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:\ .1 SAÚDE EM DEBATE 'I'f'l'UI,O~ t:M CATÁLOGO Educação POpUllJT 110S Serviços de Saríde, Eymurd 1\1.Veaeenceloe Educ(lção Médico c Capitnlismo, Liliu Hlimu Schrniber 1~'pi(/(Jtuio/()g;a,,/u S(lll(/(l lnfuntíl (um MaI",al JJ"rlt Díngnósticos Comunitârio .»), Fernundo C. ltur-roa c Céee r-G. Vielol'" Terapia Ocupacionul: Lógica do Trabalho ou lia Capital?, Leu Bcotriz Tcixciru Sourcs lUu/lwrtls: "Sallituristcu du I)éll [)mcu{ços", Ncltli,JlU Meio d(, Olivciru Diutl () J)fJ,.'Iuj;o do Cm,/lUcimcmlo: P'f.H/uisu Qmt!ilativu (1m Sut'idfl, Mm"iu C(~cilitl tio 5our;n Minuyo Uo/arma tia. Refornuu Hepensonslo (f. Suúde. GustlioWugner de Souaa Cumpo!:l Epidemiologia puru Municípios,J. P. Vungbun c R. ]1. Morrow .- Distrito Sanitário: O Processo Social de .Mu.lll11lçulias l)róticas Sanitárias do Sistema Unico de Saúde, Eugenio Villlçu M4~~Hlctl (org.) ()/U!,.tliWf de) Vit/u: 1~';f;U. CUlIIC;fl fi Suú(/o, Giuvunni Hur-liuguot- O Métlico e Seu Trabalho: Limites do Liberdude, .Liliu H. Scltruihcr Ruídos Ri.3cos e Prevenção, Ubiratun Puula 500t08 ct 01. Informações em Saúde: Da Prática Fragmentada ao Exercício da Cidadania, Ilaru H. S. de Morucs Saber Preparar uma Pesquisa, A.-P. Contendr-iopuulos ct nl. (),~Estudos Brasileiros u (}Díruito d Saúde, Sueli C. Dulluri Uma História (lu Satule Público, Gcorge Hoeen Tecnologia e Organização Social das Práticas de Saúde, Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves Os Muitos Brasist Saúde e População na Década de 80, Maria Cecília dc Souza Minayo (org.) Da Saúde e das Cidades, David Capierreno Filho AilJs: Ética, ~fe{licina e Tecnologia, Dina Csercaniu ct aI. (orga.) Ai(ls: Pesquisa Social e Educação, Dina Czercsnia et al. (orgs.) Maternidade: Dilema entre Nascimento eMorte, Ana Cristina d'Andretta Taneka Memória da Saúde Pública. A Fotografia como Testemunho, Mada da Penha C. Yasconcelloe (coord.) Ilclaç(io Ensino/Serviços: Dez Anos de Integração Docente Assístencíal (IDA) no Brasil; Regina Cifram Mars.iglin Velhos c Novos lfales da Saúde no Brasil: A EvolfLção do País e de Suas Doenças, Curlos Augusto Monteiro (org.) lJilvnlflJj oDesafios das Ciências Sacia;" na Saúde Coletiva, Ana Maria Caneequi (org.) () "Mito" do Atividade Físico e Saúde, Yara Maria de Carvalho Sflúdo & Comunicação: Visibilidades e Silêncios, Aurca M. da Rocha Pirta f'nifijjiollalizaçcio e Conhecimento: a Nutrição em Questão~ Afaria Lúcia Megalhãee Boai Nuírição, Trubolho e Sociedade, Solange Vcloso Vinno '1111/1 Agemla para a Saúde, .'Eugênio Viluça Mendes ";'úm do Smí(le, Ciovanni Hcrlingucr Sul)ru (}Ilijt:u. Para Compreender 6 Epidemíologíu, José llicurc.lo de C. MC1UluitltAyrcs (,'j{Jm:iuj Sociais 6 Saúde, Alia Mllria Cunesqui (OI'S') Contro li MlIré à BeiraAUur: A Experiência do SUS emSantos,Floriauita Coelho Br-aga Cumpo8 e Cláudio Muierovitch I! [Icnt-iqucs (orge.) A I~rutio Sttneomenlo. As nIU(!.~ tlu.Política tio Suúc/u l'úb/i(~u 110 Brosíl, Gilber-to Huohmun OAdu/to Brnsííuíro e ti." /)Otlfl~:(l." da /Uudurll;tlu<lu: l<:J'illvmi%gia (/u.~J.)oOlrçwf CrOnica .•NiIo~'/huumi.~l(iIJVi.." I'IlII:j !..CI:jI:jU (org.) . li Organização <laSaúde no Nível Local, Eugênio Vilaça Mendcs (org.) M"c/(t"Ç(I.~nu Educ(lçüO Mé(lica e Uu..,i(/fJnciaIJló(/ic(l no Brasil, Luuru Feucrwerker A fl1uIlHJ'~ti Soxnnlidntle CI t) '/h.lmllw, Elt~o,wrn Mmlhmt:d dtl Olivllirn A 1':dru:uçlJo c/eM Profíssíonaís dOS(Júfltt <lflA",6r;t:ca/,utiIlU. 'I't/()I';O" l'l'dth.·o du um !Uovi"wnto tio A1fl(/ml~:(J.I- Um Oíhur Allalftico, .Márciu Almcida ct ai (orge.} A l~ducação dos Profíssíonuís de Saúde da América Latina. Teoria e Prática de um Movimento de Mudança. 11-As Vozes(IasProtagonistlU, Márcio Almcidu ct al (orge.) Sobre ti Sociologiu (/u Soúde, Evorurdo Duur-teNUllclJ /t;ducut:iIo PUI'"ltlr u u Atou~:Il() t\ SlIú(/o (/tl Fumtliu, Eymur,l Mourúo VlltU!OIWI,lol:j Um M6todo ParaAndli..e 6 Co~Gl!stão de Coletivos, Castãc Wugner de Sousu Campos A Ciência da Saúde, Naomar de Almeida Filho A Voz do Dono e o Dono da Voz: Saúde e Cidadania no Cotidiano Fabril, José Carlos Cacau LOpC8 DaArte J)entária, Carlos Botnezo SuúdtJ 6llunlcmizuçiio: a Experiência de Chapecõ, Aparccido Linhnrea Pimcnta (org.) limp/iando o Possível: a Poluica de Saúde do Brasil, Joeé Serra A Saúda nas Palavrcl! e nos Gestos: Reflexões da Rede de Educação Popular e Saúde, Eymard Mouriío Vaeccnceloe ftt"nicipalizaçtio ela Sail([e e Poder Local: Sujeitos, Atores e Potuícos, Silvio Fernandea da Silva A Cor-Agem do PS/t", Muria Fátima de Souea Agente" Comunitários de Saúde: Choque de Povo. Maria Fátima de Sousa SAÚDE CARTOGRAFIA DO TRABALHO VIVO·EM ATO OlJTHOS TITULO" DA COLEÇÃO sAÚllE EM DEllATEAClIAM-SE NO >1MDO IJVRO. ~- -~.:;;=-='= 12 SUMÁRIO ApÊNDICES 1. Ato de cuidar: alma dos serviços de saúde 2. Apostando em projetos terapêuticos cuidadores: desafios para a mudança da escola médica (e dos serviços de saúde) 3. Todos os atores em situação, na saúde, disputam a gestão e produção do cuidado Bibliografia 115 135 149 179 APRESENTAÇÃO Por quê e para que fazer este livro? Antes de tudo, este livro é conseqüência da minha livre- docência "Reflexões sobre as tecnologias não materiais em saúde e a reestruturação produtiva do setor: um estudo sobre amicropolítica do trabalho vivo", defendida na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2000, da qual retirei parte do material. Os textos escolhidos foram produzidos em distintas circunstâncias, alguns para serem publicados em revistas - como anoto no capítulo referente -, outros de modo particular para a tese. Mas, de uma forma ou de outra, todos estão atados à mesma perspectiva: refletir sobre. o modo cotidiano de se produzir saúde em nossa sociedade, tomando como referellcial a cartografia da micropolíLica do trabalho vivo em ato. O que segue vem embalado nesta idéia central. Optei por colocar alguns textos como apêndices, que poderiam provocar "desvios" do eixo analítico adotado para 13 .- BIBLIOTECA I CIR FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA .nU\/FRSIOADE DE sso PAULO !. 14 APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO 15 este livro, com o sentido de dar mais componentes para o leitor adentrar neste território reflexivo, reforçando a possibilidade de se pensar que tanto a gestão, como campo de tecnologias, é fundamental para a discussão atual da reestruturação produtiva, quanto a produção do cuidado, como marcador-a das situações institucionais sobre as qunis faço minhas elaborações. Não há nunca uma identidade, individual ou coletiva, que fica para sempre no tempo em nós. Esta, está sempre em produção. Partindo de um certo território, abrindo-se para outros possíveis. Produzindo mapas, desenhando cartografias. Passamos de sujeitos que sujeitam a sujeitados, o tempo todo. Para complicar, as teorias que procuram compreender estas situações, são muitas e nada amigáveis. Muitas vezes, são contraditórias entre si. Óbvio que não tenho a pretensão de dar conta delas, ou mesmo de expô-Ias. Mas, com este material, polemizo com algumas.! Parto do princípio que somos em certas situações, a par- tir de certos recortes, sujeitos de saberes e das ações que nos permitem agir protagonizando processos novos como força de mudança. Mas, ao mesmo tempo, sob outros re- cortes e sentidos, somos reprodutores de situações dadas. Ou melhor. Mesmo protagonizando certas mudanças, em muito conservamos. Somos sujeitos? Protagonistas ou vítimas? Eta, perguntinha chata de responder. E, isto, porque nos interroga sobre a confortável idéia de que somos sempre os mesmos - como seres psicológicos no nível individual, ou como seres políticos no nível coletivo, por exemplo - atuando sempre do mesmo jeito, como plenos senhores das situações em que nos encontramos. Mas de fato, somos e não somos, sujeitos. Ou melhor, somos sujeitos que sujeitam em certas situa- ções, e somos sujeitos que se sujeitam em outras. Isto é, somos muitos sujeitos e não sujeitos em diferentes situações. Instituídos e instituintes. Melhor dizendo, somos sujeitos que sujeitam sem que com issodeixemos de ser sujeitados também. I E de parte delas sou devedor confesso. Em particular aos pensamentos de Karl Marx, Antonio Gramsci, Cados Matus, Miguel Benasayag, Fclix Guallari. Em uma grande salada que faço dos mesmos. Fato de total responsabilidade minha. Entretanto, sob qualquer um destes ângulos somos res- ponsáveis pelo que fazemos. Não é possível não nos reco- nhecermos nos nossos fazeres. i-=- 16 AT'RESENTAÇÃO Somos dados e dandos. Somos definidos. Quando che- gamos, algo já estava ali. M.as nem por isso somos vítimas das situações. Somos constituídos nisso e por isso. E nas nossas ações eonst.itu i- mos, em si e em relações, as situações. As fabricamos. Vivemos estas tensões, como sujeitos da ação, o tempo todo. Cartografamos no viver este processo, gerando infini- dades de mapas territoriais de identificação. E podemos, de modo intencional, ambicionar ser mais sujeitadores que sujeitados em certas circunstâncias e para isso explorar nossas capacidades de agir, nossas capacida- des de interpretar o lugar onde nos territorializamos procu- rando interferir em suas regras, abrindo linhas de fugas'. Partir para novos mapas. Novos sentidos territoriais. Fazemos isso, bem como os outros também o fazem, muitas vezes sem ter claro o conjunto das intenções em jogo. Às vezes, acontece. Outras, planejamos. Somos protagonistas ao mesmo tempo que somos protagonizados. Podemos fazer diferente de outros o que já temos como estabelecido, quando emergimos em uma situação já dada. Somos determinados e determinantes. E podemos ambicionar isso. Não como sujeitos plenos de razão, mas como certos apostadores, que podem com certos recursos _ cognitivos, desejantes, instrumentais, por exemplo _ aumentar as potências dos nossos fazeres por APRESENTAÇÃO 17 ouLros sentidos, para o nosso agir no mundo, produzindo novos significados para as situações. Procurando tensionar mais ainda a possibilidade de ser- mos sujeitos do senso comum ou