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PEDOLOGIA João Victor Pacheco Gomes E d u ca çã o P E D O L O G IA Jo ão V ic to r P ac he co G om es O estudo do solo é essencial para que possamos compreender sua dinâmica, seu desenvolvimento, seus potenciais e suas limitações, a fim de podermos usar esse recurso de maneira sustentável. O objetivo desta obra é apresentar o conteúdo básico da pedologia, uma das ramificações da ciência do solo. Este livro tem por finalidade servir como refe- rência aos estudantes de geografia, agronomia, biologia e áreas afins. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6366-6 CAPA_Pedologia.indd 1 28/11/2017 09:22:47 João Victor Pacheco Gomes IESDE BRASIL S/A Curitiba 2018 Pedologia CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G614p Gomes, João Victor Pacheco Pedologia / João Victor Pacheco Gomes. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2017. 240 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6366-6 1. Geologia. 2. Solo - Uso. I. Título. 17-45442 CDD: 631.4 CDU: 631.4 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. © 2018 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Produção FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem Capa Budimir Jevtic/Shutterstock.com Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao aluno | 5 1. Solo: conceitos e funções | 7 2. Fatores e processos de formação do solo | 29 3. Intemperismo | 53 4. Propriedades físicas do solo | 75 5. Propriedades químicas do solo | 95 6. Classificações taxonômicas e utilitárias dos solos | 115 7. Matéria orgânica e organismos vivos | 135 8. Cartografia de solos e suas aplicações | 151 9. Solos do Brasil e do mundo | 177 10. Os solos e as atividades humanas | 203 Gabarito | 221 Referências | 235 Carta ao aluno O solo é elemento essencial à vida e o seu estudo é objeto da geografia, da agronomia, da engenharia e de outras ciências, sob diferentes aspectos. Servindo de palco para as atividades humanas, o solo é fonte de recursos e morada para várias formas de vida, sendo elemento fundamental para o equilíbrio ambiental. O estudo do solo, portanto, é essencial para que possamos compreender sua dinâmica, seu desenvolvimento, seus potenciais e suas limitações, a fim de poder usar esse recurso de maneira sustentável. – 6 – Pedologia O objetivo desta obra é apresentar o conteúdo básico da pedologia, uma das ramificações da ciência do solo. Assim, este é um material que traz os fundamentos para compreender a pedologia e que permite implementar pes- quisas próprias para aprofundar o conhecimento. Além disso, tem por finali- dade servir como referência aos estudantes de geografia, agronomia, biologia e áreas afins. Esta obra está dividida em duas partes, sendo a primeira composta de cinco capítulos que contemplam o processo de formação e desenvolvimento do solo. O Capítulo 1 trata do contexto histórico e da importância do tema, o Capítulo 2 faz referência aos processos de formação do solo, seus hori- zontes e a interação com os fatores geobioclimáticos. Já no Capítulo 3 são apresentados os tipos de intemperismo e o seu papel na formação do solo, no Capítulo 4 são expostos os processos físicos do solo e, no Capítulo 5, os processos químicos. A segunda parte do livro, composta de mais cinco capítulos, traz a clas- sificação, o mapeamento e a conservação do solo. O Capítulo 6 apresenta a classificação de solos do Brasil, ao passo que o Capítulo 7 trata da dinâmica biológica do solo. No Capítulo 8 são abordados o levantamento e o mapea- mento de solos, enquanto o Capítulo 9 apresenta os solos do Brasil e do mundo e o Capítulo 10 contempla a conservação dos solos. Boa leitura! Solo: conceitos e funções Ao pensarmos em solo, muitas vezes somos pegos por nossas pré-concepções de que o conceito é óbvio e trivial. Somos também levados a imaginar que o solo está ao nosso dispor sem a necessidade de implementarmos técnicas específicas de manejo desse recurso – e sequer o entendemos como recurso, muitas vezes. No entanto, essas são concepções modernas de característica urbana, de pessoas que não têm o costume dos povos de outrora, que plantavam e colhiam seus alimentos. 1 Pedologia – 8 – Os povos de épocas passadas observavam o ambiente natural com mais acuidade que o homem moderno, identificando vantagens e limitações do solo como recurso. Essa visão atualmente é restrita aos profissionais que estudam e/ou trabalham diretamente com o solo, mas não deveria, pois esse recurso é fundamental para a existência humana e as ciências do solo têm um papel importantíssimo para que possamos entender sua dinâmica e desenvol- vimento. Neste capítulo, serão apresentados os temas fundamentais da pedo- logia: mostraremos um pouco do histórico das ciências do solo, os conceitos básicos dessa área e, por fim, uma visão ecológica desse recurso. Assim, é possível ter condições de trilhar os primeiros passos para o domínio da ciência do solo. 1.1 Histórico da ciência do solo 1.1.1 O desenvolvimento da ciência do solo A preocupação com a qualidade do solo e o seu potencial de uso e manejo não é recente. O solo é palco das atividades antrópicas e proporciona o cultivo de alimentos e armazenamento de água, algo que interessa a todos os organismos vivos da Terra. Além disso, o solo permite que seja extraído dele matérias-primas diversificadas para o desenvolvimento, servindo tam- bém como palco de nossas atividades. Por esse motivo, o interesse do homem pelo solo e suas propriedades remonta à pré-história (LEPSCH, 2010). Os homens primitivos, cujos registros em fósseis e desenhos em cavernas (Figura 1) levam às conclusões existentes acerca de suas atividades, diferen- ciavam os solos de acordo com sua capacidade de gerar frutos. A qualidade dos solos podia ser evidenciada pela geração de frutos melhores que outros em determinados tipos de solo. Os diferentes tipos de solo também permi- tiam acesso a matérias-primas que possibilitavam a pintura – evidenciadas pelos registros em caverna – , que podia ser feita em diferentes cores devido a essa variedade, além de permitir a confecção de objetos a partir deles. Dessa forma, concluímos que, desde muito cedo, a humanidade já enxergava o solo como fonte de recursos. – 9 – Solo: conceitos e funções Figura 1 – Registro dos homens primitivos. Fonte: koratmember/iStockphoto. O solo é compreendido pela comunidade científica como um mate- rial envolto de complexidades, fruto de estudos constantes. No entanto, do período pré-histórico até a atualidade, o processo de desenvolvimento da ciência do solo demandou muitas observações e desenvolvimento dos méto- dos científicos para que fosse estabelecido (IBGE, 2015). Os homens primi- tivos nunca se preocuparam com a formação do material ou, até mesmo, com as propriedades do que conhecemos como solo (LEPSCH, 2010). O interesse por essas questões somente surgiu com o desenvolvimento da humanidade. Quando os homens deixaram de ser nômades e passaram a se fixar em seus próprios territórios, há cerca de 10 mil anos, formando as primeiras cida- des, surgiu também a prática da agricultura (LEPSCH, 2016). Era necessário plantar para manter a subsistência, e o conhecimentodo solo passou a ser fundamental para identificar as áreas que eram mais férteis e aquelas que pro- porcionavam os melhores frutos (IBGE, 2015). Foi um período mais calcado na observação, em que os homens adotavam a prática de tentativa e erro para Pedologia – 10 – identificar as melhores áreas. As primeiras observações mais atentas fizeram concluir que alguns solos possuíam grãos maiores do que outros e que alguns deles eram mais secos comparados a outros (LEPSCH, 2010). Essas observações iniciais foram fundamentais para o desenvolvimento da humanidade, que estabeleceu as grandes cidades nas regiões que possuíam os solos com maior potencial de uso. Além disso, a proximidade a fontes de água era fator determinante para a escolha do lugar a ser habitado. Ao considerar essas características para estabelecer e desenvolver uma cidade, o homem garantiu o sucesso de grandes civilizações, como é o caso da antiga Mesopotâmia (LEPSCH, 2016). Também baseadas na observação, outras civilizações antigas – como as pré-colombianas na América do Sul – utilizavam a agricultura e o manejo do solo para plantar. Os índios brasileiros derrubavam árvores e faziam quei- madas para que as cinzas da vegetação queimada fertilizassem o solo (IBGE, 2015). Esse procedimento garantia que uma área permanecesse fértil por 2 ou 3 anos em média (LEPSCH, 2010). Os incas formavam uma civilização mais desenvolvida e adotavam sistemas de irrigação do solo para obter uma agricultura permanente na região dos Andes. Dessa forma, os registros das civilizações antigas evidenciam que a agri- cultura era a principal atividade e o potencial de uso do solo para esse fim era o fator de diferenciação das categorias de solo. Registros indicam que na China, há 6.600 anos, os habitantes subdividiram o solo em nove classes de acordo com o seu potencial produtivo, isso porque o tamanho e valor das propriedades estavam atrelados à produtividade do solo e serviam como base para calcular impostos sobre as áreas (LEPSCH, 2010). Registros da Grécia Antiga indicam que há 2.500 anos Aristóteles e, principalmente, seu discí- pulo Theofastes realizaram uma série de observações sobre as características do solo relacionadas ao desenvolvimento de plantas (LEPSCH, 2016). Os antigos romanos chegaram a elaborar documentos em que indicavam técnicas e meios de se obter as melhores colheitas. Esses acontecimentos estão relacionados a