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04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/15 TEORIA PSICOSSEXUAL DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL AULA 4 Profª Raquel Berg 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/15 CONVERSA INICIAL Neste momento, trataremos primeiramente do caso Schreber, emblemático para a compreensão do narcisismo intermediário. Também veremos o Homem dos Lobos, conhecido como história de uma neurose infantil, e sua importância para a compreensão da metáfora paterna. Por fim, falaremos do retorno do totemismo na infância e como a questão totêmica é emblemática para a compreensão da importância do objeto sexual na constituição individual e social. TEMA 1 – CASO SCHREBER O caso Schreber foi, na verdade, uma análise de Freud com base em um texto intitulado Memórias de um doente dos nervos. Ou seja, Freud nunca chegou a atender esse rapaz, e toda a análise se dá em função da interpretação do livro de memórias de Daniel Paul Schreber. Como referencia Strachey, Freud faz alusão à história clínica de Schreber baseado apenas na idade do rapaz quando ele caiu enfermo e foi internado. Depois, Freud teve acesso aos relatórios médicos de Schreber enquanto este esteve internado e muitas informações confirmaram suas hipóteses iniciais a respeito da psicopatologia apresentada pelo paciente. Aparentemente, Schreber teve uma vida saudável até o momento em que sua esposa ficou doente, com uma crise de paralisia. Duas semanas mais tarde, ele foi internado. Pelo que se compreende, esse livro de memórias teve o objetivo de apresentar uma série de contestações e argumentos jurídicos para comprovar que Schreber poderia sair do asilo no qual se encontrava. A cronologia abaixo pretende esclarecer a sequência dos fatos: 1842 Schreber nasce em Leipzig 1861 Seu pai morre aos 53 anos 1877 Seu irmão mais velho se suicida aos 38 anos 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/15 1878 Schreber se casa Aparecimento da primeira doença 1884 Apresenta-se como candidato ao Reichtag, sendo que já ocupava um importante cargo judiciário, e é internado em um asilo 1885 Recebe alta do asilo 1886 É nomeado juiz em Leipzig Aparecimento da segunda doença 1893 Recebe a notícia de que será nomeado no Tribunal de Apelação, toma posse como juiz presidente e volta a ser internado 1894 É transferido para outros dois asilos 1900 Escreve o livro com o propósito de receber alta 1902 Recebe a alta esperada 1903 Publica seu livro de memórias Schreber provinha de uma família instruída e, como podemos observar, de forma muito rápida se tornou um importante jurista. No entanto, como ele próprio relata, seus distúrbios nervosos se deram duas vezes: a primeira quando se apresentou como candidato a um importante cargo de juiz; a segunda, quando foi nomeado presidente do senado, em 1893. Houve ainda uma terceira vez, depois que ele escreveu o livro. Segundo Schreber, a doença o acometeu em função do grande fardo que ambos os cargos representavam. Assim que recebeu a primeira proposta, foi internado e diagnosticado com hipocondria. Depois da alta, conseguiu passar oito anos com a esposa, tendo como única frustração a impossibilidade de ter filhos. Ao saber de sua possível indicação para o cargo de presidente do senado, teve dois ou três sonhos de que sua doença poderia retornar. Certa manhã, prestes a acordar, teve a ideia de que, “afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula” (Freud, 1911, p. 24). Schreber escreve que certamente teria rejeitado a ideia se estivesse plenamente consciente. Depois de ser nomeado presidente, teve torturantes acessos de insônia e voltou para o asilo, onde passou a ter ideias hipocondríacas, como a de que seu cérebro estava amolecendo e que morreria cedo. Depois, começou a apresentar delírios persecutórios, sensibilidade à luz e ao barulho, além de ilusões visuais e auditivas. Schreber acreditava que estava morto e em decomposição e que seu corpo vinha sendo submetido a diversos horrores em nome do sagrado. O paciente ficava tão preocupado com esses pensamentos e ilusões que permanecia paralisado por horas em estupor 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/15 alucinatório e desejava estar morto para se livrar daquela condição. Por isso, pedia que lhe ministrassem cianureto, que já estava prescrito para ele. Essas ideias delirantes foram gradativamente assumindo um caráter místico e religioso, como se estivesse em comunicação direta com Deus, fosse um joguete de demônios e