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i UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FELIPE LAMEU DOS SANTOS FORMAS DE HIGIENIZAR POR MEIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA SEGUNDO TESES, CONFERÊNCIAS E PERIÓDICOS MÉDICOS DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 1892 NITERÓI – RIO DE JANEIRO 2016 ii FELIPE LAMEU DOS SANTOS FORMAS DE HIGIENIZAR POR MEIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA SEGUNDO TESES, CONFERÊNCIAS E PERIÓDICOS MÉDICOS DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 1892 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Diversidade, desigualdades sociais e educação. Orientador: Prof. Dr. Marcus Vinicius Corrêa Carvalho Niterói 2016 iii Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá S237 Santos, Felipe Lameu dos. Formas de higienizar por meio da educação física segundo teses, conferências e periódicos médicos do Rio de Janeiro entre 1870 e 1892 / Felipe Lameu dos Santos. – 2016. 142 f. Orientadora: Marcus Vinicius Corrêa Carvalho. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2016. Bibliografia: f. 88-98. 1. Educação física. 2. Higiene. 3. Escola. 4. Escolarização. I. Carvalho, Marcus Vinicius Corrêa. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título. iv FELIPE LAMEU DOS SANTOS FORMAS DE HIGIENIZAR POR MEIO DA EDUCAÇÃO FÍSICA SEGUNDO TESES, CONFERÊNCIAS E PERIÓDICOS MÉDICOS DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 1892 Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: Diversidade, desigualdades sociais e educação Aprovada em 12 de fevereiro de 2016. BANCA EXAMINADORA __________________________________________________________ Prof. Dr. Marcus Vinicius Corrêa Carvalho – Orientador Universidade Federal Fluminense _________________________________________________________ Profa. Dra. Alessandra Frota Martinez de Schueler Universidade Federal Fluminense __________________________________________________________ Prof. Dr. Victor Andrade de Melo Universidade Federal do Rio de Janeiro v AGRADECIMENTOS * Ao Professor Marcus Vinicius Corrêa Carvalho pela dedicação, pela leitura rigorosa e vigorosa dessa dissertação e por ter me dado a oportunidade de trilhar meus primeiros caminhos no campo da História; * Aos Professores Alessandra Frota Martinez de Schueler e Victor Andrade de Melo por participarem desse momento ímpar da minha vida acadêmica e por dedicarem seu tempo para leitura de meu texto; * Aos colegas e amigos de mestrado, especialmente Adrielly e Beth, pelo apoio mútuo nos momentos de dificuldades inerentes ao curso de mestrado; * À Renata pela sua escuta ativa e pelo seu companheirismo. vi POSTERIDADE (...) Assim entraremos para a história deles como outros para a nossa entraram:não como o que somos mas como reflexo de uma reflexão. (Affonso Romano de Sant’anna) vii RESUMO O objetivo desta dissertação foi realizar uma história do que era entendido como “educação física” e as relações com as propostas de formas de higienizar a população brasileira segundo parte da medicina entre os anos de 1870 e 1892. Estive assim, atento ao que se entendia como “educação física” no contexto histórico e cultural da época. Os principais documentos transformados em fontes foram as teses para obtenção do título de doutor em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, as Conferências Populares da Glória e os artigos dos Annaes Brazilienses de Medicina e dos Annaes da Academia de Medicina que tratassem do tema da educação física dentro do período pesquisado. A contribuição que esta dissertação pode dar para as áreas de História da Educação e de História da Educação Física é apontar a possibilidade de que a representação sobre a “educação física” na documentação pesquisada incidia diretamente sobre o processo de institucionalização da forma escolar no Brasil do final do século XIX, imiscuindo-se no processo de escolarização nacional. Palavras-chave: Educação física, higiene, forma escolar, escolarização. viii ABSTRACT This dissertation aims to develop a story of what was understood as “physical education” and the relations with the proposal of hygienizing Brazilian population as a part of medicine between the years 1870 and 1892. So I was observant as to what was seen as physical education in the historic and cultural context of the period. The main documents transformed in sources were the thesis to obtain the title of Doctor in medicine in the Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, the Conferências Populares da Glória and the papers of Annaes Brazilienses de Medicina and Annaes da Academia de Medicina that addressed the theme of physical education in the researched period. The contribution of this dissertation to the fields of Physical Education History and Education History is to point the possibility that the representation of “physical education” in the documents reviewed focused on the process of institutionalization of the school shape in Brazil at the end of the XIX century, meddling in the process of national schooling. Key-Words: Physical Education, Hygiene, School Shape, Schooling. ix APRESENTAÇÃO 11 CAPÍTULO 1 - QUESTÕES SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 16 1.1 - Década de 1980: a historiografia da “crise” na educação física 16 1.2 - A década de 1990: a crítica sobre a crítica 20 1.3 - Possibilidades de análise em breve diálogo com a historiografia recente: educação física ou educação do corpo? 25 CAPÍTULO 2 - TESES DA FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO SOBRE EDUCAÇÃO FÍSICA: FORMAS DE HIGIENIZAR 29 2.1 - Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: local de construção da medicina oficial 29 2.2 - A organização das teses 35 2.3 - A educação como problema 38 2.4 - Educação e disseminação das luzes: formar e instruir 43 2.5 - A formação integral pela educação física 47 2.6 - Formas de uma educação física ampla 51 2.7 - A infância educada pela educação física 60 CAPITULO 3 - CONFERÊNCIAS PÚBLICAS DA GLÓRIA E PERIÓDICOS MÉDICOS: DISPUTAS PELA HIGIENE E PELA CURA 64 3.1 - Conferências Públicas da Glória: um espaço de divulgação do conhecimento científico 64 3.2 - As conferências sobre educação física: a educação integral higiênica 67 3.3 - Os periódicos da Academia Imperial de Medicina 74 3.4 - Educação física nos periódicos: educação física, escolarização e higiene 77 3.5 - Educação física brasileira para os problemas do Brasil 79 3.6 - A escola: um espaço para a educação física 80 x 3.7 - Mãe educada pela educação física 82 3.8 – Ginástica: a forma de criar corpos fortes 83 CONSIDERAÇÕES FINAIS 86 ACERVOS CONSULTADOS 88 REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 91 ANEXO I – TESES DISSERTATIVAS DEFENDIDAS NA FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1870 E 1892 99 ANEXO 2 – ARTIGOS PUBLICADOS NOS ANNAES BRASILIENSES DE MEDICINA ENTRE OS ANOS DE 1870 E 1885 125 ANEXO 3 – ARTIGOS PUBLICADOS NOS ANNAES DA ACADEMIA DE MEDICINA ENTRE OS ANOS DE 1885 E 1890 141 11 Apresentação O Brasil passou por diversos acontecimentos significativos na segunda metade do século XIX. O fim do tráfico de escravos africanos acabou com a reprodução de mão de obra vinda da África, a lei do Ventre Livre acentuou as discussões sobre os rumos que o Brasil iria ter que tomar após o fim do trabalho escravo, grupos sociaispoliticamente marginalizados pelo sistema político imperial exprimiram-se em atividades político-intelectuais contestadoras autônomas, o manifesto republicano de 1870 e a criação do partido republicano propunham a mudança de regime político.1 Com relação à educação, os anos do regime imperial foram marcados pelas discussões sobre a importância da educação intelectual, física e moral no processo de civilização e modernização do Brasil.2 Nas décadas de 1870 e 1880, a instrução e educação dos homens, mulheres e crianças pobres se tornou uma preocupação dos dirigentes imperiais.3 Nesse processo de discussão sobre a educação no Brasil Imperial, o saber médico foi de grande importância.4 O último quartel de século foi o período em que a medicina brasileira começou a se afastar do modelo anatomoclínico e se aproximar do modelo de medicina experimental pautado nos métodos positivos e pela busca de uma nosologia e terapêutica nacional.5 Nas décadas de 1870 e 1880, o movimento pela reforma no ensino médico se fortaleceu culminando nas reformas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre os anos de 1881 e 1884.6 A historiografia da educação física aponta que o saber médico foi um dos mais importantes para a legitimação da educação física no século XIX.7 Embora a educação física não estivesse presente na maioria das escolas brasileiras daquele período, percebia-se um número significativo de defesas para sua implantação, especialmente, a partir da segunda 1 CARULA, 2012; ALONSO, 2002. 2 GONDRA, 2004. 3 SCHUELER, 1997. 4 GONDRA, 2004. 5 EDLER, 2003; EDLER e FONSECA, 2006. 6 EDLER, 1992. 