um período pré-ciência do solo, em que a observação era isenta de hipóteses e não era mensurável ou passível de ser provada. Após o período da Idade Média e do Iluminismo, a ciência começou a traçar novos rumos, elaborando hipóteses para os – 11 – Solo: conceitos e funções fenômenos terrestres e/ou resgatando algumas teorias mais antigas e provan- do-as. As bases da ciência do solo só foram estabelecidas no ano de 1877, por meio do naturalista russo Vasily V. Dokouchaev (Figura 2), que teve a missão de estudar os solos da Ucrânia e das proximidades da floresta de Gorski. Dokouchaev percebeu que existiam diferenças consideráveis nos solos que estudava (IBGE, 2015) e que só foram percebíveis devido à grande extensão do país em que realizou seus estudos (LEPSCH, 2010). Figura 2 – Vasily V. Dokouchaev. Fonte: Wikimidia Commons. Baseado nas observações das condições do ambiente nos lugares estuda- dos, Dokouchaev concluiu que as características diferenciadas do solo esta- vam relacionadas ao clima. Além disso, ele também foi o responsável por identificar que o solo era dividido em camadas (Figura 3), que também se diferenciavam entre um solo e outro. Dessa forma, Dokouchaev estabeleceu as bases do que hoje conhecemos como pedologia (IBGE, 2015), a ciência Pedologia – 12 – que estuda formação, características e desenvolvimento dos diferentes tipos de solo. Outros estudos somaram-se a essa iniciativa, como a química do solo de Liebig dos tratados de Charles Darwin que indicavam a influência dos organismos vivos na formação do solo. Figura 3 – Perfil de solo dividido em camadas. Fonte: strixcode/iStockphoto. Essas teorias foram difundidas pelo mundo, inclusive nas Américas, para onde povos de diversas partes do mundo emigraram. O imperador Dom Pedro II fundou no Brasil, no ano de 1887, a Estação Agronômica de Campinas, que tinha como principal finalidade estudar os solos para a plantação de café, sobretudo na região de São Paulo (IBGE, 2015). No país, institutos para estudos da ciência do solo têm enorme importância devido às – 13 – Solo: conceitos e funções dimensões do território brasileiro e às diversas complexidades que influen- ciam no desenvolvimento e nas características dos nossos solos. 1.1.2 Diferentes ramos da ciência do solo A ciência do solo não deve ser entendida apenas como pedologia; há diferentes ramos de atuação que estão agregados ao que se entende como ciência do solo (RESENDE et al., 2007). Como qualquer ciência, diferentes paradigmas e conceitos são estabelecidos para que seja possível realizar estu- dos focados em determinados aspectos (LEPSCH, 2010). Assim como um corpo humano – que na ciência é dividido em diversos ramos dedicados ao estudo do coração, do cérebro, dos pulmões, entre outro –, o solo também possui elevada complexidade e várias especialidades relacionadas. Algumas subáreas da ciência do solo no Brasil são associadas aos estu- dos ligados à agronomia, com maior foco no cultivo de plantas (IBGE, 2015), sendo elas: biologia do solo, fertilidade do solo, física do solo, con- servação do solo e nutrição de plantas. Além disso, existem as subdivisões consideradas pedagógicas para o estudo do solo, que são: gênese, classi- ficação dos solos, levantamento de solos, morfologia, química do solo e mineralogia. Existem ainda outras divisões, sendo que as mais notáveis são do ramo acadêmico: a mecânica dos solos, a edafologia e a pedologia (RESENDE et al., 2007). A mecânica dos solos é um ramo oriundo da engenharia civil e está focada, principalmente, no estudo e na prevenção do comportamento do solo quando nele é implementado um empreendimento de construção civil. Essa disciplina atua no estudo dos maciços terrosos, constituídos de taludes e ater- ros, para identificar o potencial de movimento de massa mediante a imple- mentação de força provocada por obras de engenharia (LEPSCH, 2010). É a área que se preocupa mais com a parte “escavável” do solo e com o quanto de força ele pode suportar. Já a edafologia está relacionada com a fertilidade do solo e a nutrição das plantas; é uma área específica da agricultura que estuda formas de suprir os nutrientes da camada mais superficial do solo (LEPSCH, 2010). A con- centração nessa camada está relacionada ao comprimento das raízes das plantas, que precisam que os nutrientes estejam ali concentrados para o seu Pedologia – 14 – desenvolvimento. É também a área em que se concentram as análises quími- cas do solo, com o objetivo de estimar a quantidade de nutrientes e acidez dele e a necessidade de efetuar alguma correção ou fertilização. A pedologia é um ramo que estuda o solo de forma mais abrangente, atuando desde a pedogênese até o estudo de sua estrutura, da camada mais superficial à mais profunda. Nesse ramo, o solo é visto como componente de um ecossistema que possui função fundamental para o equilíbrio do meio, sendo necessário entender o seu comportamento a partir de sua origem e tam- bém os fatores ambientais que agem no seu desenvolvimento (RESENDE et al., 2007). Para isso, é necessário também a espacialização dos diferentes tipos de solos, para que seja possível correlacioná-los com os fatores ambientais que influenciam na sua gênese. Dessa forma, a pedologia assume característica de ciência geográfica, não focando apenas em um aspecto do solo, mas em como os diferentes aspectos envolvidos contribuemna formação desse recurso e como ele impacta no desenvolvimento ambiental e humano. O foco deste livro está na pedologia como ciência e suas aplicações. O caráter geográfico dessa ciência será ressaltado nos capítulos subsequentes, por meio da correlação com outras ciências e na visão do solo como consti- tuinte da paisagem geográfica. No entanto, antes de avançar, é necessário ter em mente alguns conceitos importantes e particulares dessa disciplina, que serão abordados a seguir. 1.2 Conceitos de solo e funções 1.2.1 Conceitos de solo O conceito de solo não é tão simples quanto se pensa em um primeiro momento, pois deriva de questões específicas relacionadas a cada área de estudo e interesse. Se tomarmos como exemplo os estudos relacionados à geo- logia, podemos dizer que o solo faz parte de um processo de desenvolvimento das rochas, ou seja, a sua origem está integrada ao que conhecemos como ciclo das rochas. Nesse aspecto, o solo é, então, o resultado de um processo geoló- gico. Essa noção não está errada, no entanto, para pedologia, é necessário ir mais a fundo nesse contexto. – 15 – Solo: conceitos e funções Outras formas de compreender o solo podem ser destacadas, como na engenharia civil, que entende o solo como material inconsolidado a ser remo- vido ou que serve de base para a construção civil. Pode ser visto ainda como estrutura-base de um território, quando se trata de questões políticas, ou ape- nas como um elemento constituinte da paisagem. Para as ciências do solo, no entanto, existem outros conceitos que devem ser considerados. Um dos mais notáveis é apresentado pelo Soil Survey Manual (1951), traduzido por Lepsch, em que o solo constitui: (...) corpos naturais que ocupam parte da superfície terrestre, os quais constituem um meio para o desenvolvimento das plantas e que pos- suem propriedades resultantes do efeito integrado do clima e dos organismos vivos, agindo sobre o material de origem e condicionado pelo relevo durante certo período de tempo. (LEPSCH, 2010, p. 39) Esse é um conceito incompleto, que deixa de abordar questões impor- tantes, como os limites físicos desses corpos no espaço. No entanto, é um conceito notável ao abordar a integração deles com o clima, que tem forte influência na formação dos diferentes tipos de solo (como veremos nos capí- tulos mais à frente) e na integração dos organismos vivos. Nas ciências do solo, a vida é fundamental para conceituarmos o que se entende como solo, pois os estudos empreendidos e as atividades exercidas terão sempre como finalidade, direta ou indiretamente, os organismos vivos, sendo eles partes constituintes do solo ou apenas receptores e/ou agentes ativos. Guerra apresenta em sua obra clássica, Dicionário Geológico-Geomorfológico, a definição de solo como: (...) camada superficial de terra arável possuidora de vida microbiana. Algumas vezes o solo é espesso, outras vezes pode ser reduzido a uma delgada película ou mesmo deixar de existir. As rochas que afloram na superfície do globo estão submetidas a ações modificadoras dos diversos agentes exodinâmicos. Um dos processos mais importan- tes na formação dos solos é a alteração do material inicial, ficando no próprio local sem ter sido transportado. Isto tanto pode ser solo como pode ser uma rocha decomposta. A diferença primordial entre um e outro é que mesmo no estado mais avançado da decomposi- ção a rocha não possui vida microbiana. Os solos possuem vida (...). (GUERRA, 1966, p. 397) É uma definição mais detalhada, mas que padece do mesmo problema apontado na definição anterior; os limites físicos do que se entende como solo Pedologia – 16 – não são abordados e é um fator importante para estabelecermos onde esses corpos começam e terminam. A definição apresentada por Guerra (1966) é também clássica, aborda a vida como parte fundamental na constituição do solo – a partir da vida microbiana, como o autor destaca. Também as intera- ções com agentes externos, como o clima, estão preservadas quando o autor ressalta as ações modificadoras devido a agentes exodinâmicos. Porém, como ressaltado, tal definição ainda carece de aspectos importantes. Outra definição, mais recente, foi apresentada no Soil taxonomy: a Basic System of Soil