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A_ILUMINACAO_CENICA_NO_TRABALHO_DO_ATOR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
LUIZ RENATO GOMES MOURA 
 
A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO 
TRABALHO DO ATOR DE TEATRO 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2014 
 
 
 
LUIZ RENATO GOMES MOURA 
 
 
 
 
A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte, para a 
obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas. 
 
Linha de pesquisa: Pedagogias da Cena: corpo 
e processos de criação. 
 
Orientador: Dr. José Sávio Oliveira de Araújo. 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL - RN 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação da Publicação na Fonte 
UFRN / CCHLA/ DEART 
Biblioteca Setorial do DEART 
 
 
Moura, Luiz Renato Gomes. 
 A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro / Luiz 
Renato Gomes Moura– Natal, RN, 2014. 
 133 f.: il. 
 
 
 Orientador: Prof.º Dr. José Sávio Oliveira de Araújo. 
 
 
 Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, 
Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. 
Departamento de Artes. 
 
1. Teatro – Iluminação Cênica. 2. Engenharia cênica. 3. Ator – 
Teatro. 4. Teatro – Sala de Ensaio. I. Araújo, José Sávio 
Oliveira de. II. Título. 
 
 RN/UF/BSDEART 2014/06 CDU 792.022 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
À Cecília Raiffer, minha esposa, com a qual fundei a Cia. de Teatro Engenharia 
Cênica. 
Aos meus pais, Antônio Faustino e Cristiane Gomes Moura, pela confiança. 
Aos meus irmãos Raul Moura e Rhenam Moura. 
Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGArC – UFRN. 
Ao Professor Dr. José Sávio Oliveira Araújo, pelas orientações precisas. 
À Professora Dra. Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco, pela 
generosidade oferecida na qualificação. 
Ao professor Dr. Eduardo Tudella. 
Ao Professor Dr. Robson Carlos Haderchpek, pelo encorajamento. 
Aos discentes e docentes do PPGArC-UFRN, pela troca de experiências em sala 
de aula. 
Ao Professor Ms. Benedito Genésio Ferreira, pelo exemplo de pesquisador. 
Ao Professor Dr. Fábio José Rodrigues da Costa, pela orientação na escrita do 
projeto da presente dissertação. 
Ao professor Ronaldo Costa pela atenção e orientação. 
Ao colega de turma Mauricio Motta pela colaboração. 
Ao Professor Alysson Amâncio, por ter me apresentado o edital de seleção do 
mestrado e ter me encorajado a tentar. 
À professora Dra. Antônia Pereira Bezerra, pelos endereçamentos iniciais na 
minha vida de pesquisador acadêmico. 
Ao Grupo Ninho de Teatro, com o qual a Cia. de Teatro Engenharia Cênica 
realizou o espetáculo “O Menino Fotógrafo”, na Casa Ninho, na cidade de Crato, 
no Ceará. 
Ao Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da 
Universidade Regional do Cariri – URCA. 
A CAPES pela concessão de bolsa, que me possibilitou a elaboração dessa 
pesquisa. 
 
 
 
