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ENTRE_MORDACAS_E_DIREITOS_ACOES_DE_LIBER

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1 
 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA 
FACULDADE DE DIREITO 
GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
GABRIELA BARRETTO DE SÁ 
 
 
 
ENTRE MORDAÇAS E DIREITOS: 
AÇÕES DE LIBERDADE E RESISTÊNCIA ESCRAVA 
 NA HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
 2010 
 
2 
 
 
GABRIELA BARRETTO DE SÁ 
 
 
 
 
 
 
 
 
ENTRE MORDAÇAS E DIREITOS: 
AÇÕES DE LIBERDADE E RESISTÊNCIA ESCRAVA 
 NA HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de graduação em 
Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da 
Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de 
Bacharel em Direito. 
 
Orientador: Prof. Samuel Santana Vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2010 
 
3 
 
 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
GABRIELA BARRETTO DE SÁ 
 
ENTRE MORDAÇAS E DIREITOS: 
AÇÕES DE LIBERDADE E RESISTÊNCIA ESCRAVA 
 NA HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL 
 
 
Monografia apresentada e aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel 
em Direito, Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. 
 
 
Salvador, 23 de julho de 2010. 
 
 
 
Componentes da banca examinadora: 
 
 
Samuel Santana Vida (Orientador)________________________________________________ 
Especialista em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana 
Universidade Federal da Bahia 
 
 
Elmir Duclerc Júnior__________________________________________________________ 
Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá 
Universidade Federal da Bahia 
 
 
Jamile Silva Silveira___________________________________________________________ 
Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia 
Faculdade de Tecnologia e Ciências 
 
 
 
 
4 
 
 
Isabel que história é essa 
 
Iê! 
Dona Isabel que história é essa 
De ter feito a abolição 
De ser princesa boazinha 
Que libertou a escravidão 
Estou cansado de conversa 
Estou cansado de ilusão 
Abolição se fez com sangue 
Que inundava esse país 
Que o negro transformou em luta 
Cansado de ser infeliz 
A abolição se fez bem antes 
Ainda por se fazer agora 
Com a verdade das favelas 
Não com as mentiras da escola 
Ôh, Isabel chegou a hora 
De se acabar com essa maldade 
De ensinar pra nossos filhos 
O quanto custa a liberdade 
Viva Zumbi nosso guerreiro 
Que fez-se herói lá em Palmares 
Viva cultura desse povo 
A liberdade verdadeira 
Que corria nos Quilombos 
Que já jogava capoeira 
Iê viva meu Deus 
Iê viva Zumbi 
Iê viva Palmares 
Iê a capoeira 
Iê o berimbau 
Iê jogo de angola 
 
(Mestre Toni Vargas) 
 
 
“Nós temos a lei e eu sei ter vontade.” 
 
(Luiz Gama) 
 
5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A minha família. 
Por todo amor e esforços 
dedicados a minha 
formação. 
6 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Fundamental é mesmo o amor 
É impossível ser feliz sozinho 
(Tom Jobim) 
 
Gratidão. Esta é a palavra. Publico aqui minha sincera gratidão aos muitos e muitas co-
responsáveis por este trabalho! 
Das Utopias 
Se as coisas são inatingíveis... ora! 
não é motivo para não querê-las... 
Que tristes os caminhos, se não fora 
a mágica presença das estrelas! 
(Mario Quintana) 
 
É com muito amor e felicidade que compartilho esta conquista com toda minha família, 
companheiros do Serviço de Apoio Jurídico da UFBA - SAJU, companheiros do Movimento 
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto da Bahia – MSTB, queridos funcionários da 
FDUFBA, e todas as inúmeras pessoas lindas e amigas que a vida colocou em meu caminho! 
 
Meus amigos quando me dão a mão sempre deixam outra coisa 
presença, olhar, lembrança, calor. Meu amigos 
quando me dão, deixam na minha a sua mão. 
(Paulo Leminski) 
 
É dispensável citar nomes... Por cada sorriso, cada abraço e por todas as demonstrações de 
amor, apoio, confiança, carinho e torcida que recebi ao longo da graduação e durante a 
produção desta monografia, MUITO OBRIGADA! 
Guardar 
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. 
Em cofre não se guarda coisa alguma. 
Em cofre perde-se a coisa à vista. 
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por 
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. 
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por 
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, 
isto é, estar por ela ou ser por ela. 
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro 
Do que de um pássaro sem vôos. 
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, 
por isso se declara e declama um poema: 
Para guardá-lo: 
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: 
Guarde o que quer que guarda um poema: 
Por isso o lance do poema: 
Por guardar-se o que se quer guardar. 
(Antonio Cicero) 
 
Guardo vocês no meu coração! 
“Gracias a la vida, que me ha dado tanto...” (Violeta Parra) 
7 
 
 
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES, TABELAS E 
DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
 
 
A. Ilustrações 
 
 
Figura 1 Estátua de Zumbi dos Palmares localizada na Praça da Sé, Salvador-Bahia 18 
 
Figura 
 
2 
 
Anúncio em jornal da época sobre fuga de cativo 
 
21 
 
Figura 
 
3 
 
Fragmento de petição inicial de ação de liberdade ajuizada em 1883, no estado de 
Pernambuco. 
 
 
33 
 
Figura 
 
4 
 
Luiz Gama 
 
38 
 
Figura 
 
5 
 
Castigo de Escravos (Mordaça) 
 
52 
 
Figura 
 
6 
 
Estátua de Esperança Garcia escrevendo a petição que enviaria ao governador do 
Piauí. Localizada no Centro de Artesanato Mestre Dezinho, Teresina-Piauí 
 
 
59 
Figura 7 Sankofa (Ideograma Adinkra) 73 
 
 
 
B. Tabelas 
 
Tabela 1 Período das ações de liberdade de escravos no tribunal de Campinas 35 
 
Tabela 
 
2 
 
Distribuição dos presos na cadeia do Aljube em 1842 (cadeia destinada a 
escravos) 
 
 
65 
 
 
 
 
C. Abreviaturas e Siglas 
 
APB Arquivo Público do Estado da Bahia 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
RESUMO 
 
 
 
Trata-se de estudo monográfico de conclusão de curso de formação jurídica, versando sobre a 
ocorrência das Ações Cíveis de Liberdade na História do Direito no Brasil. Como ponto de 
partida, é apresentada uma análise geral que considera as limitações da abordagem tradicional 
da História do Direito no Brasil em razão do formalismo e da dogmática jurídica. Desta 
forma, constata-se a existência de lacuna na historiografia jurídica nacional quanto ao estudo 
das possibilidades de relações existentes entre o Direito e os negros escravizados. Como 
alternativa para superação desta realidade, é sustentada a importância da concepção 
transdisciplinar do fenômeno jurídico, tendo em vista as contribuições daí decorrentes para a 
compreensão dos conflitos sociais. Assim, são exploradas as relações históricas entre o 
Direito e as diversas reações escravas frente à privação da liberdade imposta pelo sistema 
escravista. Neste sentido, este trabalho aborda as ações cíveis de liberdade, verificadas ao 
longo do século XIX, enquanto importante capítulo da História do Direito nacional. Por meio 
de pesquisa bibliográfica, constata-se a existência de histórias de cativos que recorreram à 
justiça para satisfação de direitos. No mesmo sentido, como resultado da pesquisa 
documental, é apresentado estudo de caso referente à ação de liberdade ajuizada por uma 
cativa, no ano de 1849, na cidade de Salvador/Bahia. Por fim, são apresentadas as conclusões 
e possibilidades de desdobramento do tema abordado pelo trabalho. 
 
 
Palavras-chave: Direito e Escravidão no Brasil; Ações Cíveis de Liberdade; História do 
Direito. 
 
RESUMEN 
 
 
Se trata de un estudio monográfico de conclusión de curso de formación jurídica, versando 
sobre la ocurrencia de las acciones civiles de libertad en la Historia del Derecho en Brasil. 
Como punto de partida es presentado un análisis general que constata las limitaciones del 
abordaje tradicional de la historia del Derecho en Brasil en virtud del formalismo y de la 
dogmática jurídica. De esta manera, es constatada la existencia de una laguna en la 
historiografía jurídica nacional enrelación al estudio de las posibilidades de relaciones 
existentes entre el Derecho y los negros esclavizados en Brasil. Como alternativa para la 
superación de esta realidad, se sustenta la importancia del abordaje interdisciplinar del 
fenómeno jurídico, teniendo en vista las contribuciones de ahí decurrentes para la 
comprensión de los conflictos sociales. En ese sentido, son analizadas las relaciones entre el 
derecho y las diversas reacciones esclavas frente a la privatización de la libertad impuesta por 
el sistema esclavista. Así, este trabajo visa abordar las acciones civiles de libertad ajuiciadas a 
lo largo del siglo XIX, mientras sea el capítulo integrante de la historia del derecho nacional. 
A través de investigación bibliográfica y documental, se constata la existencia de historias de 
esclavos que recurrieron a la justicia para la satisfacción de sus derechos siendo presentado un 
estudio de caso referente a una acción de libertad presentada por una esclava en el año de 
1849, en la ciudad de Salvador/Bahia. Finalmente, son presentadas las conclusiones y 
posibilidades de despliegue del tema abordado en el referido trabajo. 
 
