Buscar

ECONOMIA HETERODOXA x ORTODOXA

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ECONOMIA HETERODOXA x ORTODOXA
Para que possamos entender a diferença entre ortodoxia e heterodoxia temos que entender o significado desses termos. O termo ortodoxia tem sua origem no grego, onde “orthos” significa “reto” e “doxa” significa “fé” ou “crença”. Ortodoxo significa, portanto, aquele que segue fielmente um princípio, norma ou doutrina. Está claro que a origem etimológica do termo ortodoxia não é suficiente para estabelecermos a diferença entre “ortodoxia” e “heterodoxia” na economia, pois um economista marxista que seguisse fielmente os princípios de Marx também poderia ser chamado de “ortodoxo”.
Na academia brasileira de economia o termo economista ortodoxo é usualmente entendido como economista neoclássico, ou seja, aquele economista que compartilha o programa de pesquisa neoclássico, definido a partir de um núcleo duro de proposições formado por alguns princípios básicos: por exemplo a racionalidade econômica, entendida como a maximização de alguma função objetivo (não importa se bem comportada ou não), equilíbrio dos mercados como norma ou “ponto de referência” para o funcionamento do sistema econômico, entre outros.
Adsense 
Deve-se destacar aqui que esses princípios básicos do programa de pesquisa neoclássico são tidos como axiomas, ou seja, fazem parte da “visão de mundo” dos economistas neoclássicos sendo aceitos como “verdades auto-evidentes”, não estando, a princípio, sujeitos a comprovação empírica. Em outras palavras, o que está sujeito ao teste empírico são as conjecturas obtidas a partir de modelos teóricos (o assim chamado “cinturão protetor”) que se baseia nesses princípios; os princípios em si mesmos não estão sujeitos a esse tipo de comprovação.
O conceito de programa de pesquisa é devido a Lakatos (1978), consistindo num conjunto de regras metodológicas que definem os caminhos de pesquisa que devem ser evitados e aqueles que devem ser trilhados. Nesse contexto, o programa de pesquisa possui uma “heurística negativa”, a qual define um conjunto de proposições (o “núcleo” do programa) que não estão sujeitas ao critério de falseabilidade de Popper, ou seja, que são tidas como “irrefutáveis” por parte dos aderentes ao programa de pesquisa. No entorno desse núcleo de proposições são estabelecidas diversas hipóteses auxiliares, as quais devem ser testadas contra os fatos observados.
Além da “heurística negativa”, existe também uma “heurística positiva”, que é constituída por um conjunto parcialmente articulado de sugestões de como mudar e desenvolver as “variantes refutáveis” do programa de pesquisa. Aqui se inclui uma cadeia de modelos cada vez mais sofisticados que buscam “explicar” a realidade. Na formulação dos programas de pesquisa, é de se esperar que algumas de suas variantes particulares (o “cinturão protetor”) sejam refutadas pelos testes empíricos. A função da “heurística positiva” é, portanto, de contornar esses problemas, definindo-se as regras que devem ser obedecidas na construção de novas variantes particulares do programa de pesquisa.
Para Popper, a ciência deveria funcionar com a lógica do modus tollens, tentando falsear teorias e não corroborá-las e é exatamente daí que surge seu método de demarcação. Uma teoria é científica se ela gerar previsões que sejam potencialmente falseáveis. E caso duas teorias tenham passado pelos mesmos testes e sobrevivido, deve-se escolher a que gera mais previsões falseáveis, pois esta é a que tem maior conteúdo empírico. Entretanto, a lógica popperiana ainda apresenta limitações próprias ao tratamento epistemológico das ciências, já que o falsificacionismo ainda é entendido como o método mais adequado para aproximar uma teoria da verdade, um modelo considerado epistemologicamente ideal para a escolha entre teorias científicas, mas que não parece se importar suficientemente com a forma pela qual as ciências são construídas de fato.