7 SOARES, 2004; GOIS JÚNIOR, 2013; COSTA, SANTOS e GÓIS JÚNIOR, 2014; MELO e PERES, 2014a; MELO e PERES, 2014b. 12 metade do século XIX.8 A defesa da educação física estava, muitas vezes, ligada à crítica à imobilidade nos estabelecimentos escolares, ao excesso de atenção dada à educação intelectual em detrimento da educação física9 e ao entendimento da dimensão higiênica da educação física.10 Após a guerra do Paraguai parece que a ideia de que a educação física relacionada à construção da um povo forte, saudável e capaz de defender a Nação ganhou mais fôlego.11 O que fez novamente a ginástica e a educação física tornarem-se obrigatórias nas escolas de primeiro grau.12 A ideia era de que a educação e a educação física pudessem civilizar e regenerar o povo brasileiro.13 Dentro desse processo, a medicina, por meio do saber da higiene, ocupou um papel central dentro da defesa da implantação da educação física. A higiene tentava legitimar seu modo de intervenção na sociedade a partir da suposição do conhecimento científico como isento de paixões e mais legítimo pela sua neutralidade. Baseada nos conhecimentos da ciência, a higiene teria a capacidade de combater as doenças antes do seu aparecimento e prolongar a vida. A higiene tinha uma perspectiva prescritiva e preventiva, visando evitar, atenuar, corrigir e conservar a saúde.14 Isso daria legitimidade para a higiene prescrever as formas de intervenções individuais e coletivas dentro da sociedade. Dentre essas intervenções encontrava-se a educação física.15 A higiene demarcava o certo e o errado, bem como os caminhos que levariam a um e ao outro. Embora as estratégias pudessem variar entre os médicos, elas confluíam na ideia de que se deveria produzir sujeitos higiênicos, higienizados e higienizadores. Isso implicava em uma série de estratégias para formar esses sujeitos e transmitir os saberes da higiene. Dentre essas estratégias podia-se perceber a educação.16 8 MELO e PERES, 2014a; MELO E PERES, 2014b, p. 79. 9 CUNHA JUNIOR, 1998, p. 36. 10 GONDRA, 2004. 11 SILVA e MELO, 2011. 12 MELO e PERES, 2014a, p. 1140-2. 13 GONDRA, 2004. 14 GONDRA, 2000. 15 GONDRA, 2003, p. 28-30. 16 GONDRA, 2003, p. 26-35. 13 Os médicos alertavam que os preceitos da higiene não eram levados em consideração na educação. A não adoção dos preceitos da higiene na educação poderia acarretar em consequências perniciosas para os alunos: sua deformidade física e moral, seu enfraquecimento físico e diminuição da sua saúde. Considerava-se que a higiene fosse levada em conta para corrigir as irregularidades dos alunos na escola. Esse pensamento dava à higiene o poder de oferecer as respostas e os parâmetros para a organização da escola e da educação.17 Dentro desse contexto, essa pesquisa visa compreender as formas de higienizar a população por meio da educação física segundo parte da medicina entre os anos de 1870 até 1892. As fontes utilizadas foram as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro defendidas para obtenção do título de doutor em Medicina que continham como tema a educação física ou a higiene escolar, as Conferências Públicas da Glória sobre o tema da educação física e artigos de dois periódicos médicos que tratassem desse mesmo tema. Durante a leitura das fontes ficou claro que os conceitos de escolarização, forma escolar e cultura escolar poderiam ser instrumentos importantes para a análise. Tratarei deles nessa pesquisa, inspirado em Faria Filho, Rosa e Inácio,18 e Faria Filho, Gonçalves, Vidal e Paulilo.19 Neste trabalho se entenderá escolarização com um duplo sentido: um em que designa o estabelecimento de processos e políticas concernentes à organização de uma rede, ou redes, de instituições responsáveis pelo ensino da leitura, da escrita, do cálculo e, muitas vezes, da moral e da religião. Nesse primeiro sentido, escolarização da educação física designa a construção de uma rede de instituições responsáveis pelo ensino da educação física. Num segundo sentido, escolarização será entendida por um processo de paulatina produção de referências sociais, tendo a forma escolar de socialização e transmissão de conhecimentos como eixo articulador de sentidos e significados. A forma escolar será apreendida como um modelo de socialização, que embora existisse desde o século XVI, se impôs no ocidente sobre outros modelos a partir do século XIX.20 Para a forma escola, a aprendizagem deveria acontecer num lugar específico e separado das outras práticas sociais, com regras impessoais sobre alunos e professores, num espaço fechado e totalmente ordenado para realização de deveres, num tempo regulado que 17 ROCHA, 2009, p. 124. 18 FARIA FILHO, ROSA e INÁCIO, 2003. 19 FARIA FILHO, GONÇALVES, VIDAL e PAULILO, 2004. 20 JULIA, 2001, p. 4. 14 não deixa espaço para movimentos imprevistos e que por meio do qual se constituem saberes escritos formalizados que produzem efeitos duráveis de socialização.21 Na articulação entre a escolarização e a forma escolar, a escola surge como um espaço racionalizado e próprio para ensinar com seu espaço, tempo, saberes e tratos do corpo específicos: uma nova cultura escolar começa a se formar. Baseado em Julia, entendendo cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar, condutas a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão e incorporação desses conhecimentos, normas e práticas com finalidades que podem variar segundo as épocas.22 Neste texto, trabalho com a hipótese de que parte da medicina estava preocupada em propor a construção de uma cultura escolar racionalizada e baseada na higiene no Brasil dos anos finais do século XIX. Também trabalharei com a hipótese de que para higienizar a população brasileira parte do saber médico defendia que a educação física deveria ter um espaço, uma graduação, um lugar e um tempo específico para ser ensinada. A educação física deveria ser enquadrada dentro da forma escolar. No processo de comunicar esta pesquisa,23 no capítulo 1, realizarei uma discussão historiográfica com parte da historiografia da Educação Física. Nessa discussão, estarei atento às fontes e aos problemas de pesquisa dos trabalhosque estavam interessados em discutir a relação entre a medicina e a educação física nos anos finais do século XIX. Mas, o ponto central desse capítulo será clarear o conceito de educação física utilizado nesta dissertação. Tentarei entender a educação física como os autores das fontes a entendiam. Tentarei compreender a educação física como uma expressão de época. No capítulo 2, apresentarei a análise de cinco teses defendidas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro para obtenção do título de doutor em medicina. Começarei com a história da institucionalização da medicina no Brasil e sua relação com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Depois, apresentarei como ocorria o processo de defesa de tese dentro dessa instituição para em seguida analisar as formas de educação física propostas nessas teses e sua relação com a ideia de higienização da população. 21 VICENT, LAHIRE e THIN, 2001. 22 JULIA, 2001. 23 Seguindo Giovanni Levi, o procedimento de trabalho do historiador pode ser divido em três pontos: pesquisar, resumir e comunicar. Este é o procedimento básico que adotei em minha pesquisa: (1) Investigar nos arquivos os documentos que possam vir a se tornar fontes, (2) depois resumir as anotações e informações de forma que elas se tornem lúcidas e (3) por ultimo transformar o que foi resumido em algo comunicável (LEVI, 2014). 15 Ao analisar as teses, percebi que elas não bastavam para compreender as formas propostas de educação física e seu diálogo com a sociedade. Como uma das próprias teses sugeria, as conferências populares deveriam ser um espaço de para a disseminação das propostas médicas para a população leiga. A partir disso, no capítulo 3, tentarei compreender as formas de educação física nas Conferências Públicas da Glória. Outro corpo documental que julguei importante para esse capítulo foram os periódicos médicos. No caso dessa dissertação foram analisados dois periódicos ligados à Academia Imperial de Medicina, importante instituição médica no Brasil Imperial. 16 Capítulo 1 - Questões sobre a historiografia da educação física Um olhar sobre a produção historiográfica da área da educação física sobre o período do século XIX demonstra que o termo “educação física” não se limitava a algo, necessariamente, ligado ao exercício físico ou a uma disciplina escolar. No século XIX, faziam parte da educação física uma ampla gama de aspectos como: a ginástica, a arquitetura dos edifícios, a alimentação, o banho, o asseio, a dança, o canto e a declamação, a natação, a esgrima, os jogos, o sport, a equitação, os passeios e a caça. Tudo que dizia respeito ao desenvolvimento físico podia ser enquadrado de alguma forma na educação física.24 O termo educação física utilizado no século XIX diferencia-se bastante do entendimento da educação física como área de estudos e disciplina escolar intimamente relacionada ao corpo em movimento como hodiernamente entende-se. Isso implica desafios, dificuldades e possibilidades metodológicas para o estudo histórico da educação física. Duas entradas possíveis serão tratadas nesse capítulo: (1) a possibilidade de estudo da história da educação física no século XIX por meio da história da educação do corpo; (2) a utilização, no trato das fontes, do termo educação física tal qual designavam os autores da documentação, a educação física como uma expressão de época. Sem a pretensão de esgotar o debate sobre as possibilidades metodológicas dos termos “educação física” e “educação do corpo” para o estudo da História da Educação Física no Brasil nos anos finais do século XIX, mas simplesmente visando oferecer subsídios para a construção dessa dissertação, trabalharei com a hipótese de que o termo educação física é o mais adequado para o trato das fontes nesta dissertação. Para defender essa posição realizarei um debate historiográfico atento ao uso do termo educação física, das fontes e dos problemas de pesquisa de parte da produção historiográfica da Educação Física desde a década de 1980 até estudos mais recentes. 