não. Apostando que todos imersos nos processos de fabrica- ção subjetiva. Nas relações. E que isto é unha e carne do ser sujeito em ação, do coti- diano e do "transcendente". Se dá certo ou não, no sentido de construir novos modos de produzir a vida no plano coletivo, comprometido com a igualdade e a convivência democrática, não sei. Mas, como faz entender Paulo Freire no seu livro Pedagogia do oprimi- do: devemos assumir que somos responsáveis, com os nos- n sos saberes e fazeres, pelo que vai ser amanhã. Ou o faze- mos diferente, ou não o será. Nesta tênue linha, neste livro, procuro explorar várias situações reflexivas que possam contribuir para clarear estes enunciados, para contribuir com a criação de um novo modo de produzir saúde, em particular, no dia-a-dia dos serviços. Mas, sem receitas, que deixo para livros de comida. São muitos em nós Com tudo isso, quero deixar claro que nós somos muitos nós. I· 18 APRESENTAÇÃO Em nós indivíduos, pessoas e grupos. Fatos que somos todos ao mesmo tempo e cada um de modo singular. Há c haverá sempre muitos outros. Memórias, situações rcgistradas antes, agoras e processos. Não sendo possível creditar a todos nominalmente suas presenças aqui neste trubalho. Muitos são inomináveis. OuLrosnão. Posso lembrar deles em mim. De mim, neles. Mas não quero nominar todos que posso. Faço de propósito para alguns. Lembro do movimento sanitário brasileiro. Lembro da esquerda brasileira e latino-americana. Lembro do marxismo. Do movimento popular de saúde. Dos companheiros da saúde de Campinas. Da Unicamp e das universidades. Dos alunos, dos cursos e investigações. Das teses. Dos de Minas. Dos argentinos. Lembro da Mina. Lembro minhas mulheres e homens. Lembro de minhas crianças. Mas, aqui, também sou eu, com todos os nós que me entrelaçam. Crie sua leitura e aproveite do jeito que bem entender. CAPíTULO 1 AMICROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A COMPREENSÃO DAS APOSTAS EM TORNO DE UMA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO SETOR M ARX, no livro 1 de O capital,l aponta, no capítulo XIII da Parte Quarta sobre a produção da mais-valia relativa, que a indústria moderna realiza uma revolução na manufatura, no artesanato e no trabalho em domicílio. Mostra que: "Com o desenvolvimento do sistema fabril e com a trans- formação da agricultura que o acompanha não só se es- tende a escala da produção nos demais ramos de ativida- des, mas também muda seu caráter."2 E na seqüência de sua análise - coerente com outras nas quais demostra que o modo de produção capitalista é _':prisioneiro" das inovações tecnológicas, para resolver o I Marx, K. o capital. São Paulo: Difel, 1985. 2 Ibidem, p. 528. 19 20 A MICROPOLíTICA DO THABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE ~~~ __acl!.!!lulação d~ cap~ vai t~.!Ill!lJ:l~e. que e~e processo inovador, atualmen~~enominado d>- ____tr:.~sição tecnológica, imprime alter~significativas no parcelamento dos processos de trabalho, no perfil da qualificação dos trabalhadores, no ~~ _.- ------_. ---_ ...- ~ trabalho, nos processos de troca, en~. Essa situação, de viver uma transição tecnológica, que está articulada de fato a uma reestruturação produtiva em geral,4 passa a ser uma constante nas análises a partir desse autor, e marca no olhar dos estudiosos períodos no interior dos processos sociais. Quando em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels produziram o M"anifesto comunista,5 um dos temas que abordaram de forma enfática foi o da aparição e consolidação de um novo modo social de produzir a riqueza, articulado à existência de um processo de luta de classes que marcaria o futuro da humanidade. Nesse material, os autores partilhavam da noção de que, sob o comando das relações sociais capitalistas, uma revolução acontecia nos países europeus. Essa constatação vai ser tratada com espanto por vários autores, como Paul Lafargue no seu livro O direito à 3 Nesse mesmo livro, Marx, na análise mais global que faz da produção da mais- vulin, demonstru tul questão. " Aqui, no seurido de urnu out.ru Iormu tl(~ (JI'lHlu:t.il' UH IIwt(.nUH p"U(1111.0~, 011 nH'.HI110 novos ainda níio (~onhccitlm~.O Jl1o.ncnlu du lt'unHiçúu tccllulógicll é II pl'C8Cnçn de novns teonologias, quc sinalizam "movimentos" nos processos produtivos. 5 Marx, K. & Engels, E O mal.ifesto comuni.çta. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. .Õ A MICltOl'OLÍTICA DO TUAllALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 21 preguiça,6 quando conclui que a riqueza produzida pela revolução tecnológica do capital, em vez de gerar melhores condições, altera para pior a vida dos trabalhadores. Mas seus escritos não deixam de mostrar com nitidez que o período dos meados do século XIX, na Europa, é marcado profundamente por transformações nos processos produtivos que reestruturam por completo o modo de se organizar as sociedades. Há mais riqueza, novos grupos SOCIaIS. Hoje, são vários os autores 7 que apontam que o final do século XX assiste a uma transição tecnológica, que vem reestruLurando a produção, de uma dimensão semelhante à experimentada naqueles momentos vitais para a organização do próprio capitalismo. O conjunto de suas análises gira em torno de processos que vêm ocorrendo no plano das indústrias e serviços com a introdução de novas tecnologias de ponta, transformando de modo radical o parcelamento dos processos de trabalho, o mercado da força de trabalho, os procedimentos produtivos e o ciclo de acumulação do capital. Entretanto, não há quase nenhum trabalho nessa temática específica para o setor saúde, que conta com o 6 Lafurguc, P. O direito <lpreguiça. Sã" Puulo: Hucitcc, 1999. 7 Citu, li título (Ic~ oxt~lIlplo: Curinl. B. I\II •.•.HU· (li ,.(t'I}f1.II: trobajo y ()("J.(41I1iz4U;iófl. f~(J.ln empre .•••japoncs« r, M.~xil'o: Si!;)•• XX\", 1992; Curlciul, L. & Vnllc, H. (urga.). U,,- estruturação produtiva e mercado de trabalho IW Brasil; São Paulo: lIuciLcc, 1997; Antunes, R. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. i. 22 A MICROPOLínCA DO TRABALHO VIVOEM ATO NA SAÚDE .\ MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 23 de equipamentos de tecnologia de ponta e a terceirização. "10 estudo de Denise Pires,B roalizudo em 1996, corno uma das exceções à regra." Pires, em sua tese de doutoramento, partindo de uma análise dos processos de trabalho em dois hospitais, um público e outro privado, considerados relevantes e de boa qualidade, estuda, no contexto atual, as mudanças provocadas pela introdução de tecnologias de ponta, tendo como foco central o trabalho de enfermagem. Nesse seu material, que tem como pano de fundo a reestruturação produtiva e o trabalho em saúde no Brasil, há contribuições muito interessantes, e, por ser um dos poucos que toma explicitamente essa temática como seu objeto, torna-se também relevante para este meu estudo. A própria autora também constata esta precariedade após a sua pesquisa bibliográfica, afirmando: "N o Brasil, especialmente a partir dos anos 80, estabeleceu-se uma disputa em relação à definição de diretrizes políticas para o campo da saúde. De um lado, estão as forças que defendem o direito à saúde e à vida [. .. ]. De outro lado, estão os interesses do setor privado [.. ]".. "Atualmente o trabalho em saúde é, majoritariamente, um trabalho institucionalizado [... ]. O ato assistencial resulta de um trabalho coletivo realizado por diversos profissionais de saúde e por diversos [... ] não específicos No citado estudo, assinala que o trabalho em saúde, apesar de ser especial, tem sofrido influência das mudanças tecnológicas e dos modos de organização dos processos de trabalho da atualidade. Indica que ele não tem as características típicas do industrial, pois está no terreno do setor de serviços, porém sempre sofreu a influência das organizações produtivas hegemônicas. Como por exemplo o taylorismo e o fordismo. Como contribuição conclusiva de seu estudo, assinala.U "[ ... ] poucos [são os estudos em saúde que] relacionam trabalho e reestruturação produtiva. No entanto, as mudanças no trabalho industrial e nos serviços estão influenciando o setor saúde, destacando-se o uso intensivo U Pires, D. ReestrulUrtlçlio produtiva e trabalho em saúde no Brasil. São Paulo: Annuhlume, ]99B. v COllsülero que há outros truLulhm:l que contr-ibuem no estudo dCHHt! terna, mesmo que não o tenham destacado explicitamente, dentre os quais assinalo as investiga- ÇÕCH de Mendcs Gonçalves, R. B. Raizes sociais do trabalho médico, mestrndo no CUl"i:JO de :P68 Gnu.luuçiio em Mcdiciun Prcventivu (lu Fuculdud« do ,Metlieillll .Iu USp, São Paulo, 1978; Schraiber, L. B. O médico e seu trabalho. Limites da liber- dade. São Paulo: Hucitec, 1993 e Nogueira, R. P. Perspectivas da qualidade em snlÍtl". Hiu .1" Jll""i •.o: QllllitY""ll·k, \<)')'.1.. ]O Pires, D. Op. cit., p. 19. 11 Irei utilizar, nas indicações que se seguem do estudo em discussão, o que a autora ._'Ht:I·I~VC~1I rlUM COllduHõeH, C11W MO cueont rum nUM págjnuH 2:JtL u 2/1/11,ti., livro ciuulo. b -~~3--· 24 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE de saúde. [... ]. O médico é o elemento central do processo assistencial. Decide sobre o diagnóstico; sobre os exames complementares; sobre a terapêutica e sobre o uso, ou não, de várlos dos cquipamcutoa d(~Lec!no1ogia do ponta [... 