possivelmente já estivesse vivendo em outro mundo. Após ser transferido para outro asilo, a psicose aguda com caráter alucinatório se transformou na estrutura delirante da paranoia. Quando avaliado, Schreber mostrava que, apesar da paranoia, sua inteligência permanecia intacta, calma e sua memória se mantinha excelente em diversos campos além do jurídico. Em um relatório de 1900, o médico afirmou que, embora os assuntos relacionados a seus delírios não pudessem ser tratados com o paciente, em todos os outros aspectos o senhor presidente se mostrava perfeitamente saudável: convivia com outras pessoas em perfeita harmonia, gentileza, tato e decoro; sabia debater sobre diversos tópicos como política, arte, literatura; mostrava ótimo discernimento e julgamento sobre tópicos cotidianos; expunha um julgamento ético diferenciado e em momento algum introduzia de forma inadequada tópicos relacionados a seus transtornos. Nesse período, Schreber decidiu escrever seu livro de memórias com o objetivo de ser readmitido no trabalho, pois, em sua argumentação, seus delírios e alucinações não interferiam em nada em sua capacidade cognitiva para executar sua função. Com isso, ele conseguiu restaurar seus direitos civis. A decisão que devolveu sua liberdade resumia o sistema delirante de Schreber da seguinte forma: “Acreditava que tinha a missão de redimir o mundo e restituir-lhe o estado perdido de beatitude” (Freud, 1911, p. 27). Ele argumentou que fora convocado pelo próprio Deus para essa missão. Deus, ao se sentir atraído por seus nervos, lhe enviara mensagens que nenhum outro ser humano haveria recebido antes. A parte mais essencial de sua missão é que ele deveria se transformar em mulher. Não que Schreber desejasse fazê-lo, mas ele deveria se tornar uma por uma missão divina, mesmo que prezasse por sua masculinidade e repudiasse a ideia em um primeiro momento. Ele acreditava que tinha sido escolhido por ser o humano mais notável que já estivera na Terra, pois vivera diversos desafios, como a destruição de seus órgãos internos, que se reconstituíram, algo impossível a outro ser humano. Ou seja, Schreber interpretou que Deus seria uma figura que se cativara por ele e, portanto, tentava criar uma conexão, por meio de raios divinos que se instalaram em cada parte do corpo de Schreber e restauraram as partes destruídas para que ele pudesse alcançar a imortalidade e se tornar um Redentor. Essa conexão se confirmava por alguns fenômenos como árvores que 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/15 possuíam antigas almas humanas e pássaros falantes, a interrupção de frases, a dificuldade de defecação e outros fenômenos em seu corpo, como o crescimento de seios, a que ele chamava de emasculação. Ao mencionar a emasculação, Schreber afirmava que Deus desejava se apoderar de seu corpo e tomá-lo como o de uma prostituta, uma rameira. TEMA 2 – DISCUSSÃO DO CASO SCHREBER O tema da paranoia já fora discutido nos textos freudianos em 1895, no Rascunho H. Nessa carta, Freud (1895) lança mão de sua hipótese e elenca dois pontos principais na análise da paranoia: 1) é uma neurose de defesa; 2) seu mecanismo principal é a projeção, provocando assim os delírios e as alucinações (diferente da histeria e da neurose obsessiva). Em outra carta, o Rascunho K, Freud(1895) segue em sua análise sobre a paranoia e amplia a discussão ao introduzir a hipótese de que a paranoia acarreta o retorno ao autoerotismo primitivo. Ao apresentar um estudo sobre a paranoia feminina, em 1906, Freud associa esse transtorno a um homossexualismo passivo primitivo. Strachey também comenta que Freud apresentou outros artigos intitulados Um caso de paranoia que contraria a teoria psicanalítica da doença, em 1915, a Seção B de Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo, em 1922, e Uma neurose demonológica do século XVII, em 1923, porém nenhum deles será tratado neste texto porque apenas trazem a confirmação das constatações feitas no artigo do caso Schreber. Mas a grande relevância desse estudo está além da análise da paranoia em si, pois ele traz também uma discussão sobre a construção metapsicológica de Freud a respeito do desenvolvimento psicossexual infantil, como a questão do narcisismo. Nesse sentido, Freud (1911) apresenta, nos Três Ensaios, um processo que seria intermediário entre o autoerotismo e o amor objetal: o narcisismo. No narcisismo, o individuo reúne energias para conseguir um objeto de amor, começando por si próprio, e somente depois migra para o amor por um objeto. Uma