1.1 - Década de 1980: a historiografia da “crise” na educação física Durante a década de 1980 muitos trabalhos importantes para a área da Educação Física foram gestados e publicados. Na História da Educação Física brasileira, dentre as publicações mais importantes pode-se incluir os livros Educação Física no Brasil: a história que não se conta, de Lino Castellani Filho;25 Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social 24 A produção historiográfica que apontou o conceito amplo da expressão educação física no século XIX será apontada ao longo do capítulo. 25 CASTELLANI FILHO, 1988. 17 dos conteúdos, de Paulo Ghiraldelli Junior;26 Educação Física: raízes européias e Brasil, de Carmen Lúcia Soares.27 Esses trabalhos foram desenvolvidos no momento que esses autores eram discentes do Programa de Pós-graduação na área de Educação da PUC-SP, um espaço de efervescência do pensamento crítico na Educação naquele momento.28 Não por acaso, esses textos foram de grande importância para o debate da Área da Educação Física que também vivia uma efervescência de pensamento crítico.29 A “crise”, clamada por Medina, que deveria fazer com que a Área Física repensasse sua forma de intervenção na sociedade estava em curso.30 Em maior ou menor grau, os trabalhos da historiografia da Educação Física daquele período buscavam reescrever a História da Educação Física a partir de um viés crítico. O principal alvo das críticas eram os trabalhos de Inezil Penna Marinho que, segundo Castellani, homogeneizavam o conhecimento da área.31 É curioso que, principalmente Castellani Filho e Ghiraldelli Junior, acabaram por praticamente homogeneizar o conhecimento da área entre os estudantes no período da década de 1990.32 Essa unanimidade entre os estudantes deveu-se às características do momento histórico que acirrava de forma maniqueísta as discussões estando boa parte dos estudantes do lado da “Educação Física crítica”, representada por Castellani Filho e Ghiraldelli Junior, e do outro lado os defensores da “Educação Física tradicional” representada por Inezil.33 Sobre o século XIX, Soares, Castellani Filho e Ghiraldelli Junior concordavam com a proposição de que a educação física no Brasil era devedora dos saberes vindos dos meios militares e da medicina. Os três autores seguiam com o argumento de que a educação física do período final do dezenove era pensada como uma forma de melhorar o estado de saúde do brasileiro. Para Castellani Filho, os médicos se preocuparam em denunciar os malefícios das formas e estruturas coloniais de se lidar com o corpo, e, se autoproclamaram como os mais 26 GHIRALDELLI JUNIOR, 1989. O autor deixava claro que esse trabalho não se tratava de um trabalho histórico. Entretanto ele acabou sendo tomado como tal pela área da Educação Física. “É preciso alertar que este texto não é, de forma alguma, um texto de ‘História da Educação Física’.” (p. 35). 27 SOARES, 2004 [1994]. 28 Sobre o contexto da produção do trabalho de Castellani Filho dentro da PUC-SP Cf. FERREIRA NETO, 1996. 29 MELO, 1995, p. 136. 30 MEDINA, 2010. 31 CASTELLANI FILHO, 1988, p. 15. 32 PAIVA, 2003, Discutindo sobre a construção de um Campo da Educação Física afirma que esses autores forjaram o “senso comum” da área sobre o século XIX. Importante salientar que essa autora não entende “senso comum” como algo pejorativo, mas sim como o lugar onde as ideias de encontram. 33 MELO, 1995, p. 136. 18 competentes para redefinir os padrões de conduta física, moral e intelectual dos brasileiros, calcados numa medicina de cunho higienista. Segundo ele, nesse projeto dos médicos, a educação física seria uma forma de redefinição do corpo do brasileiro agindo nos aspectos físicos e morais. Já para Ghiraldelli Junior,a educação física tinha como objetivo disciplinar os hábitos para que as pessoas se afastassem de práticas capazes de provocar a deterioração da saúde e da moral. Soares também concordava com essas proposições. Todavia, sua análise foi mais detalhada e profunda. Um ponto muito importante em seu trabalho foi a distinção entre “Educação Física” e “educação física”. A primeira como um componente da educação formal ligada à prática de atividades físicas, a segunda como algo mais amplo não necessariamente ligado ao corpo em movimento. Dos autores da década de 1980, Soares foi a única que atentou para o fato de que a educação física não representava necessariamente algo relacionado ao corpo em movimento no século XIX. Talvez, isso se devesse a questões metodológicas do trabalho de Soares. Essa autora foi a única a utilizar fontes documentais, tendo contato com textos produzidos no século XIX e podendo perceber que a educação física possuía um conceito muito mais amplo naquele período. Contudo, na pesquisa de Soares, o foco estava no que ela designou por “Educação Física”. Como as perguntas nascem no presente, se os pesquisadores da História da Educação Física não manusearem os documentos eles só poderão se questionar sobre o que se entende por educação física no momento em que suas perguntas são realizadas. Apesar do enfoque dado por Soares ter recaído sobre a “Educação Física”, ela já dá indícios de novas perguntas que podem ser feitas a partir dos documentos que mobilizou. Outra educação física no século XIX ainda estava por ser compreendida. Para os três autores, a educação física estaria ligada a um projeto de educação que propunha uma educação intelectual, moral e física. Essa educação teria como objetivo moldar um novo povo necessário para a instalação do capitalismo no Brasil. Dentro desse modelo, a “educação física” e a “Educação Física” - nos termos de Soares - estariam voltadas, principalmente, para a dimensão física da educação, mas ela apresentava também ligações com as outras dimensões da educação. Como porta-voz desse modelo de educação, os três autores citam Rui Barbosa e o seu parecer destinado à Câmara sobre a reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública de 1883. O parecer de Rui Barbosa foi tão importante 19 nessas análises que certos pontos retirados do texto se repetiam nos trabalhos de Soares e Ghiraldelli Junior, como, por exemplo: A ignorância que nos aflige é está, e somente está: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis o formidável inimigo intestino, que se asila nas entranhas do país.34 Para os autores, esse projeto que tinha Rui Barbosa como porta voz, via a ignorância popular como o maior obstáculo para o desenvolvimento do Brasil e a solução desse problema viria por uma educação física, moral e intelectual. Sobre a forma de análise utilizada nos textos, pode-se notar que, principalmente Castellani Filho e Ghiraldelli Júnior, eram bem panorâmicos. Isso explicava-se pelo momento da produção historiográfica, no qual buscava-se um contraponto com a “História oficial da Educação Física”; leia-se Inezil Penna Marinho.35 Soares, Ghiraldelli Junior e Castellani Filho utilizavam um número bem reduzido de fontes documentais. Ghiraldelli Junior, por exemplo, não utilizava nenhuma fonte além do Parecer de Rui Barbosa para tratar do século XIX, e mesmo essa fonte ele utilizou segunda mão, a partir de um texto de Lourenço Filho: A pedagogia de Rui Barbosa. Castellani Filho também não utilizava nenhuma fonte documental para o século XIX, ele fez menção apenas ao Parecer de Rui Barbosa, citado a partir do livro História Geral da Educação Física, de Inezil Penna Marinho. Outras fontes vieram dos trabalhos de Jurandir Freire Costa, Ordem médica e norma familiar; e Francisco Alencar, História da sociedade brasileira. Carmen Lúcia Soares utilizava algumas fontes documentais para o século XIX. Dentre as elas, o Decreto n. 7.247 de 19 de Abril de 1879 (Reforma Leôncio de Carvalho) e o Parecer de Rui Barbosa. Com relação às fontes, os três estudos careciam de material empírico e utilizavam, principalmente, os trabalhos de Inezil Penna Marinho, justamente o principal autor que essa historiografia buscava criticar. Os problemas metodológicos relacionados ao baixo número de fontes foi questão de debates e críticas na História de Educação Física durante o período da década de 1990. 34 GHIRALDELLI JUNIOR, p. 22; SOARES, 2004, p. 88. 35 FERREIRA NETO, 1996. 20 1.2 - A década de 1990: a crítica sobre a crítica A década de 1990 foi de grande importância para consolidação da área de estudos sobre História da Educação Física no contexto brasileiro. Observar-se uma série de iniciativas que tentavam congregar os novos pesquisadores dessa Área que estavam se formando nos cursos de pós-graduação em Educação Física, Educação e História;36 foram criadas as primeiras linhas de pesquisa ligadas à História da Educação Física em programas Stricto Sensu em Educação Física37 e surgiu o primeiro grupo de pesquisa cadastrado no CNPq sobre o tema.38 Os pesquisadores em História da Educação Física começaram a se organizar no maior espaço de debate da Educação Física no Brasil, o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.39 Surgiram os Encontros Nacionais de Historia da Educação Física e do Esporte e foi produzida a coleção Pesquisa história na Educação Física, organizada por Amarílio Ferreira Neto, da Universidade Federal do Espírito Santo. Também, nessa década, começaram as críticas à historiografia produzida durante a década de 1980 e observou-se uma maior aproximação por parte dos pesquisadores da História da Educação Física das metodologias da área de História. Discussões sobre as fontes utilizadas foram travadas e surgiu uma maior diversidade dos objetos de pesquisa.40 Dentro desse panorama, em que a História da Educação Física buscava novos documentos, reler abordagens metodológicas, rever antigos objetos utilizando fontes mais usuais ou inventando novas formas de reconstruir os indícios,41 é que pretendo fazer um panorama do que foi produzido sobre a educação física e sua relação com a medicina no século XIX. Dialogarei com alguns estudos publicados pela Coleção Pesquisa Histórica na Educação Física. Optei por analisar os trabalhos relacionados à medicina e à educação física no século XIX. Foquei nos argumentos principais dos textos e nas fontes utilizadas, sendo encaminhado para uma discussão sobre o uso do termo educação física ou educação do corpo no trato das fontes. 