Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147 S225c Sangaletti, Leticia. Comunicação e expressão [recurso eletrônico] / Leticia Sangaletti, Laís Virginia Alves Medeiros; [revisão técnica: Laís Virginia Alves Medeiros] . – Porto Alegre: SAGAH 2018. ISBN 978-85-9502-215-7 1. Comunicação. 2. Língua Portuguesa. I. Medeiros, Laís Virginia Alves. II. Título. CDU 81’38 Revisão técnica: Laís Virginia Alves Medeiros Mestra em Letras – Estudos da Linguagem: Teorias do Texto e do Discurso Bacharela em Letras – Habilitação Tradutora: Português e Francês Estratégias de leitura – texto e contexto Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Desenvolver leituras verticais adequadas aos seus objetivos como leitor. � Aprimorar as estratégias de leitura contextual de um texto. � Produzir e ler textos com foco nos elementos contextuais relevantes a cada produção. Introdução Neste texto, você vai trabalhar com o segundo nível de uma leitura vertical, que é o do contexto. Você deve aperfeiçoar a leitura que faz do que está nas entrelinhas, mas que é igualmente importante para o aprofundamento da leitura de um texto. Contexto: conceituando A leitura é uma atividade complexa de produção de sentidos. Ela ocorre com base em elementos linguísticos que estão presentes na superfície e na forma de organização do texto. Contudo, requer a mobilização de um conjunto de saberes diverso e vasto. Um texto é construído na interação entre sujeito e texto. Para a produção de sentido, é necessário considerar o contexto. Para Solé (1998), a leitura é o processo pelo qual a linguagem escrita é compreendida. Esse processo envolve o texto, o leitor e ainda suas expectativas e conhecimentos prévios. Isso porque, para ler, é necessário ter o domínio das habilidades de decodificação, a definição do objetivo da leitura e a ativação de ideias e experiências prévias. Também é necessária a realização de previsões e inferências que se apoiam em informações do texto e nos conhecimentos prévios. Todos esses conhecimentos constituem diferentes tipos de contextos sub- sumidos por um contexto mais abrangente, o contexto sociossignificativo. É importante você levar em conta quais significados devem se tornar explícitos. Isso vai depender do uso que o produtor do texto fizer dos fatores contextuais. Dessa forma, a explicitude do texto escrito em contraposição à parte implícita do texto falado não passa de um mito. Tanto na fala quanto na escrita, os pro- dutores fazem uso de uma multiplicidade de recursos, muito além das simples palavras que compõem as estruturas (KOCH; ELIAS, 2006). Na leitura, o contexto linguístico, chamado pelas autoras de cotexto, orienta o leitor na construção da imagem do que ele lê. Porém, além da questão linguís- tica, a leitura do texto também demanda a reativação de outros conhecimentos armazenados na memória. “A produção de sentido se realiza à medida que o leitor considera aspectos contextuais que dizem respeito ao conhecimento da língua, do mundo, da situação comunicativa, enfim.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 59). De acordo com as autoras, o contexto é um dos conceitos centrais nos estudos em linguística textual. Elas citam como exemplo a metáfora do iceberg: ele possui uma pequena superfície à flor da água (o que é explícito) e uma imensa superfície subjacente, que é o fundamento da interpretação (o implícito). Você pode considerar que o contexto é o iceberg como um todo, sendo tudo aquilo que contribui para (ou determina a) construção do sentido de alguma forma. Para que duas ou mais pessoas possam se compreender mutuamente, é preciso que seus contextos sociocognitivos sejam no mínimo parcialmente semelhantes. Ou seja, seus conhecimentos devem ser compartilhados pelo menos em partes, tendo em vista que é impossível duas pessoas partilharem exatamente as mesmas informações. Ao entrar em uma interação, cada um dos interlocutores traz consigo sua bagagem cognitiva, o que já é, por si mesmo, um contexto. Em uma situação cotidiana, Koch exemplifica que os interlocutores situam o seu dizer em um determinado contexto, que é constituinte e constitutivo do próprio dizer (KOCH; ELIAS, 2006). Assim, vão alternando, ajustando ou conservando o contexto, de acordo com o curso da interação, com o objetivo de chegar à compreensão. Estratégias de leitura – texto e contexto96 Contexto e compreensão Como você viu, para que haja compreensão do texto e para a construção da coerência textual, é imprescindível que se considere o contexto. Ele engloba não apenas o cotexto, mas também a situação de interação