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Distopia e Misoginia em The Handmaid's Tale

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Distopia na ficção seriada: temporalidades e misoginia em The Handmaid's Tale
 
Patrícia D’Abreu (UFRJ)
e-mail : patriciadabreu@gmail.com
Ranielle Leal (UFPI –NUJOC)
e-mail: ranileal29@gmail.com
Thalyta Arrais (UFPI –NUJOC)
e-mail: thalyta_arrais@hotmail.com
O mundo distópico de O Conto da Aia é o nosso ponto de partida para uma interpretação das inúmeras violências vivenciadas pela mulher. A história da mulher na República de Gilead é perpassada pela violência em todos os níveis, desde a objetificação à sujeição física e espiritual, que levam a violências ainda maiores. Nosso objetivo é perceber através de uma narrativa ficcional as nuances da dominação masculina levada ao extremo, assim como, identificar as formas de regulação dos corpos femininos e a determinação/delimitação dos espaços de poder, em que o saber é negado às mulheres. Nesse ambiente os espaços público e privado, como delimitadores da ação dos gêneros, são novamente convocados. Por fim, vale destacar que, como guia do nosso processo interpretativo utilizamos a Teoria da Ação e Interpretação da Narrativa de Paul Ricoeur.
Palavras-chave: Distopia. Ficção. Temporalidades. Misoginias. The Handmaid’s Tale. 
INTRODUÇÃO (EM CONSTRUÇÃO) – falar sobre a série / falar do livro e colocar os principais tensionamentos e debates que a série apresenta. 
Distopia e ficção 
A capacidade de sonhar, de fantasiar e de criar especulações sobre o futuro parece ser uma das características intrínsecas da humanidade. A idealização por mundos perfeitos (paraísos) ou a especulação de mundos catastróficos (inferno) alcançam um passado remoto e podem ser encontradas em diferentes civilizações ao longo da história. Através do tempo as narrativas sobre estes mundos (perfeitos/imperfeitos) alcançaram diferentes formas e assim, as utopias e distopias passaram a ser locus da ação humana. 
As narrativas (utópicas e distópicas) retratam as diversas inquietações de artistas, escritores, pensadores, historiadores, produtores e outros, sobre os desajustes da realidade social mundial, por um lado, alguns desses construtores de narrativas procuram alternativas que apontem para uma possível reestruturação profunda, ou até mesmo completa, das relações entre indivíduos e sociedade. Por outro lado, existem aqueles que em suas narrativas não veem a possibilidade de uma reestruturação entre indivíduos e sociedade, essas narrativas trazem a reflexão que as coisas estão ruins e que o cenário presente é tão irreversível que provavelmente não haverá mais retorno e o mundo se tornará cada vez pior. Ou seja, assim como nas narrativas utópicas podemos visualizar/imaginar um mundo melhor como reação ao presente, nas distópicas podemos também reagir ao presente entendendo seu caráter negativo e, portanto, visualizando que isso só irá se aprofundar, podendo assim naufragarmos numa falta total de liberdade, num mundo obscuro controlado por maquinas, governos totalitários ou lideres religioso, etc. 
Neste trabalho, o foco está na compreensão da narrativa distópica, ou seja, no entendimento de uma narrativa onde o mundo se apresenta de forma caótica, revelando crises de uma sociedade em desconstrução e catástrofes pessoais que se acumulam na narrativa e que envolvem os personagens com uma pretensão de futuro sem liberdades para o indivíduo social. Contudo, para compreendermos a contento o que distopia (ou utopia negativa) é preciso conhecer o seu processo de surgimento que perpassa pelo surgimento, desenvolvimento e crise das narrativas utópicas heroicas (felicidade imaginativa) (SZACHI, 1972). 