Palabras clave: Derecho y Esclavitud en Brasil; Acciones Civiles de Libertad; Historia del 
Derecho. 
9 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
 
 
Introdução 09 
Capítulo 1: Ações de Liberdade 15 
1.1 Notas sobre Escravidão e Resistência no Brasil 15 
1.2 Ações Cíveis de Liberdade na História do Direito. 23 
1.2.1 Fundamentos jurídicos 27 
1.2.2 Ocorrência geográfica 34 
1.2.3 Luiz Gama: um representante da liberdade 38 
Capítulo 2: Direito e Escravidão Negra no Brasil Imperial 40 
2.1 A Constituição de 1824 e os não cidadãos brasileiros 40 
2.2 A res incapaz: coisificação do escravizado face à legislação civil no Brasil Império 45 
2.3 Negros e negras escravizados e a legislação penal do Império 48 
Capítulo 3: Histórias de Direitos 54 
3.1 Surge Esperança: a primeira cativa a peticionar 56 
3.2 Eva Maria do Bonsucesso, o caso da cabra e a justiça 60 
3.3 Anacleta e os caminhos da ação de liberdade: um estudo alargado de caso 61 
Conclusão 71 
Referências 74 
 
 
 
 
9 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
A práxis sócio-política revela que o 
Direito nasce das lutas sociais, do desejo 
permanente de libertação. Manifesta-se 
pois ao longo da história, como 
liberdade conquistada em permanente 
transformação. É processo, em devir, no 
processo histórico.1 
 
 
O presente trabalho tem o propósito de analisar a ocorrência das ações cíveis de liberdade na 
história do direito no Brasil. A partir da abordagem transdisciplinar do fenômeno jurídico, 
visando estabelecer o diálogo entre o Direito e a História, foi desenvolvida pesquisa 
bibliográfica e documental. Com o objetivo de verificar empiricamente a ocorrência e 
compreender o contexto em que estão inseridas estas ações, foi consultado o acervo judiciário 
do Arquivo Público do Estado da Bahia. A pesquisa documental é referente à análise das 
informações contidas nos autos de uma ação de liberdade ajuizada na comarca de 
Salvador/Bahia, no ano de 1849, por uma escravizada que buscava a obtenção da liberdade 
por meio judicial. 
 
A história denomina ações de liberdade àquelas demandas judiciais por meio das quais os 
cativos buscavam adquirir a condição jurídica de libertos, à revelia da vontade senhorial. 
Figurando como autores destas ações, as negras e negros escravizados eram representados por 
um curador responsável por defender o pleito relativo à alforria. No outro pólo da relação 
processual estava o senhor que, face à pretensão de liberdade, opunha o seu direito de 
propriedade sobre o escravizado. Os estudos sobre o tema, recorrentes no âmbito da ciência 
da história, demonstram que o período onde se verifica a ocorrência destas relações 
processuais está compreendido entre o final do século XVIII e o século XIX.2 
 
No âmbito do Direito, a tradição jurídica não privilegia as investigações sobre o capítulo da 
História do Direito referente à resistência escrava ao cativeiro através das disputas jurídicas 
 
1 SANT'ANNA, Alayde. Por uma teoria jurídica da libertação. pp.27-28 In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo de 
(org.). O direito achado na rua. 3.ed. Brasília: UnB, 1990, p. 27. 
2 Cf.: AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo na 
segunda metade do século XIX. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003; CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma 
história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; SILVA, 
Ricardo Tadeu Caires. Os escravos vão à justiça: a resistência escrava através das ações de liberdade. 
Bahia, século XIX. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas, 
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2000. 
10 
 
 
por libertação. Via de regra, a abordagem feita pela historiografia jurídica nacional a cerca do 
período da escravidão no Brasil se limita ao estudo da legislação vigente. Através desta 
concepção legalista do Direito não é considerada relevante a análise do papel assumido pelos 
escravizados3 enquanto agentes ativos frente ao ordenamento jurídico vigente. 
 
A ausência de estudos sobre o tema está relacionada à construção dogmática do nosso saber 
jurídico, marcada pelo apego ao formalismo e busca por pureza metodológica. Assim, as 
pesquisas jurídicas se restringem à investigação de fontes internas, considerando as leis e os 
códigos como principais fonte do direito. Desta realidade decorre o isolamento 
epistemológico do campo do Direito no âmbito das ciências humanas e sociais, terminando 
por afastar, e por vezes excluir, da análise jurídica dos conflitos sociais as contribuições de 
outras áreas das ciências humanas.4 
 
Michel Miaille aponta para necessidade de superação do idealismo metodológico e da 
fragmentação de saberes imposta pelo positivismo jurídico. Na sua Introdução Crítica ao 
Direito, o autor aponta a importância da transdicisplinaridade, ou seja, a quebra de fronteiras 
entre as disciplinas com o intuito de abrir novas hipóteses científicas e redefinir o objeto de 
estudo do Direito para além das regras jurídicas. Para tanto, para a superação deste obstáculo 
epistemológico e conseqüente construção de uma ciência jurídica atenta à realidade social, o 
autor propõe a compreensão da existência de um “continente científico” do qual fariam parte 
todas aquelas ciências que estudam as sociedades e suas transformações ao longo da história: 
 
Ora o que eu me proponho mostrar é que direito e economia, mas 
também política e sociologia, pertencem a um mesmo continente, 
estão dependentes da mesma teoria, a da história. É que direito e 
economia podem ser reportados ao mesmo sistema de referências 
científicas. Para admitir esta nova perspectiva é necessário abandonar 
o mito da divisão natural do saber. Este mito não é de papel: é um 
obstáculo, na medida em que é preciso forçá-lo, a fim de se conseguir 
obter os meios de traçar um caminho científico. 
Resumamos as conclusões às quais chegamos agora. Para desenvolver 
um estudo científico do direito, temos de forçar três obstáculos tanto 
mais sólidos quanto mais naturais parecem: a aparente transparência 
 
3 Neste trabalho, adotamos o termo escravizado em lugar de escravo, por considerar que a privação da liberdade 
não constitui condição natural e inerente a nenhum ser humano. Os homens e mulheres submetidos ao 
trabalho escravo no Brasil, não nasceram sob esta condição, foram submetidos a ela. De igual modo, 
acreditamos que o termo escravo, consagrado pelo senso comum, reproduz um estigma de passividade e 
sofrimento. 
4 GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza. (Re)pensando a pesquisa jurídica. Belo Horizonte:DelRey, 2006, pp. 27-
30. 
11 
 
 
do objeto de estudo, o idealismo tradicional da análise jurídica, a 
convicção, finalmente, de que uma ciência não adquire o seu estatuto 
senão isolando-se de todos os outros estudos.5 
 
Fato é que, no Brasil, o campo do Direito permanece isolado das outras ciências sociais. Tal 
posição termina por afastar o Direito daquela realidade mesma à qual ele se propõe regular, 
visto que a limitada concepção jurídica tradicional desconsidera as peculiaridades histórico-
sociais que conformam a sociedade. Este isolamento epistemológico revela-se ainda mais 
prejudicial diante da constatação de que a construção do pensamento jurídico brasileiro está 
diretamente vinculada às tensões sociais que marcam a história do Brasil. Ao manter os muros 
que o separam de outras disciplinas sociais, como a História, a ciência jurídica termina por 
não dialogar com a sua própria história, ocultando assim o seu caráter dinâmico e as 
conseqüentes possibilidades de transformação científica. 
 
Por outro lado, quando o Direito se debruça sobre a sua história, o faz a partir de abordagens 
legalistas, incapazes de dar conta da complexidade das relações jurídico-sociais desenvolvidas 
no Brasil. Antonio Carlos Wolkmer, ao analisar a História do Direito no Brasil, sintetiza 
algumas características da historiografia jurídica tradicional: 
 
Na trajetória da cultura jurídica moderna há consenso de que áreas de 
investigação, como História do Direito, História das Instituições 
Jurídicas e História das Idéias ou do Pensamento Jurídico, estão todas 
identificadas, ora com um saber formalista, abstrato e erudito, ora com 
uma verdade extraída de grandes textos legislativos, interpretações 
exegéticas de magistrados, formulações herméticas de jusfilósofos e 
institutos arcaicos e burocratizados.6 
 
 
O isolamento epistemológico do campo jurídico em meio às outras ciências sociais contribui 
para a inexistência do diálogo entre o Direito e disciplinas como a história. Ao restringir a 
compreensão da realidade aos aspectos jurídicos, a ciência do direito termina por limitar a sua 
análise dos fenômenos sociais. Por não dialogar com a dimensão histórica inerente aos fatos 
sociais, o Direito termina por não dialogar satisfatoriamente com a sua própria história. Dessa 
constatação resulta ainda mais relevante o pensamento de Miaille quanto à importância da 
transdisciplinariedade no estudo do Direito com especial atenção à sua análise desde o ponto 
de vista histórico. 
 
5 MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, pp. 61-62. 
6 WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.18. 
12 
 
 
 
Tais características do pensamento jurídico brasileiro estão relacionadas ao passado colonial 
do país. O caráter exploratório da relação desenvolvida por Portugal em relação a colônia 
brasileira determinou que as medidas e incentivos dispensados à esta última se limitassem 
àqueles necessários a manutenção de uma ordem política e econômica favorável aos 
interesses comerciais lusitanos. Os incentivos culturais necessários à formação de uma 
intelectualidade local somente começam a ser iniciados após a chegada da família real 
portuguesa ao Brasil em 1808. Desta forma, com o intuito de adequar a colônia às 
necessidades da corte, D. João, então Rei de Portugal, adota diversas medidas, a exemplo da 
inauguração da Faculdade de Medicina da Bahia e da cadeira de Artes Militares, no Rio de 
Janeiro. 
 
Neste contexto, por muitos anos, o acesso ao ensino superior era privilégio dos integrantes da 
elite colonial que viajavam à Europa, principalmente para a Universidade de Coimbra, para 
realização dos estudos superiores, sobretudo na área jurídica. Quanto à ordem jurídica 
portuguesa neste período, vale salientar que entre final do século XVIII e início do século 
XIX a Europa estava mergulhada nos ares iluministas e vivia a renovação das instituições 
jurídicas. Ao analisar a história do direito privado, R. C. van Caenegem, aponta a dificuldade 
de aplicação prática das críticas liberais para a superação da antiga tradição jurídico-política: 
“'liberdade' e 'igualdade' eram, portanto, exigências essenciais tanto nos programas políticos 
dos déspotas esclarecidos quanto na Revolução Francesa”. 7 
 
No Brasil, os bacharéis passaram a desempenhar relevante papel na vida econômica e política 
do país na medida em que adquiriam o status necessário à ocupação dos cargos públicos, 
consolidando-se enquanto elite cultural e dirigente. Tal fenômeno, conhecido como 
bacharelismo8 irá possibilitar que os bacharéis assumam posição de protagonistas na 
estruturação do Estado, perpetuando sua influência ao longo dos diversos períodos históricos 
nacionais. O avanço do bacharelismo possibilitou a criação de um ambiente político onde os 
ideais iluministas eram divulgados através da atividade acadêmica que ganhava vida. Ao 
ocuparem espaços estratégicos, como a imprensa da época, os bacharéis disseminavam 
críticas liberais à ordem vigente. 
 