vez que o narcisismo implica o homossexualismo, a paranoia de Schreber apenas confirma que o retorno ao self resultaria em uma relação narcísica e uma suscetibilidade a essa fase de seu desenvolvimento. Além disso, Freud (1911) traz o exame de como se formam os sintomas, algo que ele já fizera em estudos anteriores. Assim, o processo de recalque acontece em três fases: o estabelecimento de um ponto de fixação, o recalque propriamente dito e o retorno do recalcado ao ponto de fixação. O caso é nomeado como psicose associada a esquizofrenia: em ambas há uma clivagem do ego e, segundo [1] 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/15 Freud (1911), a principal vantagem dos delírios é que, diferentemente das neuroses ‒ que escondem a origem dos traumas sob a forma de sintomas ‒, nas psicoses o delírio apresenta de forma distorcida e explícita a causa dos sintomas. Além disso, Freud interpreta esse caso dentro do viés do narcisismo, no sentido de que a influência homossexual dos médicos que cuidaram de Schreber pode ter favorecido a criação de fantasias, cuja origem primária seria a sedução pelo pai. A defesa a essa ligação homossexual – o complexo paterno – se deu pelos delírios e pela negação deles. TEMA 3 – O HOMEM DOS LOBOS Intitulado como uma neurose infantil, o Homem dos Lobos se trata de um dos mais importantes casos de Freud, muito embora ele tenha parado de atender o paciente. Em 1910, depois de passar pelo psiquiatra Kraepelin (como o fez também Schreber), um jovem russo muito rico procurou Freud para lhe ajudar com seus sintomas. Após pegar gonorreia aos 18 anos, ficou completamente incapacitado e dependente de outras pessoas. Os 10 anos antes do início da doença foram saudáveis, mas na infância (em torno dos 4 anos) o rapaz teve uma fobia de animal que depois se transformou em uma neurose obsessiva de cunho religioso. Como ele desenvolvera uma característica de “entrincheiramento” por trás de uma amável apatia, Freud precisou estabelecer um vínculo com o paciente antes de dar início ao tratamento. Depois de algum tempo, Freud comunicou ao rapaz que o atenderia por determinado tempo e, independentemente de ter ou não uma melhora, a terapia seria encerrada. Logo que Freud informou sobre o prazo de término, houve uma aparente evolução e as sessões tiveram início. Em seu histórico familiar, consta que os pais se casaram jovens, sua mãe passou a ter dores abdominais e o pai entrou em depressão, o que o fez se ausentar de casa. O rapaz tinha uma irmã e uma babá, uma mulher simples que cuidava dele como se fosse seu próprio filho. Em dado momento, o menino sentiu um terrível medo de uma borboleta, o que lhe fez sair correndo, assustado. Passou a ter medo também de besouros e lagartos, embora também gostasse de matá-los e cortá-los em pedaços. Essa mesma ambiguidade ocorria com cavalos, pois o menino gostava dos equinos, mas tinha medo quando eles batiam as patas no chão. Isso se evidenciava até na sua relação com o sagrado, pois ora rezava, fazia o sinal da cruz diversas vezes e beijava os santos, ora recordava blasfêmias e pensamentos que, para ele, eram inspiração do diabo. 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/15 Em recordação da sua infância, desenvolvendo assim as fantasias primárias, ele dizia se lembrar de quando sua irmã sugeriu que eles mostrassem seus traseiros; em outro momento, ela teria segurado o pênis dele e dito estar fazendo o mesmo que a babá fazia com o jardineiro. Apaixonou-se pela irmã, que rejeitou a relação incestuosa. Passou, então, a se envolver com criadas. A irmã, que se destacara muito intelectualmente, viajou. Depois de experiências que davam a entender que ela estava entrando em um processo de demência precoce, envenenou-se e morreu. O paciente demonstrava falta de ânimo, depressão, ficara internado em sanatórios e fora diagnosticado com insanidade maníaco-depressiva. Quando melhorou, voltou para a Rússia, mas com a Revolução de 1917 ele perdeu tudo, adoeceu e voltou para Berlim. Surgiu, então, o relato do sonho que deu o título a essa história: Sonhei que era noite e que eu estava deitado na cama (Meu leito tem o pé da cama voltado para a janela: em frente da janela havia uma fileira de velhas nogueiras. Sei que era inverno quando tive o sonho, e de noite). De repente, a janela abriu-se sozinha e fiquei aterrorizado ao ver que alguns lobos brancos estavam sentados na grande nogueira em frente da janela. Havia seis ou sete deles. Os lobos eram muito brancos e pareciam-se mais com raposas ou cães