36 Alguns exemplos que podem ser citados são os Encontros Nacionais de História da Educação Física e do Esporte, a coleção Pesquisa História da Educação Física organizada por Amarílio Ferreira Neto. 37 Em 1996 já encontrava-se linhas de pesquisa voltadas para a História da Educação Física nos programas da Unicamp e Gama Filho (MELO, 1996, p. 41.). 38 MELO, 1996, p. 41. 39 SOARES, 2003a. 40 O volume 3 da coleção Pesquisa Histórica na Educação Física teve como um dos seus temas privilegiados a busca, catalogação e preservação de fontes para a História da Educação Física. (FERREIRA NETO, 1998). Também Cf. Melo et. al, 1998. 41 Também estava ocorrendo um movimento parecido na área da História da Educação, cf. SCHUELER e MAGALDI, 2009. 21 Pedro Angelo Pagni42 tinha como objetivo analisar como a educação física e o esporte fizeram parte dos hábitos e cuidados com o corpo entre os anos 1850 até 1920, bem como, as dificuldades de difusão dessas atividades. Ele utilizava como fontes para tratar do século XIX as teses médicas e os manuais pedagógicos. Contudo ele não especificou quais eram essas teses e esses manuais, prejudicando a crítica de sua análise. Segundo seu trabalho, os exercícios físicos foram indicados nos manuais e nas teses médicas num processode disseminação de hábitos higiênicos que visavam normatizar as famílias e influir na educação das futuras gerações. Segundo ele, a principal função dos exercícios indicados era disciplinar e moralizar a população. Dentre os exercícios físicos indicados podia-se encontrar a ginástica, a caminhada e, por vezes, a natação. A partir do Ateneu,43 de Raul Pompeia, Pagni demonstrava que nem sempre os exercícios indicados nas teses e nos manuais eram utilizados pelos alunos com os objetivos propostos pelos professores e diretores. Por vezes, esses exercícios eram um meio de burlar as rígidas regras de disciplina imposta aos alunos e uma oportunidade de sair dos muros das escolas.44 Essa consideração de Pagni é um indício de um novo olhar que começava a ser construído na historiografia da Educação Física. Nos estudos da década de 1980, os autores estavam mais preocupados sobre o que se pensou sobre a educação física. Na década de 1990, começou-se a dar alguma atenção para os embates entre o que os médicos e diretores pretendiam com as práticas de exercício físico e como essas práticas eram apropriadas por seus praticantes. Em Pagni observa-se a busca nas fontes de uma disciplina escolar, a Educação Física,45 que em muitos momentos confundi-se com a ginástica. Nesse trabalho, a busca ainda era de uma disciplina escolar ligada ao exercício físico. Outro era o sentido no trabalho de Vago,46 que estava tentando entender o processo de escolarização da “Ginástica” nas escolas normais de Minas Gerais nos anos finais do século XIX e começo do XX. Entretanto, a partir 42 PAGNI, 1997. 43 POMPEIA, 2009. 44 PAGNI, 1997, p. 61-3. 45 Na década de 1990 acabou por se procurar uma História da Educação Física a partir da Educação Física num momento que se questionava o que era a Educação Física. O debate sobre o(s) lugar(s), o(s) objetivo(s) e o(s) conceito(s) para a área da Educação Física estava aberto naquele momento e a História da Educação Física não estava de fora desse debate. Sobre o debate sobre o conceito de Educação Física nesse contexto: cf.: OLIVERIA, 1983; GAYA, 1994; TAFFAREL e ESCOBAR, 1994; BRACHT, 1995; SANTIN, 1995; GHIRALDELLI JUNIOR, 1995; LOVISOLO, 1995; COSTA, 1996; PALAFOX, 1996. 46 VAGO, 1997. 22 de suas fontes ele percebeu que a educação física não era entendida, então, como um componente curricular específico ou como uma disciplina escolar. Vago apresentou uma educação física ligada à tríade da educação intelectual, moral e física, em que a educação física estava mais ligada ao aprimoramento do aspecto físico da educação, mas não deixava de ser importante nos preceitos morais e intelectuais. Apenas a partir de 1890, segundo Vago, apareceu a especialização de um componente curricular chamado “Ginástica” dentro da educação física nas escolas normais.47 A partir das fontes o objeto de pesquisa de Vago transformou-se. Passou da “Ginástica” para a educação física na forma mais ampla como se indicava em suas fontes,48 processo semelhante ao que aconteceu parcialmente em Soares.49 Isso demonstra como o contanto com as fontes começou a mudar a forma de se fazer História da Educação Física: novos problemas começaram a surgir e novas formas de entender o que era educação física ao longo do tempo. Outro aspecto marcante no trabalho de Vago foi o maior número de fontes quando comparado aos trabalhos anteriormente analisados. A questão das fontes foi um importante tema de debate na historiografia da Educação Física na década em 1990. Pode-se citar, por exemplo, a recorrência a crítica ao baixo número de fontes documentais nos trabalhos da área50 e o desenvolvimento de um volume da coleção Pesquisa História na Educação Física que privilegiou essa discussão.51 Em 1998, Carlos Fernando Cunha Junior52 publicou um levantamento realizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro sobre documentos publicados em língua portuguesa relacionados à educação física e à ginástica no século XIX. Nesse levantamento foi totalizado um total de dezoito documentos: três eram teses médicas, nove livros-manuais de educação física/ginástica e um manual que não era apenas sobre educação física, entretanto, possuía grande parte dedicada a educação física.53 47 VAGO, 1997, p. 34-5. 48 Sobre o processo de mudança durante a leitura das fontes cf. DUBY, 1993. 49 SOARES, 2004. 50 MELO et al., 1998; MELO, 1999; CUNHA JUNIOR, 1998. 51 FERREIRA NETO, 1998. 52 CUNHA JUNIOR, 1998. 53 CUNHA JUNIOR, 1998, p 21-5. 23 Além de buscar esses documentos, Cunha Junior os transformou em fontes.54 Sua principal questão era descobrir quem produziu os manuais e livros destinados à educação física, chegando à conclusão de que esses manuais eram produzidos por médicos e ex-alunos dos cursos de ginástica e que havia uma circularidade de conhecimentos entre esses dois grupos.55 Um ponto interessante no trabalho de Cunha Junior era a busca de um enfoque menos “sintético” e “genérico” como, usualmente, podia-se encontrar nos trabalhos da historiografia da Educação Física da década de 1980.56 Essa busca de conclusões menos generalizantes era uma novidade na História da Educação Física e o trabalho de Cunha Junior é um exemplo importante desse movimento. Paralelamente a esses autores, Victor Andrade de Melo57 apontava que a ginástica não era o único conteúdo nas aulas de educação física no século XIX. Segundo sua pesquisa, o esporte dividia espaço com a ginástica entre os conteúdos das aulas de Educação Física. Para chegar a essa conclusão, Melo utilizou uma fonte pouco comum na historiografia da Educação Física naquele momento: o Jornal do Comercio. Além desse jornal, encontrava-se entre suas fontes a legislação e o Parecer de Rui Barbosa. Seu trabalho apresentava conclusões muito originais para o período. Ele percebeu que, embora a legislação determinasse a ginástica como conteúdo das práticas de exercícios físicos escolarizados e houvesse uma maior valorização da ginástica de forma geral, podia-se observar que, principalmente nas escolas com influência européia, o esporte tinha grande penetração e que, por vezes, a ginástica e o esporte conviviam como conteúdos possíveis.58 Com isso poder-se-ia supor que nem sempre o que estava escrito nos documentos oficiais era respeitado no cotidiano das escolas. Essa conclusão vai ao encontro do texto de Pagni59 que também percebeu que nem sempre o escrito era respeitado. As conclusões de Melo e Pagni abriam novas possibilidades para a História da Educação Física, outras histórias poderiam ser contadas. 54 A partir das perguntas do historiador que os documentos tornam-se fontes, assim, de certa forma o historiador inventa suas fontes. Cf. LARA, 2003. 55 CUNHA JUNIOR, 1998, p. 25-8. 56 CUNHA JUNIOR, 1998, p. 22. 57 MELO, 1998. 58 MELO, 1998, p. 60-1. 59 PAGNI, 1997. 24 Grande parte das pesquisas de 1990 já percebia que no século XIX a educação física não era utilizada para designar uma disciplina escolar. Entretanto, o enfoque dessas pesquisas estava na busca de um componente curricular ligado ao exercício físico na escola ou algo parecido. Como já foi apontado, Vago60 caminhava num outro sentindo, mas foi no texto fruto de algumas reflexões da tese de doutoramento61 de Carmen Lúcia Soares que essa questão ganhou destaque.62 O objetivo do texto Imagens do corpo “educado: um olhar sobre a ginástica no século XIX63 era entender como se deu o projeto de “educação corporal” na sociedade ocidental moderna, principalmente a partir do século XIX, lançando foco na ginástica de Amoros.64 Para isso, Soares utilizava como principal fonte o Nouveau Manuel d’education physique, gymnastique et morale de 1838. Mas, a ênfase maior do trabalho deu-se no diálogo com autores que tratam o corpo no século XIX como: Vigarello, Revel, Vovelle, Foucault e Bakthin.Nesse texto, a educação do corpo ganha grande espaço em suas reflexões. Talvez, o “corpo” seja tematizado para resolver a questão da distinção entre “Educação Física” e “educação física” que aparecia no livro fruto de sua dissertação de mestrado.65 De uma forma diferente da que fez em Educação Física: raízes européias e Brasil, a partir de sua tese, muito influenciada por Foucault e Vigarello, Soares deu mais ênfase ao segundo termo “educação física” correlacionando-o à “educação do corpo” como “pedagogia do gesto e da vontade”.66 A partir da leitura de minhas fontes também percebo que a “educação física” representava uma gama ampla de aspectos, mas será que na minha pesquisa é necessária a utilização da “educação do corpo” como conceito para compreender as propostas sobre formas de higienizar a população por meio da “educação física” expressas por membros do saber médico nos anos finais do século XIX? Ou será que é possível operar com a “educação física” como conceito para análise? 