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Dissertação - Felipe Lameu - Higienismo

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Prévia do material em texto

i 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
 
 
 
 
 
 
 
 
FELIPE LAMEU DOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
 
FORMAS DE HIGIENIZAR POR MEIO DA EDUCAÇÃO 
FÍSICA SEGUNDO TESES, CONFERÊNCIAS E PERIÓDICOS 
MÉDICOS DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 1892 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NITERÓI – RIO DE JANEIRO 
2016 
 
ii 
 
FELIPE LAMEU DOS SANTOS 
 
 
 
 
FORMAS DE HIGIENIZAR POR MEIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA SEGUNDO TESES, 
CONFERÊNCIAS E PERIÓDICOS MÉDICOS DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 
1892 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Educação da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do Grau de 
Mestre em Educação. Linha de pesquisa: 
Diversidade, desigualdades sociais e educação. 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Marcus Vinicius Corrêa Carvalho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Niterói 
2016 
 
iii 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
S237 Santos, Felipe Lameu dos. 
 Formas de higienizar por meio da educação física segundo teses, 
conferências e periódicos médicos do Rio de Janeiro entre 1870 e 1892 
/ Felipe Lameu dos Santos. – 2016. 
 142 f. 
 Orientadora: Marcus Vinicius Corrêa Carvalho. 
 Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, 
Faculdade de Educação, 2016. 
 Bibliografia: f. 88-98. 
 1. Educação física. 2. Higiene. 3. Escola. 4. Escolarização. 
I. Carvalho, Marcus Vinicius Corrêa. II. Universidade Federal 
Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título. 
 
iv 
 
FELIPE LAMEU DOS SANTOS 
FORMAS DE HIGIENIZAR POR MEIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA SEGUNDO TESES, 
CONFERÊNCIAS E PERIÓDICOS MÉDICOS DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 
1892 
 
Dissertação de mestrado apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Educação da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do Grau de 
Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: 
Diversidade, desigualdades sociais e educação 
 
Aprovada em 12 de fevereiro de 2016. 
BANCA EXAMINADORA 
 
__________________________________________________________ 
Prof. Dr. Marcus Vinicius Corrêa Carvalho – Orientador 
Universidade Federal Fluminense 
 
 
_________________________________________________________ 
Profa. Dra. Alessandra Frota Martinez de Schueler 
Universidade Federal Fluminense 
 
 
__________________________________________________________ 
Prof. Dr. Victor Andrade de Melo 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
v 
 
AGRADECIMENTOS 
* Ao Professor Marcus Vinicius Corrêa Carvalho pela dedicação, pela leitura rigorosa e 
vigorosa dessa dissertação e por ter me dado a oportunidade de trilhar meus primeiros 
caminhos no campo da História; 
 
* Aos Professores Alessandra Frota Martinez de Schueler e Victor Andrade de Melo por 
participarem desse momento ímpar da minha vida acadêmica e por dedicarem seu tempo para 
leitura de meu texto; 
 
* Aos colegas e amigos de mestrado, especialmente Adrielly e Beth, pelo apoio mútuo nos 
momentos de dificuldades inerentes ao curso de mestrado; 
 
* À Renata pela sua escuta ativa e pelo seu companheirismo. 
 
vi 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
POSTERIDADE 
(...) 
Assim entraremos para a história deles 
como outros para a nossa entraram:não como o 
que somos 
mas como reflexo de uma reflexão. 
 
(Affonso Romano de Sant’anna) 
 
vii 
 
RESUMO 
O objetivo desta dissertação foi realizar uma história do que era entendido como “educação 
física” e as relações com as propostas de formas de higienizar a população brasileira segundo 
parte da medicina entre os anos de 1870 e 1892. Estive assim, atento ao que se entendia como 
“educação física” no contexto histórico e cultural da época. Os principais documentos 
transformados em fontes foram as teses para obtenção do título de doutor em medicina pela 
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, as Conferências Populares da Glória e os artigos 
dos Annaes Brazilienses de Medicina e dos Annaes da Academia de Medicina que tratassem 
do tema da educação física dentro do período pesquisado. A contribuição que esta dissertação 
pode dar para as áreas de História da Educação e de História da Educação Física é apontar a 
possibilidade de que a representação sobre a “educação física” na documentação pesquisada 
incidia diretamente sobre o processo de institucionalização da forma escolar no Brasil do final 
do século XIX, imiscuindo-se no processo de escolarização nacional. 
Palavras-chave: Educação física, higiene, forma escolar, escolarização. 
 
 
viii 
 
ABSTRACT 
This dissertation aims to develop a story of what was understood as “physical education” and 
the relations with the proposal of hygienizing Brazilian population as a part of medicine 
between the years 1870 and 1892. So I was observant as to what was seen as physical 
education in the historic and cultural context of the period. The main documents transformed 
in sources were the thesis to obtain the title of Doctor in medicine in the Faculdade de 
Medicina do Rio de Janeiro, the Conferências Populares da Glória and the papers of Annaes 
Brazilienses de Medicina and Annaes da Academia de Medicina that addressed the theme of 
physical education in the researched period. The contribution of this dissertation to the fields 
of Physical Education History and Education History is to point the possibility that the 
representation of “physical education” in the documents reviewed focused on the process of 
institutionalization of the school shape in Brazil at the end of the XIX century, meddling in 
the process of national schooling. 
Key-Words: Physical Education, Hygiene, School Shape, Schooling. 
ix 
 
APRESENTAÇÃO 11 
CAPÍTULO 1 - QUESTÕES SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA
 16 
1.1 - Década de 1980: a historiografia da “crise” na educação física 16 
1.2 - A década de 1990: a crítica sobre a crítica 20 
1.3 - Possibilidades de análise em breve diálogo com a historiografia recente: educação física ou 
educação do corpo? 25 
CAPÍTULO 2 - TESES DA FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO 
SOBRE EDUCAÇÃO FÍSICA: FORMAS DE HIGIENIZAR 29 
2.1 - Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: local de construção da medicina oficial 29 
2.2 - A organização das teses 35 
2.3 - A educação como problema 38 
2.4 - Educação e disseminação das luzes: formar e instruir 43 
2.5 - A formação integral pela educação física 47 
2.6 - Formas de uma educação física ampla 51 
2.7 - A infância educada pela educação física 60 
CAPITULO 3 - CONFERÊNCIAS PÚBLICAS DA GLÓRIA E PERIÓDICOS 
MÉDICOS: DISPUTAS PELA HIGIENE E PELA CURA 64 
3.1 - Conferências Públicas da Glória: um espaço de divulgação do conhecimento científico 64 
3.2 - As conferências sobre educação física: a educação integral higiênica 67 
3.3 - Os periódicos da Academia Imperial de Medicina 74 
3.4 - Educação física nos periódicos: educação física, escolarização e higiene 77 
3.5 - Educação física brasileira para os problemas do Brasil 79 
3.6 - A escola: um espaço para a educação física 80 
x 
 
3.7 - Mãe educada pela educação física 82 
3.8 – Ginástica: a forma de criar corpos fortes 83 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 86 
ACERVOS CONSULTADOS 88 
REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS 88 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 91 
ANEXO I – TESES DISSERTATIVAS DEFENDIDAS NA FACULDADE DE 
MEDICINA DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 1892 99 
ANEXO 2 – ARTIGOS PUBLICADOS NOS ANNAES BRASILIENSES DE 
MEDICINA ENTRE OS ANOS DE 1870 E 1885 125 
ANEXO 3 – ARTIGOS PUBLICADOS NOS ANNAES DA ACADEMIA DE 
MEDICINA ENTRE OS ANOS DE 1885 E 1890 141 
11 
 
Apresentação 
O Brasil passou por diversos acontecimentos significativos na segunda metade do 
século XIX. O fim do tráfico de escravos africanos acabou com a reprodução de mão de obra 
vinda da África, a lei do Ventre Livre acentuou as discussões sobre os rumos que o Brasil iria 
ter que tomar após o fim do trabalho escravo, grupos sociaispoliticamente marginalizados 
pelo sistema político imperial exprimiram-se em atividades político-intelectuais contestadoras 
autônomas, o manifesto republicano de 1870 e a criação do partido republicano propunham a 
mudança de regime político.1 
Com relação à educação, os anos do regime imperial foram marcados pelas discussões 
sobre a importância da educação intelectual, física e moral no processo de civilização e 
modernização do Brasil.2 Nas décadas de 1870 e 1880, a instrução e educação dos homens, 
mulheres e crianças pobres se tornou uma preocupação dos dirigentes imperiais.3 Nesse 
processo de discussão sobre a educação no Brasil Imperial, o saber médico foi de grande 
importância.4 
O último quartel de século foi o período em que a medicina brasileira começou a se 
afastar do modelo anatomoclínico e se aproximar do modelo de medicina experimental 
pautado nos métodos positivos e pela busca de uma nosologia e terapêutica nacional.5 Nas 
décadas de 1870 e 1880, o movimento pela reforma no ensino médico se fortaleceu 
culminando nas reformas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre os anos de 1881 e 
1884.6 
A historiografia da educação física aponta que o saber médico foi um dos mais 
importantes para a legitimação da educação física no século XIX.7 Embora a educação física 
não estivesse presente na maioria das escolas brasileiras daquele período, percebia-se um 
número significativo de defesas para sua implantação, especialmente, a partir da segunda 
 