imediata, a situ- ação mediata (entorno sociopolítico e cultural) e o contexto cognitivo dos interlocutores. De acordo com Koch e Elias (2006), o contexto cognitivo dos interlocutores subsome os demais. Isso ocorre pois ele reúne todos os tipos de conhecimento arquivados na memória dos atores sociais que precisam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal. São eles: � O conhecimento linguístico propriamente dito; � O conhecimento enciclopédico, que pode ser declarativo (que se recebe pronto e é introjetado na memória “por ouvir falar”) ou episódico (ad- quirido por meio da convivência social e armazenado em “bloco” sobre as diversas situações e eventos da vida cotidiana); � O conhecimento da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade); � O conhecimento superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais); � O conhecimento estilístico (registros, variedades da língua e sua ade- quação às situações comunicativas); � O conhecimento de outros textos que permeiam a cultura (intertextualidade). Nesse sentido, Koch e Elias apontam que o contexto é constitutivo da própria ocorrência linguística. Nessa esteira, afirmam “[...] que se pode dizer que certos enunciados são gramaticalmente ambíguos, mas o discurso se encar- rega de fornecer condições para sua interpretação unívoca.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 64). Assim, o contexto é, de acordo com as autoras, um conjunto de suposições que tem por base os saberes dos interlocutores, mobilizados para a interpretação de um texto. Para Koch e Elias, assumir esse pressuposto implica dizer que as relações entre informação explícita e conhecimentos pressupostos como partilhados podem ser estabelecidas, como você já viu nos capítulos anteriores, por meio de estratégias de “sinalização textual”. Por intermédio delas, o locutor, por ocasião do processamento textual, procura levar o interlocutor a recorrer ao contexto sociocognitivo. 97Estratégias de leitura – texto e contexto Koch e Elias (2006, p. 66-67) afirmam que um estudo de texto sem a consideração do contexto é altamente insuficiente, pois: � Certos enunciados são ambíguos, mas o contexto permite fazer uma interpretação unívoca; � O contexto permite preencher as lacunas do texto, isto é, estabelecer os “elos faltantes”, por meio de interferências-ponte; � Os fatores contextuais podem alterar o que se diz; � Tais fatores se incluem entre aqueles que explicam ou justificam por que se disse isso e não aquilo (o contexto justifica). Para saber mais sobre o assunto, leia o texto “Categorias de análise textual aplicadas à leitura e à produção de textos” (ELEUTÉRIO, 2010). Contexto na escrita Koch e Elias (2006) afirmam que é preciso distinguir entre contexto de produ- ção e contexto de uso. No que concerne à interação face a face, esses contextos coincidem. Mas, quando se trata da escrita, não, pois nessa o contexto de uso é o mais importante para a interpretação. Conforme as autoras, independentemente da situação comunicativa, o sentido de um texto não se relaciona apenas com a estrutura textual em si mesma. Grande parte dos objetos de discurso a que o texto faz referência é apresentada de forma incompleta. Desse modo, muita coisa permanece implícita na mensagem. Quem produz o texto pressupõe que o leitor/ouvintepossui conhecimentos textuais, situacionais e enciclopédicos. Então, não deixa explícitas as informações que considera redundantes ou desnecessárias. É preciso fazer um “balanceamento” do que necessita ser explicitado e do que pode permanecer implícito. Isso supondo que o interlocutor poderá recuperar essa informação por meio de inferências. Nas palavras das estudiosas: “O leitor/ouvinte espera sempre um texto do- tado de sentido e procura, a partir da informação contextualmente dada, cons- Estratégias de leitura – texto e contexto98 truir uma representação coerente, por meio da ativação de seu conhecimento de mundo e/ou deduções que o levam a estabelecer relações de temporalidade, causalidade, oposição etc.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 72). Desse modo, o leitor/ouvinte usa todos os componentes e estratégias cog- nitivas que tem à disposição para dar ao texto uma interpretação dotada de sentido. Assim, as estudiosas afirmam que, para que duas ou mais pessoas possam se compreender mutuamente, é imprescindível que seus contextos sociocognitivos sejam semelhantes, nem que seja parcialmente. Para ver exemplos de crônicas, leia o capítulo “(Con)texto, leitura e sentido” (KOCH; ELIAS, 2006). Nas Figuras 1 e 2, você pode ver alguns exemplos em que o contexto é importante para a compreensão da mensagem. Figura 1. Charge sobre padronização do conceito de família. Fonte: Laerte (2015). 