O problema é que mesmo enquanto critério de escolha ideal, o método de Popper ainda parece racionalmente incompleto, visto que não é capaz de permitir uma superação definitiva dos impasses lógicos oriundos das aporias do empirismo. Em Popper, a dificuldade de separar o conteúdo empírico de uma teoria de seus elementos puramente teóricos quando de um teste científico se mantem, o que dificulta o teste final visto que as teorias quando colocadas à prova, são colocadas em seu conjunto, não permitindo que se saiba, a priori, qual elo da cadeia foi efetivamente falseado.
Este foi um dos problemas fundamentais que levaram Willard Quine a defender a impossibilidade lógica de se separar conhecimento analítico e sintético. Na prática, portanto, fica difícil, do ponto de vista lógico afirmar que uma teoria deva ser rejeitada por qualquer critério empírico que seja. Sempre será possível logicamente recuperar o conteúdo não empírico de uma teoria, revendo-a e salvando-a de uma suposta refutação. O recurso a hipóteses ad hoc, neste sentido, será sempre uma dificuldade para as pretensões idealistas da epistemologia popperiana.
É em meio a este problema que Thomas Kuhn, um dos maiores filósofos da ciência do século XX, apresenta seu entendimento sobre a evolução do conhecimento científico, a partir do conceito de paradigma. Paradigmas correspondem ao entendimento comum do meio científico sobre os seus objetos de estudo e práticas de pesquisa e sobre as formas e metodologias utilizadas na construção de suas teorias, a partir das quais os cientistas chegam aos seus resultados. Segundo Kuhn, as diferentes ciências evoluem a partir da evolução dos paradigmas. Nos períodos de ciência normal, os cientistas se dedicam a desenvolver a ciência a partir dos valores do seu paradigma; já nos períodos de ruptura ou “revoluções científicas”, um determinado conjunto de valores e metodologias não são mais suficientes para explicar o objeto de estudo e um novo conjunto de valores, um novo paradigma, começa a surgir. Dessa forma, a evolução da ciência ocorre não apenas nos períodos de ciência normal, mas essencialmente nos períodos de ruptura. Tais períodos são necessários e inevitáveis quando novas ideias, estranhas ao entendimento comum dos cientistas, passam a determinar a construção das teorias.
Para Kuhn, as crenças são fundamentais na construção dos paradigmas, e este talvez seja o ponto mais importante de suas ideias, pois elas determinam a forma como determinado grupo científico irá compreender e desenvolver seu objeto de estudo. Essas crenças são fundamentalmente os valores externos à ciência que fazem parte da forma de pensar dos cientistas e que serão, inevitavelmente, incorporados à ciência desenvolvida por eles. Dessa forma, Kuhn está um passo à frente de seus antecessores, no sentido de que apresenta uma interpretação da evolução das ciências que leva em consideração o papel das crenças e dos valores individuais, e que por isso entende que a busca pela “verdade” sempre estará condicionada a estes aspectos.
A forma de pensar kuhniana já aponta para uma maior abertura da filosofia da ciência em direção à hermenêutica. O entendimento de que as ciências são construídas a partir de consensos das comunidades científicas abre espaço para discutir de que forma estes consensos são construídos. Kuhn aponta para a importância da linguagem neste processo, mas não discute de fato o estudo do papel da retórica e da hermenêutica como fazem, entre outros, autores como McCloskey e Rorty, que discutem o papel desses aspectos na filosofia da ciência. De forma ampla, o entendimento desses autores é que, dada a inexistência de uma forma adequada de se chegar à “verdade” científica, e dado também que a evolução das ciências é feita por um processo de construção coletiva, conforme aponta Kuhn, a forma de transmitir conhecimento e de interpretar as informações recebidas possui papel essencial nesse processo. É a partir desses aspectos que os cientistas discutem e debatem, sendo este o meio pelo qual as teorias são construídas e a ciências evoluem.