60 VAGO, 1997. 61 SOARES, 1996. Também foi publicada uma versão deste trabalho em livro: SOARES,1998. 62 SOARES, 1997. 63 SOARES, 1997. 64 SOARES, 1996, p. 5. 65 SOARES, 2004. 66 SOARES, 1996. 25 1.3 - Possibilidades de análise em breve diálogo com a historiografia recente: educação física ou educação do corpo? Em prefácio de livro sobre o tema da educação do corpo na escola,67 Soares defendeu a “educação do corpo na escola” como objeto possível para a História da Educação e História da Educação Física.68 Ela afirmava que o estudo da educação do corpo na escola é intermediado por uma gama de saberes e práticas que vão da higiene às boas maneiras, dos usos da água como forma de prazeres específicos ou como forma de limpeza, dos modos de alimentar-se, vestir-se, amar, dos modos de adoecer, de curar-se, de se exercitar, de nascer e morrer.69 Ao analisar as minhas fontes em conjunto com a produção da historiografia da educação física percebi que a educação física nos anos finais do século XIX era entendida de forma ampla e que abarcava os aspectos que Soares apontava como “intermediadores” da educação do corpo. Isso me fez crer que a educação do corpo poderia ser uma ferramenta para análise das minhas fontes. Isso mudou a partir de algumas críticas realizadas na qualificação de mestrado, e com algumas leituras realizadas na disciplina de Historiografias do século XX, ministrada pelo professor Marcus Vinicius Corrêa Carvalho. Nessa disciplina entrei em contato com dois textos E. P. Thompson70 nos quais argumentava-se que o historiador deve realizar sua pesquisa com uma concepção, simultaneamente, fertilizada por conceitos sociológicos e arredia diante de categorias sociológicas. A teoria sociológica não pode prevalecer sobre o fenômeno histórico que propomos analisar. Com isso, veio a seguinte questão: ao utilizar a “educação do corpo” como chave para a análise, eu não estaria impondo uma categoria forjada no presente sobre o fenômeno histórico que quero analisar? Afinal, as fontes demonstram que o sentido amplo da educação física daria conta de sustentar a análise do que os médicos englobavam nos cuidados com os corpos. Mais adequado não seria usar o próprio conceito que eles utilizavam? O mais adequado não seria pensar a educação física como uma expressão de época? Para resolver esse impasse voltei minha atenção para textos que tratassem de objetos próximos ao meu para perceber como a “educação física” está sendo utilizada em parte da historiografia da educação física recente sobre o século XIX. 67 OLIVEIRA, 2006. 68 SOARES, 2006, p. x. 69 SOARES, 2006, p. xiii. 70 THOMPSON, 1998a, p. 63; THOMPSON, 1998b, p. 102. 26 Edivaldo Góis Junior,71 pretendeu compreender a “mentalidade” médica sobre a “Ginástica” como prática corporal escolarizada no contexto do Brasil do século XIX e início do século XX, utilizando como fontes as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e da Faculdade de Medicina da Bahia, documentos da Academia Imperial de Medicina e da Escola Normal de São Paulo. Em seu trabalho, percebe-se uma crítica às explicações “estruturantes” sobre a “Ginástica” presentes na historiografia da Educação Física da década de 1980. A preocupação com a “Ginástica” na escola demonstrava que esse autor estava focando seu estudo em uma prática de exercício escolarizado, mesmo percebendo que a “educação física” era entendida naquele momento de forma muito mais ampla do que era a “Ginástica”.72 Nesse trabalho, em certos momentos, ocorreu um uso indiscriminado do termo educação física. Por vezes, ele era utilizado para designar a “Ginástica”, outras vezes uma disciplina escolar e, ainda a educação física de forma ampla. O termo educação física, às vezes aparece com letras maiúsculas73 e outras minúsculas.74 Nesse trabalho não parece propor-se uma preocupação com a diferenciação do que se queria designar por educação física. Talvez, esse fato deva-se pela não centralidade deste termo no artigo. O tema central era mesmo a “Ginástica”. A “Ginástica” como objeto no trabalho de Góis Junior parece estar relacionada à busca constante na historiografia da Educação Física de atentar para objetos que de alguma forma lembrem uma prática de exercício físico no ambiente escolar. Um texto que contava com Góis Junior e mais dois de seus orientandos75 tinha o objetivo de descrever o contexto de escolarização da Educação Física no século XIX mediante o discurso médico. Nesse trabalho as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia foram usados como fontes, sendo selecionadas aquelas que possuíam os termos “collegios”, “escholar”, “hygiene escholar”, “educação physica” e “gymnastica”. Esses autores chegaram à conclusão de que a relevância da ginástica era “secundária” no “projeto higienista” e que a “mentalidade higienista” colaborou para a lenta difusão dos 71 GÓIS JUNIOR, 2013. 72 GOÍS JUNIOR, 2013, p. 147. 73 GÓIS JUNIOR, 2013, p. 149. 74 GÓIS JUNIOR, 2013, p. 154. 75 COSTA, SANTOS e GÓIS JUNIOR, 2014. 27 exercícios físicos no século XIX. Esses autores apontam também que, no final do século XIX, a ginástica tornou-se mais importante na defesa do “projeto higienista” dos médicos. Para os autores, a ginástica era “secundária” porque era uma das partes da proposta de higiene defendida pelos médicos. A ginástica não ocupava um lugar central dentro da educação física. Na proposta de educação física, a ginástica dividia espaço com uma gama ampla de aspectos. Acredito que seja possível relativizar papel secundário da ginástica a partir de outra perspectiva que considere que a ginástica estava envolvida num amplo projeto de reforma da sociedade pela higiene defendida pelos médicos. Dentro desse projeto a ginástica dividia espaço com outras propostas, também importantes, que deveriam agir em conjunto na higienização da população. Esse projeto acabava refletindo no que os médicos chamavam de educação física. Olhando dessa forma a ginástica não era secundária, mas parte de um projeto mais amplo. Esse olhar é possível se não buscarmos entender a educação física como algo necessariamente ligado ao exercício físico e sim tentando entende-la dentro do que os médicos compreendiam como educação física.76 Acredito que esse olhar sobre a documentação poderia dar outra perspectiva sobre o que os médicos concebiam por educação física, sem a necessidade da utilização de um conceito como a “educação do corpo”, por exemplo.77 O próprio termo educação física, por sua abrangência, oferece eficácia heurística para está pesquisa. Porque a história nasce no presente,78 é imprescindível que ela seja necessária agora,79 além de atentar para que as categorias criadas no presente não sobreponham ou eliminem o fenômeno histórico que se quer pesquisar. Em nenhum momento a“educação do corpo” foi tratada nas fontes, mas a “educação física” sim. As perguntas que nascem no presente devem ser constantemente modificadas a partir da leitura das fontes,80 nesse processo de pesquisa, acabei indo em direção à “educação física”. Pretendi fazer uma história do que era entendido como “educação física” e as relações com as propostas de formas de higienizar a população segundo parte da medicina nos anos de 76 Embora COSTA, SANTOS e GÓIS JÚNIOR (2014) reconheçam a amplitude do termo educação física e critiquem autores que não entendam o termo dessa forma, eles acabam por focar quase que exclusivamente sobre a ginástica. 77 SOARES, 2006. 78 Isso também foi apontado no texto de Soares, 2006, p.x. 79 LE GOFF e NORA, 1974, p. 127. 80 Processo semelhante pode ser observado em DUBY, 1993, p. 25. 28 1870 e 1892. Estive assim, atento ao que se entendia como “educação física” no contexto histórico e cultural da época. Fazer uma História da educação física sobre os anos finais do século XIX não significa negar a ginástica, ou outras formas de exercícios físicos. Esses objetos são de grande importância para o entendimento da educação física, mas fazer a História da Educação Física no século XIX é também estar atendo aos outros elementos que a envolviam. A possibilidade de pensar a educação física para além de práticas corporais, sem negá-las, foi o exercício que tentei realizar durante essa dissertação. Trabalhei com a hipótese de que para higienizar a população brasileira os autores da documentação pesquisada defendiam que a educação física deveria ter um espaço, uma graduação, um lugar e um tempo específico para ser ensinada. A educação física deveria se enquadrar numa forma escolar, tendo a escola moderna como o lugar ideal e parâmetro para a crítica à cultura escolar no Brasil Imperial. Essa crítica viria se agravar no período republicano, sendo a escola imperial colocada sob o signo do atraso, da precariedade, da sujeira, da escassez e do mofo, escolas entendidas impróprias, pobres, incompletas e ineficazes. Essa crítica nasceu nos tempos do Império.81 Trabalho com a hipótese de que os médicos estavam entre os que criticavam a cultura escolar vigente naquele momento e que buscavam, a partir da higiene, criar propostas para outra cultura escolar. 