1 CARULA, 2012; ALONSO, 2002. 
2 GONDRA, 2004. 
3 SCHUELER, 1997. 
4 GONDRA, 2004. 
5 EDLER, 2003; EDLER e FONSECA, 2006. 
6 EDLER, 1992. 
7 SOARES, 2004; GOIS JÚNIOR, 2013; COSTA, SANTOS e GÓIS JÚNIOR, 2014; MELO e PERES, 2014a; MELO e 
PERES, 2014b. 
12 
 
metade do século XIX.8 A defesa da educação física estava, muitas vezes, ligada à crítica à 
imobilidade nos estabelecimentos escolares, ao excesso de atenção dada à educação 
intelectual em detrimento da educação física9 e ao entendimento da dimensão higiênica da 
educação física.10 
Após a guerra do Paraguai parece que a ideia de que a educação física relacionada à 
construção da um povo forte, saudável e capaz de defender a Nação ganhou mais fôlego.11 O 
que fez novamente a ginástica e a educação física tornarem-se obrigatórias nas escolas de 
primeiro grau.12 A ideia era de que a educação e a educação física pudessem civilizar e 
regenerar o povo brasileiro.13 
Dentro desse processo, a medicina, por meio do saber da higiene, ocupou um papel 
central dentro da defesa da implantação da educação física. A higiene tentava legitimar seu 
modo de intervenção na sociedade a partir da suposição do conhecimento científico como 
isento de paixões e mais legítimo pela sua neutralidade. Baseada nos conhecimentos da 
ciência, a higiene teria a capacidade de combater as doenças antes do seu aparecimento e 
prolongar a vida. A higiene tinha uma perspectiva prescritiva e preventiva, visando evitar, 
atenuar, corrigir e conservar a saúde.14 Isso daria legitimidade para a higiene prescrever as 
formas de intervenções individuais e coletivas dentro da sociedade. Dentre essas intervenções 
encontrava-se a educação física.15 
A higiene demarcava o certo e o errado, bem como os caminhos que levariam a um e 
ao outro. Embora as estratégias pudessem variar entre os médicos, elas confluíam na ideia de 
que se deveria produzir sujeitos higiênicos, higienizados e higienizadores. Isso implicava em 
uma série de estratégias para formar esses sujeitos e transmitir os saberes da higiene. Dentre 
essas estratégias podia-se perceber a educação.16 
 
8 MELO e PERES, 2014a; MELO E PERES, 2014b, p. 79. 
9 CUNHA JUNIOR, 1998, p. 36. 
10 GONDRA, 2004. 
11 SILVA e MELO, 2011. 
12 MELO e PERES, 2014a, p. 1140-2. 
13 GONDRA, 2004. 
14 GONDRA, 2000. 
15 GONDRA, 2003, p. 28-30. 
16 GONDRA, 2003, p. 26-35. 
13 
 
Os médicos alertavam que os preceitos da higiene não eram levados em consideração 
na educação. A não adoção dos preceitos da higiene na educação poderia acarretar em 
consequências perniciosas para os alunos: sua deformidade física e moral, seu 
enfraquecimento físico e diminuição da sua saúde. Considerava-se que a higiene fosse levada 
em conta para corrigir as irregularidades dos alunos na escola. Esse pensamento dava à 
higiene o poder de oferecer as respostas e os parâmetros para a organização da escola e da 
educação.17 
Dentro desse contexto, essa pesquisa visa compreender as formas de higienizar a 
população por meio da educação física segundo parte da medicina entre os anos de 1870 até 
1892. As fontes utilizadas foram as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro 
defendidas para obtenção do título de doutor em Medicina que continham como tema a 
educação física ou a higiene escolar, as Conferências Públicas da Glória sobre o tema da 
educação física e artigos de dois periódicos médicos que tratassem desse mesmo tema. 
Durante a leitura das fontes ficou claro que os conceitos de escolarização, forma 
escolar e cultura escolar poderiam ser instrumentos importantes para a análise. Tratarei deles 
nessa pesquisa, inspirado em Faria Filho, Rosa e Inácio,18 e Faria Filho, Gonçalves, Vidal e 
Paulilo.19 Neste trabalho se entenderá escolarização com um duplo sentido: um em que 
designa o estabelecimento de processos e políticas concernentes à organização de uma rede, 
ou redes, de instituições responsáveis pelo ensino da leitura, da escrita, do cálculo e, muitas 
vezes, da moral e da religião. Nesse primeiro sentido, escolarização da educação física 
designa a construção de uma rede de instituições responsáveis pelo ensino da educação física. 
Num segundo sentido, escolarização será entendida por um processo de paulatina produção de 
referências sociais, tendo a forma escolar de socialização e transmissão de conhecimentos 
como eixo articulador de sentidos e significados. 
A forma escolar será apreendida como um modelo de socialização, que embora 
existisse desde o século XVI, se impôs no ocidente sobre outros modelos a partir do século 
XIX.20 Para a forma escola, a aprendizagem deveria acontecer num lugar específico e 
separado das outras práticas sociais, com regras impessoais sobre alunos e professores, num 
espaço fechado e totalmente ordenado para realização de deveres, num tempo regulado que 
 
17 ROCHA, 2009, p. 124. 
18 FARIA FILHO, ROSA e INÁCIO, 2003. 
19 FARIA FILHO, GONÇALVES, VIDAL e PAULILO, 2004. 
20 JULIA, 2001, p. 4. 
14 
 
não deixa espaço para movimentos imprevistos e que por meio do qual se constituem saberes 
escritos formalizados que produzem efeitos duráveis de socialização.21 
Na articulação entre a escolarização e a forma escolar, a escola surge como um espaço 
racionalizado e próprio para ensinar com seu espaço, tempo, saberes e tratos do corpo 
específicos: uma nova cultura escolar começa a se formar. Baseado em Julia, entendendo 
cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar, condutas 
a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão e incorporação desses 
conhecimentos, normas e práticas com finalidades que podem variar segundo as épocas.22 
Neste texto, trabalho com a hipótese de que parte da medicina estava preocupada em propor a 
construção de uma cultura escolar racionalizada e baseada na higiene no Brasil dos anos finais 
do século XIX. Também trabalharei com a hipótese de que para higienizar a população 
brasileira parte do saber médico defendia que a educação física deveria ter um espaço, uma 
graduação, um lugar e um tempo específico para ser ensinada. A educação física deveria ser 
enquadrada dentro da forma escolar. 
No processo de comunicar esta pesquisa,23 no capítulo 1, realizarei uma discussão 
historiográfica com parte da historiografia da Educação Física. Nessa discussão, estarei atento 
às fontes e aos problemas de pesquisa dos trabalhosque estavam interessados em discutir a 
relação entre a medicina e a educação física nos anos finais do século XIX. Mas, o ponto 
central desse capítulo será clarear o conceito de educação física utilizado nesta dissertação. 
Tentarei entender a educação física como os autores das fontes a entendiam. Tentarei 
compreender a educação física como uma expressão de época. 
No capítulo 2, apresentarei a análise de cinco teses defendidas na Faculdade de 
Medicina do Rio de Janeiro para obtenção do título de doutor em medicina. Começarei com a 
história da institucionalização da medicina no Brasil e sua relação com a Faculdade de 
Medicina do Rio de Janeiro. Depois, apresentarei como ocorria o processo de defesa de tese 
dentro dessa instituição para em seguida analisar as formas de educação física propostas 
nessas teses e sua relação com a ideia de higienização da população. 
 
21 VICENT, LAHIRE e THIN, 2001. 
22 JULIA, 2001. 
23 Seguindo Giovanni Levi, o procedimento de trabalho do historiador pode ser divido em três pontos: pesquisar, resumir e 
comunicar. Este é o procedimento básico que adotei em minha pesquisa: (1) Investigar nos arquivos os documentos que 
possam vir a se tornar fontes, (2) depois resumir as anotações e informações de forma que elas se tornem lúcidas e (3) por 
ultimo transformar o que foi resumido em algo comunicável (LEVI, 2014). 
15 
 
Ao analisar as teses, percebi que elas não bastavam para compreender as formas 
propostas de educação física e seu diálogo com a sociedade. Como uma das próprias teses 
sugeria, as conferências populares deveriam ser um espaço de para a disseminação das 
propostas médicas para a população leiga. A partir disso, no capítulo 3, tentarei compreender 
as formas de educação física nas Conferências Públicas da Glória. Outro corpo documental 
que julguei importante para esse capítulo foram os periódicos médicos. No caso dessa 
dissertação foram analisados dois periódicos ligados à Academia Imperial de Medicina, 
importante instituição médica no Brasil Imperial. 
 
16 
 
Capítulo 1 - Questões sobre a historiografia da educação física 
Um olhar sobre a produção historiográfica da área da educação física sobre o período 
do século XIX demonstra que o termo “educação física” não se limitava a algo, 
necessariamente, ligado ao exercício físico ou a uma disciplina escolar. No século XIX, 
faziam parte da educação física uma ampla gama de aspectos como: a ginástica, a arquitetura 
dos edifícios, a alimentação, o banho, o asseio, a dança, o canto e a declamação, a natação, a 
esgrima, os jogos, o sport, a equitação, os passeios e a caça. Tudo que dizia respeito ao 
desenvolvimento físico podia ser enquadrado de alguma forma na educação física.24 
O termo educação física utilizado no século XIX diferencia-se bastante do 
entendimento da educação física como área de estudos e disciplina escolar intimamente 
relacionada ao corpo em movimento como hodiernamente entende-se. Isso implica desafios, 
dificuldades e possibilidades metodológicas para o estudo histórico da educação física. Duas 
entradas possíveis serão tratadas nesse capítulo: (1) a possibilidade de estudo da história da 
educação física no século XIX por meio da história da educação do corpo; (2) a utilização, no 
trato das fontes, do termo educação física tal qual designavam os autores da documentação, a 
educação física como uma expressão de época. 
Sem a pretensão de esgotar o debate sobre as possibilidades metodológicas dos termos 
“educação física” e “educação do corpo” para o estudo da História da Educação Física no 
Brasil nos anos finais do século XIX, mas simplesmente visando oferecer subsídios para a 
construção dessa dissertação, trabalharei com a hipótese de que o termo educação física é o 
mais adequado para o trato das fontes nesta dissertação. Para defender essa posição realizarei 
um debate historiográfico atento ao uso do termo educação física, das fontes e dos problemas 
de pesquisa de parte da produção historiográfica da Educação Física desde a década de 1980 
até estudos mais recentes. 
1.1 - Década de 1980: a historiografia da “crise” na educação física 
Durante a década de 1980 muitos trabalhos importantes para a área da Educação Física 
foram gestados e publicados. Na História da Educação Física brasileira, dentre as publicações 
mais importantes pode-se incluir os livros Educação Física no Brasil: a história que não se 
conta, de Lino Castellani Filho;25 Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social 
 