Nesse contexto e em contraposição à ortodoxia em economia entendida como a adesão ao programade pesquisa neoclássico, a heterodoxia se define como a rejeição ao núcleo duro desse programa. Em outras palavras, os economistas heterodoxos são todos aqueles que discordam da ideia de que o núcleo duro de um programa de pesquisa deva ser construído a partir dos princípios da maximização e do equilíbrio dos mercados (ainda que este seja entendido como um simples ponto de referência). Economistas marxistas, por exemplo, acreditam que uma análise séria a respeito do funcionamento do sistema econômico deve se basear na dinâmica de conflitos entre as classes sociais, particularmente entre capital e trabalho no caso das modernas economias capitalistas.
Nesse paradigma, a racionalidade individual – maximizadora ou não – é irrelevante para o entendimento do funcionamento do sistema econômico. Além disso, a definição de posições de equilíbrio – sejam elas temporárias, nocionais ou apenas atratores – são também vistas pelos adeptos do programa de pesquisa marxista como exercícios inúteis, dado que o que importa são as “leis de movimento” do sistema capitalista. Já economistas (Pós-)Keynesianos não discordam da necessidade de basear a análise econômica no suposto de racionalidade individual, mas acreditam que a incerteza que permeia o ambiente econômico torna impossível analisar as decisões individuais a partir do suposto de maximização de uma função objetivo.
Num contexto de incerteza, dizem os economistas pós-keynesianos, o comportamento dos agentes é baseado em convenções ou rotinas que não só simplificam o processo de tomada de decisão, como ainda permitem aos agentes econômicos lidar com o fato inescrutável da extrema precariedade e incompletude do conjunto de informações sobre os quais decisões racionais devem ser tomadas. O papel da moeda, por exemplo, e da demanda por liquidez adquirem, nesse contexto, papel fundamental para explicar o funcionamento do sistema econômico; algo que a principio parece não fazer sentido para o programa de pesquisa neoclássico.
Essas divergências entre os programas de pesquisa (ou incomensurabilidade para usar um jargão mais kuhniano) são diferenças no núcleo-duro, ou seja, naquela parte dos programas de pesquisa que não são falseáveis no sentido de Popper e que, portanto, não estão sujeitos ao crivo do teste empírico. A refutação empírica só pode ser aplicada às conjecturas desenvolvidas a partir dos modelos teóricos construídos segundo as regras metodológicas definidas pelo núcleo-duro. Daqui se segue que ainda que fosse possível rejeitar empiricamente todas as conjecturas desenvolvidas a partir de todos os modelos teóricos construídos até hoje segundo a lógica do programa de pesquisa neoclássico, ainda assim não poderíamos afirmar que o referido programa de pesquisa foi rejeitado pelos dados. Na melhor das hipóteses poderíamos dizer, seguindo Lakatos, que o programa se tornou degenerativo.
Se os programas de pesquisa não podem ser rejeitados com base em testes empíricos, pois são constituídos a partir de um núcleo-duro não refutável; então a única atitude cientificamente honesta e politicamente democrática é aceitar, conviver e incentivar o pluralismo teórico. Com base na informação que temos hoje não podemos dizer que daqui a 100 anos o programa de pesquisa neoclássico continuará hegemônico na comunidade científica, seja no Brasil ou no exterior. Não podemos descartar, portanto, a possibilidade de que esse programa de pesquisa entre numa trajetória degenerativa, ou seja, que em função do acúmulo de anomalias que não podem ser explicadas a partir de modelos construídos segundo a metodologia definida pelo núcleo-duro, o referido programa comece a recorrer a hipóteses ad-hoc para explicar a existência de tais anomalias.
Existem sinais importantes de que isso já está acontecendo com o programa de pesquisa neoclássico, mas certamente trata-se de um tema que demandaria outro texto. Em suma, para concluir, não é verdade que a diferença entre ortodoxos e heterodoxos no Brasil ou no mundo se resuma ao uso ou não de testes empíricos para aceitar ou refutar conjecturas. A diferença entre ambos os grupos se baseia em diferentes “núcleos duros” os quais não estão sujeitos a comprovação empírica. Nesse contexto, a melhor política será sempre “deixar que mil flores floresçam no campo” e deixar que o tempo, Senhor da Razão, decida quem deve prosperar e quem deve desaparecer.
Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático
 
“Os ‘pacotes’ econômicos [heterodoxos] têm atentado contra os direitos essenciais à liberdade e à propriedade dos cidadãos, contrariando atos jurídicos perfeitos entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado.”
 
O quinquênio dos pacotes
No presente artigo examino duas correntes de interpretação da economia brasileira, a ortodoxa e a heterodoxa, que se constituíram no fulcro central dos debates que se travaram ao longo do ciclo inflacionário iniciado na década de 1960, que perdurou pelas décadas de 1970 e 1980, e se estendeu até meados da década de 1990, quando os índices de inflação reduziram-se consistentemente, graças aos bons resultados alcançados pelo Plano Real.
Para balizar a discussão, apresento a caracterização das duas correntes pelo Prof. Paulo Sandroni em seu Dicionário de economia do século XXI.
Choque ortodoxo – Política econômica de combate à inflação que consiste em realizar um corte brusco na expansão monetária e redução intensa do déficit público, acompanhado de uma liberalização dos preços para que estes encontrem livremente seu ponto de equilíbrio no mercado. Esta política tem como resultantes a elevação da taxa de juros, a redução dos gastos públicos (investimentos), a contenção do consumo e, consequentemente, a recessão econômica, cuja duração e profundidade dependem de uma série de fatores.
Choque heterodoxo – Política econômica de combate à inflação que consiste em aplicar o congelamento de preços em todos os níveis durante um período determinado de tempo e liberar as políticas monetária e fiscal. Diante da inflação intensa que diversos países vêm sofrendo a partir do final dos anos [19]70, a política do choque heterodoxo foi aplicada em vários casos, destacando-se a Argentina, Israel, Bolívia e Brasil.
Prosseguindo, com o objetivo de fornecer mais elementos para a discussão, reproduzo um trecho do primeiro capítulo do livro O heterodoxo e o pós-moderno: o Cruzado em conflito, de Leda Paulani, Amaury Bier e Roberto Messenberg, intitulado O debate teórico acerca da natureza da inflação.
Pode-se identificar no Brasil pelo menos três correntes distintas no que se refere à análise do processo inflacionário. A primeira delas, usualmente cunhada de ortodoxa, identifica como causa persistente da inflação o descontrole orçamentário do Governo que, ao forçar uma expansão exagerada da oferta de moeda, gera tensões inflacionárias.  Este processo pode ser reforçado e autonomizado pelo mecanismo de formação de expectativas inflacionárias por parte dos agentes econômicos. No extremo oposto da ortodoxia encontramos as ideias de Conceição Tavares e Belluzzo. O argumento dos autores parte da crítica à equação keynesiana de preços, caracterizada por mark-ups convencionais sobre custos normais e por uma razoável independência entre os mercados fix e flex-price. Para os autores, esta hipótese não mais se sustenta em função, principalmente, da ruptura do padrão monetário internacional que teria solapado a âncora que garantia um mínimo de estabilidade ao sistema. Por último, temos os “inercialistas”, que partem da separação conceitual do processo inflacionário em dois elementos: a tendência inflacionária e os choques.
Se a primeira, como está explícito, corresponde à visão ortodoxa, a segunda, associada no texto a Tavares e Belluzzo, corresponde à visão heterodoxa. A terceira, como se verá a seguir, reúne componentes das duas correntes, embora seja na maior parte das vezes também relacionada à visão heterodoxa.
O debate entre ortodoxos e heterodoxos, ainda que já existente anteriormente, ganhou força com a então chamada NovaRepública, o primeiro governo de oposição e com um presidente civil a chegar ao poder, depois de mais de 20 anos de regime militar e com presidentes oriundos das Forças Armadas. Ao longo dos governos militares, os responsáveis pela condução da política econômica eram considerados, em maior ou menor grau, monetaristas. Os críticos dessa política acabaram sendo rotulados, genericamente, como estruturalistas.