pastores, pois tinham caudas grandes, como as raposas, e orelhas empinadas, como cães quando prestam atenção a algo. Com grande terror, evidentemente de ser comido por lobos, gritei e acordei. (Freud, 1914, p. 41) No momento, o sonho parecia muito real e a babá precisou acalmá-lo até que pudesse voltar a dormir. O desenho a seguir é a representação do Homem dos Lobos, no livro de Freud (1914, p. 42): 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/15 Crédito: Jefferson Schnaider. O paciente se perguntou por que tivera essa ideia: se tinha sido motivada pela história de Chapeuzinho Vermelho, por causa das ovelhas que viviam nas vizinhanças; por uma história contada por seu avô; ou pela história do lobo e dos sete cabritinhos. Em determinado momento, o rapaz associou a árvore com lobos à árvore de Natal, na qual os lobos ocupavam o lugar dos presentes. Depois, ao saber que teria um novo tutor, imaginou-o na figura de um leão que poderia devorá- lo. Na adolescência, reviveu o sonho dos lobos com um professor que o censurara de sobrenome Wolf (“lobo”, em inglês e alemão). TEMA 4 – DISCUSSÃO DO CASO DOS LOBOS Em diversos textos posteriores, Freud (1914) faz menções a esse caso clínico, trazendo, por exemplo, que o psicanalista deveria publicar sonhos ocorridos na infância de seus pacientes, principalmente daqueles que foram testemunhas de um ato sexual. O caso do Homem dos Lobos é apresentado no texto A ocorrência, em sonhos, do material oriundo dos contos de fada”, de 1913; 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/15 depois, em Fausse reconnaissance [‘déjà raconté’] no tratamento psicanalítico e em Recordar, repetir e elaborar, ambos de 1914; no artigo metapsicológico Repressão, de 1915; em Inibições, sintomas e ansiedade, de 1926, em que o autor inclusive compara a fobia de Hans por cavalos com a fobia do jovem russo por lobos; e em Análise terminável e interminável, em 1937. Algumas contribuições desse texto dizem respeito à primitiva organização oral da libido, incluindo o comportamento de incorporação e de identificação para a constituiçãode um ideal do ego, além do sentimento de culpa e a disposição à depressão. O ideal do ego, em um primeiro momento na constituição da segunda tópica, é apresentado como uma espécie de sinônimo do superego. No entanto, no texto do narcisismo Freud introduz uma diferenciação para explicar que o ideal do ego é uma instância narcísica, resultante da convergência entre o narcisismo e a identificação paterna, e posteriormente da convergência entre os substitutos dos ideais internos e os ideais coletivos, associados a um verdadeiro delírio de grandeza. Freud retoma novamente os impulsos femininos primários e sua tese sobre a ocorrência da bissexualidade em ambos os sexos, como um Complexo de Édipo “invertido”. Na verdade, o que ele apresenta nesse texto é a ideia do recalque ocorrendo em diversos momentos (trazendo aqui a noção da temporalidade psíquica como distinta da temporalidade cronológica), com a cena originária como o ponto inicial da formação do trauma, juntamente com as fantasias originárias que remontam à própria história. Essa teoria da sedução, ou seja, a fantasia do coito constitui a base do amor edipiano: quando não há a transferência do amor para o objeto, esse amor retorna sob a forma de autoerotismo e reinvestimento no ego. Posteriormente, esse investimento é projetado para fora, criando assim as ilusões. O momento em que o sintoma deixa de ser uma fobia e uma neurose obsessiva e passa a apresentar delírios e alucinações, isso acompanha o próprio desenvolvimento do indivíduo, seu amadurecimento psicossexual, por isso Freud vai revendo o diagnóstico à medida que acompanha o Homem dos Lobos. Nesse caso, ao tomar conhecimento da história dos lobos na árvore, Freud conclui que possivelmente esse sonho tenha relação com seu pai, que o organiza e o ameaça e que pode copular com ele por trás, como fizera com a mãe, com uma ameaça de castração: “uma ocorrência real – datando de um período muito prematuro – olhar – imobilidade – problemas sexuais – castração – o pai – algo terrível” (Freud, 1914, p. 46). TEMA 5 – O RETORNO DO TOTEMISMO NA INFÂNCIA 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/15 Esse tópico faz parte do item 4 do texto Totem e tabu, de 1914. De modo geral, aplica-se ao contexto porque em todas as sociedades há regras e proibições, como é o caso do tabu do incesto. Além disso, o surgimento do totem se relaciona com o modelo do sagrado, que em muitas sociedades está diretamente