A utopia é uma forma de visão de mundo e, ao mesmo tempo, um gênero literário que consiste na narrativa sobre a sociedade perfeita e feliz e um discurso político que procura expor a cidade justa. Etimologicamente, a palavra vem do grego oú-topos e significa lugar nenhum, ou seja, o não lugar, que também pode ser entendido como um outro lugar. Pavloski (2014) explica que 
O termo utopia foi primeiramente utilizado pelo humanista inglês Thomas More como título de sua obra mais conhecida, publicada 1516, e que trazia como subtítulo a seguinte definição: livreto deveras preciso e não menos útil do que agradável sobre o melhor dos regimes de Estado e a ilha da Utopia até hoje desconhecida. Nessa obra de ficção dissimulada como uma narrativa virgem, o autor descreve, por meio de sua personagem Rafael Hitlodeu – um experiente marinheiro português, politizado e amante da filosofia, - uma organização sócio-política modelar em uma ilha descoberta no Novo Mundo, cuja localização exata é mantida em sigilo pelo narrador. Essa indeterminação espacial da sociedade ideal representada por More se relaciona diretamente com o então neologismo cunhado pelo autor, uma vez que, etimologicamente, o vocábulo utopia significa “ lugar inexistente”, “ país que não pode ser encontrado”. Não obstante, outros termos podem ser associados à utopia a partir das similaridades em suas raízes semânticas: udetopia como o “o lugar de nenhum tempo” e eutopia como o “ espaço de realização individual e conquista da felicidade”. A associação dessas três idealizações acaba por constituir não apenas as características principais do universo ficcional figurado em A Utopia, mas também um alargamento de significação do próprio conceito de utopia (PAVLOVISK, 2014, p. 387).
Thomas More (1516), conforme vimos em sua obra, escrita no século XVI, deu uma dimensão semântica, projetando este “outro lugar” como algo positivo, eu-topos (lugar feliz) um sonho possível, porém, quase inalcançável. Contudo, é importante ressaltar que este não lugar, também pode apresentar-se, de forma negativa, como distopia (lugar de privações e dificuldades) ou antiutopia (negação da utopia).
A obra Utopia foi/e é um marco, abriu um leque de reflexões sobre a realidade e um outro lugar ideal, fazendo com que aparecesse inúmeras produções de textos filosóficos, sociológicos e literários sobre a perspectiva utópica. O historiador e filosofo Jerzy Szachi, por exemplo, em seu livro As utopias ou a felicidade imaginada (1972) analisou de forma esquemática os vários tipos de produção do gênero utópico e a partir de pontos coincidentes, sejam eles temáticos ou estilísticos, constatou que existe um grupo produções que, embora apresentem uma crítica contumaz a realidade, não retratam qualquer forma de projeto para que ocorra a restruturação social. E, outro grupo que trabalham as conhecidas utopias heroicas que ao contrário do primeiro grupo apresentam um projeto concreto de ações com a finalidade de transformar a realidade, ou seja, são narrativas de cunho revolucionárias que pressente a reestruturação em profundidade da realidade político, econômica, social, moral e ideológica de um povo.
As narrativas utópicas, portanto, independente de constituir-se em uma perspectiva heroica ou não, são de forma geral e antes de tudo, um posicionamento crítico diante da realidade. Elas também estão fortemente ligadas à história (o passado), e à ideia de um estado imaginário, ou seja,
[...] o espaço da utopia é um passado distante, perdido e que não pode ser recuperado pelos indivíduos. Assim, cria-se o mito da ruptura inicial, acontecimento a partir do qual o homem se afastaria de uma vida até então completamente harmoniosa e alcançaria um estado constante de angustia marcado pela busca ininterrupta de retorno a uma perfeição sempre destruída. As figurações desse mítico evento desestabilizador são abundantes e tem como um de seus pontos em comum a localização da utopia na contramão do fluxo histórico. Para eles, é no passado que o melhor regime foi construído e perdido. À guisa de exemplificação, podemos citar os bem-aventurados feácios celebrados por Homero, a chamada Idade de Ouro e sua progressiva corrupção descrita por Hesíodo, a sociedade de Atlântida recuperada por Platão, o Reino de Saturno exaltado por Virgílio e o paraíso compartilhado por Adão e Eva segundo o texto bíblico (PAVLOVISK, 2014, p. 431).