Na composição que foi obrigado a fazer para constituir sua equipe de governo, Tancredo Neves usou de uma estratégia ousada: indicou um nome ligado à visão monetarista, considerada mais conservadora ou ortodoxa, para o Ministério da Fazenda, seu sobrinho Francisco Dornelles; e para o Ministério do Planejamento, um economista que, embora formado pela USP, tida então como a Meca da ortodoxia, havia alterado sua forma de enxergar as coisas da economia, quer na teoria quer na prática, passando a ser considerado um heterodoxo, João Sayad.
Os analistas, tão logo tomaram conhecimento dessa composição, previram que não seria nada fácil administrar um governo que reunia visões tão distintas nas principais pastas da área econômica. Dornelles formou sua equipe com jovens economistas do Rio, logo apelidados de Menudos, numa analogia com a banda musical constituída por adolescentes que fazia grande sucesso entre a meninada na época. Já Sayad escolheu para assessorá-lo economistas conhecidos como Grupo dos Ph.Ds da USP, entre os quais Andréa Calabi, Francisco Vidal Luna e Philipe Reichstul.
Talvez Tancredo Neves, com sua vasta experiência e ampla respeitabilidade adquirida na fase de transição política, fosse capaz de administrar harmonicamente grupos tão antagônicos. Seu adoecimento às vésperas da posse e seu falecimento alguns dias depois puseram fim a essa possibilidade. José Sarney, que acabou assumindo a Presidência da República em lugar de Tancredo Neves, não havia participado da construção daquela equipe de governo e, desde o primeiro momento, mostrou dificuldade para gerir as duas forças que se contrapunham na tentativa de conduzir a política econômica.
O resultado disso foi que poucos meses depois do início do governo, e sem que a política econômica implementada, de cunho mais ortodoxo, apresentasse resultados expressivos, o próprio Dornelles, percebendo que vinha sendo fritado dentro do Planalto, acabou renunciando, abrindo espaço para o pleno domínio do grupo dos heterodoxos.
Assumiu então o Ministério da Fazenda o empresário Dílson Funaro, de histórica ligação com o PMDB. Observou-se, nesse momento, uma aproximação muito grande não só das pastas da Fazenda e do Planejamento, mas também da pasta da Indústria e Comércio, cujo titular era Roberto Gusmão (ligado ao grupo de Olavo Setúbal), e da Ciência e Tecnologia, que tinha à sua testa o ministro Renato Archer (do grupo ligado a Ulysses Guimarães), que, por sua vez, tinha como seu principal assessor um dos principais economistas oriundos do Instituto de Economia da Unicamp, Luciano Coutinho.
Há que se registrar, nessa época, um fenômeno interessante. Passaram a trabalhar na elaboração de um plano de estabilização, por solicitação do Ministério da Fazenda, economistas ligados à PUC do Rio de Janeiro que vinham desenvolvendo há algum tempo pesquisas avançadas sobre a teoria da inflação inercial. Os mais destacados eram Francisco Lopes, André Lara Resende e Pérsio Arida. Sua contribuição para a formulação do primeiro plano de estabilização, o Plano Cruzado, foi total. Pode parecer uma contradição, uma vez que a PUC-RJ era considerada reduto dos ortodoxos. 
A história, porém, se encarregou de mostrar duas coisas: a primeira é que o plano anunciado continha mudanças essenciais em relação ao que fora inicialmente apresentado pelos seus formuladores, introduzindo desde o primeiro momento medidas de redistribuição de renda que sé deveriam ser contempladas num segundo momento; a segunda é que os formuladores do plano tinham muito pouca influência na sua execução, razão pela qual os interesses político-partidários acabaram se sobrepondo à lógica econômica, transformando algo que era assessório e temporário – o congelamento de preços e salários – em principal e duradouro, o que se mostrou fatal para o futuro do plano.