1. Delega partes do trabalho assistencial a outros profissionais de saúde [... ]. Apesar disso, dcpondom do Lrahalho médico para que seu trabalho se realize. [... ]. A assistência é fragmentada, resultante de um trubalho parcelado e compartimentalizado, ao mesmo tempo que mantém algumas características do trabalho do tipo artesarial. " "Neste final de século [ ... ] da ampliação do reconhecimento de que é preciso repensar o modelo assistencial hegemônico, percebem-se algumas iniciativas [... ] no sentido de romper com a excessiva fragmentação do trabalho e buscando colocar as necessidades do cliente no foco da assistência. Na pesquisa de campo [. . .] [destaco]: "a) a implantação, no hospital privado, da metodologia de «assistência integral de enfermagem» [... ] "b) o surgimento, no hospital privado, de grupos interdisciplinares [... ] "c) a implantação, nos dois hospitais, das Comissões e Serviços de Controle de Infecção Hospitalar [... ] "d) o surgimento, mesmo que incipiente, de medidas para controle da qualidade da assistência; A MICROPOLÍTICA DO TRABALIfO VIVO EM ATO NA SAÚDE 2S "e) o registro da evolução do cliente no mesmo documento [... ] ".I) o direito à acompanhantes e a visitas [... ]" (p. 2.'39) "Os equipamentos de hase microeletrônica são IIliJi;"adoH 110 ll·aha/ho cru saúde (~pellel.nl/n 1/0 Hc~lol.de forma desigual. [... ]. Os dois hospitais estudados utilizam equipamenlo de leenologia de J)()/lla, sendo que 110 hospital privado o uso é mais intensivo [... ]." "O uso intensivo, de tecnologia de ponta no setor saúde, até o presente momento, não resultou em aumento do desemprego [... ] não substitui o trabalho humano de investigação, avaliação e decisão sobre a terapêutica e tratamento em geral. [... ]." "O uso de tecnologia de ponta exige uma melhor qualificação dos trabalhadores para o manuseio dos equipamenlo~, ao mesmo tempo que aprofunda a divisão entre trabalho manual e intelectual [... ]." "Considerando_se que o objetivo central das instituições privadas é o lucro, elas são mais pressionadas para reduzir custos e são mais influenciadas pela estratégia de terceirização, que está sendo utilizada pelas indústrias. [...]." Acho que Pires faz Umestudo, neste momento, de grande relevância, e mais do que isso, COma investigação realizada, 26 A MICnOPOLITICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE .\ MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 27 ".,,~ põe diante dos estudiosos do tema algumas idéias importantes sobre o significado da noção de reestruturação pr-orlu tiva em cer-tas orgllni:wções ele saúde, a pnrtir do impacto que a presença de equipamentos de ponta provoca na conformação tecnológica dos trabalhos em saúde, indicando as alterações nos processos de parcelamento, de qualificações profissionais, de redefinição do trabalho intelectual e manual, de mudanças nos processos burocráticos e hierárquicos, entre outros, Chamo a atenção para o fato de que para a autora o tema da reestruturação produtiva se identifica, quase que exclusivamente, com as alterações que o modelo médico hegemônico vem sofrendo pelas mudanças operadas por cquipumentos novos c PO[' se ver' diante de lima crise de eficiência e eficácia, Mas, ao mesmo tempo, lembrando que a mesma autora diz que essa entrada de equipamentos não anula momentos singulares do trabalho em saúde, insubstituíveis pela presença de equipamentos, como a dimensão típica da produção do ato cuidador, Destaco, também, que não deixa de referir que as intervenções nos processos gerenciais são chaves para o reordenamento produtivo, mas dá destaque à terceirização dos serviços ao modo da indústria, Acentuo a noção que a autora utiliza de que, na passagem do milênio, vive-se uma reestruturação produtiva em geral e, como o setor saúde sempre sofreu a influência das organizações produtivas hegemônicas, deve-se encontrar nos estudos das organizações de saúde a presença da atuação dos seus determinnntes. E, da mesma maneira que na época da Organização Científica do Trabalho, asorganizações de saúde revelaram, hoje, uma penetrabilidade do redesenho dos processos produtivos hegemônicos, que devem estar presentes no setor saúde, Creio que as conclusões de Pires, mostradas antes, reve- lam muito dos acertos desse seu estudo e do percurso ana- lítico, mas uma questão fica "parada no ar": por que será que a autora, nas conclusões, não deu mais ênfase às dife- renças entre os setores produtivos da saúde, da indústria e dos serviços em gel'al, nas sociedudcs contemporâneas, a ponto de buscar outras linhas de análise ou mesmo de pro- duzir outras conclusões? Acho, mesmo, que essa sua "ce- gueira" paradigmática não a faz perceber que a reestrutu-ração produtiva na saúde, hoje, pode não estar sendo mar- cada pela entrada de equipamentos, mas tanto pela pró- pria "modelagem" da gestão do cuidado em saúde,12 quan- to pela possibilidade de operar sua produção por núcleos tecnológicos não dependentes dos equipamentos, fato que, para ela, é um pequeno detalhe e não elemento importante a ser realçado pelo estudo, .. 12 Tanto no plano dos estabelecimentos e propriamente na produção dos atos de saúde, quanto no campo da organização das políticas do setor. r.& ---====--.- 28 A MICROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE A entrada de equipamentos nos processos produtivos em saúde, sob a modelagem de gestão médico hegemônica, que sob a forma da medicina tecnológica U já havia delimitado uma transição significativa na organização do trabalho em saúde em geral, e do médico em particular, neste momento não parece provocar reestruturação produtiva. Esta já esteve na marca da passagem do período de uma medicina mais mercantil e de um profissional mais liberal,14 e constituiu um período dos processos produtivos em saúde que se expressaram na qualificação dos profissionais cada vez mais em torno de núcleos especializados, restringindo-os, num crescente, à produção de um procedimento específico (um exame laboratorial, um ato clínico, etc.). Assim, o que a autora encontra pela frente não é o impacto reestruturante da entrada de novos equipamentos de ponta nos processos produtivos, mas sim a continuidade de um modelo hegemônico com alterações que não compõem uma transição. Uma reestruturação produtiva que implique substancial mudança nas configurações tecnológicas dos processos de produção, alterando não perifericamente a composição da força de trabalho, mas centralmente, pois levam à própria 13 Schraiber, L. B. Op. cito" Donnangelo, M. C. E Medicina e sociednde. São Paulo: Pioneira, 1975; Mendes Gonçalves, R. B. Op. cito A MICUOPOLÍTICA DO TUABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 29 produção de novos produtos, deve estar mapeada pelos novos terr-itôr ibs de tecnologias não-equipamentos. Tal pl·ocesso, da r-ecstrutur-ação produtiva, sempre se vincu1a a uma transição tecnológica, na qual novas tecnologias e mesmo configurações diferenciadas das anter-iores passam a operar a produção de novos produtos ou maneiras diferentes de produzir os "antigos". Nas indicações dos autores, já citados, sobre reestruturação produtiva, há afirmações nessas duas direções, em particular em Marx, ao falar sobre a produção do produto mercadoria nas relações capitalistas de produção. Por não imaginar que a reestruturação produtiva é algo mais intenso e que está estrategicamente articulada a novos territórios tecnológicos não materiais, a autora não consegue evidenciar que as alterações mais significativas, em seu campo de investigação, não são as articuladas por remodelagens da própria medicina tecnológica e sua base profissional - o médico especialista e seus equipamentos tecnológicos - mas, pelo contrário, devem estar ocorrendo no terreno das tecnologias não-equipamentos, o território das tecnologias leves15 e Ieveduras.I'' e que se expressam nos processos relacionais dos atos de saúde e nas práticas 15 Como as que permitem operar os processos relacionais do encontro entre o traba- lhador de saúde e o usuário. Tema que tratarei mais detalhadamente no capítulo seguinte. 16 Como os saberes estruturados que operam esses proeessos, em particular a clínica e a epidemiologia. 30 A MICROPOLfTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚD.E A mCROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 31 que governam os atos produtivos, nos processos de trabalho-? e na sua capacidade de gerar novas modalidades de produção do cuidado, bem como de governá-Ias. Hoje, a mudança na saúde não consegue ser suficientemente compreendida pelo caminho analítico escolhido pela autora. Creio que Pires tem como esse seu limite uma importação direta da visão clássica dos processos produtivos para ti saúde, suas dimensões lecnológicas e n noção paradigmática das transições tecnológicas oferta da por algumas correntes da Sociologia do Trabalho, de extração marxista,18 que, em torno do modelo fabril, constroem suas análises. Diga-se, de passagem, que na modelagem do tipo da medicina tecnológica que se assemelha em parte aos processos produtivos do tipo fabril, esse modelo de análise tem aproximação razoável sobre o objeto de estudo, porém, em novas maneiras de se produzir o cuidado, torna-se muito insuficiente. Talvez por isso, a autora e muitos outros analistas do campo da saúde que adotam paradigmas semelhantes.!" não permitem, com suas análises, a percepção de que, hoje, a transição tecnológica que se vem construindo, provocada pela presença do capital financeiro no setor de modo cada vez mais maciço,20 visa exatamente o oposto do que analisam, como se verá no decorrer deste trabalho, pois busca atingir o núcleo tecnológico do trabalho vivo em ato na sua capacidade de produzir novas conformações dos atos de saúde e o seu lugar na construção de processos produtivos, descentrando o trabalho em saúde até mesmo dos equipamentos e dos especialistas. Assinalo, também, que o percurso de procura de uma nova conformação tecnológica para a produção dos atos de saúde, impactando a relação entre o núcleo tecnológico do trabalho vivo em ato em saúde com os outros núcleos deste processo produtivo, faz parte de uma aposta que se coloca de modo anti-hegemônico - tanto em relação à medicinu teenológica, quanto à da Atenção Gereneiada que o capital financeiro vem introduzindo no setor saúde -, por setor-es ur-ticuladoa ao movimento sanitário brasileiro, o que 17 Vale ubsurvur que u outego •.ju médica hoje HC defl'tHltu com uma ngcndn do Iutu, nu qual tem ocupado lugar privilegiado, a disputa com os modelos de organização dos processos de trubalho adotndos pelos setores empresariais vinculados aos se- fJ;III'OH ti., Hu(uln. AH IIIUtlullç,nK IIU nl4a·.