81 SCHUELER e MAGALDI, 2009. 29 Capítulo 2 - Teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro sobre educação física: formas de higienizar Com o entendimento de que a medicina via a educação física como uma das maneiras de higienizar a população. Pretendo, nesse capítulo, compreender as formas propostas de higienizar a população por meio da educação física defendidas nas teses para obtenção do título de doutor em medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre os anos de 1870 e 1892. Para isso, elegi como documentação as teses que tratavam dos temas da educação física e da higiene escolar no período pesquisado. 2.1 - Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: local de construção da medicina oficial Mal se tinha passado um mês de seu aniversário de 24 anos e João da Matta Machado defendeu sua tese para obtenção do título de doutor em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no dia 15 de dezembro do ano de 1874, com a presença de S. M. o Imperador Pedro II.82 Provinciano de Diamantina, João da Matta Machado, aos 14 anos foi obrigado pelos escassos meios de instrução de sua terra natal a ir para o Rio de Janeiro estudar no “afamado” Colégio de Santo Antonio que era dirigido pelo “respeitável ancião”, “enaltecido no magistério”, Conego Pereira, no ano de 1865.83 Sua experiência, nada agradável naquele colégio, foi a maior inspiração para o tema de sua tese de doutorado em medicina: “Educação física, moral e intelectual da mocidade no Rio de Janeiro”.84 Talvez nunca saibamos se o pai de João da Matta Machado lhe disse: “vais conhecer o mundo”, “coragem para a luta”,85 como disse o pai de Sérgio, personagem do Ateneu, de Raul Pompeia.86 Mas, pelo relato contido em sua tese, pode-se perceber sua similaridade com Sérgio no que diz respeito à angustia de viver longe dos cuidados da família no rigor de um internato do Brasil Imperial. 82 MACHADO, 1874. 83 MACHADO, 1874, p. 58. 84 MACHADO, 1928. 85 POMPEIA, 2009, p. 7. 86 POMPEIA, 2009. 30 Como no Ateneu, de Aristarco, o corpo docente do Colégio de Santo Antonio era escolhido de forma meticulosa que com a severidade do diretor, garantia o progresso rápido de seus pensionistas. Entretanto segundo Machado, “aprendia-se e estudava-se muito, mas sofria-se muito”.87 Segundo seu relato, o regime interno do Colégio consistia em: todos os alunos se levantavam às cinco horas da manhã no verão e às seis horas no inverno. Meia hora era destinada ao asseio e a uma curta oração na capela. Seguia-se o estudo em uma vasta sala bem clara e arejada até às sete horas e meia. Após os estudos era servido o almoço que consistia em uma xícara de uma mistura de um líquido pardo-escuro de gosto especial - que “por metáfora”88 se chamava café com leite - e um pão de Provença de dois vinténs. Depois dessa refeição, seguia-se para um pequeno recreio até às oito horas, em seguida aulas até às duas horas da tarde sem o menor descanso. Das duas até às duas e meia era permitido sob a vigilância de um censor que os pensionistas fossem às latrinas. Até está hora, isto é, durante um intervalo de oito horas, não era permitido a ninguém satisfazer as necessidades fisiológicas. Às duas e meia jantava-se. Os alimentos eram abundantes e “até bem preparados”.89 Depois do jantar, seguia-se o recreio na sala de estudos que durava o tempo que o diretor levava para palitar os dentes, ou seja, “três, quatro ou cinco minutos.”90 Continuavam os estudos e as aulas até às cinco horas da tarde, seguido de um recreio até as seis horas no inverno e até às seis horas e meia no verão. Quando chovia não era permitido que os pensionistas saíssem no recreio até que o terreno secasse completamente, de modo que durante os trinta dias do mês, pelo menos quinze eram perdidos. Mesmo quando não chovia, divertimentos ruidosos não eram permitidos e eram severamente punidos. Depois do recreio, todas as janelas eram fechadas, acendiam-se grande número de bicos de gás e todos os estudantes encostados em bancos na parede estudavam em “silêncio sepulcral”91 até às oito horas da noite. A ceia, que seguia-se imediatamente ao fim dos estudos, consistia em chá e um pão de oitenta gramas ou uma rosca chamada barão. Depois 87 MACHADO, 1874, p. 58. 88 MACHADO, 1874, p. 58. 89 MACHADO, 1874, p. 58. 90 MACHADO, 1874, p. 58. 91 MACHADO, 1874, p. 58. 31 dessa refeição, seguia-se um recreio de dez minutos e uma oração na capela, finda todos se retiram para os dormitórios que eram “acanhados relativamente ao número de alunos.”92 Outras disciplinas completavam a rotina interna do estabelecimento de internato em que João da Matta Machado estudou. Só era permitido beber água durante o jantar, sendo apenas um copo. Beijava-se a mão do diretor quatro vezes ao dia, os pensionistas banhavam- se às quartas-feiras e aos sábados em bacias com água fria. Os castigos eram “bolos”, prisões, jejuns e privações de recreio, distribuídos com bastante liberdade. Machado lembrou que: “uma vez contamos os bolos dados pelo diretor em um dia e a soma elevou-se ao espantoso número de 368!”93 As prisões, “celulares, úmidas e imundas”,94 quase sempre estavam ocupadas. Os jejuns não eram menos comuns. Em resumo: “alimento insuficiente, falta absoluta de exercícios, castigos excessivos, estudos por demais prolongados e, sobretudo, a cruel e bárbara privação da liberdade de satisfazer as necessidades corporais.”95 Uma educação anti-higiênicana visão de João da Matta Machado. A partir do que experimentou em sua vida escolar, em sua tese, ele propunha uma nova maneira de se pensar a escola, que viesse superar o modelo experimentado por ele no Colégio de Santo Antonio. Esse modelo de escola deveria ser baseado no conhecimento médico da higiene. Após a apresentação de sua tese, ocorreu uma arguição que se seguiu ao voto por escrutínio secreto sobre sua aprovação. Cinco avaliadores tinham direito a voto, mas a decisão foi unânime para a aprovação com distinção do novo doutor João da Matta Machado.96 A partir daquele momento, João da Matta Machado estaria autorizado a exercer a medicina em todo o território do Império brasileiro. Entretanto a história do ensino institucionalizado da medicina no Rio de Janeiro não começou a partir da defesa da tese de João da Matta Machado e nem mesmo a partir da criação da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Antes disso, a formação dos médicos processava-se por iniciativas que datam da chegada da Corte portuguesa ao Brasil em 1808. 92 MACHADO, 1874, p. 58. 93 MACHADO, 1874, p. 58. 94 MACHADO, 1874, p. 58. 95 MACHADO, 1874, p. 58. 96 MACHADO, 1874. 32 Entre os anos de 1808 e 1809, foram criadas as cadeiras de Anatomia; Terapêutica Cirúrgica e Particular; Medicina Clínica Teórica e Prática e Princípios Elementares da Matéria Médica e Farmacêutica, cadeiras que deram início à Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina do Rio de Janeiro.97 Em 1813, a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina foi reorganizada e seus estatutos foram alterados, transformando-se na Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. Essa mudança se deu após a disputa de projetos de reformulação das escolas cirúrgicas, separando, de um lado, a proposta de Navarro de Andrade e, do outro, a do Dr. Manuel Luis Carvalho de Andrade, tendo prevalecido o projeto deste último. Credita-se às rivalidades profissionais e intrigas políticas a não aprovação, por D. João VI, do Plano de Navarro.98 Pela subordinação excessiva à Corte e pela falta de profissionais médicos no Brasil, pressões por novas reformas ganharam força a partir do final de 1820. Em 1831, a Câmara dos Deputados solicitou à Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro que emitisse parecer sobre a reforma das duas academias Médico-Cirúrgicas que se encontravam em funcionamento no Brasil. Após dezoito sessões da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, o projeto foi remetido à Câmara dos Deputados em julho de 1831 e, após ligeiras modificações, deu origem ao Decreto de 3 de outubro de 1832 que transformou as Academias Médicos-Cirúrgicas em Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. O mesmo decreto instituía os cursos de Medicina, de Farmácia e de Partos. As novas faculdades seguiam o modelo ambientalista e anatomoclínico francês que consistia em recolher informações junto ao paciente (clínica) e fazer ligações entre os sintomas e a presença de lesões orgânicas (anatomia patológica).99 Além das técnicas da clínica e anatomia patológica o médico examinava, sucessivamente, a “circunfusa”, a “ingesta”, a “excreta”, a “applicata”, a “percecpta” e a “gesta”. Nesse modelo, a doença mantinha uma referência direta com os “temperamentos”, as “idiossincrasias” e a “constituição” da pessoa, bem como com os agentes externos: miasmas, calor, pressão atmosférica, umidade, temperatura, gases químicos. Todos esses elementos deveriam agir em conjunto para conduzir ou retirar as pessoas do estado mórbido.100 97 GONDRA, 2004, p. 65-8. 98 GONDRA, 2004, p. 68. 99 Sobre o desenvolvimento do método anatomoclínico cf. FAURE, 2012. Sobre o caso brasileiro cf. EDLER, 2011. 100 FERREIRA, MAIO. AZEVEDO, 1997. GONDRA, 2004, p. 58-70. EDLER, 2003, p. 148. 