Diante deste contexto podemos perceber também que, as utopias projetamde forma generalizada uma nova composição social, um ideal social. De acordo com Paul Ricoeur (2015, p. 316) a utopia principalmente na literatura “[...] inspira uma forma de cumplicidade e de conivência do leitor bem-disposto. O leitor é inclinado a acolher a utopia como uma hipótese plausível”, ou seja, é lançado um olhar exterior diante da realidade que se apresenta, mostrando um futuro possível, uma alternativa de viver. 
A representação de uma sociedade ideal de riquezas comuns, mostrando um futuro “possível”, lança uma luz crítica sobre a sociedade construída no tempo real (atualidade) (ELLIOT, 1970). E, dessa forma “[...] todo desejo por reformas sociais acaba por carregar em si a semente da utopia, a partir da oposição entre os aspectos do mundo real no qual os indivíduos vivem e do mundo ideal que almejam” (PAVLOVISK, 2014, p. 499). 
As narrativas utópicas fundamentadas no otimismo, começaram a sofrer críticas contundentes durante o século XX e este tipo de produção passou a diminuir. Ocorreu que no século XX a humanidade se deparou com uma série de eventos destrutivos, foi neste século que mataram o maior número de seres humanos, mais do que em qualquer outra época (PAVLOVISK, 2014). Poderíamos fazer uma lista desses eventos destrutivos, apresentar os inúmeros conflitos armados de menor e maior proporção, mas, basta lembrarmos das duas grandes Guerras Mundiais, dos regimes totalitários nelas envolvidos, e do período de Guerra Fria. Nesta última, de acordo com Hobsbawn (2012) as pessoas viviam assoladas pelo temor de uma catástrofe, e só o fato de pensar em uma possível e nova catástrofe, já fazia com que estas pessoas rememorassem o lançamento das bombas em Hiroshima e Nagasaki. “Gerações se desenvolveram com o temor diário e cada vez mais latente de que um confronto ocorreria a qualquer momento” (HOBSBAWN, 2012, p. 224). 
O avanço tecnológico foi um marco no século XX, proporcionou o avanço da ciência trazendo níveis de bem-estar (saúde) jamais vistos na experiência humana, mas também foi essa mesma tecnologia que possibilitou as grandes guerras e a devastação da humanidade com o surgimento das bombas e outras ferramentas de controle de poder, não é por caso que Eric Hobsbawn (2012) considera este tempo como a Era dos Extremos. 
Diante deste contexto de grande impacto para a humanidade, começaram a surgir as profecias de fim de mundo, demostrando que
[...] o efeito transformador proposto pelos utopistas nem sempre se constrói sobre bases fundamentadas no otimismo e no idílio social. Muitas obras apresentam espaços ficcionais caracterizados pela extrapolação dos aspectos negativos presentes na sociedade. Dessa forma, as chamadas distopias ou antiutopias veiculam reflexões e críticas por meio da figuração de um verdadeiro pesadelo social PAVLOVISK, 2014, p. 115). 
A primeira metade do século XX foi, portanto, o momento histórico no qual os textos distópicos foram mais abundantes. O conceito de distopia é “ [...] fortalecido a partir da crítica a utopistas acusados de conceberem um modelo de sociedade universal que generaliza os desejos e desconsiderava as vontades humanas” (PAVLOVISK, 2014, p. 539). A mudança de utopia para distopia se instaurou devido a invasão do utopismo tradicional pelas técnicas e conceitos da ficção cientifica. 
É nesse contexto de mudanças que surgem grandes obras como Nós (1924) do russo Yevgeny Zamyatin, considerada o berço do gênero distópico, juntamente com duas obras que a antecederam: com A Nova Utopia, de Jerome K. Jerome, de 1891, e O Tacão de Ferro, de Jack London de 1900. 