~u.lu .In Ir'ulmllto nl(Hli.,u '''Ul '~I·jn.ln IIOVOH elementos para a luta eorporativn dos médicos, quc evideuciam que a luta coutrn o controlc que o capital financeiro deseja sobre o truhnlho médico, e as trnnsfor- It1l1çõmt pnJlmlflitluH no Ht~1I pcwril pr'ofiI:iHiHllul, 1,01'lIam cluro () ct"C' IU'cwllt'u dt'~ U1Ullt:;lrur COlll este trubulho: H tl"lHHliçiio tccnol6gicu nu snúde, hoje em dão, OCOI'- re no campo das tecnologias leves, inscritas no modo de atuação do trabalho vivo em ato e nos processos de gestão do cuidado. Esse tema, durante o decorrer do estudo, estará sendo descrito e unulisndo rnais explicitamente. 18 Sem discordar da base de muitas das questões levantadas por essas correntes, o que assinalo é sua insuficiência para os estudos na saúde. Para visão de uma das contribuições mais significativas dessas correntes, ver Antunes, R. Op. cit, le} Cr,.,io CII'" UH jlÍ f~illUl"H uulor'eH tllt HlI(uln (~()mo: 1)01l1l11l1g.,lo o MC:JuloH (;oJlçnIVWi, siío bons exemplos do que estou upontnndo, além de Arouca, A. S. O dilema preuentivista. Tese de doutorado defendida no Curso de Pós-Graduação em Me- dicina. Campinas: Unicamp, 1974. zo It-iur't, C. ll.; Mcrhy, K E. & \Vaitzkin, H. La ntención gerenciada en América Latina: transnacionalización del sector salud en el contexto de Ia reforma. Rio de Janeiro: Cadernos de Saúde Pública. 2000,16:95-105.Apresento o texto como Anexo 2, neste livro. ~' r mU!~ r r ,-_ _,...,t...- : t --":' - ;'""-'----'---- _.._'._'~.2l! dei! C - 32 A MICROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE mostra que problematizar e procurar intervir, por esse caminho, não é privilégio só do setor financeiro do capital. Existem autores do movimento sanitário brasileiro que há muito vêm indicando essas questões. Em particular C .' 21 N . . C 'I,' 22 I > - ~ bampos, oguelra c ecUI,O, (entre outros, sao em ricos em suas formulações, mas não a ponto de proporem outra eomP.'censúo da mieropolíüea dos proeessoS de trahalho em saúde no nível da própria teoria, tomando para si oestudo destes processoS produtivos. Apesar de sugerirem questões relevantes para aquela compreensão. Campos, por exemplo, aponta para um dos centros básicos do que é hoje considerado uma agenda prioritária dos sujeitos sociais envolvidos no tema da reforma dos sistemas de saúde na América Latina, apontando como central a capacidade do movimento sanitário de atuar no dia-a-dia dos serviços de saúde, procurando configurar um modelo de atenção que se ordene pela radical defesa da vida, advogando que esse é um dos principais lugares para o confronto com os projetos neoliberais, que cotidianamente se fazem presentes nos modos de gerir aqueles serviços no plano político e no produtivo. Indica como indispensável, e mesmo como produto dessa ação, a construção de um compromisso efetivo dos 2l Campos, G. W. S. Reforma da reforma: repen.,ando o SUS. São Paulo: Hucilcc, 1992; c Os médicos e a política de saúde. São Paulo: HucilCC, 19B7. 22 Em particular cito Nogucira, R. P. Op, cit. c Cccílio, L. C. O. ["ventando a 1/"'- dança na saúde. São Paulo: HucilCC, 1997. A MICHOPOLÍTICA DO TllAlIALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 33 trabalhadores de saúde com omundo das necessidades dos usuários, que permita explorar de modo exaustivo o que as tecnologias em saúde detêm de efetividade, em um novo modo de operar a gestão do cuidado em saúde. Mostra como essa passa pela produção de novos coletivos de trabalhadores comprometidos éLico-politicamente com a radical defesa da vida individual e coletiva. Em HIHIHUJUíliH(~R,têm demonRtrndo corno () eonl".·onLo entre defensores de um serviço público versus um privado não consegue dar conta da situução real vivida de hcgcmouia do projeto neoliberal médico, por este se reproduzir micropoliticamente em todos os lugares e momentos de produção de atos em saúde. Indicando que isto põe o movimento diante do desafio de saber operar a gestão dos estabelecimentos de saúde e dos processos de trabalho de uma outra maneira, anti-hegemônica, em relação ao projeto médico neoliberal. Para Campos, tal tarefa passa pela busca da construção de um modelo tecnoassistencial, que não pode desprezar nenhum recurso tecnológico, clínico e, ou, sanitário para sua ação, no qwíl ocupa lugar estratégico o trabalho médico, comprometido e vinculado com os usuários, individuais e coletivos, atuando em equipes multiprofissionais, operadores de conhecimentos multidisciplinares. Como assinalei, hoje o contexto de disputa está um pouco mais turvo. No terreno do capital e em uma adesão ao -- BIBLIOTECA I CIR FACULDAD-E DE SAÚDE PÚBLICA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 34 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE ,\ MICROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA .SAÚDE 35 modelo neoliberal de desenvolvimento social, com a aparição da Atenção Gerenciada,23 vem constituindo-se outra prática que se opõe ao modelo médico llCgemônico da medicina tecnológica, e que aponta para a necessidade de um "gerenciamento do cuidado em saúde" que permita criar uma gestão competitiva entre presta dores de serviços, em torno da noção de clientela consumidora inteligente, possibilitando um equacionamento entre racionalização dos custos da produção dos atos de saúde e qualidade dos serviços prestados, tendo em vista reformar o sistema de saúde, que gasta muito para ser pouco efetivo, mas em função das lógicas de interesse do capital financeiro que vem penetrando os serviços de saúde, no plano mundial. A Atenção Gerenciada, como se verá em maior detalhe nos capítulos adiante, aposta na produção de tecnologias no campo da gestão de processos de trabalho em saúde que possam deslocar a microdecisão clínica pela administrativa, impondo nova forma tecnológica de constituir o próprio ato de cuidar e o modo de operar a sua gestão, tanto no interior dos processos produtivos em saúde, quanto no campo de . ~ d ,.. 21orgamzaçaoo proprJO sistema. ' O conjunto desses novos atores que se opõem ao projeto médico hegemônico, bem como os do movimento sanitário, apesar de não partilharem de propostas idênticas, discutem seus projetos e se confrontam nesses terrenos, procurando impactar o território tecnológico responsável pela incorporação de tecnologias duras no ato de cuidar, e a própria organização dos atos de cuidar no âmbito do sistema de saúde, apontando-os como lugares estratégicos para a operacionalização da reforma dos sistemas de saúde como um todo, ou seja, como lugares da transição tecnológica do setor saúde para um novo patamar produtivo.é'' O investimento que vários organismos internacionais, comprometidos com os projetos neoliherais, vêm realizando para difundir a proposta da Atenção Gerenciada nos países latino-americanos tem contribuído para produzir uma agenda razoavelmente semelhante na América Latina, entre todos os que vivem os processos de reforma do Estado, em geral, e dos sistemas de saúde, em par-ticular.é? Na consideração dos organismos aparece, de manerra muito clara, a noção de que o terreno do "gerencinmenro do cuidado" é neutro e atinente a uma racionalidade t~o consumidur, THHU H(H'Ú visto ndiunte, InUI;i grunde parte tlel:iKu conclnaão eHlú ins- pirada no texto produzido por Merhy, E. E.; Iriart, C. B. & Waitzkin, H. Atenção gerenciado: da microdecisão clínica à administrativa, um caminho igualmente privatizante?, apresentado no 7· Congreso Latino-Americano dc Medicina Social, Buenos Aires, 1997. Este texto foi publicado também pelos Cadernos Prohasa, número 3, São Paulo em 1998. 25 Nos capítulos 2 e 4, adiante, demonstro o significado dessa situação. 2. Paganini, J. M. Nuevas modalidades de organizaci6n de los sistemas y servicios de salud en el contexto de Ia reforma sectorial: Ia atenci6n gerenciada, bibliogra- fia anotada. Washington, D.C.: Opas/ serie HSP/Süos, 1995. 23 Iriart, C. B.; Merhy, E. E. & Waitzkin, H. La atenci6n gerenciada en América Latina ... , op. cito 24 Destaco, nessa questão, o fato de que o projeto da Atenção Gerenciada aposta na intervenção nas microdecisões clínicas e também na criação de quatro operadores do sistema de serviços de saúde: o seguro 1administrador, o financiador, o prestador 36 A MICROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO ·NA SAÚDl~ instrumental, própria dos modelos de gestão organizacional e dos processos de trabalho em saúde. Procurando-se, assim, constituir no plano imaginário um campo comum, que pertenceria a todos osque desejam as reformas e se envolvem com elas, e que deveria ser partilhado a partir dos mesmos receituários de intervenções ideologicamente ~~vendidos" como modernizadores. É interessante verificar que rtos E.U .A., onde essa proposta teve origem, há hoje confronto de pelo menos três grandes linhas de disputa em torno da política de saúde: uma vinculada ao projeto empresarial neoliberal médico hcgemônico, outra ao projeto ncoliheral da Atenção Gerenciada e, outra que, espelhada na experiência canadense, propõe a construção de um Sistema Nacional de Saúde, fortemente regulado pelo Estado e compromissado com a saúde como direito de cidadania, e não como bem de mercado. 27 Destaco que tomo aqui, como foco principal de estudo, o campo dos processos produtivos em saúde no momento do ato de cuidar e sua organização no interior dos estabelecimentos, em sua dimensão organizacional. Assim, a análise da gestão do cuidado que procuro imprimir neste trabalho está marcada por este âmbito, pois a que se refere ao campo da gestão do cuidado, no terreno da organização 27 Ver Wail:<kin, H. El dilema de Ia saInd en EE.UU.: un programa nacional de salud o librc mercado. Chile: Salud y Cambio. 