associado à religião, estabelecendo costumes e regras que as tornam mais avançadas do que os agrupamentos animais. A maioria das pessoas se depara com essas regras já na infância e aprende, nas aulas que recebem de seus pais, familiares ou líderes religiosos, como se portar em sociedade. Assim, esse tópico visa explicitamente tratar não do desenvolvimento psicossexual do ponto de vista do amadurecimento biológico, mas da construção de valores a que as crianças são submetidas desde que nascem. O modelo do totemismo, segundo Freud (1914), envolve a crença de que há algo de supersticioso em uma classe de objetos eleitos para representarem crenças e costumes e em uma figura (ou algumas figuras) que estabelece com o homem um vínculo mutuamente benéfico (pois o totem não mata o ser humano e este, em troca, reconhece e enaltece a grandeza desse totem). Além disso, essa relação é íntima e inteiramente especial. Freud (1914) traz seu exemplo de totemismo para a religião católica, mas é possível derivá-lo, em diferentes graus, para outras religiões além da cristã, como a judaica, a muçulmana e a budista. Mesmo as religiões politeístas indígenas e africanas e a antiga Grécia possuíam modelos de deuses fortes, poderosos, mas benevolentes com os homens enquanto se mantivessem seguidores e fiéis. A necessidade de criação de tabus, conforme explicado no texto, se dá porque algumas condições, como comer e beber ou não colocar a mão no fogo, não precisam ser explicadas para as pessoas. O comportamento inicial sobre uma fruta é comê-la, assim como a reação inicial ao sentir o calor do fogo queimando é retirar a mão. No entanto, o incesto não faz parte do modo natural luta- fuga-acasalamento. Pelo contrário, é bastante comum que o abuso sexual de crianças (meninos e meninas) se dê principalmente pelo pai, depois por outros membros da família e por fim por estranhos e pessoas distantes. Quando uma pessoa como essas é presa, a “lei dos presídios” então submete o estuprador, pedófilo e incestuoso aos mais variados graus de degradação e violência, para deixar claro que, embora a maioria daquelas pessoas esteja fora da lei, o incesto e o abuso de vulneráveis precisam ser mantidos como comportamentos inaceitáveis e passíveis de punição com violência e morte. No desenvolvimento psicossexual infantil, vemos com frequência as crianças se sentirem mais semelhantes aos animais que aos adultos mais velhos. Isso porque as crianças ainda não apresentam 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/15 sinais de arrogância ou escrúpulo (de modo geral), são desinibidas e curiosas. Quando a criança começa a desenvolver sua concepção de mundo e absorver as regras, ela se afasta do universo animal, podendo desenvolver fobias de animais que até então despertavam interesse e simpatia. Os contos infantis auxiliam no surgimento dessas fobias, como pudemos observar anteriormente no caso do Homem dos Lobos, e é esse medo que se combina com as fantasias originárias para o complexo de castração. Em um exemplo apresentado no texto, Freud comenta que um menino, Arpad, tentou urinar no galinheiro e uma galinha tentou bicar seu pênis. Um ano depois, quando o menino retornou ao galinheiro, sentiu-se transformado em uma galinha, cacarejando e interessado apenas no próprio galinheiro. Precisou de tempo até recuperar a fala, mas seguiu interessado apenas em assuntos sobre galinhas e apresentava um comportamento ambivalente em relação a elas: desejava matá-las todas, dançava com prazer em volta dos corpos representados por brinquedos, mas depois se abaixava e as beijava, em uma demonstração de intenso afeto. Portanto, a relação ambígua com a galinha se deu em reação ao medo de castração, ao medo de que a galinha comesse o pênis do menino. A história da relação totêmica remonta à ideia da horda primeva, na qual antigamente o homem mais forte possuía todas as mulheres. Uma vez que outro homem se tornasse o mais forte, ele rapidamente matava o anterior e assumia a posição de líder e responsável por todas as mulheres. A criação do totem se deu a partir do momento em que todos os filhos se juntaram e mataram seu pai, tomaram-lhe juntos o lugar de líderes e decidiram que a regra mudaria. Na sequência, surgiu o tabu do incesto e a figura do totem, simbolizando a figura do pai morto que não deve ser esquecido como uma referência a um tempo que não deve, sob hipótese nenhuma, retornar. 