 
7 CAENEGEM, R. C. Van. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 
118. 
8 WOLKMER, op. cit., pp. 378-384. 
13 
 
 
A instituição dos cursos jurídicos no país somente terá origem após a Proclamação da 
República, quando o imperador Dom Pedro I sanciona a Carta de Lei de 11.08.1827 que 
previa a criação dos primeiros dois cursos de ciências jurídicas e sociais, sendo um em São 
Paulo, e outro em Recife. Cumpre salientar que a disciplina relativa à análise histórica do 
Direito não foi privilegiada quando da conformação do conteúdo dos primeiros cursos 
jurídicos no país. Somente em 1891, com a Reforma Benjamim Constante, foi criada a 
cadeira de História do Direito Nacional. Ainda hoje a disciplina continua preterida no 
currículo de diversas universidades. 
 
Wolkmer afirma que a criação dos cursos de Direito no Brasil atendeu às exigências das 
elites, sucessoras da dominação colonizadora, que visavam concretizar a independência 
político-cultural e consolidar-se como camada burocrático-administrativa responsável por 
gerenciar o país.9 Neste sentido, o autor considera a peculiaridade do liberalismo brasileiro, 
que se apresenta como “a forma cabocla do liberalismo anglo-saxão que em vez de 
identificar-se com a liberação de uma ordem absolutista, preocupava-se com a necessidade de 
ordenação do poder nacional”10. Os contornos desta concepção paradoxa que o liberalismo 
assumiu no Brasil irão ser refletidos na manutenção da escravidão e no conteúdo das leis que 
serão editadas durante o Império. 
 
A análise do cenário apresentado aponta para a necessidade de superação do isolamento 
epistemológico do saber jurídico, bem como do formalismo dogmático e dos limites daí 
decorrentes para o Direito. A partir do estudo das ações de liberdade através da abordagem 
transdisciplinar defendida por Michel Miaille, ao logo deste trabalho serão apresentados 
pontos de aproximação entre a História e o Direito, capazes contribuir para releituras críticas 
da história do direito no brasil. Para tanto, a presente monografia está divida em 3 capítulos. 
 
Para a melhor compreensão do tema, o primeiro capítulo pontua aspectos sobre a escravidão 
no Brasil e a participação do Estado no sentido de legitimar este processo. A abordagem é 
pautada na demonstração das reações de resistência daqueles submetidos à condição escrava. 
Dentre as diversas manifestações da insurgência dos escravizados, são apresentadas notas 
sobre os quilombos, realidade verificada desde o século XVI, chegando à apresentação da 
 
9 Ibidem, p.67. 
10 TRINDADE, Hélgio. Bases da Democracia Brasileira: Lógica Liberal e Práxis Autoritária (1822-1945) 
Apud WOLKMER,2003,op cit, p.65. 
14 
 
 
resistência escrava através das ações de liberdade, noticiadas desde final do século XVIII. A 
opção por analisar as ações de liberdade, núcleo central deste trabalho, já no primeiro 
capítulo, decorre da necessidade de apresentar o tema ao leitor, tendo em vista que o assunto é 
pouco explorado pelo direito. Neste sentido, são apresentados aspectos relativos ao 
procedimento, ocorrência e fundamentos jurídicos destas ações. 
 
O segundo capítulo buscará traçar panorama crítico referente ao tratamento da escravidão 
dispensado pela legislação do Brasil Império. Neste estudo serão apresentados os contextos de 
surgimentos destas leis e os debates suscitados em razão do avanço das idéias abolicionistas. 
A abordagem feita quanto à condição jurídica do escravizado frente à legislação contribui para 
o melhor entendimento do cenário jurídico e das dificuldades enfrentadas por aqueles que 
buscavam o auxílio da justiça para obter o estatuto de liberto. 
 
No terceiro capítulo são apresentados os resultados das pesquisas documental e bibliográfica. 
Inicialmente, constatamos a ausência da análise das ações de liberdade na historiografia 
jurídica nacional. Em seguida são apresentadas histórias que demonstram as relações 
históricas dos cativos com a justiça. Como resultado da pesquisa documental, analisamos a 
ação de liberdade ajuizada em Salvador, no ano de 1849, em favor da escravizada Anacleta. 
Por fim, apresentamos conclusões, questionamentos e desdobramentos estimulados pela 
pesquisa realizada para a elaboração do trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
AÇÕES DE LIBERDADE 
 
Há sempre, direitos, além e acima das 
leis, até contra elas, como o direito de 
resistência, que nenhum 
constitucionalista, mesmo reacionário, 
poderá desconhecer […]11 
 
 
As análises desenvolvidas neste capítulo são decorrentes da necessidade de contribuir com o 
pensamento crítico do Direito, através da superação de uma lacuna da história jurídica 
nacional. Aqui, nos referimos à ausência de estudos que considerem as ações de liberdade 
enquanto relevante manifestação da resistência escrava na História do Direito. 
Tradicionalmente, a abordagem da escravidão pelo direito gravita em torno de inúmeras leis, 
decretos e outras normas surgidas no intuito de regular o sistema escravista no Brasil. Ao 
longo de todo o século XIX, o Estado brasileiro atuou como representante da elite dominante 
e esteve envolvido na busca por mecanismos para reprimir as rebeliões escravas. 
 
Tendo em vista o arcabouço construído para a manutenção deste status quo, faz-se necessária 
análise cuidadosa das relações existentes entre Direito e escravidão no Brasil. Isto porque, 
caso o negro escravizado atuasse como mero espectador do processo, sujeito passivo no 
sistema escravista, não haveria necessidade de atividade legislativa tão intensa no sentido de 
coibir e punir a população de cativos. O rigor com que foi conduzida a repressão às 
insurreições de escravizados, sugere que a reação exercida em sentido contrário, aquela que 
ansiava por liberdade, era real e igualmente intensa, dinâmica e criativa. 
 
1.1 Notas sobre escravidão e resistência no Brasil 
 
A primeira manifestação do escravismo no Brasil deu-se contra os povos que aqui se 
encontravam quando da chegada dos portugueses em 1500. No caso dos habitantes originários 
das terras de Santa Cruz, posteriormente denominados indígenas pelo dominante europeu, a 
exemplo do que ocorreu na América Espanhola, reduzi-los à escravidão foi o primeiro recurso 
 
11 LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar direito, hoje? In: SOUZA JÚNIOR, op. cit., p. 22. 
16 
 
 
empregado por Portugal para garantir a mão de obra necessária à exploração do território 
recém conquistado. E, mais que isso, a intervenção subjugadora do branco europeu era 
justificada pela necessidade de salvar, através da fé católica, os que aqui habitavam. Neste 
sentido, esta população foi submetida à catequese desenvolvida pelas missões jesuíticas. 
 
Perdigão Malheiros dedica ao estudo da escravidão do índio o volume dois do seu ensaio 
jurídico social sobre a escravidão no Brasil e afirma que “o governo reconhecia e legalizava 
assim com a sua autoridade soberana e onipotente o fato abusivo e odioso da escravidão dos 
Indígenas; e, longe de reprovar e punir, quase se diria que o acoroçoava” 12. A referida prática 
era ainda legitimada pelas leis da época13 que, em reconhecimento ao “direito do vencedor” 
permitia que os índios fossem escravizados. Neste sentido, em 06 de janeiro de 1574, visando 
regular a escravidão indígena foi decidido. 
 
1.° que seria legítima a escravidão do índio aprisionado em guerra 
manifestamente lícita; entendendo-se por tal a que fosse feita pelos 
Governadores segundo os seus Regimentos, ou a que ocasionalmente se 
vissem os Capitães forçados a fazer, precedendo resolução com voto dos 
Oficiais da Câmara e outras pessoas experientes, dos Padres da Companhia, 
do Vigário, e do Provedor da Fazenda, de que se deveria lavrar auto; 
2.°, que também se reputaria legitimamente cativo o índio que, maior de 21 
anos e escravo de outros índios, preferisse ser escravo de cristão; 
3.°, que o resgate não era aplicável ao índio manso; o qual não podia 
portanto ser por tal título reduzido a cativeiro; exceto se, fugindo da aldeia 
para o sertão, estivesse ausente mais de um ano. [...].14 
 
Ocorre que, a super exploração desta mão de obra na extração do pau brasil e posteriormente 
no trabalho nas lavouras de cana de açúcar, aliado aos maus tratos e atrocidades cometidos 
pelos colonos à estes trabalhadores, suscitou o acirramento dos conflitos entre portugueses e 
os grupos indígenas, ameaçando a estabilidade da estrutura econômica que, conforme 
anteriormente exposto, estava assentada sobre o labor nativo. Por outro lado, a crise de mão 
de obra era acentuada pelo aumento do número de fugas15 daqueles que não mais queriam se 
submeter às condições impostas e, para tanto, tinham a seu favor o conhecimento do território 
- que lhe pertencia. Some-se ainda a proliferação da varíola e de doenças venéreas trazidas 
 
12 MALHEIROS, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico social. v2. 
Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867. Fonte digital, transcrição para eBook: eBooks Brasil, 2008, p. 21. 
13 COLAÇO, Thais Luzia. O direito nas missões jesuíticas da América do Sul. pp. 317-348. In: WOLKMER, 
Antonio Carlos (Org.). Fundamentos de história do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. 
14 MALHEIROS,v2, op cit, pp.40-41. 
15 Sobre as fugas indígenas: “Um outro limite à liberdade do indígena reduzido era a proibição de andarem a 
cavalo, dificultando assim a sua mobilidade, impedindo que se afastassem das reduções”. COLAÇO, op cit., 
p. 338. 
17 
 
 
pelo branco europeu, que dizimou grande parte desta população nativa. 
 