1991" 5(15):24-3B. A MICnOPOL1TICA DO TRABA.LHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 37 da política de saúde e do sistema em geral, será só referida quando o outro foco de estudo o exigir. Digo isso pois será abordado, em vários momentos, que a transição tecnológica imprimida pela Atenção Gerenciada, em busca de uma nova. estrutura de produção de atos de saúde, também procura dar conta de um rearranjo maismacrossocial ao preconizar a constituição de quatro "atores sociais" -chave, para a sociedade construir um novo modelo de produção dp cuidado: os captadores de recursos e administradores, os financiadores, os provedores e os consumidores. Volto à questão mais adiante com mais detalhamento, mas o que interessa ficar claro é que o centro deste trabalho é pensar o agir no âmbito das organizações de saúde, particularmente nos processos produtivos dos atos de saúde, como lugar de uma transição tecnológica para um novo patamar produtivo. Identificando que o campo de ação do trabalho vivo em ato, na sua capacidade de imprimir novos arranjos tecnológicos e novos rumos para os atos produtivos em saúde, é o lugar central da transição tecnológica do setor saúde, e portanto o território em disputa pelas várias forças interessadas nesse processo. Nessa disputa, põe-se em xeque um certo "saber-fazer" em organizações, cujas missões são definidas por serem lugares de construção de uma determinada política social setor-ia] (a saúde), lugares de produção e lugares ele trnbalho em saúde, buscando-se certos modos de operar em situações )- \ j ,1, 'I !;l' il T' Q 38 A MICROPOLiTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE A MICROl'OLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE 39 -, organizacionais que põem em jogo o que já se produziu de tecnologias gestoras para governar serviços de saúde e processos produtivos. Por isso, encaro como desafio básico para o movimento sanitário brasileiro aprofundar-se em novos conceitos para compreender, de modo mais preciso, o tema da reestruturação produtiva e da transição tecnológica em saúde, reconhecendo a necessidade de uma constr-ução teórica que dê conta das singularidade dos processos produtivos do setor, que a teoria mais geral utilizada para a análise desses processos, apesar de sua efetiva contribuição, não tem sido suficiente. Além de prOeUral" constru ir uma caixa de ferramentas para os gestores de organizações de saúde que lhes permitam fazer frente, de modo an ti- hegemônico, aos atuais modelos de atenção à saúde na sua disputa cotidiana em cada estabelecimento. Cecílio28 soma nessa direção, junto com outros autores, percebendo que o confronto que o movimento sanitário brasileiro vem desenvolvendo com os neoliberais, que se dá em um amplo terreno de disputas pelos sentidos das relações Estado e sociedade, por meio das poltticas sociais, exige dos contendores uma competente capacidade operacional para implementar um modo de produzir saúde, no nível dos serviços assistenciais e sanitários, que seja coerente com as estratégias globais assumidas, de tal modo que o "gerenciamento do cuidado" seja inevitavelmente marcado pela idéia de saúde como direito universal de cidadania. Vários militantes deste movimento vêm procurando equacionar a construção de modelos de atenção à saúde, no nível dos estabelecimentos e das redes de serviços, no terreno das gestão organizacional e do trabalho, mostrando que, para superar o modelo médico hegemônico neoliberal, devem constituir-se organizações de saúde gerenciadas de modo mais coletivo, além de processos de trabalho cada vez mais partilhados, buscando um ordenamento organizacional coer-ente com uma lógica usuér-io-ccntrada, que permita construir cotidianamente vínculos e compromissos estreitos entre os trabalhadores e os usuários nas formatações das intervenções tecnológicas em saúde, conforme suas necessidades individuais e coletivas. Por outro lado, é interessante passar a idéia da necessidade do controle rígido do custo como inevitável para sobreviver em um ambiente competitivo entre prestadores de serviço, por financiamentos e clientelas, e advogam que só quem for econômico e satisfizer o cliente permanecerá. Na mão deste ideário, o "gerenciamento do cuidado" é um terreno implicado com os interesses das grandes corporacões financeiras e com todos os setores que advogam a modernidade como um imagem espelhada da atual sociedade americana.28 Ceellio, L. C. O. Op, eit. A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO NA SAÚDE Entendo que um dos esforços teóricos mais necessários dos vários setores do ~~movimentosanitário brasileiro" na busca de suprir certas deficiências no confronto que têm pela frente, de disputar essa transição tecnológica posta pela Atenção Gerenciada, é o que aponta na direção de uma revisão da teoria do trabalho em saúde, em particular dos temas das tecnologias em saúde que conformam o ato de cuidar e o da gestão dos proecssos pl~oduLÍV08,no nível dos cstabelecimentos.29 40 29 Grande parte desta conclusão está inspirada no texto produzido por Mcrhy, E. E.; Iriart, C. B. & Waitzkin, H. Atenção gerenciada ... , Op. cio CAPíTULO 2 AMICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL E TERRITÓRIO DE TECNOLOGIAS LEVESl COM A PERSPECTIVA de aprofundar a compreensão das questões levantadas até agora, inicialmente partirei de um esquema que permita pensar os diferentes modos do agir humano no ato produtivo e os tipos de questões interes- santes de se levantar acerca desse processo. Partindo de um diagrama, como o exposto na página seguinte, que procura representar qualquer ato produtivo bem simples, como por exemplo a produção de um objeto rcajizudo pnt· um aaputoir-o-m-tesfio, IH'()(;''''() nHlp(~I'" as questões que considero relevantes para esta reflexão. Em primci r-o lugar, levando em co ntu as vár-ius etapas do processo de produção de um sapato - o produto final realizado por aquele artesão - pode-se dizer que há a presença de cinco situações que valem a pena ser descritas, 1 O texto principal que utilizo neste momento é Mcrhy, E.E, Em busca do tempo perdi- do: a micropolítica do trabalho vivo em alo, ln: Merhy, E.E. & Onocko, H. (orgs.)Agir em Saúde ... obra citada. 41 li 42 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: tHL\ QUESTÃO INSTITUCIONAL como mostra o desenho, que procuro relacionar com as formas trabalho morto e vivo dos atos produtivos: res, que se fazem presentes agora como trabalho morto, i.é, já realizado e coagulado no produto. Dessa forma, o traba- lho anterior, de produzir ferramentas, estará presente no ato de produção do sapato, e o influenciará, mas não está em ato, não está vivo. c) o artesão, para juntar matéria-prima e ferramenta na direção da produção de sapatos, precisa antes de tudo ser possuidor de um certo saber tecnológico, que lhe permita dar, pela sua ação concreta em si de trabalhar, dentro de certa maneira organizada de realizá-Ia, formato de produ- to ao desenho imaginário que tem em mente, expressando seu projeto. Esse saber é complexo e em última instância é uma parte fundamental do saber-fazer sapatos, que no pro- cesso de produção está contido também na dimensão or- ganização do processo. Faz parte dele, por exemplo o co- nhecimento sobre o couro mais apropriado, as técnicas de corte, o conhecer as tintas melhores e suas adequações com o material que está sendo usado, mas também a maneira de organizar temporalmente estes conhecimentos, como atividades, como um processo de produzir. Isto é, o que deve ser feito antes, como deve ser feito, quanto se deve esperar para realizar os atos seguintes de produção, e as- sim por diante. d) entendo que essas duas dimensões, a da organização e a do saber tecnológico, não se comportam do mesmo jeito que o da matéria-prima e o da ferramenta, pois neles o H ç l~ferramen-tas saberestecnoló-gicos trabalho em si organi- zação matéria- prima T.M. T.M. T.M./T.V. T.V./T.M. T.V. T.M. T.M. = trabalho morto 'r.V. = trabalho vivo a) a produção do sapato pressupõe o encontro do traba- lho em si do sapateiro-artesão com certas matérias-primas, como o couro, o prego, a linha, a tinta, entre outras. Pode- se afirmar que essas matérias-primas são produtos de tra- balhos humanos que as concretizaram, pois não estão pron- tas na natureza, e mesmo se estivessem, como se brotassem em árvores, seria necessário realizar um trabalhohumano para coletá-Ias, antes que pudessem entrar no processo pro- dutivo do sapateiro. Diz-se, então, que as matérias-primas são produtos de trabalhos humanos anteriores, que nos seus momentos de ação tinham uma dimensão viva, mas que ago!'rl, como produto matéria-prima do sapateiro, estão ex- pr~i',':mdo um trabalho morto, resultado do vivo anterior que o produziu. b) as ferramentas que o artesão-sapateiro usa para pro- duzir o sapato, como um martelo, uma faca, um pincel, entre outras, também são, à semelhança do que se disse sobre as matérias-primas, produtos de trabalhos anter io- 1 II I 1 43 ........~~==~._-_. -------....,.'ç ~::,.= ,. -Z7rzt ••-m= 44 A MICROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: artesão real que está fazendo o trabalho conta como peso, tem importância. Sua história, suas habilidades, sua inteligência, sua capacidade inventiva, pode operar nessas situações de organizar os processos e de compor os saberes tecnológicos. Assim, em ambos os momentos do processo produtivo, o da organização e o do saber, há uma situação dupla: a presença de saberes - tanto tecnológicos quanto organizacionais -, produúdos ulIlerionuell\.e (~ Aislematizados, apreendidos pelo artesão, que expressam, então, trabalhos anteriores e se colocam como representantes do u-abalho morto, mas que sofrem . influência real do trabalhador concreto que está atuando e o seu modo de pô-Ios no ato produtivo, como representantes do trabalho vivo em ato. Isso faz com que nessas duas dimensões haja a convivência das duas modalidades de trabalho no fazer do sapateiro-artesão ao produzir concretamente o seu produto imaginado. Por isso aponto que nessas duas situações há uma combinação de trabalho vivo c morto, simultaneamente. O grau de liberdade desta relul,;ão é um pouco mais favorável na dimensão do saber tecnológico em relação ao da organização, pois esta tende a ser mais estruturada, mais governada pelo pólo trabalho morto. e) vale observar que a noção de tecnologia aqui utilizada tem definição mais ampla da que pela qual corriqueiramente é traduzida, pois não a confundo de maneira específica UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL 45 com equipamento e máquinas, já que também incluo como tecnologias certos saberes que são constituídos para a pro- dução de produtos singulares, e mesmo para organizar as ações humanas nos processos produtivos, até mesmo em sua dimensão inter-humana. Desse modo, falo em tecnolo- gius duras, leve-duras c leves." 