Teve início então, com o Plano Cruzado (fevereiro de 1986), o período caracterizado pela sucessão de planos heterodoxos de combate à inflação, vindo, na sequência, o Cruzado II (novembro de 1986), Bresser (junho de 1987), Verão (janeiro de 1989), Collor I (março de 1990) e Collor II (janeiro de 1991) . Embora possam ser apontadas algumas diferenças na formulação e execução de cada um, caracterizando-os como mais ou menos heterodoxos, houve um fator comum a todos eles: a tentativa de derrubar a inflação por meio do uso de artificialismos como congelamento de salários e de preços, imposição de tablitas ou desindexadores, adotados mediante decretos-lei ou medidas provisórias.
Os resultados foram decepcionantes, como se observa no trecho a seguir, extraído da publicação Notas: avaliação de projetos de lei, editada pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro:
O absoluto insucesso das tentativas de controle da inflação se fez acompanhar de um grande aumento de sua variabilidade. Nos anos anteriores (1981 a 1985), a inflação aumentara sim, mas de forma menos irregular, ao passo que, subsequentemente, os sucessivos “pacotes” tornaram dificílima a previsão do comportamento dos preços, mesmo em pequenos intervalos de tempo. Como reação a essa imprevisibilidade, o País passou a viver na base do curto-prazo, sem investir produtivamente, sempre na expectativa dos próximos choques, decretos-leis, medidas provisórias, atos normativos etc.
Resultados decepcionantes decorrentes da aplicação de planos heterodoxos não constituíram novidade para os professores Robert Schuettinger e Eamonn Butler, autores do livro Quarenta séculos de controle de preços e salários, que tem o sugestivo subtítulo O que não se deve fazer no combate à inflação.
O Plano Real, adotado em 1994 e responsável pela reconquista da estabilidade econômica, teve como seus principais autores, alguns dos mais destacados formuladores do Plano Cruzado, como Francisco Lopes, André Lara Resende e Pérsio Arida, além de Edmar Bacha. Embora possua alguns componentes tidos como heterodoxos, como a URV, o Plano Real é considerado pala maioria dos analistas como um projeto de engenharia econômica dotado de características predominantemente ortodoxas, ainda que extremamente inovadoras.
De lá para cá, as provocações entre ortodoxos e heterodoxos jamais deixaram de estar presentes nos debates econômicos, quer nas publicações técnicas e nos encontros acadêmicos, quer nos diferentes veículos da mídia.
Artigo publicado em 2004 na Folha de S. Paulo, intitulado Escolas de economia rechaçam ideologia, traz alguma luz ao assunto no sentido de esclarecer, de maneira simplificada, as diferenças entre ortodoxos e heterodoxos:
As doses são diferentes, mas a receita não muda: um pouco mais de história e sociologia na Unicamp (e na UFRJ), os centros mais “heterodoxos”, um pouco mais de matemática e estatística na USP, na PUC-RJ e nos cursos (de Economia) da FGV no Rio e em São Paulo.
Embora válido como esforço de síntese, há que se tomar muito cuidado com qualquer generalização, principalmente quando a mesma envolve rotulações. Afinal, há exemplos aos montes na história econômica de autores que mudaram de posição ao longo de sua trajetória intelectual, pelos mais diferentes motivos.
Esse mesmo perigo encontra-se presente nas comparações e associações surgidas nas trocas de farpas entre adeptos das diferentes correntes de interpretação econômica. João Manuel Cardoso de Mello, ex-integrante da equipe que administrou o Plano Cruzado, de inspiração heterodoxa, por exemplo, afirmou, num artigo publicado pela Revista Bovespa, que “Gustavo Franco é um economista de direita”. Já Gustavo Franco, em seu livro O Plano Real e outros ensaios, identifica uma vigorosa aliança entre heterodoxia e nacionalismo.
