os outros pudessem perceber alguma coisa), a angústia hipocondríaca (medo 11 de que a ação passível de recriminação tenha repercussões), a angústia social (medo de que a ação seja condenável e atraia a um castigo por parte do meio social), o delírio de observação (medo de revelar involuntariamente aos outros o segredo da ação cometida), são alguns desses sintomas. A ideia obsessiva deste paciente retorna deformada e por não ser reconhecida, possuindo assim mais chances para obter êxito, já que a neurose obsessiva se utiliza e ganha com a incerteza e na indecisão. A obsessão surge com o intuito de compensar a dúvida e corrigi-las. O objetivo é introduzir os complexos reprimidos na consciência estimulando a elaboração desses assuntos no terreno da atividade psíquica consciente, facilitando a emergência e elaboração de outros conteúdos inconscientes. Freud percebe que há uma certa recorrência das palavras, que nomeiam os conflitos do homem dos ratos. Uma delas é em relação ao pai, onde há repetições em relação a sua própria história: as manobras militares, a dívida e o seu pagamento, o conflito entre casar-se com a mulher rica ou pobre. Além disso, temos a ambivalência referente a palavra rato, já que o pai foi referido como um rato de jogo. Freud intervém questionando como surge essa ideia dos ratos para ele, onde descobre que os ratos sempre fizeram parte dos seus pensamentos na hora de fazer pagamentos, onde “em seu delírio obsessivo ele havia criado uma verdadeira “moeda de ratos”, como surge na expressão que o paciente utiliza: “Tantos florins, tantos ratos” (FREUD, 1909, p. 75). Ratos nojentos, que mordem e são figuras agressivas. Freud percebe que estas são expressões dos próprios sentimentos agressivos que o paciente tem em relação aos outros (sobretudo seu pai) e sobre si mesmo. A dúvida e a incapacidade de tomar decisões, como terminar o curso de direito ou casar-se com sua dama se relaciona com a incapacidade de repetir aquilo que outrora foi feito por seu pai. O pai não pagou a sua dívida de jogo com o amigo, e essa dívida torna-se um símbolo para ele, no sentido de transferir dele (a dívida) para seu pai ou a sua dama. No momento em que o Freud consegue mostrar tais associações, principalmente aquelas referidas a ratte/rate, através da interpretação e pela fantasia de transferência, o homem dos ratos descobre que o castigo dos ratos fazia parte de suas fantasias sádicas, onde ele queria aplicar e sofrer o castigo, numa posição ao mesmo tempo sádica e masoquista. Assim foi organizada estes dois polos de fantasia, onde ambos foram objetos de recalcamento e que produzem o sintoma substituto do conflito da ideia 12 desejante intolerável. O fato dele não admitir o ódio ao pai, por ser contrário aos valores. Ele então nega, recalca. Freud termina observando que não pôde obter mais informações sobre o caso pois, com a melhora dos sintomas após os 11 meses de tratamento, o paciente não mais retornou a clínica. Observa que, apesar disto ser um fator que impede um maior enriquecimento de detalhe do caso, deve-se sempre colocar a melhora do paciente acima de qualquer formulação teórica, sendo este o fim de toda terapia. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DOR, Joël. Estrutura e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Livrarias Taurus-Timbre Editores, 1991. FREUD, Sigmund. Observações sobre um caso de Neurose Obsessiva (“O Homem dos Ratos”), 1909. In:____. Obras Completas Volume 9. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 FREUD, Sigmund. Neurose e Psicose, 1924. In:____. Obras Completas Volume 16. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 Diconário Michaeli UOL Oline – Alemão/Português. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/escolar-alemao/busca/alemao-portugues/> (Acesso 08 de abr).
Compartilhar