Neste contexto, são formadas as condições que ensejarão que o tráfico negreiro seja a fórmula 
escolhida para proceder à substituição da mão de obra na recém conformada colônia 
portuguesa. Neste contexto, o alvará de 29 de março de 1559 oficializa a permissão para que 
os senhores de engenhos importassem africanos de S. Tomé, com licença do Governador 
Geral. 
 
Neste ponto, cumpre apresentar a contribuição de Flávia Lages de Castro ao explicar que a 
escravidão na África negra já era praticada antes da chegada dos portugueses, porém, 
apresentava feição diversa ao modelo desenvolvido pelo europeu por não apresentar cunho 
mercantil, sendo reservada àqueles que eram capturados em guerras e disputas entre grupos 
locais e passavam a ser submetidos ao trabalho forçado. Ocorre que, com a investida do 
tráfico negreiro patrocinado pelo Estado português, tais relações conflituosas foram acirradas,levando ao extermínio de diversos grupos que eram mais vulneráveis naquelas sociedades.16 
 
Violentamente arrancados do seu continente, dos seus laços sociais e afetivos, os negros são 
embarcados em navios negreiros para serem submetidos ao trabalho escravo no Brasil, país de 
costumes, idioma e território até então desconhecidos. E assim, o tráfico passa a ser a fonte 
originária da escravidão do negro no Brasil, sendo que a outra maneira de torna-se 
escravizado decorria do nascimento em terras brasileiras, evento que transmitia tal condição 
aos filhos e filhas de mulheres escravizadas. 
 
Agostinho Perdigão M. Malheiros, ao estudar a regulamentação legal do sistema escravista no 
Brasil, no volume 1 do seu clássico A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social, 
escrito em 1866, não pôde se omitir à mencionar a ocorrência de levantes, insurreições e 
quilombos que marcaram a resistência escrava no Brasil. Tal fato merece relevância se 
considerarmos que o referido jurista, integrante do Instituto dos Advogados do Brasil, 
fundado em 1843, iria ser um dos opositores à Lei do Ventre Livre em 1870. 
 
Sobre as reações de resistência dos escravizados, Perdigão Malheiros irá destacar que as fugas 
eram recorrentes e que na busca por liberdade muitos deles abandonavam a casa dos senhores 
 
16 CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e Brasil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 
p.387. 
18 
 
 
e se refugiavam nas matas, assumindo os perigos e privações que esta opção acarretava.17 
Neste sentido, destaca que a reunião destes negros foragidos resultava na formação de 
organizações conhecidas como quilombos ou mocambos. Ressalta ainda o autor que devido à 
vastidão das matas, a natureza funcionou como aliada à esta estratégia de resistência. 
Malheiros expõe de forma sucinta como se dava a organização dos quilombos: 
 
Essas reuniões foram denominadas quilombos ou mocambos; e os escravos 
assim fugidos (fossem em grande ou pequeno número) quilombolas ou 
calhambolas — No Brasil tem sido isto fácil aos escravos em razão de sua 
extensão territorial e densas matas, conquanto procurem eles sempre a 
proximidade dos povoados para puderem prover às suas necessidades, ainda 
por via do latrocínio. É alheio do nosso 
propósito atual dar notícia mais minuciosa; é, porém, por demais notável o 
quilombo dos Palmares, para que deixemos de mencioná-lo.18 
 
 
Figura 1: Estátua de Zumbi dos Palmares localizada na Praça da Sé, Salvador-Bahia.19 
Fonte: Arquivo pessoal da autora 
 
 
17 MALHEIROS, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico social. v.1. 
Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1867. Fonte digital, transcrição para eBook: eBooks Brasil, 2008, p.27. 
18 Ibidem. 
19 “Apesar da reconhecida importância de Zumbi dos Palmares para a história da resistência do povo negro e, 
em última análise do povo brasileiro, somente no dia 30 de maio de 2008 foi inaugurado na Praça da Sé 
(Centro Histórico de Salvador) um monumento em homenagem à memória do guerreiro. Em contrapartida, 
ao longo da cidade de Salvador encontramos diversos monumentos reverenciando os ‘heróis’ da história 
oficial brasileira, a exemplo do monumento em homenagem aos ‘Heróis de Canudos’ que homenageia 
aqueles responsáveis pelo massacre de milhares de homens, mulheres, idosos e crianças que participaram do 
Movimento de Canudos, considerado por muitos historiadores como o último quilombo da Bahia, em razão 
da elevada concentração de pessoas negras e pobres.” SÁ, Gabriela Barretto de. As cores da cidade: uma 
análise do racismo ambiental na ocupação urbana de Salvador. Salvador, 2008. 
19 
 
 
 
A abordagem de Perdigão Malheiros nos revela a preocupação de toda a sociedade escravista 
frente às organizações quilombolas. Tendo em vista o caráter simbólico que revestia estes 
focos de resistência, por representar mau exemplo para os cativos. Os quilombos significavam 
ainda prejuízos econômicos aos senhores, pela perda da propriedade do negro fugido. 
 
Quanto ao Quilombo de Palmares, citado por Malheiros por ser demais notável, merece nossa 
atenção em virtude de ter existido durante aproximadamente um século: 1595-1695, resistindo 
a diversos ataques escravistas. Abdias do Nascimento defende que, com população estimada 
de trinta mil rebeldes africanos, entre homens e mulheres, os palmarinos estabeleceram o 
primeiro governo de africanos livres nas terras do Novo Mundo, constituindo a República de 
Palmares, um verdadeiro Estado Africano em terras brasileiras, na região onde atualmente é o 
estado de Alagoas.20 Cumpre salientar ainda que Zumbi, o último Rei de Palmares, de origem 
banto, tornou-se referência de resistência negra, sendo que no dia 20 de novembro, atribuído à 
sua morte, se celebra contemporaneamente o Dia da Consciência Negra. Ressaltando a 
importância e a organização sócio-econômica e política dos Palmares, Nascimento afirma: 
 
A República dos Palmares, com sua enorme população relativamente à 
época, dominou uma área territorial de mais ou menos um terço do tamanho 
de Portugal. Essa terra pertencia a todos os palmarinos, e o resultado do 
trabalho coletivo também era propriedade comum. Os autolibertos africanos 
plantavam e colhiam uma produção agrícola diversificada, diferente da 
monocultura vigente na colônia; permutavam os frutos agrícolas com seus 
vizinhos brancos e indígenas. Eficientemente organizados, tanto social 
quanto politicamente, em sua maneira africana tradicional, foram também 
altamente qualificados na arte da guerra. 
Palmares pôs em questão a estrutura colonial inteira: o exército, o sistema de 
posse da terra dos patriarcas portugueses, ou seja, o latifúndio, assim como 
desafiou o poder todo poderoso da Igreja católica. Resistiu a cerca de 27 
guerras de destruição lançadas pelos portugueses e holandeses que invadiram 
e ocuparam por longo tempo o território pernambucano.21 
 
Assim, configurados os mocambos como um ameaça real à estrutura escravista da sociedade, 
os senhores de engenho organizavam diversas buscas para reprimir e destruir estas 
organizações. A ameaça à paz social advinda das organizações quilombolas tornou urgente a 
necessidade de conter o fortalecimento dos quilombos, levando o Estado a intervir através da 
criação de leis que legitimavam o surgimento da figura do capitão do mato. Sobre a atuação 
deste personagem, Malheiros destaca que lhes era determinado que marcassem com ferro 
 
20 NASCIMENTO, Abdias do. O Quilombismo. 2ªed. Brasília/Rio de Janeiro: Fundação Palmares/OR Editor 
Produtor Editor, 2002, p.57. 
21 Ibidem. 
20 
 
 
quente a letra F àqueles fugitivos que pela primeira vez fossem capturados. Quando, porém, 
fosse a segunda apreensão do escravizado, deveria ser-lhe cortada a orelha, tão logo fosse 
apreendido, independente de processo judicial, por simples mandado do Juiz. O Regimento 
dos capitães do mato, de 1724, previa ainda que fosse atribuído o prêmio de 20 oitavas de 
ouro por cada negro capturado.22 Sobre a “institucionalização” dos caçadores de trabalhadores 
escravizados fugidos: 
 
No Brasil, a destruição de quilombos maiores exigia a organização de 
expedições, onerosas paras as populações que sofriam exações 
extraordinárias. Foi criada a categoria de homens do mato, que se regulava 
por regimentos especiais e tinha hierarquia própria: soldado, cabo, capitão, 
sargento-mor e capitão-mor do mato. A partir do posto de capitão do mato 
era preciso obter uma patente concedida pela autoridade pública.23 
 
Dessa forma, buscando reprimir a resistência dos quilombos, várias foram as legislações 
estaduais que ressaltavam o caráter criminoso destes agrupamentos. O regimento aprovado 
pela Câmara de São Paulo em 1773, definia por quilombo o juntamento de 4 negros ou maisque viviam no mato e tinham como objetivo atuarem em roubos e homicídios.24 Deste modo, 
nos deparamos com o fenômeno da criminalização dos quilombos. Quer dizer, vítimas de uma 
ordem social perversa, sujeitos a excesso de trabalho, castigos e maus tratos, são considerados 
criminosos pelo poder público quando tentam, na medida das suas forças, transgredir a ordem 
vigente. Diante da existência de todo um aparato repressor para punir as tentativas de 
libertação, os cativos buscam novos caminhos para tentar garantir o seu direito a liberdade. 
 