33 A partir do momento da criação das faculdades só elas poderiam conceder os títulos de doutor em medicina, farmacêutico e parteira, sem os quais ninguém poderia legalmente curar, ter botica, ou partejar, excetuando médicos, cirurgiões, boticários e parteiras autorizados em virtude de lei anterior.101 Segundo Benchimol, a criação das faculdades de medicina era uma tentativa de normalização do saber médico que servia como estratégia para tornar cada vez mais legítimo o poder médico sobre a saúde e combater as intransigentes práticas “populares” englobadas sob o rótulo depreciativo, por parte dos médicos, de “charlatanismo”.102 Em 1854, foram aprovados os primeiros estatutos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Esses estatutos basearam-se no modelo anatomoclínico francês e aumentavam o poder do Diretor que era escolhido pelo governo em relação à Congregação de professores.103 O Diretor tinha o poder de suspender as decisões da Congregação caso as julgasse ilegais ou injustas, dando parte ao Governo para tomar a decisão final.104 Depois da criação dos primeiros estatutos, o curso de medicina passou a ser de seis anos constituindo-se de dezoito cadeiras divididas em três Seções, a saber: Ciências Acessórias, Ciências Cirúrgicas e Ciências Médicas. Para concluir o curso o doutorando deveria defender uma tese.105 Na década de 1860, muitos médicos foram para a Europa completar seus estudos voltando para o Brasil com uma formação especializada e de ensino prático com técnicas aprendidas em laboratórios. Esses médicos vinham influenciados pelo modelo germânico de medicina experimental que se universalizava por toda a Europa. Essa nova forma de pensar a medicina pretendia estudar os fenômenos a partir de métodos positivos da física e da química concebendo as funções orgânicas como processos materiais e energéticos submetidos às leis mecânicas e termodinâmicas.106 A partir da década de 1870, a medicina experimental começou a conquistar mais adeptos no Brasil, principalmente entre os médicos mais jovens. Os adeptos desse modelo 101 PIMENTA, 2004, p. 72. 102 BENCHIMOL, 1992, p. 115-6. 103 EDLER, 1992, p. 39-52. 104 BRASIL, 1854, art. 6. 105 BRASIL, 1854, art. 3-5, art. 119. 106 TEIXEIRA e EDLER, 2012, p. 107. GOMES, 2009. EDLER, 1992, p. 109-128. 34 começaram a formular críticas ao modelo anatomoclínico. Uma das críticas mais contundentes viria do parecer elaborado por Vicente Cláudio Figueiredo de Sabóia, que realizou uma viagem científica comissionada pelo governo a faculdades médicas na França, Itália, Bélgica, Inglaterra e Alemanha.107 Além desse parecer, outros espaços como os periódicos médicos e as Conferências Populares da Glória fortaleceram as críticas ao modelo de ensino médico em vigor naquele momento.108 No dia 25 de outubro de 1884, pelo decreto 9311,109 já sob a gestão de Sabóia como diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foram sancionados os novos estatutos da Faculdade. Com ele, ampliou-se o número de cadeiras de dezoito para vinte e seis, cada uma delas com um professor adjunto e lentes catedráticos. A cada um dos quatorze laboratórios, ficava vinculado um preparador fixo e um ajudante. Dificultou-se a transferência de cadeiras entre os lentes para favorecer a especialização nos assuntos relativos às suas disciplinas.110 Esses Estatutos foram modificados após a proclamação da Republica em 1891111 quando a Faculdade ampliou o número de cadeiras para vinte nove e o de laboratórios para dezesseis. Além do número de cadeiras, pode-se perceber com os estatutos de 1884112 e 1891,113 que a clínica e as disciplinas práticas ganharam mais espaço na formação médica em comparação com 1854.114 Nos anos finais do século XIX, buscava-se formar um médico mais experiente no trato das doenças brasileiras e conhecedor dos aspectos práticos da profissão em 107 TEIXEIRA e EDLER, 2012, p. 108. 108 EDLER, 1992. 109 BRASIL, 1884. 110 EDLER, 1992, p. 219. 111 BRASIL, 1891. 112 Em 1884 o curso de Ciências Médicas e Cirúrgicaspossuía as cadeiras de Física médica; Química Mineral e Mineralogia Médicas; Botânica e Zoologia Médicas; Anatomia Descritiva; Histologia Teórica e Prática; Química Orgânica e biológica; Fisiologia Teórica e Experimental; Anatomia e Fisiologia Patológica; Patologia Geral; Patologia Médica; Patologia Cirúrgica; Matéria Médica e Terapêutica, especialmente brasileira; Obstetrícia; Anatomia Cirúrgica, Médicina operatória e Aparelhos; Farmacologia e arte de formular; Higiene Pública e Privada e História da Medicina; Medicina legal e Toxicologia; Clínica Médica de Adultos I; Clínica Médica de Adultos II; Clínica Cirúrgica de Adultos I; Clínica Cirúrgica de Adultos II; Clínica Obstétrica e Ginecológica; Clínica e Policlínica Médica e Cirúrgica de Crianças; Clínica Oftalmológica; Clínica Psiquiátrica. (BRASIL, 1884). 113 Em 1891 o Curso possuía as cadeiras de Botânica e Zoologia Médicas; Química Analítica e Toxicologia; Física Médica; Histologia; Anatomia Descritiva; Fisiologia; Anatomia Médico-Cirúrgica e Comparada; Patologia Geral e História da Medicina; Anatomia e Fisiologia Patológicas; Obstetrícia; Operações e Aparelhos; Medicina Legal; Higiene e Mesologia; Terapêutica e Matéria Médica; Química Inorgânica Médica; Clínica Propedêutica; Clínica Médica I; Clínica Médica II; Clínica Cirúrgica I; Clínica Cirúrgica II; Clínica Obstétrica e Ginecológica; Clínica psiquiátrica e de moléstias nervosas; Clínica Pediátrica; Clínica Dermatológica e Sifiligráfica; Clínica Oftalmológica; Química Orgânica e Biologica; Farmacologia e Arte de Formular; Patologia Medica; Patologia Cirúrgica. (BRASIL, 1891). 114 BRASIL, 1854. 35 contraposição à formação “livresca” do período anterior às reformas da década de 1880. Buscava-se também um médico mais ligado aos métodos positivos de fazer ciência.115 2.2 - A organização das teses Neste capítulo, foco nas propostas para higienizar a população por meio da educação física contidas nas teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre os anos de 1870 e 1892, entendendo as teses como um documento capaz de dar indícios de como ocorria a formação médica e das propostas defendidas e debatidas dentro do seio dessa instituição tão importante para a medicina brasileira no período. Pelo menos desde 1854, a tese era necessária para se adquirir o título de doutor em medicina. Exigência específica dentre os cursos da Faculdade, ela mostrava que os médicos, diferentemente do farmacêutico, do dentista ou da parteira, necessitavam, obrigatoriamente, demonstrar capacidade argumentativa-intelectual na defesa da tese tanto na fase oral como escrita. Mas, a estrutura e o nível de liberdade do autor para a escolha do tema variou durante a existência da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A liberdade de escolha sobre o tema das teses, pelos estatutos de 1854, era bem limitada. Por esses estatutos, os lentes em exercício deveriam enviar ao Diretor dez questões sobre a matéria de suas cadeiras para, que posteriormente, fossem aprovadas pela Congregação da Faculdade. Para formular a tese, o doutorando deveria escolher um ponto dentre as questões aprovadas para escrever uma dissertação e mais um ponto de cada sessão para escrever proposições,116 e, mais seis aforismos de Hipócrates. Antes da defesa, as teses deveriam ser aprovadas por uma comissão revisora composta de opositores117 nomeados pela Congregação para verificar se as teses não feriam os estatutos ou versavam sobre doutrina não autorizada. Só depois dessa aprovação, a tese poderia ser defendida perante a banca. A partir de 1884, as teses eram compostas de uma dissertação, três proposições sobre cada cadeira do curso e seis aforismos de Hipócrates ou outro tratado clássico. Os pontos sobre os quais os estudantes poderiam escrever seguia a mesma lógica dos estatutos de 1854, 115 GOMES, 2009. 116 A Seção de ciências acessórias compreendia as cadeiras de Física; Mineralogia; Zoologia; Medicina Legal; Farmácia. A Seção de ciências cirúrgicas as cadeiras de Patologia Externa; Anatomia topográfica; medicina operatória e aparelhos; Partos, moléstias de mulheres pejadas e de recém nascidos; Clínica Externa. A Seção médicas as cadeiras de Patologia Geral; Patologia interna; Matéria Medica e terapêutica; Higiene e História da Medicina; Clínica interna. (BRASIL, 1854). 117 De acordo com os estatutos de 1854, a função de opositor suprimiria a de lente substituto. Os cargos de substitutos seriam suprimidos à medida que fossem vagando. Os ordenados dos opositores variavam de acordo com as funções desempenhadas, que podiam ser de preparadores nos gabinetes ou de professores na falta de um dos catedráticos (BRASIL, 1854). 36 em que os professores enviavam os pontos ao diretor para depois serem aprovados pela Congregação. Para realizar a defesa no fim do ano, o doutorando deveria apresentar a tese em manuscrito até o fim do mês de agosto para que ela fosse julgada por uma comissão examinadora, composta de um lente e dois adjuntos, nomeada pela Congregação. Essa comissão deveria verificar se a tese estava conforme os estatutos e não continha doutrina, frase ou palavra “inconveniente” ou “desrespeitosa”. Só a partir de 1891, a dissertação passou a ser escrita sobre um tema livre relativo a uma das cadeiras. À essa dissertação deveriam se somar proposições sobre todas as cadeiras do curso. Pela primeira vez os candidatos não eram mais obrigados a escrever os seis aforismos de Hipócrates. Apenas a partir desse estatuto as teses passaram a não precisar passar pela censura prévia à defesa.118 Pode-se deduzir que a partir dos estatutos de 1891, aparentemente, já haveria uma maior autonomia do doutorando na escolha do tema, bem como das doutrinas que mobilizaria. A forma de compor as bancas de defesa também variou ao longo do tempo na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1854, com antecedência de oito dias à defesa, a Congregação designaria três catedráticos e dois substitutos ou opositores para arguir sobre a tese. O lente mais antigo argumentaria sobre a dissertação. Cada componente da banca argumentaria por vinte minutos, começando pelo mais novo e sendo o último o mais antigo. Depois da arguição a banca votaria por escrutínio secreto. Todos os cinco tinham direito a voto, precisando para a aprovação maioria simples. Em 1884, seria na primeira sessão do ano e no dia dezesseis de novembro que as comissões examinadoras deveriam ser nomeadas pela Congregação. Na verdade, quem escolhia as bancas era o Diretor, designando comissões compostas por cinco lentes aceitos em votação simbólica pela Congregação. Na defesa, a arguição começaria pelo lente mais novo e terminaria pelo mais antigo, cada lente disporia de vinte minutos. Terminada a defesa, sairiam da sala o doutorando e assistentes e, fechadas as portas, a comissão examinadora procederia ao julgamento, cujo resultado o secretário lançaria no livro respectivo por termo assinado pelos examinadores. Em 1891, as mesas examinadoras de teses seriam compostas cada qual por cinco professores eleitos pela Congregação. Das de Clínica, fariam parte, os professores de Clínica Médica, os de Clínica Cirúrgica, o de Clínica Obstétrica. Nos exames de teses, o julgamento 118 BRASIL, 1891, art. 161. 