24 A produção historiográfica que apontou o conceito amplo da expressão educação física no século XIX será apontada ao 
longo do capítulo. 
25 CASTELLANI FILHO, 1988. 
17 
 
dos conteúdos, de Paulo Ghiraldelli Junior;26 Educação Física: raízes européias e Brasil, de 
Carmen Lúcia Soares.27 Esses trabalhos foram desenvolvidos no momento que esses autores 
eram discentes do Programa de Pós-graduação na área de Educação da PUC-SP, um espaço 
de efervescência do pensamento crítico na Educação naquele momento.28 Não por acaso, 
esses textos foram de grande importância para o debate da Área da Educação Física que 
também vivia uma efervescência de pensamento crítico.29 A “crise”, clamada por Medina, que 
deveria fazer com que a Área Física repensasse sua forma de intervenção na sociedade estava 
em curso.30 
Em maior ou menor grau, os trabalhos da historiografia da Educação Física daquele 
período buscavam reescrever a História da Educação Física a partir de um viés crítico. O 
principal alvo das críticas eram os trabalhos de Inezil Penna Marinho que, segundo Castellani, 
homogeneizavam o conhecimento da área.31 É curioso que, principalmente Castellani Filho e 
Ghiraldelli Junior, acabaram por praticamente homogeneizar o conhecimento da área entre os 
estudantes no período da década de 1990.32 Essa unanimidade entre os estudantes deveu-se às 
características do momento histórico que acirrava de forma maniqueísta as discussões estando 
boa parte dos estudantes do lado da “Educação Física crítica”, representada por Castellani 
Filho e Ghiraldelli Junior, e do outro lado os defensores da “Educação Física tradicional” 
representada por Inezil.33 
Sobre o século XIX, Soares, Castellani Filho e Ghiraldelli Junior concordavam com a 
proposição de que a educação física no Brasil era devedora dos saberes vindos dos meios 
militares e da medicina. Os três autores seguiam com o argumento de que a educação física do 
período final do dezenove era pensada como uma forma de melhorar o estado de saúde do 
brasileiro. Para Castellani Filho, os médicos se preocuparam em denunciar os malefícios das 
formas e estruturas coloniais de se lidar com o corpo, e, se autoproclamaram como os mais 
 
26 GHIRALDELLI JUNIOR, 1989. O autor deixava claro que esse trabalho não se tratava de um trabalho histórico. 
Entretanto ele acabou sendo tomado como tal pela área da Educação Física. “É preciso alertar que este texto não é, de forma 
alguma, um texto de ‘História da Educação Física’.” (p. 35). 
27 SOARES, 2004 [1994]. 
28 Sobre o contexto da produção do trabalho de Castellani Filho dentro da PUC-SP Cf. FERREIRA NETO, 1996. 
29 MELO, 1995, p. 136. 
30 MEDINA, 2010. 
31 CASTELLANI FILHO, 1988, p. 15. 
32 PAIVA, 2003, Discutindo sobre a construção de um Campo da Educação Física afirma que esses autores forjaram o “senso 
comum” da área sobre o século XIX. Importante salientar que essa autora não entende “senso comum” como algo pejorativo, 
mas sim como o lugar onde as ideias de encontram. 
33 MELO, 1995, p. 136. 
18 
 
competentes para redefinir os padrões de conduta física, moral e intelectual dos brasileiros, 
calcados numa medicina de cunho higienista. Segundo ele, nesse projeto dos médicos, a 
educação física seria uma forma de redefinição do corpo do brasileiro agindo nos aspectos 
físicos e morais. Já para Ghiraldelli Junior,a educação física tinha como objetivo disciplinar 
os hábitos para que as pessoas se afastassem de práticas capazes de provocar a deterioração da 
saúde e da moral. 
Soares também concordava com essas proposições. Todavia, sua análise foi mais 
detalhada e profunda. Um ponto muito importante em seu trabalho foi a distinção entre 
“Educação Física” e “educação física”. A primeira como um componente da educação formal 
ligada à prática de atividades físicas, a segunda como algo mais amplo não necessariamente 
ligado ao corpo em movimento. Dos autores da década de 1980, Soares foi a única que 
atentou para o fato de que a educação física não representava necessariamente algo 
relacionado ao corpo em movimento no século XIX. Talvez, isso se devesse a questões 
metodológicas do trabalho de Soares. Essa autora foi a única a utilizar fontes documentais, 
tendo contato com textos produzidos no século XIX e podendo perceber que a educação física 
possuía um conceito muito mais amplo naquele período. Contudo, na pesquisa de Soares, o 
foco estava no que ela designou por “Educação Física”. 
Como as perguntas nascem no presente, se os pesquisadores da História da Educação 
Física não manusearem os documentos eles só poderão se questionar sobre o que se entende 
por educação física no momento em que suas perguntas são realizadas. Apesar do enfoque 
dado por Soares ter recaído sobre a “Educação Física”, ela já dá indícios de novas perguntas 
que podem ser feitas a partir dos documentos que mobilizou. Outra educação física no século 
XIX ainda estava por ser compreendida. 
Para os três autores, a educação física estaria ligada a um projeto de educação que 
propunha uma educação intelectual, moral e física. Essa educação teria como objetivo moldar 
um novo povo necessário para a instalação do capitalismo no Brasil. Dentro desse modelo, a 
“educação física” e a “Educação Física” - nos termos de Soares - estariam voltadas, 
principalmente, para a dimensão física da educação, mas ela apresentava também ligações 
com as outras dimensões da educação. 
Como porta-voz desse modelo de educação, os três autores citam Rui Barbosa e o seu 
parecer destinado à Câmara sobre a reforma do ensino primário e várias instituições 
complementares da instrução pública de 1883. O parecer de Rui Barbosa foi tão importante 
19 
 
nessas análises que certos pontos retirados do texto se repetiam nos trabalhos de Soares e 
Ghiraldelli Junior, como, por exemplo: 
A ignorância que nos aflige é está, e somente está: a ignorância popular, mãe da servilidade e 
da miséria. Eis o formidável inimigo intestino, que se asila nas entranhas do país.34 
Para os autores, esse projeto que tinha Rui Barbosa como porta voz, via a ignorância 
popular como o maior obstáculo para o desenvolvimento do Brasil e a solução desse problema 
viria por uma educação física, moral e intelectual. 
Sobre a forma de análise utilizada nos textos, pode-se notar que, principalmente 
Castellani Filho e Ghiraldelli Júnior, eram bem panorâmicos. Isso explicava-se pelo momento 
da produção historiográfica, no qual buscava-se um contraponto com a “História oficial da 
Educação Física”; leia-se Inezil Penna Marinho.35 
Soares, Ghiraldelli Junior e Castellani Filho utilizavam um número bem reduzido de 
fontes documentais. Ghiraldelli Junior, por exemplo, não utilizava nenhuma fonte além do 
Parecer de Rui Barbosa para tratar do século XIX, e mesmo essa fonte ele utilizou segunda 
mão, a partir de um texto de Lourenço Filho: A pedagogia de Rui Barbosa. 
Castellani Filho também não utilizava nenhuma fonte documental para o século XIX, 
ele fez menção apenas ao Parecer de Rui Barbosa, citado a partir do livro História Geral da 
Educação Física, de Inezil Penna Marinho. Outras fontes vieram dos trabalhos de Jurandir 
Freire Costa, Ordem médica e norma familiar; e Francisco Alencar, História da sociedade 
brasileira. 
Carmen Lúcia Soares utilizava algumas fontes documentais para o século XIX. Dentre 
as elas, o Decreto n. 7.247 de 19 de Abril de 1879 (Reforma Leôncio de Carvalho) e o Parecer 
de Rui Barbosa. 
Com relação às fontes, os três estudos careciam de material empírico e utilizavam, 
principalmente, os trabalhos de Inezil Penna Marinho, justamente o principal autor que essa 
historiografia buscava criticar. Os problemas metodológicos relacionados ao baixo número de 
fontes foi questão de debates e críticas na História de Educação Física durante o período da 
década de 1990. 
 
34 GHIRALDELLI JUNIOR, p. 22; SOARES, 2004, p. 88. 
35 FERREIRA NETO, 1996. 
20 
 
1.2 - A década de 1990: a crítica sobre a crítica 
A década de 1990 foi de grande importância para consolidação da área de estudos 
sobre História da Educação Física no contexto brasileiro. Observar-se uma série de iniciativas 
que tentavam congregar os novos pesquisadores dessa Área que estavam se formando nos 
cursos de pós-graduação em Educação Física, Educação e História;36 foram criadas as 
primeiras linhas de pesquisa ligadas à História da Educação Física em programas Stricto 
Sensu em Educação Física37 e surgiu o primeiro grupo de pesquisa cadastrado no CNPq sobre 
o tema.38 Os pesquisadores em História da Educação Física começaram a se organizar no 
maior espaço de debate da Educação Física no Brasil, o Colégio Brasileiro de Ciências do 
Esporte.39 Surgiram os Encontros Nacionais de Historia da Educação Física e do Esporte e foi 
produzida a coleção Pesquisa história na Educação Física, organizada por Amarílio Ferreira 
Neto, da Universidade Federal do Espírito Santo. 
Também, nessa década, começaram as críticas à historiografia produzida durante a 
década de 1980 e observou-se uma maior aproximação por parte dos pesquisadores da 
História da Educação Física das metodologias da área de História. Discussões sobre as fontes 
utilizadas foram travadas e surgiu uma maior diversidade dos objetos de pesquisa.40 
Dentro desse panorama, em que a História da Educação Física buscava novos 
documentos, reler abordagens metodológicas, rever antigos objetos utilizando fontes mais 
usuais ou inventando novas formas de reconstruir os indícios,41 é que pretendo fazer um 
panorama do que foi produzido sobre a educação física e sua relação com a medicina no 
século XIX. Dialogarei com alguns estudos publicados pela Coleção Pesquisa Histórica na 
Educação Física. Optei por analisar os trabalhos relacionados à medicina e à educação física 
no século XIX. Foquei nos argumentos principais dos textos e nas fontes utilizadas, sendo 
encaminhado para uma discussão sobre o uso do termo educação física ou educação do corpo 
no trato das fontes. 
 