1) claramente o momento do trabalho em si expressa de modo oxchraivo (I t.rulurlho vivo em alo. EHl:le ruorucnto é marcado pela total possibilidade de o trabalhador agir no ato produLivo CO.IU gl'llUde liberdade máxima, porém o exer- cício desse grau relaciona-se com a presença simultânea das quatro dimensões anteriores, o que permite dizer que deve haver processos de trabalho bem diferenciados nos modos como estas relações simultaneamente ocorrem. Se forem imaginados, agora, outros tipos de trabalhos que não só o do sapateiro-artesão, pode-se dizer que há processos pro- dutivos nos quais o peso das dimensões que expressam o trabalho morto é maior que o do trabalho vivo, e há outros que se manifestam de modo contrário. Como exemplo do primeiro caso, um processo de trabalho morto centrado, cito a produção de uma máquina em uma metalúrgica, e como do segundo caso, um processo trabalho vivo contra- do, a produção de uma aula ou dos atos de cuidar em saú- Com maior detulhnmonto sugiro n Iciturn tio texto Mcrhy, E. E. et ul. ,Em buscu de Ier-rumentus nnnlienrlorus •.• lu obrn eitndu, no qual descrevo c defino coru maiur pn~· eisão esacs termos, lHJré.n, cru um puinel nprcecntndo muis udinntc, Inço uru resumo dos conceito s, 46 A MICHOPOLÍTICA DO THAHALHO ViVO EM ATO: UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL 47 TESE 2 - a ação intencional do trabalho realiza-se em um processo no qual o trabalho vivo em ato, possuindo de modo interessado instrumentos para a ação, "captura" intencio- nalmente um "objeto/natureza" para produzir bens/pro- dutos (as coisas/objetos); e que pode ser esquematicamente visualizado no desenho, exemplificado a partir do trabalho de um artesão-sapateiro, que antes da realização do pró- prio ato produtivo já sabia aonde queria chegar, isto é, a que tipo de produto, que valor de uso estaria produzindo, e, com isso, opera um ato produtivo que é amarrado por uma intenção posta anteriormente a ele;" no qual o traba- lho em si atua como trabalho vivo em ato e os instrumentos usados, bem como a organização do processo, como traba- lho morto; TESE 3 - o modo de o trabalho vivo em ato realizar a captura do "mundo" como seu objeto é vinculado ao modo como o trabalho vivo que o antecedeu, e que agora se apresenta como trabalho morto, atua como um determinado processo de produção também capturante, mas agora do próprio trabalho vi~o em ato, e que se de. Pode dizer-se, então, que o processo fie captura do t.ra- balho vivo pelo trabalho morto, em certas produções, é di- ferenciado, ou vice-versa, permitindo imaginar situações nas quais o exercício do protagonismo/liberdade ou do pro- tagonismo/reproduçã03 estejam ocorrendo no mundo ge- ral da produção, tanto na conformação tecnológica dos atos produtivos, quanto nos modos de governá-los, Onde há tra- balhadores pr-oduzindo, há essa polarização, independen- te do que se produz, e isso ocorre em todos os setores: pri- mário, secundário e terciário da produção, bem como no social em geral. g) com o painel apresentado adiante, expondo dezessete teses sobre a teoria do trabalho em saúde e as tecnologias de produção do cuidado, procuro sistematizar algumas questões-chave para entender o modo como lido com a no- ção de tecnologia em saúde:" TESE 1-falar em tecnologia é ter sempre como referência a temática do trabalho, mas em trabalho cuja ação intenci- onal é demarcada pela busca da produção de "coisas" (bens/produtos) - que funcionam como objetos, mas que não necessarjamente súo matcr'iuis, du roa, pois podem ser' bens/produtos simbólicos (que também portam valores de uso) - que satisfaçam necessidades; , Veja que há trabalhos, como de um Picasso desenhando um sapato em um quadro, que não é pt"csifli(lo por cstu rcluçiio Jntcncionnl produtiva tccnolõgica, mesmo 'llIU tenha de se utilizur de técnicas para ser realizado. Hcpure que o produto, sapato desenhado, não necessariamente significa neste caso um sapato, pode ser uma mera representação de algo que o Picasso associa a uma situação qualquer. E para um observador qualquer, pode significar algo distinto. Sem dúvida, o sapato do urtesão-saputeiro tem de servir como calçado. Se perder essa funcionalidade não será um bem sapato. Por isso, este trabalho é presidido como um fazer tec-nológico, ao passo que o do Picasso é um traba- lho, mas de outra natureza. Sobre esta situação de sujeito iustituído e mstituinte vcja a Apresentaçíío. Esse painel foi montado com base no texto Merhy, E. E. et aI. Em busca das ferramentas analisadoras .•. ln: Obra citada. Ver em particular o texto Ato de cuidar: alma dos ser- viços de saúde, que aparece como apêndice aqui neste livro. li " 48 A MICUOPOLíTICA DO Tll.ABALHO VIVO EM ATO: expressa como um certo modelo (dentro de um certo modo) de produção; TESE 4 _ nesse modo de possuir, o trabalho vivo em ato opera como uma máquina de guerra política, demarcando interessadamente territórios e defendendo-os; e, como uma máquina desejante, valorando e construindo um certo mun- do para si (dentro de uma certa ofensiva libidinal); TESE 5 _ tal modo de possuir (eorno produção) instrumen- tos e pedaços da natureza, produzindo-os como ferramen- tas e objetos, dando-Ihes uma razão instrumental, apresen- ta-se como tecnologia como saber. As máquinas-ferramen- ta, por sua vez, são suas expressões como tecnologias-equi-r pamentos; TESE 6 _ as máquinas-ferramenta são expressões tecnoló- gicas duras das tecnologias-saberes (leve-duras) e, como equi- pamentos tecnológicos, não têmrazão (instrumental) por si, pois quem as torna portadoras dessa intencionalidade raeional-instrumental é o trabalho vivo em ato com seu modo tecnológico (seu modelo de produção) de agir e como ex- pressão de certas relações sociais e não outras; TESE 7 _ o trabalho em saúde é centrado no trabalho vivo em ato permanentemente, um pouco à semelhança do tra- balho em educação. Além disso, atua distintamcnte dc ou- tros processos produtivos nos quais o trabalho vivo em ato pode e deve ser enquadrado e capturado globalmente pelo trabalho morto e pelo modelo de produção; I I. UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL 49 TESE 8 - o trabalho em saúde não pode ser globalmente capturado pela lógica do trabalho morto, expresso nos equipamentos e nos saberes tecnológicos estruturados, pois o seu objeto não é plenamente estruturado e suas tecnologias de ação mais estratégicas configuram-se em processos de intervenção em ato, operando como tecnologias de relações, de encontros de subjetividades, para além dos saberes tecnológicos estruturados, comportando um grau de liberdade significativo na escolha do modo de fazer essa produção; TESE 9 - por isso as tecnologias envolvidas no trabalho em saúde podem ser classificadas como: leves (como no caso das tecnologias de relações do tipo produção de vínculo, autonomização, acolhimento, gestão como uma forma de governar processos de trabalho ), leve-duras (como no caso de saberes bem estruturados que operam no processo de trabalho em saúde, como a clínica médica, a clínica psica- nalítica, a epidemiologia, o taylorismo, o fayolismo) e duras (como no caso de equipamentos tecnológicos do tipo má- qmnas, normas, estruturas organizacionais); TESE 10 - no trabalho em saúde, não cabe julgar se os equipamentos são bons ou ruins, mas quais razões instru- mentais os estão constituindo e dentro de que jogo de in- tencionalidades; cabendo, portanto, perguntar sobre que modelagem de tccnologia do trabalho vivo CIO ato se está operando, como ela realiza a captura das distintas dimen- , J ., 50 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: U~{A QUESTÃO INSTITUCIONAL 51 sões tecnológicas, e o lugar que os usuários/necessidades e os trabalhadores/necessidades, como intenções, ocupam na rede de relações que as constituem; TESE 11 - o trabalho vivo em ato opera com tecnologias leves como em uma dobra: de um lado, como um certo modo de governar organizações, de gerir processos, construindo seus objetos, recursos e intenções; de outro lado, como uma certa maneira de agir para a produção de bens/produtos; sendo uma das dimensões tecnológicas capturantes que dá a "cara" de um certo modelo de atenção; TESE 12 - para compreender os modelos tecnológicos e assistenciais em saúde, portanto, deve tomar-se com') eixo analítico vital o processo de efetivação da tecnologia leve e os seus modos de articulação com as outras; TESE 13 - a tecnologia em saúde, dividida em tecnologia leve, leve-dura e dura, permite expor a dinâmica do proces- so de captura do u-abalho vivo pelo morto, e vice-ver-sa, no interior dos distintos modelos tecnoassistenciais em saúde, e até mesmo a configuração Lecnológica de um certo pro- ceSROprodutivo em saúde, um certo modo de produzir o cuidado; TESE 14 - a efetivação da tecnologia leve do trabalho vivo em ato na saúde expressa-se como processo de produção de relações interseçoras" em uma de suas dimensões-chave, O termo interseçores está sendo usado aqui com sentido semelhante ao de Deleuze, no livro Conversações, que discorre sobre a interseção que Deleuze e Guattari , ário final.xrue " "que e o seu encontro com o usuario nna ,que representa , em última instância, necessidades de saúde como sua intencionalidade, e, portanto, o que pode, com seu interesse particular, "publicizar" as distintas intencionalidades dos vários agentes em cena, do trabalho em saúde;" TESE 15 - é neste encontro do trabalho vivo em ato com o usuário final que se expressam alguns componentes vitais da tecnologia leve do trabalho em saúde: as tecnologias ar- ticuladas à produção dos processos interseçores, as das re- lações, que se configuram, por exemplo, por meio das prá- ticas de acolhimento, vínculo, autonomizaçâo, entre outras; TESE 16 - desse lugar, pode-se interrogar o formato de realização da tecnologia das relações, como um mecanismo analisador estratégico dos modelos de atenção em saúde que tem capacidade de expor intensamente "as falhas" do mundo do trabalho em saúde, como o "jogo" dos sentidos e sem sentidos das práticas de saúde; (!C.JlIHlil.llr r UI1l quundo pnJlJII~il:unl o úvru Antiedipo, tp.w não é um sumutõr-io de um, com outro e produto de quatro mãos, mas um "inter", interventor, Assim, uso esse termo para designar o que se produz nas relações entre "sujeitos", no espaço das suas interse- ÇÕCH, que li um produto que existe pnrn 08 "doi"," em nto e núo tem cxistênciu sem o momento da relação em processo, c na qual os intcr se colocam como instituintes nu busca de novos processos, mesmo um em relação ao outro. Trato com mais detalhes a questão, em Merhy, E. E. O SUS e um dos seus dilemas: mudar a gestão e a lógica do processo de trabalho em saúde. In: Teixeira, S. M. F. (org.). Movimento sanitário: 20 anos de democracia. São Paulo: Lemos, 1998. 