99Estratégias de leitura – texto e contexto Figura 2. Charge sobre piso salarial dos professores no Rio Grande do Sul. Fonte: Latuff (2014). Ambas as charges, feitas por Laerte e Latuff, possuem conotação política e estão ligadas a um contexto. Para alguém que não sabe o que aconteceu, fica difícil compreender o que as imagens estão ironizando. A primeira, por exemplo, trata de um capítulo polêmico da história brasileira, em que deputados propuseram que a concepção de família, por lei, fosse considerada apenas a tradicional: homem, mulher e filhos. Já a segunda está relacionada a um episódio em que o governador eleito em 2014 no estado do Rio Grande do Sul fez uma piada, dizendo que, se os professores quisessem piso (no caso, eles reivindicavam o piso salarial de professor), deveriam procurar na Tumelero (uma loja de produtos para construção civil). Agora, leia a crônica a seguir (CARPINEJAR, 2016): E quando uma cidade inteira morre? Uma cidade para no ar? Quando uma cidade some e o sangue se transforma em vento? Estratégias de leitura – texto e contexto100 Quando os relâmpagos emudecem. Quando as estrelas ficam enver- gonhadas de brilhar e o sol de aparecer. Quando uma cidade perde as suas residências dentro de um avião? Porque cada homem era uma casa, uma família, uma esperança. A queda da aeronave na Colômbia que levava o time do Chapecoense matou toda Chapecó na madrugada desta terça-feira (29/11). Porque Chapecó era o Chapecoense. Nunca vi uma torcida como aquela: pais, mães e filhos levantando bandeiras na Arena Condá. As ruas se esvaziavam para ouvir melhor o coração do estádio. Uma equipe movida pela alegria dos moradores que incentivaram com a loucura infantil do bairrismo e da gincana. Um viveiro de vozes, uma caixa de ressonância de gritos. Uma equipe que veio de baixo, da mais simples e monocromática chuteira, da pobreza da grama em 43 anos de história, que subiu da série D para A em apenas seis anos em 2013, campeão catarinense por cinco vezes, que se manteve com prestígio na elite do futebol brasileiro e que disputaria a final da Copa Sul-Americana na próxima quarta, o que seria seu maior título. Novatos no triunfo, mas veteranos na resiliência. 22 mil pessoas nas arquibancadas eram 210 mil pessoas na cidade. 74 mortos são 210 mil chapecoenses. Não duvido que um país inteiro não tenha definhado junto em Rio- negro, perto de Medellín, na Colômbia. Jamais contaremos os mortos da tragédia. Jamais saberemos ao certo o número de mortos. Somos hoje todos desaparecidos. Esse texto, intitulado “Somos todos Chapecoense”, de Fabrício Carpinejar, é do dia 29 de novembro de 2016 e fala sobre a tragédia que o time de futebol Chapeconse, da cidade de Chapecó (SC), sofreu quando viajava para um disputa importante: a final da Copa Sul-Americana, na Colômbia. O avião em que o time estava caiu, matando 74 pessoas. Nessa crônica, o reconhecimento dos fatos é um pouco mais fácil do que nos exemplos anteriores, pois há certa contextualização das informações no texto. 101Estratégias de leitura – texto e contexto Você pode aprender mais sobre texto e contexto no link e código a seguir (JUBA CRUZZ COVERS MUSICAIS, 2015): https://goo.gl/8vwrLj CARPINEJAR, F. Somos todos Chapecoense. O Globo, Rio de Janeiro, 29 nov. 2016. Disponível em: <http://blogs.oglobo.globo.com/fabricio-carpinejar/post/somos- -todos-chapecoense.html>. Acesso em: 08 out. 2017. ELEUTÉRIO, J. M. Categorias de análise textual aplicadas à leitura e à produção de textos. Linguagem, São Carlos, v. 17, 2010. Disponível em: <http://www.letras.ufscar. br/linguasagem/edicao17/art_eleuterio.pdf>. Acesso em: 08 out. 2017. JUBA CRUZZ COVERS MUSICAIS. Texto e contexto: Prof. Pasquale explica! [S.l.]: YouTube, 2015. 1 vídeo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=h8XgdSDSbzU>. Acesso em: 08 out. 2017. KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006. LAERTE. [Estatuto da Família]. [S.l.]: JusLiberdade, 2015. Charge. Disponível em: <http:// jusliberdade.com.br/wp-content/uploads/2015/10/Redu%C3%A7%C3%A3o-da- -Maioridade-4.jpg>. Acesso em: 08 out. 2017. LATUFF. Sartori e o piso dos professores. [S.l.]: Sul21, 2014. Charge. Disponível em: <https:// www.sul21.com.br/jornal/sartori-e-o-piso-dos-professores/>. Acesso em: 08 out. 2017. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Penso, 1998. Estratégias de leitura – texto e contexto102 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Compartilhar