Cumpre salientar que na sociedade escravocrata do Brasil independente a escravidão era 
regida pela norma da perpetuidade, assim, uma vez que o indivíduo encontrava-se submetido 
ao trabalho escravo, tal situação só teria termo, do ponto de vista jurídico, com a ocorrência 
de um destes eventos: a morte do trabalhador escravizado, a sua alforria ou disposição legal 
autorizando o fim do cativeiro.25 Arno Wehling explica que a perda da condição de 
escravizado em decorrência da morte obedecia à mesma regra que disciplinava a capacidade 
civil do homem livre, assim, retirado do mundo jurídico, suas relações deixavam de existir.26 
 
22 MALHEIROS, op. cit, v.1, p.27. 
23 GORENDER, O escravismo colonial. 6ªed. São Paulo: Ática, 2001. p. 60. 
24 FIABANI, Adelmir. Mato, Palhoça e Pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes 
(1532-2004). São Paulo: Expressão Popular, 2005, p.269. 
25 “A escravidão pode terminar; 1.º pela morte natural do escravo; 2.º pela manumissão ou alforria; 3.º por 
disposição da lei.” MALHEIROS, op. cit., v.1, p. 57. 
26 WEHLING, Arno. O escravo ante a lei civil e a lei penal no império (1822-1871), pp.388-407. In 
WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, 
21 
 
 
No caso específico daqueles submetidos ao trabalho escravo a liberdade post mortem vigorava 
ainda o entendimento derivado do direito natural segundo o qual se ao escravizado lhe “se 
fosse possível ressuscitar, seria como livre”.27 
 
Figura 2: Anúncio em jornal da época sobre fuga de cativo.28 Fonte: ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. FILHO, Walter 
Fraga. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 
2006, p. 120. 
 
No que tange à liberdade concedida por alforria (manumissão) a mesma poderia ser concedida 
por ato inter vivos ou mortis causa, por instrumento público ou particular. 
 
Por qualquer modo, pois, que a liberdade seja conferida ao escravo, solene 
ou não, direta ou indiretamente, expressa ou tacitamente ou mesmo em 
forma conjectural ou presumida, por atos entre vivos ou de última vontade, 
por escrito público, particular, ou ainda sem eles, a liberdade é 
legitimamente adquirida; e o escravo assim liberto entra na massa geral dos 
cidadãos, readquirindo a sua capacidade civil em toda a plenitude, como os 
demais cidadãos nacionais, ou estrangeiros. — Está entendido que, quando 
isto dizemos, é em tese, cujo desenvolvimento daremos em outros lugares; 
assim como quais os direitos políticos e civis dos libertos, e suas relações 
com os patronos. 
 
Os modos mais comuns no Brasil são: 1.º a carta, ainda que assinada 
somente pelo senhor ou por outrem a seu rogo, independente de 
testemunhas; 2.º o testamento ou codicilo; 3.º a pia batismal.29 
 
p.393. 
27 BREMEU, Padre. Univ. Jur. Trat. l.º tit. 6.º §1.º n.º 1. Apud MALHEIROS, op. cit., v,1, p. 169. 
28 Através da análise do referido anúncio observamos que a recompensa oferecida àqueles que apreendessem o 
cativo fugido, contribuía para que, dentre a parcela livre da sociedade, todos, em alguma medida, fizessem as 
vezes de capitães do mato. 
29 MALHEIROS, op. cit., v,1, p. 61. 
22 
 
 
 
O jurisconsulto Perdigão Malheiro nos conta ainda que, para a validade da relação jurídica 
que concedia a liberdade, era exigida a capacidade daquele que praticou o ato, sendo que 
seria decretada sua nulidade caso apresentasse vícios tais como a falsidade, o erro substancial, 
a ausência de vontade, a violência ou coação, a incapacidade do autor do ato, e outras 
hipóteses semelhantes.30 
 
Mas ainda aqui a lei favorece as liberdades. Assim, posto que falso o título, o 
testamento, por ex., se o herdeiro ou legatário libertou o escravo, não volta 
este ao cativeiro; há apenas lugar à indenização; se o erro não é essencial, 
igualmente; se o senhor é coagido, não pelo escravo, nem pelo povo, nas 
manumissões por modo não solene, era válida a manumissão, por Dir. Rom.; 
se o menor incapaz de libertar, exceto por justa causa, iludia, nem por isto 
deixava de ser valiosa a manumissão.31 
 
Por outro lado, o entendimento das Ordenações Filipinas que durante largo período estiveram 
vigentes no Brasil, era no sentido de restringir a liberdade concedida mediante a possibilidade 
de revogação das alforrias concedidas pelos senhores, caso aquele que foi beneficiado 
incorresse em ingratidão contra o seu benevolente senhor: 
 
As doações puras e simplesmente feitas sem alguma condição, ou causa 
passada, presente ou futura, tanto que são feitas por consentimento dos que 
as fazem, e aceitação daquelles, a que são feitas, ou do Tabelião, ou pessoa, 
que per Direito em seu nome pode aceitar, logo são firmes e perfeitas, de 
maneira que em tempo algum não podem ser revogadas. Porém, aquelles, a 
que forem feitas, forem ingratos contra os que lhas fizeram, com razão 
podem per elles as ditas doações ser revogadas por causa de ingratidão.32 
 
Adauto Damásio, ao estudar as alforrias e as ações de liberdade na primeira metade do século 
XIX, em Campinas, afirma que, ordinariamente, a concessão da carta de alforria era 
negociada entre o cativo e o proprietário. Desta constatação resulta que a carta de liberdade 
não era um direito formalmente assegurado ao escravizado, estando configurada como uma 
concessão do senhor, diretamente atrelada aos seus direitos de livre disposição sobre qualquer 
objeto de sua propriedade. Assim, através destas negociações os escravizados poderiam obter 
a alforria mediante o pagamento do valor da sua liberdade, ou seja, deveria pagar pela sua 
liberdade o mesmo preço que outro senhor pagaria para adquiri-lo como propriedade. Outras 
vezes, dos acordos entre senhor e cativos resultava a concessão de alforrias condicionadas à 
 
30 Ibidem, p. 62. 
31 Ibidem. 
32 CASTRO, op. cit., p. 386. 
23 
 
 
ocorrência de algum evento. Nestes casos, geralmente, a condição se relacionava com a 
previsão de concessão da alforria nos casos de morte do proprietário.33 
 
Neste sentido, verifica-se que aqueles libertos via testamento possuíam neste documento o 
registro da sua liberdade. No entanto, considerados os casos gerais, a lei da época não 
determinava obrigatório o registro em cartório da carta de alforria.34 Deste modo, os 
alforriados vivenciavam a precariedade do título obtido, já que não eram raros os casos em 
que a libertação destes sujeitos era questionada. Em benefício da economia escravista, era 
possível que ex-senhores, herdeiros do antigo senhor ou outro interessado, tentassem garantir 
a reescravização destes alforriados. 
 
1.2 Ações Cíveis de Liberdade na História do Direito 
 
Desde o final do século XVIII, a resistência ao cativeiro passou a assumir outras formas além 
das fugas e rebeliões coletivas. No contexto nacional, a disseminação das idéias iluministas e 
os apelos pela Independência, apontavam a necessidade de superação das estruturas coloniais. 
Assim, como alternativa aos abusos cometidos pelos proprietários, a busca da liberdade 
avança sobre as vias legais. Esta outra possibilidade de resistência escrava é proporcionadapelo ajuizamento de ações civis que buscavam a concessão ou o reconhecimento da condição 
de liberdade. 
 
Desse modo, ao longo do século XIX, as ações cíveis de liberdade são utilizadas como 
instrumento de defesa da aquisição e manutenção da alforria. Considerados não cidadãos pela 
Constituição de 1824 e coisificados pela legislação civil, os cativos, representados por rábulas 
ou advogados, passam a recorrer à tutela judicial do direito a liberdade. Através destas 
demandas, a população escrava demonstrava que, ainda que intuitivamente, se reconheciam 
enquanto sujeitos de direitos. Em especial, do direito que mais diretamente se relaciona 
àqueles que se encontram escravizados, o direito a liberdade. Assim, as ações cíveis pela 
liberdade passam a simbolizar novo instrumento de luta por direitos, estimulando os 
escravizados a protagonizarem um dos capítulos mais fascinantes e menos explorados pela 
História do Direito no Brasil. 
 
33 Cf: DAMÁSIO, Adauto. Alforrias e ações de liberdade em Campinas na primeira metade do século XIX. 
1995. 139f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade 
Estadual de Campinas, Campinas, 1995. 
34 Ibidem. p. 13. 
24 
 
 
 
A existência das ações de liberdade demonstra como o campo jurídico serviu de palco para 
disputas travadas entre senhores e escravizados. A partir destas ações, os embates entre o 
direito à propriedade e o direito à liberdade, passaram a estar submetidos a tutela legal. Os 
estudiosos do tema coincidem quanto à afirmação de que a ocorrência de tais ações foi 
favorecida em grande medida pela ausência de uma legislação civil codificada, o que garantia 
as brechas necessárias para possibilitar o resultado almejado com as ações de liberdade.35 
Deste modo, ao mesmo tempo em que legitima a escravidão a lei serve de terreno fértil para a 
contestação do sistema escravista. 
 
Além disso, diferindo do que ordinariamente ocorria nas outras ações judiciais que envolviam 
escravizados, nestas ações os cativos deixavam de figurar no pólo passivo da relação 
processual e apareciam como autores das ditas ações. Esta constatação revela a própria 
situação do negro escravizado no regime escravista a medida que, historicamente, não 
aceitaram a condição escrava de maneira passiva. Assim, através de insurreições individuais 
ou coletivas, lícitas ou ilícitas, assumiam os riscos e atuavam como sujeitos ativos e 
protagonistas dos rumos que poderiam tomar as suas próprias histórias. 
 