Classification for Making and Interpreting Soil Surveys (1999) e é adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como aquela que mais se adapta ao levantamento pedológico: solo é a coletividade de indivíduos naturais, na superfície da terra, eventualmente modificado ou mesmo construído pelo homem, con- tendo matéria orgânica viva e servindo ou sendo capaz de servir à sus- tentação de plantas ao ar livre. Em sua parte superior, limita-se com o ar atmosférico ou águas rasas. Lateralmente, limita-se gradualmente com rocha consolidada ou parcialmente desintegrada, água profunda ou gelo. O limite inferior é talvez o mais difícil de definir. Mas o que é reconhecido como solo deve excluir o material que mostre pouco efeito das interações de clima, organismos, material originário e relevo, através do tempo. (IBGE, 2015, p. 39) Essa definição apresenta a visão adotada neste livro. Cabe ressaltar que existem outros termos de uso recorrente que são utilizados por cientistas do solo e/ou de outras áreas do conhecimento e que têm como base o conceito apresentado de forma simplificada ou que se referem a outros aspectos do solo. O IBGE relaciona esses termos em seu Manual técnico de pedologia (2015), os quais são apresentados a seguir com uma breve explicação: 2 Solo: de um modo geral, pessoas e cientistas de outras áreas não se referem a solo com base no mesmo contexto abordado neste livro. O conceito de solo, para eles, é mais simplificado, sendo entendido como o material mineral e/ou orgânico inconsolidado na super- fície da terra que serve como meio natural para o crescimento e desenvolvimento de plantas terrestres. Cabe ressaltar que, quando empregado em sistemas taxonômicos1, o termo solo se refere a todas 1 De taxonomia, que é o estudo teórico da classificação, incluindo sua base, princípios e regras (IBGE, 1999). – 17 – Solo: conceitos e funções as partes do perfil do solo (Figura 4) existentes na parte superior ao material de origem (IBGE, 2015). Figura 4 – Partes constituintes de um perfil de solo. Horizonte – O → Horizonte orgânico Horizonte – A → Solo com acúmulo de húmus Horizonte – B → Subsolo Horizonte – C → Fragmentos de rocha resistentes Horizonte R → Rocha-base. Fonte: ttsz/iStockphoto. 2 Solum: termo comumente utilizado para se referir à camada arável, mais superficial e, consequentemente, também à mais intemperi- zada. Na Figura 4, essa camada é representada pelos horizontes A e B. O termo solum é o mais adequado ao conceito de solo apresen- tado por Guerra (1966), como visto anteriormente. 2 Solo autóctone, alóctone e pseudoautóctone: esses termos refe- rem-se ao de origem específica. O solo autóctone está relacionado ao que tem como material de origem as rochas imediatamente subjacentes. O solo alóctone não é formado a partir dessas rochas, podendo ter natureza distinta ou compatível com elas. Já o solo Pedologia – 18 – pseudoautóctone é o solo originado de rochas locais, contendo material externo proveniente de processos erosivos (RESENDE et al., 2007). Ainda existem outros termos relacionados que são comumente utili- zados e que serão apresentados nos capítulos subsequentes, nos momentos oportunos e com a devida explicação. Os termos e conceitos explicitados nesta seção são de conhecimento-base para o estudo da ciência do solo e a visão destacada neste capítulo será a linha de conhecimento para os estudos e exemplos apresentados nesta obra. 1.2.2 Funções do solo Para melhor compreender as funções do solo, deve-se primeiro entendero contexto no qual ele está inserido. O limite superior do solo faz parte do que é conhecido como biosfera, a união de todos os espaços onde há vida na Terra (ROSS, 2014), ficando entrelaçado com a atmosfera. As partes do solo em contato com a água encontram o que se conhece como hidrosfera. Todas as partes que compõem o solo estão localizadas naquilo que se define como litosfera, a parte sólida da estrutura terrestre (GUERRA, 1966). Os diferentes tipos de solo, portanto, estão situados em um contexto que inclui biosfera, atmosfera, hidrosfera e litosfera, partes que compõem aquilo que se conhece como pedosfera. Portanto, a pedosfera engloba todos os diferentes tipos de solos existentes, funcionando ainda como palco ou alicerce da vida, onde os organismos existentes, inclusive o homem, desenvolvem-se, colhem alimentos e exercem suas atividades. Nesse contexto, o solo tem diversas funções, impactando diretamente no nosso cotidiano. E a primeira delas está relacionada aos alimentos, os vege- tais, que nascem e crescem na pedosfera por meio dos nutrientes existentes nos solos. E a qualidade dos materiais dispostos na pedosfera é diretamente proporcional à qualidade dos alimentos por ela fornecidos. Isso se reflete tam- bém na água, pois, em contato direto com esse material, ela também adquire suas características. Dessa forma, pode-se dizer que a qualidade da água está relacionada, mas não somente, às características do solo no qual tem contato. – 19 – Solo: conceitos e funções O solo funciona também como base fixadora dos vegetais, os quais for- necem frutos necessários às diversas formas de vida (RESENDE et al., 2007), sendo que o homem usa esse recurso na criação de alimentos para a socie- dade. A agricultura sempre fez parte da história humana e, no período recente da história do Brasil, fornece produtos que atuam como as principais commo- dities2 brasileiras. Ressalta-se, com isso, o potencial econômico que deve ser observado pelos elementos que compõem a pedosfera. Nesse sentido, como base da vida, a pedosfera sempre foi a morada do homem, aparecendo como um potencial econômico na contemporaneidade, também devido ao mercado de construção civil (RESENDE et al., 2007). Na engenharia, os solos são estudados para identificar se são adaptados ou adaptáveis à prática de construção civil. Não são todos os tipos de solo ade- quados para moradia e esse fator pode influenciar na qualidade da construção e também no seu valor agregado. Essa visão não é muito explorada na pedologia, que é focada nos aspectos naturais da pedosfera. Sempre que possível, no entanto, este livro vai abor- dar exemplos relacionados a essas questões do âmbito da mecânica dos solos quando os temas trabalhados se relacionarem diretamente com os aspectos sociais e naturais, conectando essas áreas. Na pedologia, portanto, a pedosfera é estudada com base nas relações do solo com os organismos vivos, seus nutrientes e com os fatores ambientais, como o clima, a geomorfologia e os fenômenos geológicos. Para compreen- der como o solo se desenvolve e atua nessas circunstâncias, a pedologia se preocupa com o processo de formação do solo, características do material constituinte e as formas de vida ali presentes. Atualmente, o solo possui demandas específicas que extrapolam as neces- sidades humanas, sendo importante também para a manutenção do ecossis- tema, pois o solo é parte fundamental dele e também sofre consequências das ações impactantes. Tendo grande importância no desenvolvimento da vida 2 Commodities: plural de commodity, palavra da língua inglesa que significa mercadoria. Commodities é uma terminologia econômica utilizada para designar produtos de baixo valor agregado, ou seja, aqueles que não sofreram alteração, como metais, frutas e cereais. Pedologia – 20 – em diferentes escalas, o solo é um recurso em constante desenvolvimento e mudanças na escala de tempo geológico. 1.3 Funções ecológicas do solo A ecologia é uma área que estuda a relação entre os organismos e o meio ambiente (RESENDE et al., 2007). Formado a partir de um sistema de rela- ções entre os organismos, o clima e o solo, o meio ambiente deve ser enten- dido como um sistema conectado de interdependência. No que se refere aos organismos, a ecologia deve ser entendida como uma relação entre a fauna e a flora com o ambiente, assim como as atividades antrópicas diversas. Nesse sen- tido, principalmente os aspectos socioeconômicos devem ser considerados, por envolverem atividades que podem impactar negativamente uma região. A Figura 5 apresenta esquematicamente as relações de dependência entre os quatro vértices do tetraedro, tendo por objetivo representar o sistema de relações que formam o meio ambiente. Na base do tetraedro encontram-se relacionados os fatores ecológicos: organismos, solo e clima; no vértice supe- rior do tetraedro encontram-se as características socioeconômicas, podendo se relacionar com qualquer um dos três vértices da base. Figura 5 – Inter-relações dos fatores ecológicos. Influência dos aspectos socioeconômicos Organismos Solo Clima Fonte: RESENDE et al., 2007, p. 5. Adaptado. – 21 – Solo: conceitos e funções No tetraedro, as inter-relações são representadas pelas arestas que fazem a ligação entre um fator e outro(s). A aresta que liga o solo com os organis- mos, por exemplo, representa uma inter-relação de desenvolvimento entre ambos, na qual um depende do outro mutuamente. Da mesma forma, a aresta que liga o solo aos aspectos socioeconômicos representa a importância do solo para as atividades socioeconômicas ou como a ação antrópica pode interferir diretamente na qualidade do solo. Ao analisarmos o triângulo-base do tetraedro, percebemos que todos os fatores se conectam de alguma forma, representando a ideia de inter-relação e interdependência que ocorre no meio ambiente (RESENDE et al., 2007). O solo encontra-se conectado com todos os outros fatores, formando o que se chama de inter-relação global, o que demonstra a importância dele como fator ecológico. Dessa forma, entendendo o solo como um dos principais fatores ecoló- gicos, é