 Nós é uma sátira futurística distópica, que aborda em sua narrativa extremos aspectos do totalitarismo e do conformismo social. Lançado no ano de 1924 nos Estados Unidos, o romance foi censurado anos antes na União Soviética, por ter sido considerado “ideologicamente indesejável”. O romance retrata a vida de D-503, um engenheiro fiel aos ditames do Estado Único. A obra antecipou de certo modo uma crítica ao totalitarismo que dominaria a Rússia com a ascensão de Stalin no poder, mas também destacou o crescente domínio das maquinas sobre a vida, com a normatização dos hábitos, reduzindo a individualidade humana, pois, em vez de nomes as pessoas recebem números, iniciados por consoante ou uma vogal a depender do sexo. Na narrativa o eu e o nós se misturam e o que realmente importa é o coletivo dominado. 
No século XX três outros nomes poderiam ser colocados ao lado de Zamyatin, tendo como parâmetro aspectos estéticos e temáticos: o livro O admirável mundo novo (1932) de Aldous Huxley, 1984 (1949) de George Orwell e Fahrenheit 451(1953) de Ray Bradbury. Todas essas obras assumem uma posição de destaque e relevância nas discussões político-social que permearam o século. Ao figurarem um espaço social aterrador e caracteristicamente totalitário, estes autores trazem um diálogo não apenas com os eventos históricos de seu passado recente, mas também com correntes teórico-críticas que buscam descrever seus impactos e analisar seus desdobramentos. 
De acordo com Jacoby (2007) as distopias procuram o assombro, ao destacar as tendências contemporâneas que ameaçam a liberdade. Poderíamos considerar que a finalidade da distopia é analisar as sombras que são produzidas pelas luzes da utopia. O que queremos dizer é que as distopias ou as utopias negativas mostram “[...] o sentimento de impotência e desesperança do homem moderno assim como as utopias antigas expressavam o sentimento de autoconfiança e esperança do homem pós-medieval” (FROMM, 2009, p. 269).
Segundo Pavlovisk (2014, p. 881) a sociedade distópicas desperta no leitor “[...] uma sensação tão sufocante e inquietante que exclui qualquer interpretação humorística do enredo. O pessimismo sobressai como o elemento mais marcante da narrativa, tanto na caracterização do espaço, quanto na infrutífera tentativa do protagonista de se liberar do controle do Estado”. Assim, na distopia “[...] guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força”. 
Ainda conforme este autor (PAVLOVISK, 2014) ao diferenciar utopia de distopia, destaca que a distopia é delineada por possuir traços fortes a tendência totalitária, enquanto nas utopias, este traço aparece de forma latente. Para compreendermos melhor é importante saber que o totalitarismo é uma forma de governo e de cominação, baseado na organização burocrática de massas, no terror e na ideologia. Hannah Arendt foi quem trouxe ricos elementos de reflexão sobre esse sistema de governo, abordando, a questão política no início do século XX, em seu livro As origens do totalitarismo (1958), para a filosofa o totalitarismo com suas sociedade modelares provoca uma ruptura no andamento do desenvolvimento dos grupos sociais, além de artificializar e desestruturar o papel dos indivíduos, tanto como cidadãos (ser social) como seres humanos (essência), além de que leva a transgressão de leis básicas da própria natureza. Assim, um dos aspectos que Hannah Arendt traz em sua conceitualização sobre o totalitarismo é quanto ao colapso da moralidade neste regime. Os aspectos desumanos, oriundos dos governos, nazista e stalinista constatados por ela, evidenciam um ponto de reflexão nesse sentido. O acumulo de poder é a base que constitui os regimes totalitários, que tem como propósito realização de um ideal supostamente coletivo, mas também a estabilidade da estrutura social implantada. 