Flávio dos Santos Gomes, ao analisar os quilombos, mocambos e as comunidades de senzala 
do Rio de Janeiro ao longo do século XIX, apresenta panorama sobre as distintas correntes 
historiográficas que cuidam da análise das manifestações da resistência escrava. O autor 
destaca que até meados do século XX, predominaram as interpretações materialistas, 
influenciadas por idéias marxistas, que consideravam que as revoltas de cativos não 
representavam processo histórico em sentido próprio, capazes de intervir na realidade social, 
mas apenas subsídios ao processo econômico já em curso de desgaste social do escravismo.36 
Gomes afirma que, apesar de reconhecer a existência das insurgências escravas, esta 
concepção baseada numa perspectiva subordinada aos modelos teóricos estruturais, terminava 
por coisificar os escravizados que agiam em sentido contrário à escravidão. Assim o cativo 
segue sem ser reconhecido enquanto aquele capaz de forjar no dia-a-dia sua própria história, 
sendo fortalecidos mitos que consideravam que “o escravo, ao invés de sujeito, aparecia 
apenas como um guerreiro de lógica inexorável, com um único sentido histórico. O escravo 
 
35 Cf: AZEVEDO, op. cit.; CHALHOUB, op. cit.; SILVA, op. cit. 
36 GOMES, Flávio dos S. Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzala no Rio de Janeiro – 
século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. pp.24-25 
25 
 
 
'coisa-passivo' cedia vez ao escravo ' coisa-rebelde'.”37 
 
João José Reis e Eduardo Silva, ao analisarem a resistência negra no Brasil escravista, negam 
os estudos que atribuem à escravidão uma lógica determinista na qual os papéis 
desempenhados pelos escravizados somente poderiam oscilar entre aquele de vítima absoluta 
ou o seu extremo, de rebeldes e mártires. 
 
Os escravos não foram vítimas nem heróis o tempo todo, se situando na sua 
maioria e a maior parte do tempo numa zona de transição entre um e outro 
pólo. O escravo aparentemente acomodado e até submisso de um dia podia 
tornar-se o rebelde do dia seguinte, a depender da oportunidade e das 
circunstâncias. Vencidos no campo de batalha, o rebelde retornava ao 
trabalho disciplinado dos campos de cana ou café e a partir dali forcejava os 
limites da escravidão em negociações sem fim, às vezes bem, às vezes 
malsucedidas. Tais negociações, por outro lado, nada tiveram a ver com a 
vigência de relações harmoniosas, para alguns autores até idílicas, entre 
escravo e senhor. Só sugerimos que, ao lado da sempre presente violência, 
havia um espaço social que se tecia tanto de barganhas quanto de conflitos.38 
 
E é justamente a partir desta concepção que a resistência escrava simbolizada pelas ações de 
liberdade é abordada neste trabalho. Antes de querer transformar em paladinos da justiça 
aqueles que enfrentavam os senhores em processos judiciais, o que se pretende neste trabalho 
é demonstrar que apesar de todas as amarras impostas à sua liberdade, os negros a buscavam 
movendo-se criativamente por diversos campos, inclusive no âmbito jurídico. 
 
Outro ponto pelo qual a resistência escrava através das ações de liberdade merece destaque 
está relacionado ao fato de que a partir destas ações, o Estado, através do Poder Judiciário, é 
provocado a intervir numa seara privada, onde tradicionalmente vigorava o direito costumeiro 
e o direito de propriedade. Isto é, o poder de alforriar já não estava mais restrito nas mãos do 
senhor, e, a medida em que o Estado poderia intervir nesta relação determinando que fosse 
concedida a alforria à revelia dos senhores, terminava por relativizar o domínio que os 
senhores detinham sobre os cativos. Chalhoub pondera que as ações de liberdade alteram 
uma realidade na qual 
 
a concentração do poder de alforriar exclusivamente nas mãos dos senhores 
 
37 Ibidem, p.29. No mesmo sentido: “Em outras palavras, trata-se da postulação de uma espécie de exterioridade 
determinante dos rumos da história, demiurga de seu destino – como se houvesse um destino histórico fora 
das intenções e das lutas dos próprios agentes sociais”. CHALHOUB, op. cit, p. 19. 
38 SILVA, Eduardo. REIS, João J. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1989, p. 07. 
26 
 
 
fazia parte de uma ampla estratégia de produção de dependentes, de 
transformação de ex-escravos em negros libertos ainda fiéis e submissos a 
seus antigos senhores.39 
 
Além do juiz, do senhor e do escravizado, estas ações envolviam a participação de outros 
atores, o que terminava por tornar ainda mais público um conflito que, a princípio, estaria 
restrito aos limites do direito de propriedade do senhor. Na maioria dos casos, as ações de 
liberdade envolvem os seguintes sujeitos: 
 
Juiz Municipal: Pelo direito antigo, era a denominação que se dava ao juiz 
que sucedia em grau ao Juiz de Paz. Era subordinado ao Juiz de Direito; 
Depositário: É a pessoa a quem se entrega ou se confia alguma coisa em 
depósito; 
Curador: Indica a pessoa que cuida, ou que trata de pessoa estranha ou seus 
negócios; 
Avaliador: Designa o perito ou a pessoa a quem se comete a missão de 
avaliar, isto é, dar preço justo e certo a determinada coisa ou bem; 
Juiz de Direito: Denominação genérica atribuída ao juiz togado, ou seja, 
magistradoque administra a justiça em primeira instância 
Senhor e escravo: Partes conflitantes.40 
 
Quanto ao procedimento das ações de liberdade, regra geral, estas eram iniciadas com a 
petição inicial apresentada em cartório por pessoa livre, representante do escravizado, já que 
este, enquanto semovente, não poderia peticionar em juízo. Apresentada a petição inicial, o 
Juiz municipal deveria nomear curador para o libertando.41 Vale salientar que a nomeação do 
curador nestas ações obedecia à regra segundo a qual, “ainda quando o asserto escravo, ou o 
livre ou liberto, tenha procurador, ou curador nomeado pelo Juiz de Órfãos, deve o Juiz da 
causa dar-lhe curador in litem , como aos menores e demais pessoas miseráveis, isto é, dignas 
da proteção da lei pelo seu estado ou condição”42. A ausência de curador constituía um 
obstáculo enfrentado pelo cativo que recorria à justiça, tendo em vista que inviabilizava o 
prosseguimento da ação judicial. 
 
Desse modo, estando o escravizado legalmente assistido, era nomeado depositário43 a quem 
seria confiado o cativo até o final do processo. A partir daí, as partes apresentavam certidões, 
arrolavam testemunhas e tentam provar as suas alegações. O Juiz convocava audiência e, com 
 
39 CHALHOUB, op cit, p. 100. 
40 ABRAHÃO, Fernando Antônio. As ações de liberdade de escravos no tribunal de Campinas. Campinas: 
UNICAMP, Centro de memória, 1992, p.08. 
41 Ibidem, p. 07. 
42 MALHEIROS,op. cit.,v.I, p. 98. 
43 No último capítulo deste trabalho, a partir da constatação empírica do procedimento de depósito, são 
apresentadas algumas considerações sobre a figura do depositário nas ações de liberdade. 
27 
 
 
vistas à resolução do conflito, era comum apresentar às partes a possibilidade de acordo. Não 
havendo acordo e em caso de dúvida ou divergência sobre o valor do cativo era designado 
avaliador responsável por determinar o preço justo a ser atribuído ao cativo e, por 
conseqüência, à sua liberdade. Após a lavratura do laudo de avaliação, o Juiz Municipal 
remetia os autos ao Juiz de Direito para o pronunciamento deste através de parecer ou 
sentença final. Em caso da sentença ser favorável ao autor, era conferida a carta de 
liberdade.44 
 
Caso contrário, sendo a sentença desfavorável ao autor, existia a possibilidade de recurso para 
a segunda instância, o Tribunal da Relação45. A segunda instância, correspondia a uma nova 
fase de exposição de argumentos, sendo que eram nomeados novos advogados. Desse modo, 
concluída a ação, era proferido acórdão onde os desembargadores poderiam confirmar ou 
reformar a sentença obtida na primeira instância. Neste ponto, era possível ainda que a parte 
insatisfeita apresentasse embargos ao acórdão. Em caso de insatisfação da parte com a decisão 
do Tribunal da Relação, era possível requerer uma revista cível perante o Supremo Tribunal 
de Justiça. Na hipótese desta terceira instância se manifestar no sentido de conceder a revista, 
os autos seriam submetidos à decisão final junto ao Tribunal da Relação de outra província.46 
 
1.2.1 Fundamentos jurídicos 
 
A vigência das Ordenações Filipinas e a ausência de legislação que regulasse a matéria de 
modo satisfatório, possibilitavam as brechas legais que favoreciam as ações cíveis de 
liberdade. Vários foram os fundamentos jurídicos utilizados para respaldar tais ações. Dentre 
os tipos de ações mais recorrentes, destacamos as que apresentavam os seguintes 
fundamentos: a) tráfico ilegal, b) liberdade mediante pecúlio, c) fundo de emancipação, d) 
ausência de matrícula, e) manutenção da liberdade. Importante destacar que os referidos 
argumentos guardavam relação com as diversas leis referentes à escravidão, editadas no 
 
44 ABRAHÃO, op. cit, p. 07. SANTOS, Lídia Rafaela Nascimento dos. Ação de Liberdade: O escravo vai a 
justiça. Disponível em: 
<www.tjpe.jus.br/.../7_Acao_de_Liberdade_O_escravo_vai_a_Justica_Profa_Lidia_Rafaela.pdf>. Acesso 
em: 02 jun 2010. 
45 Sobre o Tribunal da Relação, Ricardo T. C. Silva afirma: “Até 1874, quando foram criados os tribunais de 
Porto Alegre, Ouro Preto, São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Belém e Fortaleza, só existiam quatro tribunais da 
Relação no Brasil: Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco e Bahia. Por sinal, o tribunal baiano era o mais 
antigo de todos, pois havia sido criado em 1609. Após funcionar até 1626, foi dissolvido e somente em 1652 
voltou a ser reaberto”. Os escravos vão à justiça... op. cit. p. 04. 
46 SILVA, op. cit., pp.04 - 05. 
28 
 
 
século XIX, mais notadamente, a partir da década de cinqüenta, com o crescimento do 
número de simpatizantes à causa abolicionista. 
 