necessário compreender sua dinâmica e como esse recurso varia com o passar do tempo, com as alterações no clima e pela ação dos organismos, ou seja, em função das condições ambientais. O solo faz parte de um sistema em constante transformação e suas condições físicas e químicas variam no decorrer da escala de tempo geológico. O tempo pode alterar as inter-relações solo-organismos-aspectos socioeconômicos, pois, como será visto a seguir, o desenvolvimento do solo envolve aspectos químicos que podem levar milhares de anos para modi- ficar o seu material de origem (RESENDE et al., 2007). No entanto, os organismos e os aspectos socioeconômicos estão sujeitos a uma escala de tempo menor que os minerais, variando em algumas décadas ou séculos. Dessa forma, as inter-relações mencionadas revelam aspectos de desenvol- vimento em uma escala de tempo observável e/ou mensurável. Do ponto de vista geológico, é possível estimar que os solos do território brasileiro, por exemplo, devem sofrer grandes alterações nos próximos decênios. As características diferenciadas dos solos são resultado de mudanças no tempo e no espaço, que criam condições de desenvolvimento variadas depen- dendo da localidade (RESENDE et al., 2007). Essas diferenças podem ser notadas em grande e pequena escala e vão determinar substancialmente os padrões de uso do solo em questão, seja para atividades antrópicas ou para a Pedologia – 22 – própria natureza. Cabe lembrar que as primeiras conclusões sobre o uso do solo em alguma atividade foram oriundas da capacidade de observação que estava indiretamente relacionada à agregação desses fatores mencionados. É possível afirmar que muitos atributosdo solo são identificados mais facilmente a partir de observações de campo do que usando técnicas labo- ratoriais. Um exemplo de observação prática em campo é a identificação da presença de hematita3 pela cor do solo (RESENDE et al., 2007). A cor, como será visto mais à frente, é um dos primeiros indícios observáveis de diversas alterações na química do solo. Um solo de cor vermelha, muito oxidado, como facilmente encontrado na região do quadrilátero ferrífero em Minas Gerais, indica a presença de metal em sua composição, que dá a coloração avermelhada ao solo ao oxidar na sua camada superficial – um ímã pode con- firmar essa presença de metal por meio da magnetização: ao esfregar o imã no solo, o metal presente em sua composição é atraído, outro fator que está relacionado à observação. Atualmente, a tecnologia auxilia no desenvolvimento de estudos que confirmam as teorias existentes oriundas do processo de observação, mas, ainda hoje, a observação de fenômenos é preponderante no estudo de solos. No dia a dia, é possível verificar diversos exemplos observáveis da dinâmica do espaço influindo no desenvolvimento do solo. Se olharmos para uma trin- cheira no solo, será possível identificar as camadas sucessivas, dispostas verti- calmente e diferenciáveis entre si, que seriam os horizontes do solo, produto de processo de desenvolvimento variável ao longo do tempo. A superfície vertical exposta na trincheira, com o seu conjunto de camadas ou horizontes expostos, é o que conhecemos como perfil do solo. O perfil, portanto, apresenta o que se chama de anisotropia, que é a característica física ou química de um determinado corpo que aparece de maneira diferenciada em várias direções; é uma característica própria de certos minerais. O solo possui anisotropia no sentido horizontal e vertical, sendo, por isso, considerado um corpo tridimensional. 3 Hematita: é um minério de ferro que possui coloração preta ou até mesmo azul, brilho metá- lico e traço vermelho. Quando na forma em pó, aparece com coloração avermelhada. – 23 – Solo: conceitos e funções As funções ecológicas do solo passam pelo aspecto de sua tridimensio- nalidade e pelas inter-relações anteriormente mencionadas, formando um recurso complexo e fundamental para os ecossistemas terrestres. A aniso- tropia do solo é alta em relação aos atributos climatológicos e ao teor de água. O principal traço climatológico responsável pelo desenvolvimento de diferentes tipos de solo é a temperatura. Uma temperatura elevada com pre- sença de água no solo provoca reações químicas que vão desencadear um processo de desenvolvimento no solo, que é fundamental para a estrutura de determinados tipos de vegetação ou para o seu uso antrópico. As vegetações dependem da presença de um solo bem desenvolvido e com água disponível em suas camadas subsuperficiais. Ao contrário do que se imagina, as camadas superficiais do solo possuem muitos nutrientes, mas podem ser também as mais inóspitas. A razão disso é o seu contato direto com a atmosfera, com a incidência de raios solares e dos fatores geológicos/geomorfológicos que podem desencadear um processo de erosão da camada superficial (RESENDE et al., 2007). Por esse motivo, também, a camada superficial é rica em matéria orgânica, já que alguns tipos de vegetação não conseguem criar raízes muito profundas e acabam por não se desenvolver, formando parte da matéria orgânica que se encontra nos pri- meiros milímetros do solo. Essas constatações servem como base para orientar as atividades exer- cidas sobre o solo, para que ele não seja impactado, e também os estudos de laboratório que identificar outras características além de encontrar formas de extrair ao máximo os nutrientes fornecidos pelo solo para fins de agricul- tura. O ser humano precisa que o solo mantenha sua capacidade de render frutos e de fornecer acesso à água, além de compreender sua dinâmica, para sustentação de sua própria existência. Um recurso de tamanha importância necessita de estudos e experimentos, para que seja possível usufruir dele de maneira sustentável. Alguns dos aspectos relativos a essa temática serão tratados no decor- rer deste livro; outros, mais relacionados à agricultura, não fazem parte da abordagem desta obra. Todavia, alguns experimentos são importantes e serão relatados, sendo comuns às duas disciplinas, como a questão do manejo, o comportamento de variedades de erosão, entre outras. Esses estudos têm Pedologia – 24 – como fundamento os fatores ecológicos mencionados e devem seguir ritos e condições semelhantes no uso das experimentações. Tanto cuidado é necessário devido à finitude do recurso solo, não sendo possível a sua recuperação em uma escala de tempo humana. O solo, como entendemos na pedologia, só é possível de ser encontrado na Terra, já que o material que compõe o terreno de Marte ou da Lua, por exemplo, não é considerado solo do ponto de vista da pedologia, pois, para tanto, necessita de vida e nutrientes. É importante observar esse conceito, pois o comprome- timento da qualidade do solo vai impactar diretamente na vida das pessoas, a começar pela alimentação, que poderá ser afetada se as plantas não encontra- rem os recursos necessários para o seu desenvolvimento. Ainda seguindo esse raciocínio, tudo na Terra tem origem no solo, desde um papel – que vem da vegetação e que, por sua vez, depende do solo – até os circuitos de computador, que precisam dos metais encontrados no solo em subsuperfície e, que são processados em seguida. A ecologia do solo é, portanto, um assunto fundamental e pertinente, permeando nosso estudo sempre que necessário ao ser apontada alguma atividade restritiva no uso do solo ou que seja impactante para o ecossistema e, até mesmo, na discussão de sustentabilidade desse recurso. A sustentabilidade é um conceito que surgiu no final do século XX com a compreensão de que as ações antrópicas estavam destruindo recursos que não teriam capacidade de se recuperar em uma escala de tempo humana, impedindo que gerações futuras tivessem acesso a eles. Desenvolver de forma sustentável é permitir que as gerações futuras tenham acesso aos mesmos recursos, não os tornando escassos. Esse conceito, no entanto, é geralmente relacionado às questões hídricas, de demanda de energia ou de vegetação, e o solo não tem feito parte desse discurso por não ser visto pela maior parte da população como um sistema impactado. No entanto, ele é fundamental para a vida e para a existência de recursos inerentes a ela, portanto a sustentabilidade, em paralelo com a eco- logia do solo, deve ser trabalhada e discutida, para que possamos resguardar a qualidade do solo para as próximas gerações. – 25 – Solo: conceitos e funções Conclusão Este capítulo teve como objetivo introduzir às bases da pedologia. Para isso, na primeira parte foi apresentado o histórico da ciência do solo, ressaltan- do-se os principais eventos históricos que levaram ao desenvolvimento dessa disciplina. Os conceitos de solo e suas funções, abordadas na segunda parte, tiveram o objetivo de apresentar as primeiras teorias e os conceitos relacio- nados a esse assunto. Por fim, a terceira parte abordou as funções ecológicas do solo, delineando a sua importância, necessidade de preservação e papel no ambiente. O capítulo construiu as bases para o conhecimento que será apresentado a seguir, delineando a forma de pensamento expressa nesta obra e mostrando a estrutura técnica fundamental do trabalho subsequente. Ampliando seus conhecimentos O trecho a seguir, do livro 19 lições de pedologia, de Igo F. Lepsch, destaca a lei do mínimo, um conceito importante para o desenvolvimento da ciência do solo. A lei do mínimo possibilitou o estabelecimento da agricultura como a conhece- mos hoje, com o uso de substâncias químicas para aumentaro potencial de produção. A escola de Liebig e a “lei do mínimo” (LEPSCH, 2016, p. 31) Em meados do século XVII, o químico