Afirmações dessanatureza não costumam ser muito esclarecedoras, ainda mais num país em que as personalidades públicas mudam de posição – ou de partido – com a mesma facilidade e intensidade que algumas pessoas alteram suas preferências de moda. Basta ampliar um pouco o universo temporal da análise para constatar quantos exemplos existem a corroborar essa prática. Quem imaginaria que o Prof. Delfim Netto, grande líder da política econômica adotada durante o regime militar, que tinha na Arena o seu partido de sustentação, e que depois passou longos anos no PDS, sucessor da Arena, e outros tantos no novo sucessor, o PP, acabaria sendo deputado federal pelo PMDB, sucessor do MDB, cujos membros o apontavam como seu principal adversário? Outro exemplo revelador do perigo da rotulação diz respeito ao enquadramento de Maílson da Nóbrega entre os heterodoxos, em razão da existência do congelamento de preços como um dos elementos do Plano Verão, adotado quando ele era ministro da Fazenda. Suas posições, historicamente, alinham-se muito mais às dos chamados ortodoxos.
Essas marchas e contramarchas tornam a compreensão da economia confusa para muitos, o que não deixa de ser verdade. Mas, por outro lado, representam a pitada de pimenta que torna mais acirrados e saborosos os sucessivos debates que a economia nos oferece. Como ilustração disso, encerro este artigo com a controvérsia envolvendo um dos mais polêmicos economistas da ala ortodoxa, revelada pelo artigo Chumbo trocado. Inicialmente, Gustavo Franco recupera a história do pensamento heterodoxo na economia e dispara:
Prima facie, os heterodoxos parecem invariavelmente inovadores, ou mesmo revolucionários, pelo menos até se tornarem – quando suas ideias se mostram bem-sucedidas (o que nem sempre é o caso) – também parte do establishment. Talvez como regularidade, o heterodoxo “médio” não será lembrado por qualquer realização ou reflexão relevante, permanecendo merecidamente na companhia de tantos “alternativos”, místicos, visionários fracassados, falsos profetas, no submundo da história das ideias.
João Sayad, ex-ministro do Planejamento na época do governo Sarney, reage com igual ironia:
Franco é muito culto, mas me impressiona sua presunção nos julgamentos. O curioso é que quando ele faz ou participa de algo heterodoxo – como a criação da URV, que é de autoria do economista Pérsio Arida – vira ortodoxia.
A esta altura o leitor pode querer saber: como se posiciona o próprio Gustavo Franco nesse particular?
No texto de seu livro que trata da URV, para cuja concepção ele desempenhou papel relevante, ele afirma: “A URV ofereceu uma fecunda via entre heterodoxia e ortodoxia”.
Como bem observa Maria Helena Passos, autora do artigo Chumbo trocado, trata-se de uma frase bastante sugestiva para quem encerra seu livro com a cáustica sentença: “A heterodoxia que se tornou establishment não admite a velhice e, recalcada, resiste a tudo que é mudança”.
Em que pese a ressalva contida no artigo quanto aos riscos da rotulação, seguem-se, a título de ilustração, os nomes mais destacados usualmente associados a cada corrente:
Ortodoxos – Mario Henrique Simonsen, Antonio Delfim Netto, Affonso Celso Pastore, Ernane Galvêas, Carlos Geraldo Langoni, Carlos Brandão, Francisco Dornelles e Gustavo Franco.
Heterodoxos – Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, João Manuel Cardoso de Mello, João Sayad, Luciano Coutinho, Luiz Carlos Bresser Pereira, Paulo Nogueira Batista Junior e Carlos Lessa.
Inercialistas – Pérsio Arida, André Lara Resende, Francisco Lopes e
Edmar Bacha.
A ciência econômica é uma ciência social. E como tal, não possui regras e leis fixas como nas ciências naturais. Isso permite que persas correntes de pensamento permeiem a academia econômica e essa está em constante transformação.