A hipótese de liberdade fundada no tráfico ilegal decorre, inicialmente, da lei de 7 de 
novembro de 1831, conhecida como Lei Diogo Feijó. A referida lei estabelecia a ilegalidade 
do tráfico negreiro para o Brasil, e no seu artigo primeiro considerava livres todos os 
africanos entrados no Império a partir daquela data. Ocorre que os traficantes ignoravam a lei 
e seguiam desembarcando ilegalmente milhares de africanos em portos brasileiros. Em 
virtude da sua ineficácia, a lei de 1831 entrou para a história como “a lei para inglês ver”, tal 
referência se deve ao fato de que a normativa decorreu de pressões britânicas para acabar com 
o tráfico no Brasil. No que pese a ineficácia verificada no plano fático, a existência de dita lei 
no ordenamento constituiu importante fundamento jurídico para ações de liberdade de cativos 
ilegalmente importados após o ano de 1831. Assim, através de testemunhas e documentos os 
libertandos buscavam provar que foram trazidos ao Brasil durante a vigência da referida lei.47 
Neste sentido, apresentamos ementa de ação de liberdade, fundada na Lei Diogo Feijó, 
ajuizada no ano de 1875, perante o Tribunal de Campinas/São Paulo: 
 
Ação Sumária de Liberdade baseada na Lei de 07 nov. 1831 (tráfico ilegal). 
Autores: Laurinda, 23 anos, Laurentino, 20 anos e Laudelina, 18 anos, filhos 
da liberta Laura, escravos da herança de custodio José Ignacio Rodrigues. 
Solicitador: Firmino Ramalho. Curador: o mesmo. Sentença: julgada 
procedente. Campinas, 18 abr. / 14 jun. 1876.48 
 
Diante da ineficácia da lei de 1831, foi promulgada em 1850 a lei Eusébio de Queiróz que 
também será utilizada nas ações de liberdade. Tal lei apresenta a mesma finalidade da 
anterior, qual seja, coibir o tráfico de negros africanos para o Brasil. Outrossim, diversos 
fatores contribuíram para que a lei de 1850 fosse recebida na sociedade de modo diverso 
daquela que a precedeu. A eficácia, ainda que gradual, da lei Eusébio de Queiroz no sentido 
de por termo ao tráfico ilegal de cativos pode ser justificada não apenas em virtude das 
pressões externas sofridas pelo Brasil, mas também, e principalmente, por conta de diversos 
fatores internos.49 
 
Dentre os fatos ocorridos no Brasil, destacamos o aumento da insurgência escrava através de 
 
47 SILVA, op. cit., pp. 123-125. 
48 ABRAHÃO, op. cit., p.19. 
49 Ibidem. 
29 
 
 
crimes, insurreições e levantes, notadamente a partir de meados da década de 30.50 O aumento 
da organização e das proporções das rebeliões promovidas pelos escravizados aterrorizavam a 
elite a medida em que, cada vez mais, representavam ameaça real à manutenção do domínio 
senhorial. Assim, pouco a pouco, os negros irão se constituir numa terrível ameaça à 
manutenção da sociedade escravista, ganhando eco as vozes que defendiam o fim da 
escravidão como solução para minimizar tal ameaça, através da diminuição do número de 
africanos no Brasil. Conforme demonstrado, a proibição ao tráfico negreiro prevista nas leis 
Diogo Feijó e Eusébio de Queiroz constituiu o fundamento jurídico de muitas ações de 
liberdade ajuizadas ao longo do século XIX. 
 
A Lei nº 2.040, outorgada pela PrincesaIsabel, em 28 de setembro de 1871, também irá 
respaldar juridicamente as ações em favor da libertação de cativos. A referida lei, conhecida 
como Lei do Ventre Livre, conferia a condição de liberto a todos os nascidos após aquela data. 
Previa ainda a possibilidade de que o cativo comprasse a sua liberdade através de pecúlio. A 
permissão estava prevista no art. 4º da lei: “É permittido ao escravo a formação de um peculio 
com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do 
senhor, obtiver do seu trabalho e economias”.51 
 
A partir da permissão legal para constituir pecúlio, diversos foram os escravizados que 
conseguiram acumular quantia suficiente para adquirir a carta de alforria mediante pagamento 
do valor correspondente ao preço da sua avaliação. Com o fim de exemplificar possíveis 
resultados destas demandas, apresentamos algumas decisões de ações de liberdade por 
apresentação de pecúlio, ajuizadas perante o Tribunal de Campinas: 
 
Ação de Liberdade por apresentação de pecúlio. Autora: Emília, 24 anos, 
escrava de Gabriel dos Santos Cruz. Solicitador: Francisco Quirino dos 
Santos. Curador: o mesmo. Valor de avaliação: 1:300$000 réis. Sentença: 
homologada a avaliação, foi realizada a indenização ao senhor. 
Campinas, 29 nov. 1881 / 30 jan. 1882. 42 fls. (grifo nosso)52 
 
Ação de Arbitramento para Liberdade por apresentação de pecúlio. Autor: 
Tobias, 51 anos, escravo de Luiz Abreu Pereira Coutinho. Solicitador: 
Francisco Glycerio de Cerqueira Leite. Curadores: o mesmo e Vicente 
Ferreira da Silva (em São Paulo). Valor de avaliação: 1:800$000 réis. 
Sentença: homologada a avaliação. Houve recurso: negado provimento, 
 
50 Ver: REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2003. 
51 SANTOS, op. cit. p.14. 
52 ABRAHÃO, op. cit. p. 25. 
30 
 
 
não foi libertado. Campinas, 02 out. 1878 / 04 jun. 1880. 71 fls. (grifo 
nosso)53 
 
Ação de Arbitramento para Liberdade por apresentação de pecúlio. Autor: 
Guilherme, 54 anos, escravo de Pedro Rodrigues da Silva. Solicitador: Pedro 
Alexandrino Rangel Aranha. Curador: o mesmo.Valor de avaliação: 400$000 
réis. Houve acordo para a liberdade. Campinas, 05 dez. 1878 / 22 mar. 
1879. 24 fls. (Obs: liberdade concedida mediante a indenização de 
50$000 réis, juntamente com a prestação de serviços durante 3 anos.) 
(grifo nosso)54 
 
O texto da Lei do Ventre Livre previa ainda a criação do Fundo de Emancipação. O art. 3º 
dispunha que seriam “annualmente libertados em cada Provincia do Imperio tantos escravos 
quantos corresponderem á quota annualmente disponivel do fundo destinado para a 
emancipação”55. Desta forma, através do recolhimento de impostos o governo garantia as 
verbas que serviriam para indenizar os senhores quando o seu cativo obtivesse a liberdade por 
meio do Fundo de Emancipação.56 
 
Outro dispositivo da Lei nº 2040 que passou a ser utilizado para respaldar as ações de 
liberdade foi a obrigatoriedade da Matrícula de Escravos, prevista no art. 8º da referida lei. A 
partir daí, os senhores estavam obrigados a matricular os escravizados dos quais eram 
proprietários, sob pena de multa. Porém, para o negro escravizado, o descumprimento pelo 
senhor quanto a obrigatoriedade lhe garantia a alforria. Isto porque, o parágrafo 2º do art.8º 
concedia a liberdade aos “escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem 
dados á matricula, até um anno depois do encerramento desta, serão por este facto 
considerados libertos.57” Desta forma, a ausência de matrícula foi utilizada como argumento 
legal em diversas ações de liberdade.58 
 
53 Ibidem p. 21 Neste caso, interessante destacar que observamos a articulação de dois curadores, um curador 
em Campinas e outro em São Paulo, possivelmente para representar o libertando perante o Tribunal de 
Relação da capital, durante a fase recursal. Tal fato nos leva a questionar se era comum a incidência destes 
casos, já que dificilmente o cativo poderia arcar com os gastos daí decorrentes. 
54 Ibidem. 
55 SANTOS, op. cit. p.13. 
56 ABRAHÃO, op cit, p.04. Sobre a liberdade obtida através do Fundo de Emancipação Ricardo T. C. Silva, 
afirma que num primeiro momento, os cativos que conseguiram a liberdade por este meio foram 
preferencialmente aqueles que já possuíam algum pecúlio para completar seus valores. Destaca ainda que o 
referido fundo possibilitou a alforria de escravizados doentes e idosos. Neste sentido, apresenta a posição de 
Robert Conrad, segundo a qual os resultados do fundo foram inexpressivos, não chegando a libertar muitos 
negros e servindo aos interesses senhoriais por possibilitar que estes recebessem valores satisfatórios em 
troca de cativos já improdutivos. SILVA, op. cit., p. 96. 
57 SANTOS, op. cit. p.15. 
58 Como exemplo de ação de liberdade movida face a ausência de registro, a história de Claudina, residente na 
vila de Geremoabo - Bahia que em 1876 “provavelmente instruída por um protetor, a escrava apresentou uma 
certidão provando que não havia sido matriculada pelo seu falecido senhor e rapidamente recebeu a carta de 
liberdade a que tinha direito.[...]” SILVA, op. cit. p.80. No mesmo sentido, apresentamos ementa de ação de 
31 
 
 
 
Sobre as possibilidades de alforria advindas da Lei do Ventre Livre, Chalhoub afirma: 
 
O texto final da lei de 28 de setembro foi o reconhecimento legal de uma 
série de direitos que os escravos haviam adquirido pelo costume e a 
aceitação de alguns objetivos das lutas dos negros. […] Na verdade, a lei de 
28 de setembro pode ser interpretada como exemplo de uma lei cujas 
disposições mais importantes foram “arrancadas” dos escravos às classes 
proprietárias.59 
 
A afirmação do professor Sidney Chalhoub, ressalta a posição ativa do negro escravizado na 
luta pelos seus direitos. Daí também resulta a constatação de que, as fugas, insurreições, ações 
de liberdade e todas outras formas de resistência escrava contribuíram para a consolidação dos 
direitos dos cativos, influenciando o direito costumeiro diariamente construído e aplicado às 
relações sociais. No mesmo sentido, a observação feita pelo autor quanto ao fato de que os 
dispositivos da Lei nº 2040 de setembro de 1871 podem ser interpretados como conquistas 
arrancadas pelos escravizados aos proprietários, demonstra que os cativos não eram apenas 
objetos, meros destinatários passivos de normas jurídicas. Merece destaque o fato de que as 
insurgências escravas em busca da liberdade terminavam por fomentar, ou melhor, forçar, a 
edição de leis que contribuíssem para o avanço da luta pela liberdade e fim da escravidão. 
 