alemão Justus Von Liebig e sua equipe emitiram vários conceitos científicos sobre como as plantas se nutriam do solo. Para isso, trabalharam com amostras de materiais removidos de diversos solos e coloca- dos ou em frascos de ensaio, dentro de laboratórios, ou em vasos, dentro de casas de vegetação. A partir daí muitas de suas teorias sobre a nutrição dos vegetais foram comprova- das, concluindo-se que as plantas se alimentavam, além de água, também de muitos elementos minerais. Comprovou-se Pedologia – 26 – também que o húmus era somente um produto transitório entre a matéria orgânica e esses nutrientes minerais. As teorias derivadas dos estudos de Liebig são corretas e foram cien- tificamente revolucionárias, com grande aplicação prática, o que estabeleceu a base para o uso de fertilizantes minerais. Elas deram origem à “lei do mínimo”4, que até hoje é seguida. Em seu livro Química e sua aplicação à agricultura e fisiologia, Liebig afirma que as plantas assimilam nutrientes minerais do solo e propõe o uso de fertilizantes minerais para fortificar solos deficientes. Com isso, iniciava-se o aperfeiçoamento das técnicas de cultivo do solo utilizando conhecimento de vários ramos da ciência, como a química e a geologia, e as técnicas de experimentação. [...] Atividades 1. O desenvolvimento da pedologia como ciência teve como base a neces- sidade de cultivo de bons frutos para a sobrevivência humana e a obser- vação para a identificação dos solos com essas habilidades. No entanto, foi o trabalho desenvolvido por Dokouchaev que mais contribuiu para a formação de uma ciência do solo. Explique qual foi o trabalho que Dokouchaev desenvolveu e qual a sua importância. 2. Das diferentes definições de solo, apresente aquela que é adotada pelo IBGE, ressaltando os motivos pelos quais é a que mais se adapta à pedologia. 4 Lei do mínimo: a quantidade de alimento produzida por uma planta está relacionada ao nutriente que se encontra no solo em menor, e insuficiente, quantidade. – 27 – Solo: conceitos e funções 3. Para melhor compreensão dos aspectos físicos, químicos e bioló- gicos que compõem a superfície terrestre e a camada que sustenta a vida no planeta, foi realizada uma subdivisão didática da qual a pedosfera faz parte. Explique o que é a pedosfera e sua importância nos estudos pedológicos. 4. Especifique as principais relações de interdependência que represen- tam os fatores ecológicos e o papel do solo nesse contexto. Fatores e processos de formação do solo O solo é um produto oriundo de diferentes fenômenos que ocorrem no planeta de forma desigual. Com isso, tem-se uma mul- tiplicidade de solos com diferentes níveis de desenvolvimento nas condições mais adversas. O solo não é inerte aos fenômenos que ocorrem na superfície terrestre, ao contrário, eles influenciam em seu desenvolvimento, formando diferentes camadas de solo com colorações variadas e qualidades distintas. O processo de formação do solo não é simplório e envolve etapas que podem durar milhares de anos. Neste capítulo, será apresentada a teoria do processo de formação do solo e alguns aspectos referentes à análise em campo. 2 Pedologia – 30 – 2.1 Processos de formação do solo A formação do solo é um processo que resulta da interação das rochas que compõem a litosfera com a camada da atmosfera (LEPSCH, 2016). A exposição das rochas aos fenômenos atmosféricos – como a chuva, mudança de temperatura e insolação – resulta em processos degenerativos da estrutura agregada que as formam. O efeito biológico também deve ser considerado, em superfície ou em subsuperfície, uma vez que a força implementada pelos organismos pode desencadear processos de desagregação do material rochoso (REZENDE et al., 2007). Os fenômenos citados formam o intemperismo, processo no qual o material consolidado da rocha se transforma em um semiconsolidado, dando início à chamada pedogênese, que resulta na formação do solo (LEPSCH, 2016). Esse processo inicial de alteração da rocha forma o regolito. Do grego rhegos = manto + lithos = rocha, o regolito é um material inconsolidado e decomposto que não sofreu erosão, ele forma um capeamento natural da rocha matriz e é composto por fragmentos de rocha e material residual. É o que alguns pedólogos chamam de solo cru (LEPSCH, 2016). O solo é formado na parte superior do regolito, e na área de transi- ção entre o regolito e o solo pode se formar o saprolito. Do grego sapros = podre + lithos = rocha, o saprolito é uma rocha intemperizada, de um material argiloso, friável, de cores que variam entre o amarelo, avermelhado ou em tons de cinza. A variação nas características do saprolito e da sua espessura depende da ação do clima e da composição da rocha original, podendo apre- sentar dezenas de metros de espessura. Um material normalmente oriundo do saprolito é o saibro, utilizado com o cimento e a areia na construção civil (REZENDE et al., 2007). A formação do solo, portanto, é um processo que envolve a degrada- ção da rocha, formada em circunstâncias de altas temperaturas e pressão, quando é disposta a condições ambientais totalmente diferentes do quadro de origem em subsuperfície. A partir dos fenômenos intempéricos (que serão estudados com mais detalhes no Capítulo 3) é que se dá a formação do solo, e os restos de folhas caídas formam o húmus, material oriundo do seu processo de decomposição. Os minerais que resistem aos fenômenos intempéricos formam as argilas, que possibilitam a infiltração da água das – 31 – Fatores e processos de formação do solo chuvas, também facilitada pela existência de vegetação no solo (Figura 1). A infiltração da água promove a translocação de material da parte mais superficial para outras mais profundas. Figura 1 – Infiltração da água auxiliada pela vegetação e camada superior composta por húmus. Fonte: tuk69tuk/iStockphoto. O solo se forma sob a ação de fenômenos físicos, químicos e biológi- cos. Com a degradação do material homogêneo – a rocha e o saprolito –, o solo se forma em camadas, também denominadas de horizontes (Figura 2). As camadas estão dispostas umas sobre as outras, paralelamente à superfície, e a sequência entre elas é visível, embora a transição não seja tão evidente. Essas camadas possuem também variações de espessura e de dimensão, já que os processos de transformações pelos quais a rocha passa não são homo- gêneos e dependem de outros fenômenos – climáticos, principalmente – para que seja estabelecida a variabilidade e velocidade das transformações (LEPSCH, 2016). Pedologia – 32 – Figura 2 – Formação do solo e as camadas dispostas paralelamente. Fonte: ttsz/iStockphoto. As transformações pelas quais a rocha passa no processo de formação do solo têm maior intensidade nas camadas superiores, diminuindo quanto maior é a profundidade estabelecida. Dessa forma, quanto maior a profundi- dade, mais parecida é a rocha com o seu material de origem. Desde que esteja menos disposto aos fenômenos intempéricos, um solo com poucas camadas, ou com camadas extremamente finas, pode não apresentar essas característi- cas, podendo ser mais homogêneo. – 33 – Fatores e processos de formação do solo A formação do solo, portanto, é resultante de um conjunto de fatores bioló- gicos e ambientais que degradam a rocha ao longo do tempo geológico e devido aos fenômenos intempéricos. Pode-se dividir os tipos de processos que formam os solos e suas camadas em: podzolização, latolização, calcificação, hidromor- fismo e halomorfismo, conforme veremos a seguir. 2.1.1 Podzolização Esse processo consiste na translocação de materiais de uma camada supe- rior para uma inferior,os chamados horizontes. Se no processo de translocação a matéria orgânica for de um horizonte a outro e, junto com ela, também forem translocados óxidos de ferro e alumínio (algo comum em solos que não possuem grande quantidade de argila) e a drenagem do solo for deficiente, forma-se um solo com horizonte podzol. A esse processo de translocação dá-se o nome de eluviação1, enquanto o processo de formação desse tipo de solo é chamado de podzolização. Dessa forma, um solo podzólico é chamado assim quando é formado total, parcialmente ou sob a influência do processo de podzolização (REZENDE et al., 2007). O podzol constitui um grupo de solos de cor cinza entre uma camada orgânica e um mineral lixiviado2, que se assenta sobre uma camada iluvial3 marrom. A sua ocorrência se dá em condições geobioclimáticas típicas de latitudes médias, em regiões de temperaturas baixas e clima temperado. A vegetação típica desse bioma são as coníferas, no entanto, algumas condições locais de climas quentes podem contribuir para a formação desse tipo de solo, que pode ser encontrado nos platôs litorâneos da região do Pantanal ou em alguns trechos da Bacia do Rio Negro, na Amazônia. Esse tipo de solo é considerado muito pobre, pois, além de ser um mate- rial pouco argiloso, a vegetação, quando começa a se decompor, libera muita 1 Eluviação: processo pelo qual soluções ou colóides se movimentam de cima para baixo nos solos. Esse processo ocorre quando o volume de chuvas se sobrepõe ao de evaporação. 2 Lixiviado: processo no qual a rocha ou mineral sofre a lixiviação, ou seja, quando são “la- vados” pela água da chuva. Com o tempo, o mineral extremamente lixiviado pode se tornar estéril (GUERRA, 1966). 