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/15 Crédito: Tomacco/Shutterstock. Com o passar do tempo, a força deu lugar à inteligência, estabelecendo aqui uma analogia entre os neuróticos e os primitivos: os primeiros são, acima de tudo, inibidos em suas ações e seu pensamento é substituto constante do ato; já os homens primitivos, de pouco ou nenhum conhecimento, são desinibidos e seu pensamento se transforma rapidamente em ação. “No princípio 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/15 foi ato”, diz Freud (1914), e com essa frase concluímos que a formação da neurose ainda segue como um processo mais adaptado que a resposta comportamental ao desejo, a falta de reflexão e o bloqueio que são tão prezados e cultivados nas sociedades modernas. NA PRÁTICA Propomos uma análise do filme Uma mente brilhante. Lançado em 2001, conta a biografia de John Nash, desde seu ingresso na universidade. De início, Nash decide se isolar dos amigos e colegas em busca de uma ideia original. Após um companheirosugerir que ele o fizesse fora do quarto, o cientista vai então buscar respostas no movimento dos pombos de um parque, de uma equipe de futebol e no roubo de uma carteira. Depois, durante uma conversa em um bar, Nash encontra a inspiração de que precisava, iniciando o que mais tarde ele chamou de Teoria dos Jogos. O reconhecimento de seu trabalho só ocorre depois que ele consegue ajudar o Pentágono a decifrar códigos russos. Torna-se então professor e conhece uma aluna com quem se casa e vem a ter um filho. Depois de a família ser perseguida por estranhos, Nash começa a desenvolver paranoia e entra em um quadro esquizofrênico. No fim do filme, Nash conquista o Nobel em Economia e aprende a lidar com seu transtorno. Nem sempre é possível que o paciente conquiste o mesmo resultado de Nash, pois o prognóstico depende da idade quando o transtorno surgiu e das características associadas. No livro Memórias de uma esquizofrênica, de Sechehaye (1950), a personagem apresenta o primeiro sintoma muito mais cedo que Nash, o que representa uma dificuldade extra no sentido de compreender o desafio entre ilusão e realidade. É bem verdade que as crianças, até determinada idade, têm dificuldade em distinguir sonho e realidade e não é incomum ouvir relatos de crianças que dizem ter brincado por horas quando, na verdade, estavam apenas dormindo. Além disso, ocorre também a existência de amigos imaginários e personagens fantásticos que as crianças garantem ver e interagir e por isso a dificuldade em se trabalhar o “ponto de virada”, quando deixamos de confundir ilusão e fato e passamos a compreender o entorno ou nos deixar levar por delírios e alucinações. FINALIZANDO Nesta etapa, trouxemos inicialmente o caso Schreber, uma história baseada no livro de memórias do próprio paciente e que trouxe uma mudança significativa na metapsicologia freudiana ao 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/15 introduzir o conceito de narcisismo, uma etapa que ficaria entre o autoerotismo e o amor objetal. Depois, falamos do Homem dos Lobos, um caso que representou uma grande dificuldade diagnóstica para Freud, com seu complexo de castração associado a delírios com lobos e com a cena primeva, além da presença particular de lendas e mitos nos contos de fada infantis, nos sonhos e nos temores. Por fim, trouxemos o texto sobre o totemismo na infância. Esperamos que tenham aproveitado as discussões apresentadas aqui para conhecer um pouco mais das origens da psicanálise e convidamos a todos a continuar acompanhando o conteúdo para saber mais sobre esse campo do saber tão envolvente que é a psicanálise. Leitura complementar BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991. MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980. REFERÊNCIAS FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (1886-1899) – livro I, XII, XIII e XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1977. GARCIA-ROZA, L.A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. v1-3. LAPLANCHE, J & PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. SECHEHAYE, M. A. Memórias de uma esquizofrênica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1950. O termo está sendo utilizado com o sufixo "ismo" conforme o uso do próprio autor em seus textos, pois a homossexualidade foi considerada, até a década de 1980, como uma doença (ou seja, posterior à publicação dos "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade") sendo caracterizada por Freud como perversão. [1] 04/03/24, 15:24 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 15/15
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