36 Alguns exemplos que podem ser citados são os Encontros Nacionais de História da Educação Física e do Esporte, a coleção 
Pesquisa História da Educação Física organizada por Amarílio Ferreira Neto. 
37 Em 1996 já encontrava-se linhas de pesquisa voltadas para a História da Educação Física nos programas da Unicamp e 
Gama Filho (MELO, 1996, p. 41.). 
38 MELO, 1996, p. 41. 
39 SOARES, 2003a. 
40 O volume 3 da coleção Pesquisa Histórica na Educação Física teve como um dos seus temas privilegiados a busca, 
catalogação e preservação de fontes para a História da Educação Física. (FERREIRA NETO, 1998). Também Cf. Melo et. al, 
1998. 
41 Também estava ocorrendo um movimento parecido na área da História da Educação, cf. SCHUELER e MAGALDI, 2009. 
21 
 
Pedro Angelo Pagni42 tinha como objetivo analisar como a educação física e o esporte 
fizeram parte dos hábitos e cuidados com o corpo entre os anos 1850 até 1920, bem como, as 
dificuldades de difusão dessas atividades. Ele utilizava como fontes para tratar do século XIX 
as teses médicas e os manuais pedagógicos. Contudo ele não especificou quais eram essas 
teses e esses manuais, prejudicando a crítica de sua análise. 
Segundo seu trabalho, os exercícios físicos foram indicados nos manuais e nas teses 
médicas num processode disseminação de hábitos higiênicos que visavam normatizar as 
famílias e influir na educação das futuras gerações. Segundo ele, a principal função dos 
exercícios indicados era disciplinar e moralizar a população. Dentre os exercícios físicos 
indicados podia-se encontrar a ginástica, a caminhada e, por vezes, a natação. 
A partir do Ateneu,43 de Raul Pompeia, Pagni demonstrava que nem sempre os 
exercícios indicados nas teses e nos manuais eram utilizados pelos alunos com os objetivos 
propostos pelos professores e diretores. Por vezes, esses exercícios eram um meio de burlar as 
rígidas regras de disciplina imposta aos alunos e uma oportunidade de sair dos muros das 
escolas.44 Essa consideração de Pagni é um indício de um novo olhar que começava a ser 
construído na historiografia da Educação Física. Nos estudos da década de 1980, os autores 
estavam mais preocupados sobre o que se pensou sobre a educação física. Na década de 1990, 
começou-se a dar alguma atenção para os embates entre o que os médicos e diretores 
pretendiam com as práticas de exercício físico e como essas práticas eram apropriadas por 
seus praticantes. 
Em Pagni observa-se a busca nas fontes de uma disciplina escolar, a Educação 
Física,45 que em muitos momentos confundi-se com a ginástica. Nesse trabalho, a busca ainda 
era de uma disciplina escolar ligada ao exercício físico. Outro era o sentido no trabalho de 
Vago,46 que estava tentando entender o processo de escolarização da “Ginástica” nas escolas 
normais de Minas Gerais nos anos finais do século XIX e começo do XX. Entretanto, a partir 
 
42 PAGNI, 1997. 
43 POMPEIA, 2009. 
44 PAGNI, 1997, p. 61-3. 
45 Na década de 1990 acabou por se procurar uma História da Educação Física a partir da Educação Física num momento que 
se questionava o que era a Educação Física. O debate sobre o(s) lugar(s), o(s) objetivo(s) e o(s) conceito(s) para a área da 
Educação Física estava aberto naquele momento e a História da Educação Física não estava de fora desse debate. Sobre o 
debate sobre o conceito de Educação Física nesse contexto: cf.: OLIVERIA, 1983; GAYA, 1994; TAFFAREL e ESCOBAR, 
1994; BRACHT, 1995; SANTIN, 1995; GHIRALDELLI JUNIOR, 1995; LOVISOLO, 1995; COSTA, 1996; PALAFOX, 
1996. 
46 VAGO, 1997. 
22 
 
de suas fontes ele percebeu que a educação física não era entendida, então, como um 
componente curricular específico ou como uma disciplina escolar. 
Vago apresentou uma educação física ligada à tríade da educação intelectual, moral e 
física, em que a educação física estava mais ligada ao aprimoramento do aspecto físico da 
educação, mas não deixava de ser importante nos preceitos morais e intelectuais. Apenas a 
partir de 1890, segundo Vago, apareceu a especialização de um componente curricular 
chamado “Ginástica” dentro da educação física nas escolas normais.47 
A partir das fontes o objeto de pesquisa de Vago transformou-se. Passou da 
“Ginástica” para a educação física na forma mais ampla como se indicava em suas fontes,48 
processo semelhante ao que aconteceu parcialmente em Soares.49 Isso demonstra como o 
contanto com as fontes começou a mudar a forma de se fazer História da Educação Física: 
novos problemas começaram a surgir e novas formas de entender o que era educação física ao 
longo do tempo. Outro aspecto marcante no trabalho de Vago foi o maior número de fontes 
quando comparado aos trabalhos anteriormente analisados. 
A questão das fontes foi um importante tema de debate na historiografia da Educação 
Física na década em 1990. Pode-se citar, por exemplo, a recorrência a crítica ao baixo número 
de fontes documentais nos trabalhos da área50 e o desenvolvimento de um volume da coleção 
Pesquisa História na Educação Física que privilegiou essa discussão.51 
Em 1998, Carlos Fernando Cunha Junior52 publicou um levantamento realizado na 
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro sobre documentos publicados em língua portuguesa 
relacionados à educação física e à ginástica no século XIX. Nesse levantamento foi totalizado 
um total de dezoito documentos: três eram teses médicas, nove livros-manuais de educação 
física/ginástica e um manual que não era apenas sobre educação física, entretanto, possuía 
grande parte dedicada a educação física.53 
 
47 VAGO, 1997, p. 34-5. 
48 Sobre o processo de mudança durante a leitura das fontes cf. DUBY, 1993. 
49 SOARES, 2004. 
50 MELO et al., 1998; MELO, 1999; CUNHA JUNIOR, 1998. 
51 FERREIRA NETO, 1998. 
52 CUNHA JUNIOR, 1998. 
53 CUNHA JUNIOR, 1998, p 21-5. 
23 
 
Além de buscar esses documentos, Cunha Junior os transformou em fontes.54 Sua 
principal questão era descobrir quem produziu os manuais e livros destinados à educação 
física, chegando à conclusão de que esses manuais eram produzidos por médicos e ex-alunos 
dos cursos de ginástica e que havia uma circularidade de conhecimentos entre esses dois 
grupos.55 
Um ponto interessante no trabalho de Cunha Junior era a busca de um enfoque menos 
“sintético” e “genérico” como, usualmente, podia-se encontrar nos trabalhos da historiografia 
da Educação Física da década de 1980.56 Essa busca de conclusões menos generalizantes era 
uma novidade na História da Educação Física e o trabalho de Cunha Junior é um exemplo 
importante desse movimento. 
Paralelamente a esses autores, Victor Andrade de Melo57 apontava que a ginástica não 
era o único conteúdo nas aulas de educação física no século XIX. Segundo sua pesquisa, o 
esporte dividia espaço com a ginástica entre os conteúdos das aulas de Educação Física. Para 
chegar a essa conclusão, Melo utilizou uma fonte pouco comum na historiografia da 
Educação Física naquele momento: o Jornal do Comercio. Além desse jornal, encontrava-se 
entre suas fontes a legislação e o Parecer de Rui Barbosa. 
Seu trabalho apresentava conclusões muito originais para o período. Ele percebeu que, 
embora a legislação determinasse a ginástica como conteúdo das práticas de exercícios físicos 
escolarizados e houvesse uma maior valorização da ginástica de forma geral, podia-se 
observar que, principalmente nas escolas com influência européia, o esporte tinha grande 
penetração e que, por vezes, a ginástica e o esporte conviviam como conteúdos possíveis.58 
Com isso poder-se-ia supor que nem sempre o que estava escrito nos documentos oficiais era 
respeitado no cotidiano das escolas. Essa conclusão vai ao encontro do texto de Pagni59 que 
também percebeu que nem sempre o escrito era respeitado. As conclusões de Melo e Pagni 
abriam novas possibilidades para a História da Educação Física, outras histórias poderiam ser 
contadas. 
 
54 A partir das perguntas do historiador que os documentos tornam-se fontes, assim, de certa forma o historiador inventa suas 
fontes. Cf. LARA, 2003. 
55 CUNHA JUNIOR, 1998, p. 25-8. 
56 CUNHA JUNIOR, 1998, p. 22. 
57 MELO, 1998. 
58 MELO, 1998, p. 60-1. 
59 PAGNI, 1997. 
24 
 
Grande parte das pesquisas de 1990 já percebia que no século XIX a educação física 
não era utilizada para designar uma disciplina escolar. Entretanto, o enfoque dessas pesquisas 
estava na busca de um componente curricular ligado ao exercício físico na escola ou algo 
parecido. Como já foi apontado, Vago60 caminhava num outro sentindo, mas foi no texto fruto 
de algumas reflexões da tese de doutoramento61 de Carmen Lúcia Soares que essa questão 
ganhou destaque.62 
O objetivo do texto Imagens do corpo “educado: um olhar sobre a ginástica no século 
XIX63 era entender como se deu o projeto de “educação corporal” na sociedade ocidental 
moderna, principalmente a partir do século XIX, lançando foco na ginástica de Amoros.64 
Para isso, Soares utilizava como principal fonte o Nouveau Manuel d’education physique, 
gymnastique et morale de 1838. Mas, a ênfase maior do trabalho deu-se no diálogo com 
autores que tratam o corpo no século XIX como: Vigarello, Revel, Vovelle, Foucault e 
Bakthin.Nesse texto, a educação do corpo ganha grande espaço em suas reflexões. Talvez, o 
“corpo” seja tematizado para resolver a questão da distinção entre “Educação Física” e 
“educação física” que aparecia no livro fruto de sua dissertação de mestrado.65 De uma forma 
diferente da que fez em Educação Física: raízes européias e Brasil, a partir de sua tese, muito 
influenciada por Foucault e Vigarello, Soares deu mais ênfase ao segundo termo “educação 
física” correlacionando-o à “educação do corpo” como “pedagogia do gesto e da vontade”.66 
A partir da leitura de minhas fontes também percebo que a “educação física” 
representava uma gama ampla de aspectos, mas será que na minha pesquisa é necessária a 
utilização da “educação do corpo” como conceito para compreender as propostas sobre 
formas de higienizar a população por meio da “educação física” expressas por membros do 
saber médico nos anos finais do século XIX? Ou será que é possível operar com a “educação 
física” como conceito para análise? 
 