3 Iluvial: de iluviação; processo que resulta na formação de um horizonte constituído de uma camada compacta formada a partir de colóides e substâncias que vêm de cima (GUERRA, 1966). Pedologia – 34 – acidez. Como o material de origem é pobre, a acidez liberada pelo processo de decomposição da vegetação faz com que o solo se torne ácido também. Dessa forma, o podzol é uma classe pobre e ácida. É possível, no entanto, que o material translocado seja mais argiloso. Com isso, ele é depositado sobre as partículas da camada, formando um horizonte textural, mais fértil que o podzol (REZENDE et al., 2007). 2.1.2 Latolização A latolização consiste em processos de remoção de sílica4 e de bases da camada após a ação dos fenômenos intempéricos. Os solos formados por esses processos criam uma camada latossólica, de solos mais velhos e desenvolvi- dos. São materiais que ficaram muito tempo expostos na paisagem, sofrendo a ação dos fenômenos atmosféricos, e por esse motivo se desenvolvem mais. São geralmente encontrados em regiões mais elevadas, como os planaltos (REZENDE et al., 2007). Os latossolos, oriundos desse processo que cria uma camada latossó- lica, são solos com elevada profundidade, extremamente intemperizados e com pouca diferenciação entre as camadas. Possuem aspecto maciço poroso e estrutura granular pequena, além de grande resistência à erosão, maciez e elevado nível de umidade. 2.1.3 Calcificação Nessa classe, os processos consistem em translocação de carbonato de cálcio (CaCO3) no perfil, o que provoca maior concentração dessa substância em alguma parte do solo. A translocação, portanto, faz com que ocorra uma redistribuição de material ao longo do perfil. O ambiente geobioclimático típico desse tipo de solo são regiões em que a precipitação não ocorre em quantidades suficientes para que haja a total remoção dos carbonatos. A vegetação característica são as pradarias, típicas de 4 Sílica: substância polimorfa que pode se apresentar em vários estados na natureza. É um composto estável e que somente o ácido fluorídrico é capaz de decompô-lo. Entra na formação de grande parte dos minerais, sendo considerado o eixo de todo o reino mineral. – 35 – Fatores e processos de formação do solo regiões de clima temperado. Ocorre um acúmulo de matéria orgânica enri- quecendo os horizontes superficiais, tornando-os férteis – também pela pre- sença de minerais primários (REZENDE et al., 2007). A maior limitação desse tipo de solo é a baixa precipitação nas regiões em que é encontrado. Apesar do potencial de uso devido aos horizontes extremamente férteis, eles só podem ser aproveitados em um ambiente com regime de precipitação regular. No Brasil, esse solo é encontrado nas regiões menos úmidas e mais secas. A calcificação é, também, o nome dado a um processo de correção da acidez do solo para fins de agricultura. Essa correção é feita a partir da apli- cação do calcário5 moído. Em solos tropicais, a aplicação do calcário pode ser mais importante do que a aplicação do adubo, devido ao baixo custo do calcário em relação ao adubo. 2.1.4 Hidromorfismo Essa classe está relacionada aos solos que possuem elevado nível de água, fazendo com que ele adquira características diferenciadas. Uma delas é o are- jamento deficiente, uma vez que o ar não consegue penetrar entre os poros, fazendo com que a decomposição da matéria orgânica seja mais lenta. Dessa forma, essa matéria se acumula e cria um ambiente de redução, liberando ferro e manganês em forma solúvel, processo que pode facilitar a absorção desse material tóxico para as plantas (REZENDE et al., 2007). A presença de ferro reduzido faz com que o solo tenha aparência acin- zentada, esverdeada ou gley6 abaixo da camada de matéria orgânica. Esse tipo de solo é característico de regiões de depressão, ou seja, a parte mais baixa do terreno. Quando é drenado naturalmente ou artificialmente, apresenta 5 Calcário: rocha formada de carbonato de cálcio, de origem sedimentar, utilizada na pro- dução de cimento, cal e mármores, além da calcificação dos solos para diminuição da acidez. Geomorfologicamente possui grande importância, pois as rochas calcárias têm alta dissolução, formando relevos específicos. 6 Gley: conotativo de excesso de água, as camadas com coloração gleizadas são aquelas que possuem cinzentas ou azuladas. O termo vem de um nome local russo. Pedologia – 36 – deficiência de ferro e manganês, embora seja levado para fora do alcance das raízes das plantas e mantenha o aspecto gley. 2.1.5 Halomorfismo Essa classe está relacionada à elevada presença de sais, que também atri- buem características específicas. Os solos halomórficos estão presentes em depressões do terreno, onde ocorre o acúmulo de água e de sais temporaria- mente. Os sais são oriundos das rochas e que, no seu processo de intempe- rismo, desagregam e são levados pela água da chuva, até serem depositados em uma área mais baixa do relevo. Os sais em excesso podem formar os chamados solos salinos. Se o excesso de sal for removido de alguma maneira, podem sobrar apenas os íons de sódio (Na), formando um solo alcalino, chamado de solonetz (REZENDE et al., 2007). 2.2 Horizontes do solo Os horizontes do solo constituem um tipo de classificação das diferen- tes seções que formam o solo e suas especificidades. De acordo com o Manual técnico de pedologia: [...] por horizonte do solo deve-se entender uma seção de constitui- ção mineral ou orgânica, à superfície do terreno ou aproximadamente paralela a esta, parcialmente exposta no perfil e dotada de proprieda- des geradas por processos formadores do solo que lhe confere caracte- rísticas de inter-relacionamento com outros horizontes componentes do perfil. (IBGE, 2015, p. 47) Os horizontes costumam se dividir em cinco tipos, que são chamados de horizontes principais, identificados pelas letras maiúsculas: O, A, E, B e C. As letras minúsculas são usadas como sufixos para qualificar distinções espe- cíficas dos horizontes ou camadas principais, diagnósticos ou não. De acordo com o manual técnico de pedologia: sufixos numéricossão usados para subdi- visão de horizontes principais em profundidade. A divisão é feita a partir da parte superior do horizonte, de forma sucessiva, sendo o símbolo numérico – 37 – Fatores e processos de formação do solo colocado após todas as letras usadas para designar o horizonte. Ex. A1, A2, E, Bt1, Bt2, Bt3, BC e C. (IBGE, 2015, p. 48). A Figura 3 mostra um perfil de solo com os principais horizontes deli- mitados pelos processos pedogenéticos. Nela, o horizonte E não está repre- sentado, mas, quando presente, ele se localiza entre os horizontes A e B e possui espessura baixa. Nem sempre todos os horizontes estarão presentes em um perfil de solo, isso vai depender de aspectos relacionados ao tipo de rocha ou clima. O horizonte E, por exemplo, não aparece em muitos tipos de solo. Quando em um perfil de solo faltar algum horizonte, diz-se que o solo é pouco desenvolvido, ou que tem o perfil incompleto. Existe ainda um hori- zonte H (também chamado de hístico), que possui grande espessura e ocorre em regiões em que o solo é encharcado. Figura 3 – Perfil de solo com os horizontes principais. Matéria orgânica Matéria orgânica misturada com minerais Material que ainda não sofreu intemperismo Mistura de areia, silte ou argila Material parental Rocha não alterada Regolito Subsolo Superficial Orgânico Fonte: ttsz/iStockphoto. Pedologia – 38 – Antes de tratar com maior especificidade as características dos horizontes principais, convém tratarmos primeiramente da morfologia do solo, pois as características morfológicas são de grande auxílio na delimitação dos horizontes e nas análises laboratoriais (LEPSCH, 2016). A morfologia faz parte do pro- cesso de descrição do solo, e a análise de suas características é importante para as primeiras impressões visíveis a olho nu acerca do solo. 2.2.1 Morfologia do solo As características morfológicas determinam a anatomia do solo, sendo de fundamental importância para a identificação do solo em trabalhos de campo para posterior complementação de testes laboratoriais. É o domínio dessas características que permitirão ao profissional identificar corretamente os tipos de solo e os horizontes em uma análise de campo (REZENDE et al., 2007). A morfologia é o primeiro estágio do processo de descrição do solo que trata de sua aparência na paisagem, além de considerar fatores como tipo de terreno (característica geomorfológica), vegetação existente e tipos de rochas presentes. A seguir temos uma breve descrição das características a serem observadas do ponto de vista morfológico. 