Ficando claro algumas características presentes nas distopias, é importante ressaltar que as utopias positivas e negativas, ou distopias, apresentam conforme Szachi (1972) uma consanguinidade ideológica, ou seja, as duas produções narrativas partem de um mesmo posicionamento crítico e de um semelhante processo criativo. Ambas as produções ocorrem em contraposição da realidade a alguma forma de ideal social com a finalidade de propor reflexões sobre os elementos tidos como falhos no universo experimental. Assim, tanto a fantasia dos utopistas quanto o pesadelo dos ditopistas colocam para o leitor um contexto de reavaliação conceitualde uma realidade ao inseri-lo diante de uma perspectiva extremamente radical. 
Neste trabalho iremos nos deter a narrativa distópica da série The Handmaid’s Tale baseado no romance homônimo de Margaret Atwood escrito no ano de 1985 (lançado no Brasil pela Editora Rocco como O conto de Aia). 
Margaret Atwood, em 1985 descreveu no romance The Handmaid’s Tale, um país futuro onde se estabelece a união entre Estado e Igreja, em que o fundamentalismo religioso e o conservadorismo são as bandeiras de ordem. A autora ao refletir sobre os rumos da humanidade em todo seu percurso político-social, apresenta em seu livro a estrutura de uma nova sociedade ambientada no ano de 2135, um país fictício chamado de Gilead, antigo Estados Unidos da América. O totalitarismo e a teocracia foram implantados em Gilead com o objetivo de controlar a fertilidade, retratando uma particular relação de poder, em que o ser oprimido é gravemente violentado pela implantação de leis de um Estado que impõe um novo estilo de vida. A liberdade e os direitos concebidos anteriormente pela democracia dos Estados Unidos passam a não existir mais. Dessa forma, quem faz parte desse novo sistema precisa se reinventar conforme as ideologias desse novo regime, que tem como característica primordial a violenta disciplina e a destruição dos Direitos Humanos. 
O tempo é futuro ano de 2135, mas, o contexto apresentado no romance retoma o início da década de sessenta nos Estados Unidos, quando se observou certa perda da rigidez moral imposta anteriormente, proporcionando agitação cultural e promovendo maior liberdade para música, cinema e teatro. Nesse período, cresceu uma onda de idealismo já iniciada nos anos cinquenta, dando margem aos movimentos sociais e políticos, os quais tiveram forte influência temática no romance. No romance a escritora ao falar do regime democrático já traz observações sobre as facções religiosas que aos poucos iniciavam o processo de inserção política e social, ganhando força dentro do governo, criando leis que atentavam contra direitos fundamentais das mulheres, dos negros, dos homossexuais, até chegar ao ponto em que conseguem fazer com a Constituição Federal fosse substituída pelas leis do Velho Testamento. Conseguiram o feito perante a população através do poder de convencimento ou utilizando a persuasão física e brutal, fazendo com que todos aceitassem pelo bem ou pelo mal viver segundo as leis de Deus, e que somente assim a ordem e a paz poderiam ser restauradas, dessa maneira conseguiram ter a segurança conquistada e a infertilidade controlada, já que poucos bebês nasciam devido ao alto nível de degradação ambiental. 
Foi então que, um grupo poderoso com pensamentos fundamentalistas religiosos, decide aplicar um golpe de Estado estabelecendo uma estrutura social determinada conforme a função das pessoas na sociedade, de forma que os homens da elite, denominados Comandantes, são convocados a fazer as leis civis segundo a moral bíblica. Além de tudo, nessa sociedade, os livros, as revistas e todo tipo de mídia foram eliminados e agora estão proibidos para todos. O conhecimento é poder e por isso, somente os poderosos devem ter acesso. A liberdade de expressão foi substituída por protocolos comportamentais a serem seguidos por todas as classes dessa sociedade. Não é possível estabelecer relações sociais como outrora, ter contato com qualquer tipo de arte, mudar de classe ou de função na sociedade e nem manter a mesma identidade que no regime democrático, pois os nomes são trocados, sendo substituídos pela função social desempenhada. As minorias são fadadas a viver sem amparo, a margem. 