60 VAGO, 1997. 
61 SOARES, 1996. Também foi publicada uma versão deste trabalho em livro: SOARES,1998. 
62 SOARES, 1997. 
63 SOARES, 1997. 
64 SOARES, 1996, p. 5. 
65 SOARES, 2004. 
66 SOARES, 1996. 
25 
 
1.3 - Possibilidades de análise em breve diálogo com a historiografia 
recente: educação física ou educação do corpo? 
Em prefácio de livro sobre o tema da educação do corpo na escola,67 Soares defendeu 
a “educação do corpo na escola” como objeto possível para a História da Educação e História 
da Educação Física.68 Ela afirmava que o estudo da educação do corpo na escola é 
intermediado por uma gama de saberes e práticas que vão da higiene às boas maneiras, dos 
usos da água como forma de prazeres específicos ou como forma de limpeza, dos modos de 
alimentar-se, vestir-se, amar, dos modos de adoecer, de curar-se, de se exercitar, de nascer e 
morrer.69 Ao analisar as minhas fontes em conjunto com a produção da historiografia da 
educação física percebi que a educação física nos anos finais do século XIX era entendida de 
forma ampla e que abarcava os aspectos que Soares apontava como “intermediadores” da 
educação do corpo. Isso me fez crer que a educação do corpo poderia ser uma ferramenta para 
análise das minhas fontes. 
Isso mudou a partir de algumas críticas realizadas na qualificação de mestrado, e com 
algumas leituras realizadas na disciplina de Historiografias do século XX, ministrada pelo 
professor Marcus Vinicius Corrêa Carvalho. Nessa disciplina entrei em contato com dois 
textos E. P. Thompson70 nos quais argumentava-se que o historiador deve realizar sua 
pesquisa com uma concepção, simultaneamente, fertilizada por conceitos sociológicos e 
arredia diante de categorias sociológicas. A teoria sociológica não pode prevalecer sobre o 
fenômeno histórico que propomos analisar. Com isso, veio a seguinte questão: ao utilizar a 
“educação do corpo” como chave para a análise, eu não estaria impondo uma categoria 
forjada no presente sobre o fenômeno histórico que quero analisar? Afinal, as fontes 
demonstram que o sentido amplo da educação física daria conta de sustentar a análise do que 
os médicos englobavam nos cuidados com os corpos. Mais adequado não seria usar o próprio 
conceito que eles utilizavam? O mais adequado não seria pensar a educação física como uma 
expressão de época? Para resolver esse impasse voltei minha atenção para textos que 
tratassem de objetos próximos ao meu para perceber como a “educação física” está sendo 
utilizada em parte da historiografia da educação física recente sobre o século XIX. 
 
67 OLIVEIRA, 2006. 
68 SOARES, 2006, p. x. 
69 SOARES, 2006, p. xiii. 
70 THOMPSON, 1998a, p. 63; THOMPSON, 1998b, p. 102. 
26 
 
Edivaldo Góis Junior,71 pretendeu compreender a “mentalidade” médica sobre a 
“Ginástica” como prática corporal escolarizada no contexto do Brasil do século XIX e início 
do século XX, utilizando como fontes as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e 
da Faculdade de Medicina da Bahia, documentos da Academia Imperial de Medicina e da 
Escola Normal de São Paulo. 
Em seu trabalho, percebe-se uma crítica às explicações “estruturantes” sobre a 
“Ginástica” presentes na historiografia da Educação Física da década de 1980. A preocupação 
com a “Ginástica” na escola demonstrava que esse autor estava focando seu estudo em uma 
prática de exercício escolarizado, mesmo percebendo que a “educação física” era entendida 
naquele momento de forma muito mais ampla do que era a “Ginástica”.72 
Nesse trabalho, em certos momentos, ocorreu um uso indiscriminado do termo 
educação física. Por vezes, ele era utilizado para designar a “Ginástica”, outras vezes uma 
disciplina escolar e, ainda a educação física de forma ampla. O termo educação física, às 
vezes aparece com letras maiúsculas73 e outras minúsculas.74 Nesse trabalho não parece 
propor-se uma preocupação com a diferenciação do que se queria designar por educação 
física. Talvez, esse fato deva-se pela não centralidade deste termo no artigo. 
O tema central era mesmo a “Ginástica”. A “Ginástica” como objeto no trabalho de 
Góis Junior parece estar relacionada à busca constante na historiografia da Educação Física de 
atentar para objetos que de alguma forma lembrem uma prática de exercício físico no 
ambiente escolar. 
Um texto que contava com Góis Junior e mais dois de seus orientandos75 tinha o 
objetivo de descrever o contexto de escolarização da Educação Física no século XIX mediante 
o discurso médico. Nesse trabalho as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e da 
Bahia foram usados como fontes, sendo selecionadas aquelas que possuíam os termos 
“collegios”, “escholar”, “hygiene escholar”, “educação physica” e “gymnastica”. 
Esses autores chegaram à conclusão de que a relevância da ginástica era “secundária” 
no “projeto higienista” e que a “mentalidade higienista” colaborou para a lenta difusão dos 
 
71 GÓIS JUNIOR, 2013. 
72 GOÍS JUNIOR, 2013, p. 147. 
73 GÓIS JUNIOR, 2013, p. 149. 
74 GÓIS JUNIOR, 2013, p. 154. 
75 COSTA, SANTOS e GÓIS JUNIOR, 2014. 
27 
 
exercícios físicos no século XIX. Esses autores apontam também que, no final do século XIX, 
a ginástica tornou-se mais importante na defesa do “projeto higienista” dos médicos. 
Para os autores, a ginástica era “secundária” porque era uma das partes da proposta de 
higiene defendida pelos médicos. A ginástica não ocupava um lugar central dentro da 
educação física. Na proposta de educação física, a ginástica dividia espaço com uma gama 
ampla de aspectos. 
Acredito que seja possível relativizar papel secundário da ginástica a partir de outra 
perspectiva que considere que a ginástica estava envolvida num amplo projeto de reforma da 
sociedade pela higiene defendida pelos médicos. Dentro desse projeto a ginástica dividia 
espaço com outras propostas, também importantes, que deveriam agir em conjunto na 
higienização da população. Esse projeto acabava refletindo no que os médicos chamavam de 
educação física. Olhando dessa forma a ginástica não era secundária, mas parte de um projeto 
mais amplo. Esse olhar é possível se não buscarmos entender a educação física como algo 
necessariamente ligado ao exercício físico e sim tentando entende-la dentro do que os 
médicos compreendiam como educação física.76 
Acredito que esse olhar sobre a documentação poderia dar outra perspectiva sobre o 
que os médicos concebiam por educação física, sem a necessidade da utilização de um 
conceito como a “educação do corpo”, por exemplo.77 O próprio termo educação física, por 
sua abrangência, oferece eficácia heurística para está pesquisa. Porque a história nasce no 
presente,78 é imprescindível que ela seja necessária agora,79 além de atentar para que as 
categorias criadas no presente não sobreponham ou eliminem o fenômeno histórico que se 
quer pesquisar. Em nenhum momento a“educação do corpo” foi tratada nas fontes, mas a 
“educação física” sim. 
As perguntas que nascem no presente devem ser constantemente modificadas a partir 
da leitura das fontes,80 nesse processo de pesquisa, acabei indo em direção à “educação 
física”. Pretendi fazer uma história do que era entendido como “educação física” e as relações 
com as propostas de formas de higienizar a população segundo parte da medicina nos anos de 
 
76 Embora COSTA, SANTOS e GÓIS JÚNIOR (2014) reconheçam a amplitude do termo educação física e critiquem autores 
que não entendam o termo dessa forma, eles acabam por focar quase que exclusivamente sobre a ginástica. 
77 SOARES, 2006. 
78 Isso também foi apontado no texto de Soares, 2006, p.x. 
79 LE GOFF e NORA, 1974, p. 127. 
80 Processo semelhante pode ser observado em DUBY, 1993, p. 25. 
28 
 
1870 e 1892. Estive assim, atento ao que se entendia como “educação física” no contexto 
histórico e cultural da época. 
Fazer uma História da educação física sobre os anos finais do século XIX não significa 
negar a ginástica, ou outras formas de exercícios físicos. Esses objetos são de grande 
importância para o entendimento da educação física, mas fazer a História da Educação Física 
no século XIX é também estar atendo aos outros elementos que a envolviam. A possibilidade 
de pensar a educação física para além de práticas corporais, sem negá-las, foi o exercício que 
tentei realizar durante essa dissertação. 
Trabalhei com a hipótese de que para higienizar a população brasileira os autores da 
documentação pesquisada defendiam que a educação física deveria ter um espaço, uma 
graduação, um lugar e um tempo específico para ser ensinada. A educação física deveria se 
enquadrar numa forma escolar, tendo a escola moderna como o lugar ideal e parâmetro para a 
crítica à cultura escolar no Brasil Imperial. Essa crítica viria se agravar no período 
republicano, sendo a escola imperial colocada sob o signo do atraso, da precariedade, da 
sujeira, da escassez e do mofo, escolas entendidas impróprias, pobres, incompletas e 
ineficazes. Essa crítica nasceu nos tempos do Império.81 Trabalho com a hipótese de que os 
médicos estavam entre os que criticavam a cultura escolar vigente naquele momento e que 
buscavam, a partir da higiene, criar propostas para outra cultura escolar. 
 