2.2.2 Cor A cor é a característica visual mais evidente das feições pedológicas. Como é de fácil visualização, a sua interpretação correta pode proporcionar um rápido entendimento das características do solo analisado. Muitos tipos de solos carregam nomes relacionados a cores específicas, como a “terra roxa” (que vem do italiano rossa = vermelha, o que significa que o solo tem o tom avermelhado, e não roxo), “terras pretas” etc. (LEPSCH, 2016). No Brasil, o sistema de classificação atribui a cor como característica em muitas nomenclaturas (como será visto nos capítulos seguintes), e pos- sui grande utilização para delimitar os diferentes horizontes. A cor possui padrões para a sua descrição e, na pedologia, o esquema de cores utilizado para a interpretação do solo é a tabela Munsell. Esse esquema de cores faz parte do livro Munsell Book of Color, no qual a parte dedicada à porção de – 39 – Fatores e processos de formação do solo cores utilizada para a classificação de solos é também denominada Munsell Soil Color Charts (IBGE, 2015). Em um esquema de cores, três elementos básicos compõem cada uma: tom, luminosidade e saturação, também chamados de matiz, valor e croma. O matiz é a cor pura ou fundamental, referente ao tom, condicionada aos comprimentos de onda da luz refletida na amostra de solo e captada pelo olho humano na identificação da cor específica. O valor, ou luminosidade, está relacionado à claridade ou aos tons de cinza, presentes entre branco e preto. O croma, ou saturação, corresponde à mistura da cor com as tonalidades de cinza e está relacionado à pureza da cor. Desses aspectos, o matiz é o mais importante para a pedologia. O sistema Munsell se baseia em cinco principais matizes: vermelho (R), amarelo (Y), verde (G), azul (B), e roxo (P), e existem mais cinco mati- zes intermediários representando pontos entre cada dois matizes principais: vermelho-amarela (YR), amarela-verde (GY), verde-azul (BG), azul-roxo (PB) e roxo-vermelho (RP). Dessa forma, o sistema de cores Munsell apre- senta dez matizes utilizados na descrição das cores do solo (IBGE, 2015). Cada um desses matizes é dividido em quatro segmentos de mesma dimen- são e diferenciado por números que aparecem como prefixos ao símbolo do matiz (Figura 4). Figura 4 – Sistema de cores Munsell. Fonte: IBGE, 2015, p. 60. Pedologia – 40 – No campo, o profissional deve ter uma carta de cores Munsell para solos, que pode ser montada ou adquirida em locais especializados – a fim de comparar em campo o solo com as cores dispostas em retângulos na carta (Figura 5). Segundo o Manual técnico de pedologia (IBGE, 2015), as principais edições do Munsell Soil Color Charts [ou carta de cores Munsell] contêm sete notações de matiz, somando 199 padrões de cores que se orga- nizam com base nas variáveis matiz, valor e croma e que são apresentadas na forma de caderno ou caderneta (IBGE, 2105, p. 45). Figura 5 – Carta de cores Munsell. Fonte: IBGE, 2015, p. 61. Após a observação e comparação, os elementos devem ser anotados em forma de letras seguidas de números, da seguinte forma: 10R 3/4, que – 41 – Fatores e processos de formação do solo significa vermelho-escuro na tabela de cores (LEPSCH, 2016). Dessa forma, 10R é o matiz referente à cor vermelha, o 3/4 é um indicativo de que a cor está misturada com o valor 3 (que corresponde ao cinza) e tem-se ainda o croma 4 (indicando a saturação do vermelho). 2.2.3 Textura O solo é composto de pequenas partículas minerais unitárias que em condições naturais aparecem agregadas umas às outras. As partículas têm tamanho variável e em alguns casos é perfeitamente visível a olho nu a varia- ção de tamanho, enquanto em outros é necessária a utilização de uma lente de aumento ou microscópio. No campo, a primeira avaliação da textura pode ser feita por meio do tato. Quando se pega uma amostra de solo, deve-se molhá-la e friccioná-la com as mãos ou os dedos. Depois que for suficientemente trabalhada, obser- va-se o comportamento da amostra nas mãos, verificando se ela desliza ou escorrega entre os dedos. Nas amostras em que há predominância de areia, a sensação é de aspe- reza, enquanto que nas amostras em que há prevalência de argila é de um material pegajoso, que pode ser enrolado e dobrado. Nas amostras em que o silte7 predomina, a sensação é de um material sedoso, formando rolos com dificuldade e quebradiços. Nos materiais com textura média, há sensação de aspereza e plasticidade, rolos podem ser formados, mas se quebram quando dobrados. Esse método de campo é rápido e necessita de perícia e treino para que seja bem-executado (IBGE, 2015). No laboratório, a análise da textura pode ser feita com maior precisão, sendo definidas as proporções relativas, em porcentagem, do material que compõe o solo, que é identificado e classificado graficamente a partir de dia- gramas triangulares (Figura 6) elaborados para esse fim. 7 Silte: “Partícula de sedimentos clásticos não consolidados, com diâmetro variando, na escala de Wentworth, entre 0,0039 mm e 0,062 mm”. (IBGE... p. 282). Pedologia – 42 – Figura 6 – Diagrama triangular para determinação da textura. 100 100 100 80 8080 60 Porcentagem de areia Po rce nt ag em d e a rg ila Porcentagem de silte60 60 40 40 40 20 20 20 0 0 0 Muito argilosa Argilosa Média Arenosa Siltosa Fonte: LEPSCH, 2016, p. 40. Adaptado. A textura de um horizonte de solo somente pode ser modificada se hou- ver translocação de material de um horizonte a outro. Esse processo ocorre naturalmente em uma escala de tempo geológico, mas pode acontecer mais rapidamente com o uso de equipamentos para arar o solo, que podem movi- mentar o material de um horizonte a outro. 2.2.4 Estrutura Na pedologia, a estrutura se refere ao agrupamento de partículas e seu formato, que tem relação com a natureza físico-química das partículas do solo. Os agregados do solo possuem tamanhos variáveis e encontram-se sepa- rados por fendilhamento8 (LEPSCH, 2016). Na atividade de campo, utili- za-se uma faca para separar os agregados, seleciona-se com os dedos aqueles 8 Ato de abrir pequenas fendas. – 43 – Fatores e processos de formação do solo que possuem fraca ligação natural uns com os outros e, depois de separados, verifica-se sua forma e coesão. A classificação dos agregados se dá com base na sua estrutura visual, podendo ser granular, prismática, colunar, blocos ou laminar, por exemplo (Figura 7). Figura 7 – Tipos de estrutura. Material de solo agregado Tipo Subtipo Exemplo Tipo Subtipo Exemplo Granulas Granular Prismática Prismática Grumosa Blocos Angulares Colunar Subangulares ParalelepipédicaLaminar Cuneiforme Material de solo não agregado Tipo Exemplo Tipo Exemplo Grão simples Maciça Fonte: IBGE, 2015, p. 77. Pedologia – 44 – A estrutura é importante, pois pode determinar a porosidade do solo, uma vez que o tamanho e o grau de desenvolvimento dos agregados determi- nam essa característica. Além disso, a velocidade das ações físicas e químicas que ocorrem em subsuperfície, dependem da estrutura do material. 2.2.5 Consistência A consistência é a resistência dos torrões a alguma forma que tenta rom- pê-los, ela está relacionada ao grau de adesão e coesão entre as partículas. A consistência do solo varia em função das características anteriormente citadas, além da presença de matéria orgânica ou óxidos de ferro, que podem fragilizar ou intensificá-la. Nos horizontes, ela pode ser determinada a partir de três estados espe- cíficos de umidade, que podem ser observados a partir da manipulação do material entre os dedos: molhado, úmido e seco. A manipulação do material molhado avalia a plasticidade e a pegajosidade; o material úmido, quando manipulado, vai permitir observar a friabilidade; o material seco faz com que seja possível avaliar a dureza ou a tenacidade (IBGE, 2015). 2.2.6 Os horizontes principais Podem ser de diversos tipos quanto a sua espessura e composição. A identificação dos horizontes é feita com letras maiúsculas, que representam características específicas, seguidas de sufixos em letras minúsculas (Quadro 1), que complementam as características dos horizontes, representando aspectos secundários. O horizonte O compõe a parte orgânica do solo, é um horizonte del- gado que recobre certos solos minerais. Também chamado de serapilheira, é constituído por folhas e galhos que caem das árvores, gerando um material em decomposição. Esse horizonte impede que a erosão desgaste o solo, além de armazenar água e regular as temperaturas. Na parte mais superficial, chamada de horizonte Oo, encontra-se o material orgânico recém-caído e não decom- posto. O sub-horizonte O, denominado Od, armazena a matéria orgânica já decomposta ou em estado de fermentação. Conhecida como terra vegetal, é muito procurada para o cultivo de plantas em vasos (LEPSCH, 2016). – 45 – Fatores e processos de formação do solo Quadro 1 – Sufixos que complementam a classe dos horizontes do solo. Sufixos aplicados aos símbolos de horizontes Sufixos Descrição Exemplo b Horizonte enterrado Ab c Concreções ou nódulos endurecidos Bc d Acentuada decomposição da matéria orgânica Od e Escurecimento externo dos agregados por material orgânico Be f Presença de plintita Bf, Cf g Horizonte glei (ou Gley) Bg, Cg h Acumulação iluvial de matéria orgânica Bh i Desenvolvimento incipiente do horizonte B Bi j Presença de ácidos sulfatados (tiomorfismo) Bj k Presença de carboidratos Ck m Horizonte extremamente cimentado Bm n Acumulação de sódio Bn o Material orgânico mal ou não decomposto Oo p Horizonte arado ou revolvido Ap q Acumulação de sílica Bq r Rocha branda ou saprolito Cr s Acumulação iluvial de sesquióxidos de ferro e de alumínio com matéria orgânica Bs t Acumulação de argila iluvial Bt u Modificações antropogênicas v Argilas expansíveis ou características verticais Bv w Intenso intemperismo do horizonte B Bw x Cimentação aparente que se desfaz quando umedecido Bx y acumulação de sulfato By z Acumulação de sais mais solúveis que sulfato de cálcio Bz Fonte: LEPSH, 2016, p. 201. Pedologia – 46 – O horizonte A é uma camada mineral, em sua quase totalidade, mais pró- xima da superfície. Possui um grande acúmulo de matéria orgânica, seja ela par- cial ou até mesmo humificada, e perda de material para o horizonte B devido à translocação ou eluviação (REZENDE et al., 2007). A coloração é escura, pela quantidade de húmus presente no material. Quando utilizado para fins de agricultura, pode se misturar com outros horizontes ao ser – revolvido, quando isso acontece, recebe o sufixo p, sendo referido como Ap. Já o horizonte B é o que possui maior desenvolvimento de cor e estru- tura (se não tiver sido exposto à superfície), além de material translocado do horizonte A (ou horizonte E, que será especificado mais à frente). Com a translocação de material, a água e o material translocado se acumulam e ficam retidos no horizonte B, em um processo conhecido como iluviação. O horizonte C corresponde ao saprolito, rocha pouco alterada pelos agentes intempéricos. Esse horizonte armazena as características mais próxi- mas do material de origem do solo – como dito anteriormente, o saprolito constitui a parte de transição entre o material de origem e o solo. Existem ainda outros horizontes de ocorrência variável, como o horizonte H, orgânico ou hístico. O horizonte E é presente em alguns solos, possui tona- lidade mais clara, e nele ocorre perda de material que é translocado para os hori- zontes inferiores, como o horizonte B. O processo de translocação que ocorre no horizonte E é chamado de eluviação, por isso esse horizonte é considerado uma camada eluvial. O R é a simbologia reservada para designar a rocha inalterada. Quando um horizonte é muito espesso, a sua definição não fica restrita aos símbolos já citados; números são adicionados à nomenclatura para auxiliar a subdivisão, que é possível devido à espessura, que irá proporcionar diferenças consideráveis entre a camada superior e a inferior, como um horizonte Bt que pode ser subdividido em Bt1, Bt2 e assim sucessivamente, com pequenas dife- renças entre uma subdivisão e outra, muitas vezes relacionadas à tonalidade. 