No contexto da obra em questão, a situação das mulheres é ainda mais degradante. As mulheres férteis e não casadas na esfera religiosa iriam servir como Aias, tendo como obrigatoriedade o papel de procriar a maior quantidade possível de vezes em suas vidas. A narradora e protagonista da história é uma Aia, conhecida como Offred. Ela narra de forma ilegal, através de um gravador toda a sua vida em Gilead e suas memorias de uma vida passada, detalhadamente vai tecendo o processo de transição da democracia para o totalitarismo e a sua vida pessoal rodeada pela violência física e psicológica. 
Nesta República existe apenas uma verdade, a verdade imposta pelo poder responsável por determinar os discursos válidos na produção de saberes classificadores do indivíduo como normal ou anormal; doente ou saudável; feliz ou infeliz, como Foucault (2009) aponta ser a função das instituições na sociedade. 
A projeção de um futuro em The Handmaid’s Tale é desastroso e desperta no leitor reflexão crítica dos caminhos políticos e sociais que estão sendo seguidos pela humanidade, expondo, muitas vezes, radicalismo e extremismos das convenções sociais sob forte ironia. A própria ideia implícita no termo Distopia, reflete uma proposição alternativa para o mundo que conhecemos e insinua, através de sátiras, as distorções existentes nas convenções sociais cujos limites se encontram extrapolados. Dessa maneira, acreditamos que o romance serve não apenas como uma reflexão sobre as atitudes e comportamentos do mundo atual, mas também como um alerta sobre possíveis catástrofes decorrentes das distorções e intempéries da realidade social. A Distopia por fim, tem a função despertar a humanidade para que não siga o caminho do desastre. 
The Handmaid’s Tale traz uma realidade que vai de encontro aos preceitos básicos da democracia, o texto assim como outras narrativas incita reflexões aos leitores, principalmente no que se refere ao comportamento humano, as imposições, os direitos, o meio ambiente, a participação política, a identidade e crenças, e principalmente a violência vivenciada pelas mulheres. Neste artigo, buscamos compreender através da Teoria da Ação e Interpretação da Narrativa de Paul Ricoeur (2010) a narrativa ficcional de The Handmaid’s Tale e suas as nuances da dominação masculina levada ao extremo, assim como, identificar as formas de regulação dos corpos femininos e a determinação/delimitação dos espaços de poder, em que o saber é negado às mulheres. 
A escolha pela série deu-se porque este formato de narrativa vem nos últimos tempos atualizando as definições das narrativas distópicas, o uso dos recursos estéticos proporcionado pelo audiovisual, coloca o telespectador diante de uma realidade ficcional tão fascinante quanto difícil de suportar. À medida que a linguagem se aprimora, a força imagética dessas narrativas só aflora. 
3. A DOMINAÇÃO E A RESISTENCIA
	Entre o patriarcado, a dominação masculina e a resistência feminina feminista.
4.A MULHER NO CONTO DE AIA – ANALISE – CATEGORIAS: OBJETIFICAÇÃO DA MULHER / SILENCIAMENTO DA IDENTIDADE FEMININA
 O Conto e os desdobramentos
	 A análise
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Referências  (FALTA INSERIR ALGUMAS REFERÊNCIAS)
AGOSTINHO. Confissões. Petrópolis: Vozes, 2014.
ATWOOD, Margaret. O Conto da Aia. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva 2011.
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2009. 
KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. 
KUKATANI, Michico. A morte da verdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998. 
RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 2010. V.1, 2 e 3.  
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2012.
RICOEUR, PAUL. A ideologia e a utopia. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. 
SELIGMANN-SILVA, Márcio. A história como trauma. In: NESTROVSKI, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio ( Orgs.). Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000.  
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Narrar o trauma: a questão do testemunho de catástrofes históricas. In: Psic. Clin., Rio de Janeiro, Vol. 20, N.1, p.65-82, 2008.
WAINBERG, Jacques A. Mídia e terror: comunicação e violência política. São Paulo: Paulus, 
2005.

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