 
81 SCHUELER e MAGALDI, 2009. 
29 
 
 
Capítulo 2 - Teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro 
sobre educação física: formas de higienizar 
Com o entendimento de que a medicina via a educação física como uma das maneiras 
de higienizar a população. Pretendo, nesse capítulo, compreender as formas propostas de 
higienizar a população por meio da educação física defendidas nas teses para obtenção do 
título de doutor em medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre os anos de 
1870 e 1892. Para isso, elegi como documentação as teses que tratavam dos temas da 
educação física e da higiene escolar no período pesquisado. 
2.1 - Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: local de construção da 
medicina oficial 
Mal se tinha passado um mês de seu aniversário de 24 anos e João da Matta Machado 
defendeu sua tese para obtenção do título de doutor em medicina pela Faculdade de Medicina 
do Rio de Janeiro no dia 15 de dezembro do ano de 1874, com a presença de S. M. o 
Imperador Pedro II.82 
Provinciano de Diamantina, João da Matta Machado, aos 14 anos foi obrigado pelos 
escassos meios de instrução de sua terra natal a ir para o Rio de Janeiro estudar no “afamado” 
Colégio de Santo Antonio que era dirigido pelo “respeitável ancião”, “enaltecido no 
magistério”, Conego Pereira, no ano de 1865.83 Sua experiência, nada agradável naquele 
colégio, foi a maior inspiração para o tema de sua tese de doutorado em medicina: “Educação 
física, moral e intelectual da mocidade no Rio de Janeiro”.84 
Talvez nunca saibamos se o pai de João da Matta Machado lhe disse: “vais conhecer o 
mundo”, “coragem para a luta”,85 como disse o pai de Sérgio, personagem do Ateneu, de Raul 
Pompeia.86 Mas, pelo relato contido em sua tese, pode-se perceber sua similaridade com 
Sérgio no que diz respeito à angustia de viver longe dos cuidados da família no rigor de um 
internato do Brasil Imperial. 
 
82 MACHADO, 1874. 
83 MACHADO, 1874, p. 58. 
84 MACHADO, 1928. 
85 POMPEIA, 2009, p. 7. 
86 POMPEIA, 2009. 
30 
 
Como no Ateneu, de Aristarco, o corpo docente do Colégio de Santo Antonio era 
escolhido de forma meticulosa que com a severidade do diretor, garantia o progresso rápido 
de seus pensionistas. Entretanto segundo Machado, “aprendia-se e estudava-se muito, mas 
sofria-se muito”.87 
Segundo seu relato, o regime interno do Colégio consistia em: todos os alunos se 
levantavam às cinco horas da manhã no verão e às seis horas no inverno. Meia hora era 
destinada ao asseio e a uma curta oração na capela. Seguia-se o estudo em uma vasta sala bem 
clara e arejada até às sete horas e meia. Após os estudos era servido o almoço que consistia 
em uma xícara de uma mistura de um líquido pardo-escuro de gosto especial - que “por 
metáfora”88 se chamava café com leite - e um pão de Provença de dois vinténs. Depois dessa 
refeição, seguia-se para um pequeno recreio até às oito horas, em seguida aulas até às duas 
horas da tarde sem o menor descanso. 
Das duas até às duas e meia era permitido sob a vigilância de um censor que os 
pensionistas fossem às latrinas. Até está hora, isto é, durante um intervalo de oito horas, não 
era permitido a ninguém satisfazer as necessidades fisiológicas. 
Às duas e meia jantava-se. Os alimentos eram abundantes e “até bem preparados”.89 
Depois do jantar, seguia-se o recreio na sala de estudos que durava o tempo que o diretor 
levava para palitar os dentes, ou seja, “três, quatro ou cinco minutos.”90 Continuavam os 
estudos e as aulas até às cinco horas da tarde, seguido de um recreio até as seis horas no 
inverno e até às seis horas e meia no verão. Quando chovia não era permitido que os 
pensionistas saíssem no recreio até que o terreno secasse completamente, de modo que 
durante os trinta dias do mês, pelo menos quinze eram perdidos. Mesmo quando não chovia, 
divertimentos ruidosos não eram permitidos e eram severamente punidos. 
Depois do recreio, todas as janelas eram fechadas, acendiam-se grande número de 
bicos de gás e todos os estudantes encostados em bancos na parede estudavam em “silêncio 
sepulcral”91 até às oito horas da noite. A ceia, que seguia-se imediatamente ao fim dos 
estudos, consistia em chá e um pão de oitenta gramas ou uma rosca chamada barão. Depois 
 
87 MACHADO, 1874, p. 58. 
88 MACHADO, 1874, p. 58. 
89 MACHADO, 1874, p. 58. 
90 MACHADO, 1874, p. 58. 
91 MACHADO, 1874, p. 58. 
31 
 
dessa refeição, seguia-se um recreio de dez minutos e uma oração na capela, finda todos se 
retiram para os dormitórios que eram “acanhados relativamente ao número de alunos.”92 
Outras disciplinas completavam a rotina interna do estabelecimento de internato em 
que João da Matta Machado estudou. Só era permitido beber água durante o jantar, sendo 
apenas um copo. Beijava-se a mão do diretor quatro vezes ao dia, os pensionistas banhavam-
se às quartas-feiras e aos sábados em bacias com água fria. Os castigos eram “bolos”, prisões, 
jejuns e privações de recreio, distribuídos com bastante liberdade. Machado lembrou que: 
“uma vez contamos os bolos dados pelo diretor em um dia e a soma elevou-se ao espantoso 
número de 368!”93 As prisões, “celulares, úmidas e imundas”,94 quase sempre estavam 
ocupadas. Os jejuns não eram menos comuns. 
Em resumo: “alimento insuficiente, falta absoluta de exercícios, castigos excessivos, 
estudos por demais prolongados e, sobretudo, a cruel e bárbara privação da liberdade de 
satisfazer as necessidades corporais.”95 Uma educação anti-higiênicana visão de João da 
Matta Machado. A partir do que experimentou em sua vida escolar, em sua tese, ele propunha 
uma nova maneira de se pensar a escola, que viesse superar o modelo experimentado por ele 
no Colégio de Santo Antonio. Esse modelo de escola deveria ser baseado no conhecimento 
médico da higiene. 
Após a apresentação de sua tese, ocorreu uma arguição que se seguiu ao voto por 
escrutínio secreto sobre sua aprovação. Cinco avaliadores tinham direito a voto, mas a decisão 
foi unânime para a aprovação com distinção do novo doutor João da Matta Machado.96 A 
partir daquele momento, João da Matta Machado estaria autorizado a exercer a medicina em 
todo o território do Império brasileiro. 
Entretanto a história do ensino institucionalizado da medicina no Rio de Janeiro não 
começou a partir da defesa da tese de João da Matta Machado e nem mesmo a partir da 
criação da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Antes disso, a formação dos médicos 
processava-se por iniciativas que datam da chegada da Corte portuguesa ao Brasil em 1808. 
 
92 MACHADO, 1874, p. 58. 
93 MACHADO, 1874, p. 58. 
94 MACHADO, 1874, p. 58. 
95 MACHADO, 1874, p. 58. 
96 MACHADO, 1874. 
32 
 
Entre os anos de 1808 e 1809, foram criadas as cadeiras de Anatomia; Terapêutica 
Cirúrgica e Particular; Medicina Clínica Teórica e Prática e Princípios Elementares da 
Matéria Médica e Farmacêutica, cadeiras que deram início à Escola de Anatomia, Cirurgia e 
Medicina do Rio de Janeiro.97 
Em 1813, a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina foi reorganizada e seus estatutos 
foram alterados, transformando-se na Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. Essa 
mudança se deu após a disputa de projetos de reformulação das escolas cirúrgicas, separando, 
de um lado, a proposta de Navarro de Andrade e, do outro, a do Dr. Manuel Luis Carvalho de 
Andrade, tendo prevalecido o projeto deste último. Credita-se às rivalidades profissionais e 
intrigas políticas a não aprovação, por D. João VI, do Plano de Navarro.98 
Pela subordinação excessiva à Corte e pela falta de profissionais médicos no Brasil, 
pressões por novas reformas ganharam força a partir do final de 1820. Em 1831, a Câmara 
dos Deputados solicitou à Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro que emitisse parecer 
sobre a reforma das duas academias Médico-Cirúrgicas que se encontravam em 
funcionamento no Brasil. Após dezoito sessões da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, 
o projeto foi remetido à Câmara dos Deputados em julho de 1831 e, após ligeiras 
modificações, deu origem ao Decreto de 3 de outubro de 1832 que transformou as Academias 
Médicos-Cirúrgicas em Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. O mesmo 
decreto instituía os cursos de Medicina, de Farmácia e de Partos. As novas faculdades 
seguiam o modelo ambientalista e anatomoclínico francês que consistia em recolher 
informações junto ao paciente (clínica) e fazer ligações entre os sintomas e a presença de 
lesões orgânicas (anatomia patológica).99 Além das técnicas da clínica e anatomia patológica 
o médico examinava, sucessivamente, a “circunfusa”, a “ingesta”, a “excreta”, a “applicata”, 
a “percecpta” e a “gesta”. Nesse modelo, a doença mantinha uma referência direta com os 
“temperamentos”, as “idiossincrasias” e a “constituição” da pessoa, bem como com os 
agentes externos: miasmas, calor, pressão atmosférica, umidade, temperatura, gases químicos. 
Todos esses elementos deveriam agir em conjunto para conduzir ou retirar as pessoas do 
estado mórbido.100 
 
97 GONDRA, 2004, p. 65-8. 
98 GONDRA, 2004, p. 68. 
99 Sobre o desenvolvimento do método anatomoclínico cf. FAURE, 2012. Sobre o caso brasileiro cf. EDLER, 2011. 
100 FERREIRA, MAIO. AZEVEDO, 1997. GONDRA, 2004, p. 58-70. EDLER, 2003, p. 148. 
33 
 