7 Nesse particular, recomendo de novo a leitura de Merhy, E. E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica ... , obra citada. ~~~------ liIi ;j 52 A MICROPOLíTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: TESE 17 _ o sentido desse interrogar deve ser o de repen- sar as lógicas das intencionalidades, que permita caminhar para a "publicização" do espaço da gestão do processo de trabalho em saúde no qual elas se efetivam, pondo em jogo a possibilidade de incorporação de um outro campo de tec- nologias, que é o que se articula com os processos de "go-c_ vernar" estabelecimentos (como organizações), e nos quais se faz presente o encontro do trabalho vivo em ato com os distintos agentes, com seus projetos e com seus métodos, referentes aos diferentes espaços da gestão. h) esse processo polarizado de possíveis capturas totais do trabalho humano vivo em ato pelo trabalho morto que são expressas na tensão autonomia versus controle, não é estranho aos diferentes pensadores da sociedade contem- porânea, e em particular de dois deles, que se situaram em lugares bem diferenciados quanto a esse debate, a quem me reportarei para ajudar nas reflexões sobre algumas das distintas temáticas que estão implicadas na discussão da ação hUIlUlIHI em nmbicnl:Cs produtivos. Trabalharei adiante comFrederick Winslow Taylor e Karl Marx, em busca do debate que fazem esses dois autores sobre protagonismos/liberdade e captura, e o mundo do trabalho. UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL 53 Imaginando uma polêmica entre Marx e Taylor sobre o protagonismo/liberdade, e algumas idéias em torno da micropolítica do trabalho vivo em ato Recorro a esses pensadores, para refletir sobre as dife- rentes implicações, no campo da saúde, entre as ações hu- manas, que em ato são capturadas pelas lógicas que co- mandam as organizações dos processos de trabalho medi- ante o trabalho morto, versus aquelas ações que em ato, em virtude da imposição dominante da presença do traba- lho vivo como seu componente, apontam para uma pro- funda possibilidade descapturunte do agir humano das ló- gicas que o querem amarrar, que o querem conter. Marx, anticapitalista convicto, entendia que um trabalhador ao atuar em uma linha de produção dentro de um estabelecimento fabril, por exemplo, estava totalmente subordinado, no seu agir, à lógica do modo duro e estruturado que a produção impunha por meio dos vários processos capturantes da sua capacidade de trabalhar, Isto é, o grau de liberdade de um operário agir a seu modo nas atividades pr-odu tivas era zer-o, C a possibilidade de peJlsar' sua libertação estava dada por "algo" que, influenciando sua consciência, a tornasse umaeonsciência de classe anticupitalista, abrindo, então, cluincede lima atuação organizada, eomo a de um grupo de trabalhadores .5Ll UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL .55A MICHOPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: consciente, que imporia resistências aos processos de exploração do capital. Marx apostava na força determinante do capital para organizar as atividades do trabalhador, e imaginava que sua libertação estaria marcada pelas chances de desamarrar essa determinação pela produção de uma outra consciência operária, que permitiria possibilidades de descapturas do trabalhador em relação a dominação capitalista. Marx era um anticapitalista que admitia a total captura do trabalho vivo pelo morto e apostava na formação da consciência de classe, produto de processos externos ao mundo das atividades produtivas em si." Taylor, capitalista convicto, umas três décadas após a mor-te de Marx, defendeu a idéia de que o modo como se organizam os processos de trabalho altera as relações entre a máquiJ)a e o trabalhador, pois pode Impactar os seus movimentos no tempo. Relata que aprendeu isso "olhando" os próprios trabalhadores nas suas atividades produtivas, onde exerciam graus de liberdade diferenciadas sobre as dimensões do processo de trabalho, impondo produtividades distintas para as mesmas máquinas e linhas de produção na realização dos mesmos produtos. Taylor advogava que o operário, sem o controle do capitalista, faria uma fábrica do seu jeito, e que nem sempre esse jeito era o melhor para quem visava a lucratividade e a competição no mercado. Desse modo, acabou elaborando um conjunto de tecnologias de gestão de processos de trabalho que permitia capturar a autonomia do trabalhador no exercício do seu trabalho vivo, a fim de suhordinâ-lo aos interesses capitalistas da empresa. Pois só a captura realizada pelas tecnologias duras não era suficiente." De certa maneira, Taylor confirma o que Marx advogou, que o estabelecimento é um lugar de intensa dominação, porém partindo do princípio de que se essa dominação não for permanentemente pensada para os exercícios dos atos dos trabalhadores, estes tendem a abrir "linhas de fu- gas" no interior das lógicas de produção e construir uma produção a seu modo. Taylor era um capitalista que admi- tia a permanente descaptura do trabalho vivo diante do mundo definido pelo trabalho morto e apostava em tecno- logias gerenciais para as organizações produtivas que cap- turassem o trabalhador nos seus exercícios de liberdade e autonomia, no terreno do trabalho vivo em ato. Aliás, de passagem, esta é a história das teorias adminis- trativas e gerenciais: a produção de tecnologiasleve-duras, no campo da gestão organizacional, que visam a captura do trabalho vivo, t:ransformando-o em morto. Ou seja, a • NCHH(~ partieulur, indico u leituru do texto Marx, K, O 18 hrumâr-io. I,,: 0111 brumârio e Cartas a Kugelmann, 4"Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, 9 Ver o debute sobre o tayloriamo exposto por ChiClVCIlCllo,I,IlItl'Oduçiio à teoria geral da administração, São Paulo: MacGraw-Hill, 1990, I ;1.; 56 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: produção de caixas de ferramentas gestoras de processos organizacionais produtivos. Voltando ao tema da saúde, fixando conceitos Bem, com estas falas procuro introduzir o leitor no universo de alguns conceitos básicos que o permitam ser um analisado r mais aguçado do mundo da produção em geral e da material em particular. Mas há ainda algumas idéias não muito fáceis de serem entendidas sobre a distinção de certos processos produtivos, que necessitam ser agregadas a e~te conjunto de conceitos que estou elaborando, e que fazem parte de uma leitura mais aprimorada dos processos de produção. Em particular, vale mostrar algumas questões- chave para compreender a distinção de um processo tipicamente fabril, de um outro mais vinculado ao setor de serviços - como o de saúde -, no que se refere às características centradas ou no trabalho morto ou no trabalho vivo, e às diferentes questões levantadas nesta distinção para a relação dos produtos realizados nesses setores de produção e o mundo das necessidades do seu consumidor. Um trabalho fabril típico relaciona-se com o consumidor por intermédio do produto que este usa, ao passo que, em um trabalho de serviço, o ato de produção do produto e de seu consumo ocorrem ao mesmo tempo. Por isso, denomi- UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL 57 no que no primeiro caso a relação é objetal e no segundo "interseçora", e, nesta última situação, o modo como o con- sumidor valoriza a utilidade do produto para si está sem- ~ pre presente na relação imediata de produção e consumo, ao IUlSAO flUC no do tipo objeta] a utilidade do pr-oduto panl o consumidor só irá realizar-se na obtenção do produto e de seu consumo, c que OCOl"rC de modo separado do mun- do da produção do produto. Veja isto no texto e no painel, colocados adianter'" Quando um trabalhador de saúde se encontra com um usuário, no interior de um processo de trabalho, em particular clinicamente dirigido para a produção dos atos de cuidar, estabelece-se entre eles um espaço interseçor que sempre existirá nos seus encontros, mas só nos seus encontros, e em ato. A imagem desse espaço é semelhante à da construção de um espaço comum de interseção entre dois conjuntos, ressalvando que não é só na saúde que há processos interseçores. E, além de reconhecer a existência desse processo singular, é fundamental, na análise dos processos de trabalho, descobrir o tipo de interseção que se constitui e os distintos motivos que operam no seu interior. 1. Os esquemas mais comuns em processos de trabalho como os da saúde, que realizam atos imediatamente de 10 O texto que scgue é retirado de Mcrhy, E. E. O SUS e um de seus dilemas: mudar a gestão c a lógica do processo de trabalho em saúde ... , obra cilada. !, ':1 I ' . I . 