2.3 Fatores de formação do solo Os fatores que determinam a formação de um solo são representados pelo tetraedro (ver Capítulo 1) e formam os aspectos da paisagem. Sendo, então, um elemento geográfico extremamente variável e dinâmico, a paisagem – 47 – Fatores e processos de formação do solo possui descontinuidades acentuadas que vão determinar a formação e o desen- volvimento do solo. Neste tópico, serão ressaltadas algumas características da paisagem que podem determinar a variabilidade entre os tipos de solo e seus diferentes graus de desenvolvimento. 2.3.1 Relevo O relevo influencia na formação do solo ao controlar a exposiçãodo material de origem aos agentes geobioclimáticos. O tempo é fundamental para a formação do relevo e pela determinação de como ele vai influenciar a pedo- gênese. Sabe-se que o relevo é moldado em uma escala de tempo geológico e, por isso, é necessário determinar sua influência (REZENDE et al., 2007). As partes consideradas mais “velhas” do relevo são aquelas expostas a mais tempo aos agentes intempéricos, geralmente são regiões grandes, altas e chapadas, comumente encontradas no Brasil. Nessas regiões, o solo é muito lixiviado e ocorre a presença de vegetação de cerrado. As partes rejuvenescidas são mais baixas e também mais acidentadas, pois o material de origem ainda não foi totalmente degradado. A Figura 8 mostra a relação da idade do relevo com o desenvolvimento do solo. Cabe ressaltar também que o latossolo ocorre em superfície regular, sem descontinuidade. O solo B textural está em elevações com superfície irre- gular, onde se encontram descontinuidades como rupturas e declives. Figura 8 – relação solo-relevo. Mais velho Mais novo R el ev o Latossolos Solos com B textura Au m en to d a i da de Cambissolos Aluviais Fonte: Elaborada pelo autor. Pedologia – 48 – 2.3.2 Vegetação e clima As condições climáticas são de fundamental importância para o desen- volvimento do solo. As reações químicas da natureza dependem de um regime regular de chuvas – para que a água seja armazenada – e também de temperaturas elevadas que podem ocasionar os fenômenos necessários para a pedogênese (REZENDE et al., 2007). Por esse motivo, regiões mais quentes tendem a ter um solo mais desenvolvido do que as regiões frias. Quando os dados climatológicos não são suficientes para que o profis- sional possa traçar um perfil do clima da região, então a análise da vegeta- ção deve ser feita, já que ela, reflete as condições do clima que predomina na região e pode apresentar um quadro histórico ou do presente do que se encontra como condição climatológica. As fases da vegetação podem indicar a vegetação-clímax da área, ainda que a região tenha sofrido alterações clima- tológicas ou antrópicas. Nesse aspecto, ainda que uma ação antrópica esteja ocorrendo ou que a área esteja abandonada, a vegetação irá representar os diferentes estágios climatológicos da região. 2.3.3 Aspectos socioeconômicos Os aspectos socioeconômicos possuem estreita relação com o solo, pois a ocupação da sociedade ocorre em regiões de solo mais desenvolvido e com maior qualidade. As regiões em que o solo possui mais nutrientes abrigam as maiores concentrações populacionais (REZENDE et al., 2007). Entre alguns exemplos notáveis nesse aspecto, pode-se ressaltar o desen- volvimento de São Paulo, com seus solos podzólicos vermelho-amarelos, de textura média desenvolvidos no arenito bauru e o latossolo roxo e a terra roxa estruturada. São solos de alta capacidade de utilização e que proporcionaram um alto desenvolvimento econômico para a região. O desenvolvimento tecnológico tem contribuído para que os solos com baixa capacidade de utilização possam ser corrigidos e utilizados. Pesquisas têm sido realizadas nesse sentido, principalmente pela Embrapa9. Elas podem ter grande impacto futuramente, na medida em que os solos com elevada 9 A Embrapa é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, uma instituição pública de pesquisa voltada para o setor de agricultura. – 49 – Fatores e processos de formação do solo capacidade de uso vão exaurindo os seus nutrientes e o investimento nessas tecnologias pode ter grande impacto na sociedade. Conclusão Com base no conhecimento apresentado neste capítulo, é possível com- preender que a formação do solo trata de um processo envolto de complexidades e que os diferentes tipos de solo se são oriundos de fatores externos de origem geológica e antrópica. Além disso, a formação do solo e sua subdivisão em hori- zontes permite ter, de forma didática, o conhecimento dos diferentes aspectos de desenvolvimento. As atividades aqui descritas, principalmente no que se refere às de campo, devem ser efetuadas pelo profissional para o qual esta obra serve como base de consulta. Mas não deve se limitar a ele, pois a pedologia é uma área em constante expansão, o profissional/estudante, deve se sentir motivado a aprofundar os seus conhecimentos em atividades de campo e com experimentos. Ampliando seus conhecimentos Entre os diferentes materiais existentes, Igo F. Lepsch apre- senta em seu livro Formação e conservação dos solos detalhes acerca do tamanho das partículas constituintes do solo, que auxiliam a análise da textura. (LEPSCH, 2016, p. 39) (...) Para que as partículas possam ser convenientemente estu- dadas, é costume classificá-las em frações cujos limites conven- cionais mais utilizados no Brasil são: Fração Diâmetro médio Calhaus (ou pedras) 200 a 20 mm Cascalho De 20 a 2 mm Pedologia – 50 – Areia De 2 a 0,5 mm Silte (ou limo) 0,05 a 0,002 mm Argila Menor que 0,002 mm Algumas vezes a fração de areia é subdividida em outras duas: areia grossa (2 a 0,2 mm) e areia fina (0,2 a 0,5 mm). Mais detalhadamente pode ser subdividida em cinco subfrações: a) areia muito grossa (2 a 1 mm); b) areia grossa (1 a 0,5 mm); c) areia média (0,5 a 0,25 mm); d) areia fina (0,25 a 0,1 mm); e) areia muito fina (0,1 a 0,05 mm). Atividades 1. Leia o trecho a seguir: A formação do solo é um processo que resulta da interação das rochas que compõem a litosfera com a camada da atmosfera. A exposição das rochas aos fenômenos atmosféricos – como a chuva, mudança de temperatura e insolação – resulta em processos degenerativos da estrutura agregada que as formam. A partir da leitura do trecho, e considerando o que foi apresentado neste capítulo, explique os principais processos que envolvem a for- mação do solo. 2. Releia o trecho do livro: A morfologia faz parte do processo de descrição do solo, e a análise de suas características é importante para as primeiras impressões visíveis a olho nu acerca do solo. – 51 – Fatores e processos de formação do solo Os horizontes do solo se diferenciam entre si, principalmente pelas características morfológicas do solo. Explique qual o papel da cor nes- se contexto e como ela é utilizada. 3. Conforme visto no capítulo: Os horizontes principais podem ser de diversos tipos quanto a sua espessura e composição. A identificação dos horizontes é feita com letras maiúsculas, que representam características específicas, seguidas de sufixos em letras minúsculas, que complementam as características dos horizontes, representando aspectos secundários. Dessa forma, especifique e diferencie os horizontes principais do solo. 4. O relevo constitui um dos fatores para a formação e o desenvolvimen- to do solo. Explique qual a relação relevo-solo. Intemperismo O solo é um produto de uma série de transformações que a rocha sofre na camada que conhecemos como litosfera. Essa camada, constituída pela crosta terrestre, interage com a atmosfera e com a biosfera, desenvolvendo uma série de reações físicas e químicas que terão como resultado a decomposição das rochas e a formação do solo. A esse conjunto de processos que formarão o solo chamamos de intemperismo. É uma etapa fundamental na pedologia que for- mará a rocha alterada e o solo, estando sujeita, ainda, aos processos erosivos que contribuem também para o delineamento do relevo. Neste capítulo, iremos estudar de forma mais aprofundada o intem- perismo em seus diferentes aspectos. 3 Pedologia – 54 – 3.1 Intemperismo físico e químico O intemperismo é o conjunto de processos físicos, químicos e/ou bio- lógicos que altera a estrutura da rocha, desagregando o material e transfor- mando-a em minúsculas partículas
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