A partir do momento da criação das faculdades só elas poderiam conceder os títulos de 
doutor em medicina, farmacêutico e parteira, sem os quais ninguém poderia legalmente curar, 
ter botica, ou partejar, excetuando médicos, cirurgiões, boticários e parteiras autorizados em 
virtude de lei anterior.101 
Segundo Benchimol, a criação das faculdades de medicina era uma tentativa de 
normalização do saber médico que servia como estratégia para tornar cada vez mais legítimo 
o poder médico sobre a saúde e combater as intransigentes práticas “populares” englobadas 
sob o rótulo depreciativo, por parte dos médicos, de “charlatanismo”.102 
Em 1854, foram aprovados os primeiros estatutos da Faculdade de Medicina do Rio de 
Janeiro. Esses estatutos basearam-se no modelo anatomoclínico francês e aumentavam o 
poder do Diretor que era escolhido pelo governo em relação à Congregação de professores.103 
O Diretor tinha o poder de suspender as decisões da Congregação caso as julgasse ilegais ou 
injustas, dando parte ao Governo para tomar a decisão final.104 
Depois da criação dos primeiros estatutos, o curso de medicina passou a ser de seis 
anos constituindo-se de dezoito cadeiras divididas em três Seções, a saber: Ciências 
Acessórias, Ciências Cirúrgicas e Ciências Médicas. Para concluir o curso o doutorando 
deveria defender uma tese.105 
Na década de 1860, muitos médicos foram para a Europa completar seus estudos 
voltando para o Brasil com uma formação especializada e de ensino prático com técnicas 
aprendidas em laboratórios. Esses médicos vinham influenciados pelo modelo germânico de 
medicina experimental que se universalizava por toda a Europa. Essa nova forma de pensar a 
medicina pretendia estudar os fenômenos a partir de métodos positivos da física e da química 
concebendo as funções orgânicas como processos materiais e energéticos submetidos às leis 
mecânicas e termodinâmicas.106 
A partir da década de 1870, a medicina experimental começou a conquistar mais 
adeptos no Brasil, principalmente entre os médicos mais jovens. Os adeptos desse modelo 
 
101 PIMENTA, 2004, p. 72. 
102 BENCHIMOL, 1992, p. 115-6. 
103 EDLER, 1992, p. 39-52. 
104 BRASIL, 1854, art. 6. 
105 BRASIL, 1854, art. 3-5, art. 119. 
106 TEIXEIRA e EDLER, 2012, p. 107. GOMES, 2009. EDLER, 1992, p. 109-128. 
34 
 
começaram a formular críticas ao modelo anatomoclínico. Uma das críticas mais 
contundentes viria do parecer elaborado por Vicente Cláudio Figueiredo de Sabóia, que 
realizou uma viagem científica comissionada pelo governo a faculdades médicas na França, 
Itália, Bélgica, Inglaterra e Alemanha.107 Além desse parecer, outros espaços como os 
periódicos médicos e as Conferências Populares da Glória fortaleceram as críticas ao modelo 
de ensino médico em vigor naquele momento.108 
No dia 25 de outubro de 1884, pelo decreto 9311,109 já sob a gestão de Sabóia como 
diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foram sancionados os novos estatutos da 
Faculdade. Com ele, ampliou-se o número de cadeiras de dezoito para vinte e seis, cada uma 
delas com um professor adjunto e lentes catedráticos. A cada um dos quatorze laboratórios, 
ficava vinculado um preparador fixo e um ajudante. Dificultou-se a transferência de cadeiras 
entre os lentes para favorecer a especialização nos assuntos relativos às suas disciplinas.110 
Esses Estatutos foram modificados após a proclamação da Republica em 1891111 quando a 
Faculdade ampliou o número de cadeiras para vinte nove e o de laboratórios para dezesseis. 
Além do número de cadeiras, pode-se perceber com os estatutos de 1884112 e 1891,113 
que a clínica e as disciplinas práticas ganharam mais espaço na formação médica em 
comparação com 1854.114 Nos anos finais do século XIX, buscava-se formar um médico mais 
experiente no trato das doenças brasileiras e conhecedor dos aspectos práticos da profissão em 
 
107 TEIXEIRA e EDLER, 2012, p. 108. 
108 EDLER, 1992. 
109 BRASIL, 1884. 
110 EDLER, 1992, p. 219. 
111 BRASIL, 1891. 
112 Em 1884 o curso de Ciências Médicas e Cirúrgicaspossuía as cadeiras de Física médica; Química Mineral e Mineralogia 
Médicas; Botânica e Zoologia Médicas; Anatomia Descritiva; Histologia Teórica e Prática; Química Orgânica e biológica; 
Fisiologia Teórica e Experimental; Anatomia e Fisiologia Patológica; Patologia Geral; Patologia Médica; Patologia 
Cirúrgica; Matéria Médica e Terapêutica, especialmente brasileira; Obstetrícia; Anatomia Cirúrgica, Médicina operatória e 
Aparelhos; Farmacologia e arte de formular; Higiene Pública e Privada e História da Medicina; Medicina legal e 
Toxicologia; Clínica Médica de Adultos I; Clínica Médica de Adultos II; Clínica Cirúrgica de Adultos I; Clínica Cirúrgica de 
Adultos II; Clínica Obstétrica e Ginecológica; Clínica e Policlínica Médica e Cirúrgica de Crianças; Clínica Oftalmológica; 
Clínica Psiquiátrica. (BRASIL, 1884). 
113 Em 1891 o Curso possuía as cadeiras de Botânica e Zoologia Médicas; Química Analítica e Toxicologia; Física Médica; 
Histologia; Anatomia Descritiva; Fisiologia; Anatomia Médico-Cirúrgica e Comparada; Patologia Geral e História da 
Medicina; Anatomia e Fisiologia Patológicas; Obstetrícia; Operações e Aparelhos; Medicina Legal; Higiene e Mesologia; 
Terapêutica e Matéria Médica; Química Inorgânica Médica; Clínica Propedêutica; Clínica Médica I; Clínica Médica II; 
Clínica Cirúrgica I; Clínica Cirúrgica II; Clínica Obstétrica e Ginecológica; Clínica psiquiátrica e de moléstias nervosas; 
Clínica Pediátrica; Clínica Dermatológica e Sifiligráfica; Clínica Oftalmológica; Química Orgânica e Biologica; 
Farmacologia e Arte de Formular; Patologia Medica; Patologia Cirúrgica. (BRASIL, 1891). 
114 BRASIL, 1854. 
35 
 
contraposição à formação “livresca” do período anterior às reformas da década de 1880. 
Buscava-se também um médico mais ligado aos métodos positivos de fazer ciência.115 
2.2 - A organização das teses 
Neste capítulo, foco nas propostas para higienizar a população por meio da educação 
física contidas nas teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre os anos de 1870 e 
1892, entendendo as teses como um documento capaz de dar indícios de como ocorria a 
formação médica e das propostas defendidas e debatidas dentro do seio dessa instituição tão 
importante para a medicina brasileira no período. 
Pelo menos desde 1854, a tese era necessária para se adquirir o título de doutor em 
medicina. Exigência específica dentre os cursos da Faculdade, ela mostrava que os médicos, 
diferentemente do farmacêutico, do dentista ou da parteira, necessitavam, obrigatoriamente, 
demonstrar capacidade argumentativa-intelectual na defesa da tese tanto na fase oral como 
escrita. Mas, a estrutura e o nível de liberdade do autor para a escolha do tema variou durante 
a existência da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. 
A liberdade de escolha sobre o tema das teses, pelos estatutos de 1854, era bem 
limitada. Por esses estatutos, os lentes em exercício deveriam enviar ao Diretor dez questões 
sobre a matéria de suas cadeiras para, que posteriormente, fossem aprovadas pela 
Congregação da Faculdade. Para formular a tese, o doutorando deveria escolher um ponto 
dentre as questões aprovadas para escrever uma dissertação e mais um ponto de cada sessão 
para escrever proposições,116 e, mais seis aforismos de Hipócrates. Antes da defesa, as teses 
deveriam ser aprovadas por uma comissão revisora composta de opositores117 nomeados pela 
Congregação para verificar se as teses não feriam os estatutos ou versavam sobre doutrina não 
autorizada. Só depois dessa aprovação, a tese poderia ser defendida perante a banca. 
A partir de 1884, as teses eram compostas de uma dissertação, três proposições sobre 
cada cadeira do curso e seis aforismos de Hipócrates ou outro tratado clássico. Os pontos 
sobre os quais os estudantes poderiam escrever seguia a mesma lógica dos estatutos de 1854, 
 
115 GOMES, 2009. 
116 A Seção de ciências acessórias compreendia as cadeiras de Física; Mineralogia; Zoologia; Medicina Legal; Farmácia. A 
Seção de ciências cirúrgicas as cadeiras de Patologia Externa; Anatomia topográfica; medicina operatória e aparelhos; Partos, 
moléstias de mulheres pejadas e de recém nascidos; Clínica Externa. A Seção médicas as cadeiras de Patologia Geral; 
Patologia interna; Matéria Medica e terapêutica; Higiene e História da Medicina; Clínica interna. (BRASIL, 1854). 
117 De acordo com os estatutos de 1854, a função de opositor suprimiria a de lente substituto. Os cargos de substitutos seriam 
suprimidos à medida que fossem vagando. Os ordenados dos opositores variavam de acordo com as funções desempenhadas, 
que podiam ser de preparadores nos gabinetes ou de professores na falta de um dos catedráticos (BRASIL, 1854). 
36 
 
em que os professores enviavam os pontos ao diretor para depois serem aprovados pela 
Congregação. Para realizar a defesa no fim do ano, o doutorando deveria apresentar a tese em 
manuscrito até o fim do mês de agosto para que ela fosse julgada por uma comissão 
examinadora, composta de um lente e dois adjuntos, nomeada pela Congregação. Essa 
comissão deveria verificar se a tese estava conforme os estatutos e não continha doutrina, 
frase ou palavra “inconveniente” ou “desrespeitosa”. 
Só a partir de 1891, a dissertação passou a ser escrita sobre um tema livre relativo a 
uma das cadeiras. À essa dissertação deveriam se somar proposições sobre todas as cadeiras 
do curso. Pela primeira vez os candidatos não eram mais obrigados a escrever os seis 
aforismos de Hipócrates. Apenas a partir desse estatuto as teses passaram a não precisar 
passar pela censura prévia à defesa.118 Pode-se deduzir que a partir dos estatutos de 1891, 
aparentemente, já haveria uma maior autonomia do doutorando na escolha do tema, bem 
como das doutrinas que mobilizaria. 
A forma de compor as bancas de defesa também variou ao longo do tempo na 
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1854, com antecedência de oito dias à defesa, a 
Congregação designaria três catedráticos e dois substitutos ou opositores para arguir sobre a 
tese. O lente mais antigo argumentaria sobre a dissertação. Cada componente da banca 
argumentaria por vinte minutos, começando pelo mais novo e sendo o último o mais antigo. 
Depois da arguição a banca votaria por escrutínio secreto. Todos os cinco tinham direito a 
voto, precisando para a aprovação maioria simples. 
Em 1884, seria na primeira sessão do ano e no dia dezesseis de novembro que as 
comissões examinadoras deveriam ser nomeadas pela Congregação. Na verdade, quem 
escolhia as bancas era o Diretor, designando comissões compostas por cinco lentes aceitos em 
votação simbólica pela Congregação. Na defesa, a arguição começaria pelo lente mais novo e 
terminaria pelo mais antigo, cada lente disporia de vinte minutos. Terminada a defesa, sairiam 
da sala o doutorando e assistentes e, fechadas as portas, a comissão examinadora procederia 
ao julgamento, cujo resultado o secretário lançaria no livro respectivo por termo assinado 
pelos examinadores. 
Em 1891, as mesas examinadoras de teses seriam compostas cada qual por cinco 
professores eleitos pela Congregação. Das de Clínica, fariam parte, os professores de Clínica 
Médica, os de Clínica Cirúrgica, o de Clínica Obstétrica. Nos exames de teses, o julgamento 
 