1 li I :11 "I li ti Ir'I~j ~ 58 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: ass istêncin com o usuário, apresenLam-se corno () do diagrama abaixo, a que chamo de uma "interseção partilhnda". trabalhador 2. Os que se constituem nos casos mais típicos de proces- sos de trabalho, como o de um marceneiro que produz uma cadeira, mostram que o usuário é externo ao processo, pois o momento intercessor se dá com a "madeira", que é plena- mente eontidn pelo espaço do L,'abalhador·, corno lima "in- terseção objetar'. marceneiro xxx xxx x madeira xxxxxxx cadeira usuário Esta distinção da constituição dos processos interseçores mostra como a dinâmica entre o produtor e o consumidor e os jogos entre necessidades ocorrem em espaços bem dis- Lintos, e Lambém como os possíveis modelos de confi.gura- /'" 59U~[A QUESTÃO INSTITUCIONAL ção desta drnâmica podem ser mais ou menos pcrmcavcia a essas características. No jogo de necessidades que se põe para o processo de trabalho é possível então pensar: 1 - que no processo de trabalho em saúde há um encon- tro do agente produtor, com suas ferramentas (conhecimen- tos, equipamentos, tecnologias de modo geral), com o agen- te consumidor, tornando-o em parte objeto da ação daque- le produtor, mas sem que com isso deixe de ser também um agente que, em ato, põe suas intencionalidades, conheci- mentos e representações, expressos como um modo de sen- tir e elaborar necessidades de saúde, para o momento do I.,. trabalho; e 2. que no seu inter-ior há uma busca de realização de um produto/finalidade. Como, por exemplo, a saúde que é um valor de uso para o usuário, que a representa como algo útil por lhe permitir- csuu- no mundo c poder vivê-Io, de modo auto determinado, e dentro do seu universo de representa- ções, do que isso possa significar, e que é assimilado como um processo distinto pelos agentes envolvidos, mas que, no entanto, poderá até mesmo coincidir. O que revela que a análise do processo intercessor que se efetiva no cotidiano dos encontros pode evidenciar a maneira como os agentes se põem como "portadores/ elabora dores " de necessidades nesse processo de "interseçãopartilhada" . i: /y 60 A MICROPOLÍTICA DO THABALHO VIVO EM ATO: J O d id ~" d "s agentes pro utores e consumi ores sao porta ores de necessidades macro e micropoliticamente constituídas, bem como são instituidores de necessidades singulares, que atravessam o modelo instituído no jogo do trabalho vivo e morto ao qual estão vinculados. A conformação das necessidades dá-se, portanto, em processos sociais e históricos definidos pelos agentes em ato, como positividades, e não exclusivamente como carências, determinadas de fora para dentro. Aqui não interessa o julgamento de valor acerca de qual necessidade é mais legítima que outra, esta é uma posição necessária para a ação mas não pode ser um a priori para a análise, porque o importante é perceber que todo o processo de trabalho e de interseção é atravessado por distintas lógicas que se apresentam para o processo em ato como necessidades, que disputam, com~ forças instituintes, suas instituições. o papel transformador do trabalho vivo em ato na saúde e suas dobras tecnolõgicaa" o processo de trabalho em sua micropolítica deve ser entendido como um cenário de disputa de distintas forças inatituintca: desde Io rças presentes clarnmento nos modos II G'"Ullflc JJUI,"lc! fio texto 'l'w vem LI Heguir f~)i rctirndo de Me.-lIY,E. E. Em Lusen do 1.(~I11PO perdido ... , obru cilada. UMA QUESTÃO INSTlTUClONAL 61 de produção - fixadas, por exemplo, como trabalho mor-to, e mesmo operando como trabalho vivo em ato -, até as que se apresentam nos processos imaginários e desejantes, e no campo do conhecimento que os distintos "homens em ação "12 constituem. Na micropolítica do processo de trabalho, não cabe a noção de Ínlpotência, pois se o processo de trabalho está sempre aberto à presença do trabalho vivo em ato, é por- que ele pode ser sempre "atravessado" por distintas lógicas que o trabalho vivo pode comportar. Exemplo disso é a cri- atividade permanente do trabalhador em ação numa di- mensão pública e coletiva, podendo ser "explorada" para inventar novos processos de trabalho, e mesmo para abri-Io em outras direções não pensadas. Mas não se pode desconhecer que isso pode ocorrer nos momentos em que se abrem fissuras nos processos instituídos e em que a lógica estruturada da produção, bem como o seu sentido, são postos em xeque, incluindo a própria maneira como está sendo gerida pelos trabalhos vivos precedentes, que se cristalizaram, aliás, na potência do trabalhador. 12 A pretensão tJIlC lCU10tl aqui é murem- UUIU posiçiio diHllnln do rucioun1iSIllo que operu com a noção de homem da razão, subsumindo essa racionalidadc aos processos que governam o homem cru situnção e nu ação, como se posiuinnnm autores como Mnlus, C. P,)lfti(·tJ./~/(lIlUiCllt·ií() UKflfJtII""O ••"l,nl (Oilntln, t~IIU~HlllO l'nIH~I·lIlnH,.J. Tf"(',.(U rl« lu nccián. cOII/./lfúcalitla.l\1utlr;: Tuurua, 1987. Sobrc este último autor vcrtruubém HOUIIIlCl,P. S. &. Frcltug, B. (orgs.).llal,,,rmas. São Paulo. ÁtiCIl, 1980. 62 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: Portanto, atuar nesses processos "trabalho vivo dependentes" permite sair em busca da construção de distintas linhas de fuga, como, por exemplo, em relação à lógica que preside o processo de trabalho como produção e satisfação de necessidades; ao modo de como se sabe trahalhar, isto é, à sua configuração tecnológica; àmaneira coroo o espaço institucional, da gestão desse processo, está ordenado. Repensar a potência e a impotência como uma caracte- rística situacional que pode ser atravessada por distintos processos instituintes - e mesmo agenciada - torna-se, as- sim, uma ousadia. Uma análise mais detalhada das interfaces entre os su- jeitos instituídos, seus métodos de ação e o modo como es- ses sujeitos se intersecionam, permite realizar uma nova com- preensão sobre o tema da tecnologia em saúde, ao se tomar como eixo norteador o trabalho vivo em ato, que é essenci- almente um tipo de força que opera permanentemente em processo e em relações.13 Por isso, os que apostam na possibilidade de se constituir tecnologias da ação do trnhalho v.ivo em ato e mesmo de gestão desse trabalho, abrindo fissuras e possíveis linhas de fuga nas ações produLivas institutdas, como a Atenção Gerenciada, têm conseguido realizar intervenções tt 13 Veja de novo o tema dos intercessores , já abordado anteriormente. L 63UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL que focalizam o sentido da "captira" sofrido pelo trabalho vivo, abrindo-o para novas direcionalidades. Entender essa dupla dimensão da ação do trabalho vivo em ato, de gerir processos institucionais e de realizar pro- duções propriamente ditas, assim como as possibilidades de tocá-Ia com processos diretamente referentes aos seus modos tecnológicos de existir, é primordial na reflexão que se está propondo, pois permite compreender como se pode interferir nos modos como o trabalho vivo opera uma dada produção concreta - como um modo essencialmente inter- seçor de ser e através de suas formas tecnológicas leves de agir, capturadas de determinadas maneiras em relação ao trabalho morto que opera coetâneo consigo -, ao mesmo tempo que permite tocar nas maneiras como institucional- mente esse processo é um espaço de ação governamental, privado e público, que define os processos de "penetrahili- dade" mais ampla ou restrita, das arenas onde se decide o sentido da instituição. Quero pensar as tecnologias que po- dem tanto redefinir os processos de "captura" do trabalho vivo em ato, como um dado modelo de atenção, quanto tornar mais púhlieo os proecs8os que governam a sua dirc- cionalidade. Quero compreender como os que disputam esses proecssos eatíio dispondo de caixus de ferramenLas para suas intervenções. 64 A MICROPOLÍTICA DO TRABALHO VIVO EM ATO: Enfim .•. 14 Retomando o tema central posto por esta tese: o da contribuição ao estudo da reestruturação produtiva do setor saúde, com foco particular sobre os processos produtivos em saúde, suas composições tecnológicas e os modos de governá-Ios, e ao entendimento da composição da caixa de ferramentas dos gestores das organizações de saúde, a partir da categoria analítica trabalho vivo em ato, creio que até agora problematizei e demonstrei a noção de que na micropolítica dos processos de trabalho em saúde é necessário compreender que os núcleos de intervenções tecno16gicas - no campo das tecnologias duras, leve-duras e leves - permitem processos muito singulares de transições para processos de reestruturações produtivas no setor saúde, marcados pelo lugar central ocupado pelo território das tecnologiasleves. Seja na sua forma atual hegemônica, da medicina neoliheral tecnolõgica, na qual os médicos, privatizando, tomam posse dos espaços microdecisórios, que definem o modelo de atenção e a incorporação de tecnologias duras e H Parte desta conclu8rl, quc remete ao capítulo seguintc, esui inspirada no texto produ- zido por Merhy, E. E.; Iriart, C. B. &Waitzkin, H. Atell{ão gerenciada: da microdecisão clínica .•. , obra citada. UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL 65 leve-duras; seja na forma da atenção gereneiada, como parte do projeto do capital financeiro para a organização produtiva do setor saúde, na qual este capital cria mecanismos para retirar do médico aquela privatização dos espaços microdecisórios, alterando o modo de agregar as tecnologias; ou s}~ja,enfim, nos modelos que se propõem seguir o eixo das necessidades dos usuários como seu ovdcnudo r, nos quais os processos de incorporação tecnológica têm de superar tanto aquelas privatizações dos espaços microdecisórios, quanto a redução do bem saúde a um bem de mercado. Assim, fica evidente que as análises sobre as transições tecnológicas em saúde e as possibilidades de operar reestruturações produtivas devem, analiticamente, procurar entender de modo articulado o lugar que o núcleo das tecnologias leves ocupam e seu modo de operar os processos produtivos, bem como os tipos de disputas que os modelos
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