Em 1885, a Lei nº 3270, conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, 
complementa a Lei do Ventre Livre e, interfere na aplicação do dispositivo referente à 
concessão da alforria mediante pecúlio. Dentre outras disposições, a referida lei estabeleceu 
uma tabela com valores fixos que deveriam ser pagos nas libertações por pecúlio. Os valores 
variavam em razão da idade e quanto mais idade tinha o cativo, mais baixo seria o valor 
estimado para sua liberdade. Ocorre que, a referida tabela atribuía aos escravizados valores 
muito acima daqueles que comumente eram pagos como indenização ao proprietário nas 
ações de liberdade. Segundo Ricardo Tadeu Caires Silva, era comum que os autores das ações 
se valessem do artifício de alegar doenças60 ou outros fatores que servissem para diminuir o 
 
liberdade fundada na ausência de matrícula, ajuizada perante o Tribunal de Campinas: “Ação Sumária de 
Liberdade pela não efetuação da matrícula de escravos (Art.8, parágrafo 2º da Lei n. 2040). Autor: Casimiro 
José deMoura, 47 anos, escravo de Estevão José de Siqueira. Solicitador: Francisco Dias Castelo Branco. 
Curador: o mesmo. Sentença: julgada procedente. Campinas, 04 out. 1879 / 27 fev.1880. 31 fls. (Obs: o 
senhor não atendeu as citações e a sentença foi dada a revelia. Entrou com recurso posterior, porém houve 
desistência tácita. O autor sabia ler e escrever)”. ABRAHÃO, op. cit., p.22. 
59 CHALHOUB, op. cit. pp. 159-160. 
60 “É impossível saber em que medida essas doenças eram reais ou apenas uma maneira de tentar empurrar para 
baixo o valor da indenização: por um lado, havia pouca preocupação dos escravos ou seus curadores em 
32 
 
 
preço do escravizado e, conseqüentemente, o valor da indenização a ser paga ao proprietário 
mediante pecúlio. Assim, em vista do aumento da ocorrência de alforrias obtidas mediante 
apresentação de pecúlio, e dos prejuízos daí correntes para os escravocratas, a referida lei 
arbitrava valores altos para dificultar a possibilidade de pagamento pelos cativos e evitar o 
uso de recursos para baixar o valor das indenizações.61 
 
Além dos fundamentos decorrentes de lei, vários eram os argumentos utilizados pelos 
escravizados na busca pela aquisição ou manutenção da liberdade outrora conquistada. Eram 
comuns os casos em que os cativos afirmavam possuir a condição de libertos, porém seguiam 
no cativeiro em virtude do extravio da carta de alforria. Eram comuns ainda os casos em que a 
liberdade do escravizado era prevista pelo proprietário em testamento, estando submetida à 
condição. Em alguns destes casos, satisfeita a condição que autoriza a concessão da alforria, 
os herdeiros do testador ajuizavam ações de reescravização, na tentativa de assegurar a 
propriedade e manter o liberto em cativeiro. Nestas situações, as ações de liberdade eram 
ajuizadas com o fim de reconhecer a liberdade do escravizado ameaçada face à uma ação de 
escravidão. 
 
Outro argumento comumente suscitado pelos libertandos era o direito à alforria frente ao 
abandono do cativo pelo senhor. A relativização da propriedade em função do abandono 
decorre do Direito Romano e desde o período colonial já era aplicada no Brasil.62 A 
possibilidade de alforria em função do abandono estava assegurada também no parágrafo 4º 
do art. 6º da Lei do Ventre Livre. 
 
Exemplificando a diversidade dos fundamentos que poderiam embasar as ações de liberdade, 
Sidney Chalhoub relata o caso das ações movidas no Rio de Janeiro em defesa da alforria de 
Josefa e outras negras escravizadas que eram forçadas pelos proprietários-cafetões à se 
dedicarem à prostituição. Apesar de longa a citação, transcrevo um trecho sobre o caso em 
virtude da singularidade da questão, pelo fato da ação partir de iniciativa das autoridades 
públicas, e das informações sobre as relações entre a polícia e o poder judiciário que aí podem 
ser constatadas: 
 
apresentar atestado médico que reforçasse a alegação de doença; de outro lado, os juízes não solicitavam que 
os libertandos fossem examinados por médicos.” CHALOUB, Sidney. Visões da liberdade... op. cit. p.169 
61 SILVA, op. cit. p.77. 
62 ALGRANTI, Leila. O feitor ausente. Estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro. 1998, p.101. Apud 
SILVA, op. cit. p.90. 
33 
 
 
 
A ação judicial com o objetivo de libertar Josefa foi parte de um esforço 
mais amplo do chefe de polícia da Corte, em articulação com o juiz 
municipal da segunda vara, no sentido de combater “o imoral escândalo da 
prostituição de escravas”. A estratégia utilizada foi a seguinte: os 
subdelegados elaboraram relações nominais das escravas empregadas por 
seus senhores na prostituição; o segundo passo foi enviar essas relações para 
o juiz municipal da segunda vara, que nomeou advogados como curadores 
das negras e determinou a apreensão e depósito imediato das mesmas; 
iniciaram-se assim em poucos meses cerca de duzentos processos de 
liberdade, baseados em disposições do direito romano segundo as quais os 
senhores que obrigavam suas escravas à prostituição eram obrigados a 
libertá-las.63 
 
 
Figura 3: Fragmento de petição inicial de ação de liberdade ajuizada no ano de 1883, no estado de Pernambuco. Fonte: 
SANTOS, op. cit., p.02 
 
1.2.2 Ocorrência geográfica 
 
Outro aspecto relevante sobre as ações de liberdade diz respeito à ocorrência geográfica de 
ditas ações. Durante a pesquisa realizada para a elaboração deste trabalho foi encontrada 
 
63 CHALHOUB, Sidney. op. cit. p.152. 
34 
 
 
bibliografia referente à ocorrência de ações de liberdade ajuizadas nos estados da Bahia, Rio 
de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. 
 
No Arquivo Público do Estado da Bahia, na seção referente ao Judiciário, sub-seção Autos 
Cíveis II, consta o registro de 336 ações de liberdade em diversas localidades baianas. Este 
número considera os dados disponíveis no sistema digital de busca ao acervo do APB e foi 
obtido durante a pesquisa de campo realizada para este trabalho. Importante ressaltar que este 
número não equivale à existência física dos referidos autos, já que durante a pesquisa, foi 
possível verificar que alguns dos arquivos que apareciam no referido sistema digital não 
estavam disponíveis para consulta em razão de extravio ou deterioração64. Assim sendo, 
considerando que os limites teóricos, temporais e materiais, inerentes a pesquisa de 
graduação, não permitiram a análise de todos os casos disponíveis no sistema digital de 
buscas do APB, o número de casos aqui apresentados cumpre a função de fornecer panorama 
geral sobre a ocorrência das ações de liberdade na Bahia. 
 
Ricardo Tadeu Caires Silva afirma que em pesquisas realizadas durante os estudos de 
mestrado em história social na Universidade Federal da Bahia, constatou a incidência de 40 
processos de ações de liberdade relativos ao município de Salvador65. O autor pondera que o 
reduzido número verificado está relacionado ao sumiço da documentação, já que casos citados 
por outros autores não foram localizados durante a pesquisa. Por fim, relata que foram 
encontrados 17 processos de manutenção, que poderiam ter como objetivo tanto a alforria 
como a permanência no cativeiro. 66 
 
Ao analisar as visões da liberdade na última década da escravidão na corte, Chalhoub nos 
conta que debruçou-se sobre o estudo de “78 processos, referentes às décadas de 1860, 70 e 
80, ações de liberdade na sua grande maioria”, disponíveis no Arquivo Nacional do Rio De 
Janeiro67. Neste sentido, retomando a informação fornecida pelo autor sobre as estimadas 200 
ações de liberdade ajuizadas em favor das escravizadas submetidas à prostituição, é possível 
inferir que o arquivo da capital carioca abriga relevante volume de processos relativos à 
liberdade. 
 
64 Neste sentido, durante as pesquisas, foi verificado que, apesar de constar no sistema digital, não foi 
encontrado para consulta o processo APB. Justificação de Liberdade. Class. 82/2928/21. 
65 SILVA, Ricardo. op. cit. p.06. 
66 Ibidem. 
67 CHALHOUB, op. cit., p.21. 
35 
 
 
 
Em Minas Gerais, onde o trabalho escravo foi largamente utilizado para as atividades de 
mineração, Luiz Gustavo Cota localizou no Arquivo Histórico da Casa Setecentista da cidade 
de Mariana, 38 ações de liberdade compreendidas entre o período de 1871 a 1888.68 O 
pesquisador constata que a maioria das ações foram movidas por escravizados residentes em 
áreas rurais, fato que permite a conclusão de que a notícia sobre a possibilidade de conquistar 
a liberdade mediante ação judicial, ganhou visibilidade, alcançando até mesmo os cativos que 
viviam no campo.69 
 
Já no estado de São Paulo, as informações divulgadas pelo Centro de Memória da Unicamp 
dão conta da ocorrência de 157 ações

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