118 BRASIL, 1891, art. 161. 
37 
 
versaria sobre o mérito do trabalho e sobre o conhecimento demonstrado durante a 
apresentação da tese. O julgamento seria coletivo e a votação nominal. 
O capítulo se foca nos textos resultantes do ritual de defesa das teses. Como se pode 
perceber pelos estatutos de 1854, 1884 e 1891, a autonomia do doutorando variou durante o 
tempo, sendo que em 1891 ele tinha maior liberdade para a escolha do tema. Essa autonomia 
relativa torna a tese um documento que pode dar pistas das doutrinas autorizadas sobre a 
educação física dentro do espaço da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro naquele 
períodode transição de uma medicina anatomoclínica para uma de cunho experimental. Para 
a análise desse capítulo, trabalho com cinco teses defendidas para a obtenção do título de 
doutor em medicina que tinham como temas a educação física e a higiene escolar. 
No ano de 1874, foram defendidas três teses sobre o tema da educação física. Naquele 
momento, os estatutos em vigor determinavam que os temas das teses deveriam ser escolhidos 
pelos autores a partir de pontos previamente determinados pelos professores. Essas três teses 
versaram sobre o ponto da cadeira de higiene. É curioso o fato das três teses possuírem 
praticamente o mesmo título, possivelmente esse era o título do ponto da cadeira de higiene. 
Isso indica, ainda mais, que a autonomia era relativa no trato do tema nas teses. 
Em 1884, foi defendida uma tese de proposições sobre a higiene escolar também sobre 
o ponto da cadeira de higiene. Em 1992, foi defendia uma tese sobre educação física também 
sobre o ponto da cadeira de higiene. 
Os autores das teses foram: em 1874, Amaro Ferreira das Neves Armonde,119 Augusto 
Cesar de Miranda Azevedo,120 João da Matta Machado.121 Em 1884: João Costa da Silva 
Nunes.122 Em 1892: Severino de Sá Brito123. 
 
119 Amaro Ferreira das Neves Armonde, natural de Vitória, era filho do professor e jornalista Manoel Ferreira das Neves e de 
dona Rosa das Neves. Formou-se aos 20 anos de idade em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 
1883, foi nomeado médico adjunto do Hospital da Gamboa. Em 1885 foi nomeado diretor e professor da Seção de Botânica 
do Museu Nacional. Faleceu no dia 7 de março de 1944, aos 91 anos, na Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro. Em 
sua homenagem, o Museu Botânico de Berlim denominou Neves-armondia cordifolia K. Schum a uma espécie vegetal 
(SEÇÃO DE MUSEOLOGIA, 2007/2008, p. 17). 
120 Augusto César de Miranda Azevedo, mais conhecido por Miranda Azevedo, nasceu em Sorocaba em 1851. Enquanto 
acadêmico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro assinou o Manifesto Republicano. Em abril de 1875, no Rio de 
Janeiro, Miranda Azevedo foi o pioneiro realizando conferência enfocando a teoria evolutiva de Charles Darwin. Miranda 
Azevedo foi o primeiro redator da Revista Médica do Rio de Janeiro. Era também lente de medicina legal e nomeado 
catedrático de higiene pública da Faculdade de Direito de São Paulo. 
121 Nasceu em Diamantina em 1850. Matriculou-se na Faculdade de Medicina da Corte depois de ser destaque no curso de 
Humanidades. Na vida acadêmica, destacou-se escrevendo nas revistas escolares e mostrando-se adepto das idéias liberais e 
republicanas. Depois de formado, regressou a Diamantina para exercer ali sua profissão. Envolvendo-se nas lutas do Partido 
Liberal da sua região, foi eleito deputado provincial no biênio de 1878 a 1879. Foi eleito deputado diversas vezes no período 
da monarquia e da república. 
38 
 
2.3 - A educação como problema 
Amaro Ferreira Armonde começou sua tese com a seguinte afirmação: “[...] a síntese 
de todos os problemas sociais – a educação.”124 Pensar a educação como a síntese de todos os 
problemas do Brasil a tornava, ao mesmo tempo, a responsável e a redentora dos problemas 
nacionais. Tudo dependeria se os preceitos da higiene fossem ou não seguidos. Segundo 
Gondra, para os médicos no Brasil do século XIX, o país só poderia se desenvolver e se 
civilizar a partir do momento em que a educação fosse pensada pelos preceitos da higiene.125 
Civilizar o Brasil era um ponto fundamental na visão das elites do Brasil Imperial. 
Para eles, segundo Faria Filho, civilizar a população consistia em realizar sua formação 
intelectual e moral que aconteceria por meio da mudança de hábitos, de valores e de modos de 
viver. Essas mudanças seriam alcançadas por um processo de difusão de “luzes” para iluminar 
os espíritos numa variada gama de instituições, dentre elas: a escola.126 
Nesse sentido, na tese de João da Matta Machado a educação, por exemplo, seria “a 
arte que se aplica a dirigir a influência das causas externas e internas para um fim 
determinado e preconcebido [...].”127 Em sua visão, a educação teria como finalidade 
desenvolver a pessoa e protegê-la contra as influências exteriores, dirigindo-a para um fim 
escolhido, baseada nos conhecimentos da higiene. Educar por meio da higiene seria o 
“aperfeiçoamento” do indivíduo. 
Já é um axioma banal a influência da educação sobre o caráter do indivíduo, a sua importância 
sobre os hábitos, inclinações, vícios ou virtudes do homem. Indagai qual foi a educação de 
qualquer indivíduo, os exemplos que lhe deram na infância; e podereis concluir com muita 
probabilidade qual o fundo do seu caráter.128 
No texto de Machado, percebe-se a defesa de que a infância era uma época 
determinante para a formação do caráter do indivíduo e que, por isso, a educação deveria agir 
principalmente sobre essa fase da vida.129 A construção do argumento de Machado parece 
 
122 João Costa da Silva Nunes, natural do Rio de Janeiro, concluiu o doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina do 
Rio de Janeiro em 1884. Defendeu dissertação sobre o Ópio, tártaro e sangrias na terapêutica infantil e dentre as 
proposições um dos temas foi sobre a higiene escolar (NUNES, 1884). 
123 Severino de Sá Brito, era natural do Rio Grande do Sul, nasceu no ano de 1862. Doutorou-se em 1892 defendendo tese 
sobre a cadeira de Higiene com o tema da Educação Física. (BRITO, 1892). 
124 ARMONDE, 1874, p. I. 
125 GONDRA, 2004. 
126 FARIA FILHO, et. al., 2008, p. 74-9. 
127 MACHADO, 1874, p. 17. 
128 MACHADO, 1874, p. 9. 
129 MACHADO, 1874, p. 9. 
39 
 
estar relacionada a uma forma escolar que se consolidava no século XIX, para qual a infância 
deveria ser a fase apropriada para se educar, com espaços, tempos e instituições voltadas para 
esse fim.130 
Como a questão da educação da mocidade poderia determinar o sucesso ou o fracasso 
do Brasil, João da Matta Machado a entendia como uma questão “política e social” que 
interessava, igualmente ao Estado, à família e ao indivíduo. Em sua visão, formar a população 
era condição necessária para civilizar o Brasil, cada individuo seria importante para o destino 
da nação. Isso fazia com que as camadas mais pobres também devessem ser educadas pela 
escola, “instituição maior da educação”. 
Os projetos para civilizar o Brasil nos anos finais do século XIX eram centrais nas 
questões políticas. Segundo Mello, dentro desses projetos podia-se perceber uma 
contraposição entre o atraso, a centralização, a teologia, o sagrado e os privilégios 
representados pela monarquia em relação com a liberdade, o progresso, o federalismo e a 
ciência representados pela república. Essa contraposição se resumia com uma ligação da 
monarquia ao atraso e da república ao futuro.131 No texto de Machado, percebe-se traços de 
defesas ligados à república naquele período como: o progresso, a ciência, a liberdade e o 
federalismo que seriam alcançados com a difusão da educação. Para a disseminação desses 
ideias pela educação, Machado, se preocupou em traçar os limites e as responsabilidades de 
ação da família, do Estado e da religião.132 
Essas responsabilidades seriam traçadas a partir dos conhecimentos da ciência e da 
higiene. Para que isso fosse possível, a medicina deveria partir de uma análise do estado em 
que a educação se encontrava.133 Olhando para o estado da educação no Rio de Janeiro, 
Augusto Cesar Miranda de Azevedo apontou que a escola não seguia os preceitos da 
higiene.134 Ele chegou a afirmar que não existia na Corte nenhum estabelecimento de ensino 
público ou particular, internato ou externato, que pudesse se isentar das acusações por ele 
feitas sobre o desrespeito aos preceitos de higiene. Nesse sentido, percebe-se que não bastava 
a escolarização da

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