Existem persas escolas econômicas, entre elas podemos citar: clássicos, neoclássicos, novos-clássicos, keynesianos, novos-keynesianos, pós-keynesianos, monetaristas entre outros.
Mas assim como existem correntes que pergem radicalmente entre si, existem aquelas que convergem em inúmeros conceitos, diferenciando-se em um ou outro aspecto. De maneira geral, é comum observarmos uma separação ideológica simples, ortodoxos e heterodoxos.
No dicionário, ortodoxia são as doutrinas primeiras, as ditas verdadeiras. Compreende todos os pensadores clássicos e neoclássicos da escola econômica. Defendem, entre outras coisas, a neutralidade da moeda e a tendência natural ao equilíbrio econômico em pleno emprego. Existe uma força que ajusta o mercado de forma livre, sem a necessidade de pressões externas. A Teoria do Equilíbrio Geral é um dos pilares da ideologia, segundo a qual o livre funcionamento do mercado, com a flexibilidade de preços e de fatores de produção leva ao ponto de eficiência máxima.
A Lei de Say é um elemento importante da teoria ortodoxa, segundo esta, toda oferta adicional gera uma demanda adicional. Isso salienta o papel do investimento no mercado, em voga, elementos como custos de produção e utilização eficiente dos fatores.
Na política, entra em cena o liberalismo, que entre outras coisas defendem um mercado livre e com a presença mínima do Estado, além da livre concorrência em esfera nacional e internacional.
As características ortodoxas ficam bem evidentes quando se trata de mecanismo de política econômica. Acreditam que para uma nação crescer é necessário acabar com a inflação e assim possibilitar o crescimento econômico. A inflação deve ser controlada através de políticas fiscais e monetárias contracionistas, o governo deve reduzir os gastos para controlar a demanda global. Tais políticas, todavia, podem trazer conseqüências recessivas, e nem sempre controlar de fato a inflação.
Em uma nova pesquisa ao dicionário, heterodoxia são as doutrinas seguintes, aquelas que estão em desacordo com a ortodoxia. Esse pensamento heterodoxo construiu-se desde os debates e críticas internas do pensamento neoclássico,com Sraffa, por exemplo. Dali em diante, surgiram pensadores como Joan Robinson, Kalecki e atingindo o seu auge com J.M.Keynes.
A ideia é que o sistema não tende ao equilíbrio de maneira espontânea, quando ocorre é temporário e às vezes imperceptível. Alguns autores negam os pressupostos neoclássicos, outros ainda tentam encontrar soluções usando os ceteris paribus ortodoxo. Exaltam o papel das instituições, o Estado, como agente regulador e capaz de promover o crescimento econômico.
O Estado deve se preocupar em fazer crescer a economia, e por consequência, a inflação será controlada. As medidas relacionadas ao controle da inflação, estão presentes na regulação de preços, salários, contratos e câmbio. O governo pode estimular o crescimento através do aumento dos gastos públicos, que não sejam financiados pelo aumento dos impostos. Uma política que costuma trazer um agravamento dos índices de inflação.
Nas últimas décadas, entrou em cena um grupo denominado Estruturalistas. Esse grupo acredita que o Estado tem papel importante na economia, além do social. No entanto, o objetivo deixa de ser apenas o crescimento econômico, mas também o desenvolvimento. As idéias são voltadas para os países considerados subdesenvolvidos – principalmente América Latina.
Utilizando um parágrafo de Gustavo dos Santos:
Para um economista ortodoxo: “A Ciência Econômica é o estudo da administração dos recursos escassos”. Para um economista Keynesiano: “A ciência econômica é o estudo da administração da política do Estado do ponto de vista de seus condicionantes, objetivos e implicações”.
O fato é que ao tentar diferenciar autores ortodoxos e heterodoxos no que tange ao pensamento teórico, encontramos certa facilidade. No entanto, essas idéias não ficam bem diferenciáveis quando passamos para a esfera política – vide a historia do Brasil na década de 80.

Continue navegando