37 versaria sobre o mérito do trabalho e sobre o conhecimento demonstrado durante a apresentação da tese. O julgamento seria coletivo e a votação nominal. O capítulo se foca nos textos resultantes do ritual de defesa das teses. Como se pode perceber pelos estatutos de 1854, 1884 e 1891, a autonomia do doutorando variou durante o tempo, sendo que em 1891 ele tinha maior liberdade para a escolha do tema. Essa autonomia relativa torna a tese um documento que pode dar pistas das doutrinas autorizadas sobre a educação física dentro do espaço da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro naquele períodode transição de uma medicina anatomoclínica para uma de cunho experimental. Para a análise desse capítulo, trabalho com cinco teses defendidas para a obtenção do título de doutor em medicina que tinham como temas a educação física e a higiene escolar. No ano de 1874, foram defendidas três teses sobre o tema da educação física. Naquele momento, os estatutos em vigor determinavam que os temas das teses deveriam ser escolhidos pelos autores a partir de pontos previamente determinados pelos professores. Essas três teses versaram sobre o ponto da cadeira de higiene. É curioso o fato das três teses possuírem praticamente o mesmo título, possivelmente esse era o título do ponto da cadeira de higiene. Isso indica, ainda mais, que a autonomia era relativa no trato do tema nas teses. Em 1884, foi defendida uma tese de proposições sobre a higiene escolar também sobre o ponto da cadeira de higiene. Em 1992, foi defendia uma tese sobre educação física também sobre o ponto da cadeira de higiene. Os autores das teses foram: em 1874, Amaro Ferreira das Neves Armonde,119 Augusto Cesar de Miranda Azevedo,120 João da Matta Machado.121 Em 1884: João Costa da Silva Nunes.122 Em 1892: Severino de Sá Brito123. 119 Amaro Ferreira das Neves Armonde, natural de Vitória, era filho do professor e jornalista Manoel Ferreira das Neves e de dona Rosa das Neves. Formou-se aos 20 anos de idade em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1883, foi nomeado médico adjunto do Hospital da Gamboa. Em 1885 foi nomeado diretor e professor da Seção de Botânica do Museu Nacional. Faleceu no dia 7 de março de 1944, aos 91 anos, na Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro. Em sua homenagem, o Museu Botânico de Berlim denominou Neves-armondia cordifolia K. Schum a uma espécie vegetal (SEÇÃO DE MUSEOLOGIA, 2007/2008, p. 17). 120 Augusto César de Miranda Azevedo, mais conhecido por Miranda Azevedo, nasceu em Sorocaba em 1851. Enquanto acadêmico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro assinou o Manifesto Republicano. Em abril de 1875, no Rio de Janeiro, Miranda Azevedo foi o pioneiro realizando conferência enfocando a teoria evolutiva de Charles Darwin. Miranda Azevedo foi o primeiro redator da Revista Médica do Rio de Janeiro. Era também lente de medicina legal e nomeado catedrático de higiene pública da Faculdade de Direito de São Paulo. 121 Nasceu em Diamantina em 1850. Matriculou-se na Faculdade de Medicina da Corte depois de ser destaque no curso de Humanidades. Na vida acadêmica, destacou-se escrevendo nas revistas escolares e mostrando-se adepto das idéias liberais e republicanas. Depois de formado, regressou a Diamantina para exercer ali sua profissão. Envolvendo-se nas lutas do Partido Liberal da sua região, foi eleito deputado provincial no biênio de 1878 a 1879. Foi eleito deputado diversas vezes no período da monarquia e da república. 38 2.3 - A educação como problema Amaro Ferreira Armonde começou sua tese com a seguinte afirmação: “[...] a síntese de todos os problemas sociais – a educação.”124 Pensar a educação como a síntese de todos os problemas do Brasil a tornava, ao mesmo tempo, a responsável e a redentora dos problemas nacionais. Tudo dependeria se os preceitos da higiene fossem ou não seguidos. Segundo Gondra, para os médicos no Brasil do século XIX, o país só poderia se desenvolver e se civilizar a partir do momento em que a educação fosse pensada pelos preceitos da higiene.125 Civilizar o Brasil era um ponto fundamental na visão das elites do Brasil Imperial. Para eles, segundo Faria Filho, civilizar a população consistia em realizar sua formação intelectual e moral que aconteceria por meio da mudança de hábitos, de valores e de modos de viver. Essas mudanças seriam alcançadas por um processo de difusão de “luzes” para iluminar os espíritos numa variada gama de instituições, dentre elas: a escola.126 Nesse sentido, na tese de João da Matta Machado a educação, por exemplo, seria “a arte que se aplica a dirigir a influência das causas externas e internas para um fim determinado e preconcebido [...].”127 Em sua visão, a educação teria como finalidade desenvolver a pessoa e protegê-la contra as influências exteriores, dirigindo-a para um fim escolhido, baseada nos conhecimentos da higiene. Educar por meio da higiene seria o “aperfeiçoamento” do indivíduo. Já é um axioma banal a influência da educação sobre o caráter do indivíduo, a sua importância sobre os hábitos, inclinações, vícios ou virtudes do homem. Indagai qual foi a educação de qualquer indivíduo, os exemplos que lhe deram na infância; e podereis concluir com muita probabilidade qual o fundo do seu caráter.128 No texto de Machado, percebe-se a defesa de que a infância era uma época determinante para a formação do caráter do indivíduo e que, por isso, a educação deveria agir principalmente sobre essa fase da vida.129 A construção do argumento de Machado parece 122 João Costa da Silva Nunes, natural do Rio de Janeiro, concluiu o doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1884. Defendeu dissertação sobre o Ópio, tártaro e sangrias na terapêutica infantil e dentre as proposições um dos temas foi sobre a higiene escolar (NUNES, 1884). 123 Severino de Sá Brito, era natural do Rio Grande do Sul, nasceu no ano de 1862. Doutorou-se em 1892 defendendo tese sobre a cadeira de Higiene com o tema da Educação Física. (BRITO, 1892). 124 ARMONDE, 1874, p. I. 125 GONDRA, 2004. 126 FARIA FILHO, et. al., 2008, p. 74-9. 127 MACHADO, 1874, p. 17. 128 MACHADO, 1874, p. 9. 129 MACHADO, 1874, p. 9. 39 estar relacionada a uma forma escolar que se consolidava no século XIX, para qual a infância deveria ser a fase apropriada para se educar, com espaços, tempos e instituições voltadas para esse fim.130 Como a questão da educação da mocidade poderia determinar o sucesso ou o fracasso do Brasil, João da Matta Machado a entendia como uma questão “política e social” que interessava, igualmente ao Estado, à família e ao indivíduo. Em sua visão, formar a população era condição necessária para civilizar o Brasil, cada individuo seria importante para o destino da nação. Isso fazia com que as camadas mais pobres também devessem ser educadas pela escola, “instituição maior da educação”. Os projetos para civilizar o Brasil nos anos finais do século XIX eram centrais nas questões políticas. Segundo Mello, dentro desses projetos podia-se perceber uma contraposição entre o atraso, a centralização, a teologia, o sagrado e os privilégios representados pela monarquia em relação com a liberdade, o progresso, o federalismo e a ciência representados pela república. Essa contraposição se resumia com uma ligação da monarquia ao atraso e da república ao futuro.131 No texto de Machado, percebe-se traços de defesas ligados à república naquele período como: o progresso, a ciência, a liberdade e o federalismo que seriam alcançados com a difusão da educação. Para a disseminação desses ideias pela educação, Machado, se preocupou em traçar os limites e as responsabilidades de ação da família, do Estado e da religião.132 Essas responsabilidades seriam traçadas a partir dos conhecimentos da ciência e da higiene. Para que isso fosse possível, a medicina deveria partir de uma análise do estado em que a educação se encontrava.133 Olhando para o estado da educação no Rio de Janeiro, Augusto Cesar Miranda de Azevedo apontou que a escola não seguia os preceitos da higiene.134 Ele chegou a afirmar que não existia na Corte nenhum estabelecimento de ensino público ou particular, internato ou externato, que pudesse se isentar das acusações por ele feitas sobre o desrespeito aos preceitos de higiene. Nesse sentido, percebe-se que não bastava a escolarização da
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