 
RESUMO 
A presente pesquisa tem como foco principal investigar como a iluminação 
cênica pode ser articulada no processo de criação do ator de teatro. Para 
chegarmos a essa reflexão, se faz necessário compreendermos o espaço da 
sala de ensaio, no qual o ator trabalha, como um lugar em que sua formação, 
recebe influências dos demais artistas, que estão também criando o espetáculo. 
São analisados três processos colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia 
Cênica: Irremediável, 2007; Doralinas e Marias, 2009; e O Menino Fotógrafo, 
2011, com intuito de compreendermos que o teatro colaborativo potencializa o 
cruzamento e a troca de experiências na sala de ensaio, colaborando ativamente 
para a formação dos sujeitos envolvidos na criação do espetáculo. A pesquisa 
propõe uma investigação de como o processo criativo da iluminação cênica 
ganhou espaço na sala de ensaio na linguagem da encenação teatral, 
evidenciando principalmente sua criação “co-evolutiva” com o processo criativo 
do ator. 
Palavras-chave: Sala de ensaio. Iluminação Cênica. Ator. Teatro Colaborativo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
This research aims to investigate how the stage lighting can be articulated in the 
creation of theater actor process. To we reach this reflection, it is necessary to 
understand the space of the rehearsal room, where the actor works as a place 
where their function receives influences of other artists who are creating the 
spectacle.Collaborative processes are analyzed three Cia de Teatro Engenharia 
Cênica: Irremediável, 2007; Doralinas e Marias , 2009; O Menino Fotógrafo, 
2011, aiming to understand the collaborative theater potentializes, the 
intersection and the exchange of experiences in the rehearsal room, collaborating 
actively for the training of persons involved in creating the show. The research 
proposes an investigation of how the creative process of stage lighting is gaining 
ground in the rehearsal room in the language of theater directing, showing mainly 
how is your "co-evolutionary" creation with the creative process of the actor. 
Keywords: Rehearsal Room. Stage Light. Actor. Collaborative Theater. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 
CAPÍTULO 1 A SALA DE ENSAIO E OS PROCESSOS COLABORATIVOS 
DA CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA: IRREMEDIÁVEL, 
DORALINAS E MARIAS E O MENINO FOTÓGRAFO. .................................. 13 
1.1 TEATRO: A ARTE DO ENCONTRO NO ESPAÇO CÊNICO DA SALA DE 
ENSAIO ............................................................................................................ 14 
1.2 A CIA DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA: PROCESSOS 
COLABORATIVOS? ......................................................................................... 18 
1.3 A IMAGEM PROPULSORA ........................................................................ 26 
1.3.1 Irremediável ............................................................................................. 31 
1.3.2 Doralinas e Marias .................................................................................. 38 
1.3.3 O Menino Fotógrafo ................................................................................ 45 
1.4 IMPROVISAÇÃO E IMAGEM PROPULSORA ............................................ 51 
CAPÍTULO 2 O PROCESSO CRIATIVO DA ILUMINAÇÃO CÊNICA NA SALA 
DE ENSAIO ...................................................................................................... 55 
2.1 A ILUMINAÇÃO CÊNICA COMO LINGUAGEM ATIVA NA ERA DA 
ENCENAÇÃO ................................................................................................... 56 
2.2 APROPRIAÇÕES DA ILUMINAÇÃO CÊNICA NO PROCESSO CRIATIVO 67 
CAPÍTULO 3 A ILUMINAÇÃO CÊNICA NO TRABALHO DO ATOR DE 
TEATRO........................................................................................................... 72 
3.1 O TRABALHO DO ATOR EM CONSONÂNCIA COM OS ELEMENTOS 
CENOGRÁFICOS ............................................................................................ 73 
3.2 O ATOR-ILUMINADOR .............................................................................. 81 
3.3 A CRIAÇÃO DA ILUMINAÇÃO CÊNICA NOS PROCESSOS 
COLABORATIVOS DA CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA ................. 85 
3.3.1 Irremediável - o encorajamento ............................................................... 88 
3.1.2 Doralinas e Marias – o desafio ................................................................ 96 
3.3.3 O Menino Fotógrafo - a investigação de uma poética ........................... 107 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 112 
REFERÊNCIAS ..............................................................................................117 
ANEXOS ........................................................................................................ 123 
ANEXO A – A CIA. DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA ........................... 124 
8 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À atividade artística é indispensável uma poética explícita ou 
implícita, já que o artista pode passar sem um conceito de arte, 
mas não sem um ideal, expresso ou inexpresso, de arte. [...] uma 
poética é eficaz somente se adere à espiritualidade do artista e 
traduz seu gosto em termos normativos e operativos, o que 
explica como uma poética está ligada ao seu tempo, pois 
somente nele se realiza aquela aderência e, por isso, se opera 
aquela eficácia (PAREYSON, 2001, p. 18). 
9 
 
A presente dissertação de mestrado propõe uma investigação da poética 
de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, com a finalidade de 
compreender a concepção da iluminação cênica em consonância com o trabalho 
do ator na sala de ensaio, partindo exclusivamente de três processos 
colaborativos: Irremediável (Sobral - CE, 2007); Doralinas e Marias (Salvador - 
BA, 2009) e O Menino Fotógrafo (Crato - CE, 2011). 
A Cia. de Teatro Engenharia Cênica se torna o grande ponto de partida 
para o desenvolvimento da pesquisa, porque eu, autor do seguinte estudo, 
enquanto fundador da Cia., venho ao longo dos seus oito anos de existência 
participando ativamente dos processos criativos e da produção de seus projetos 
culturais. Nos espetáculos já mencionados, Irremediável, Doralinas e Marias e O 
Menino Fotógrafo, trabalhei como ator-iluminador cênico, competência que fui 
adquirindo ao longo dos três processos colaborativos, uma relação 
interdisciplinar, da qual parto para desenvolver a dissertação, na tentativa de 
compreender a relação entre a iluminação cênica e o trabalho do ator de teatro 
na sala de ensaio. 
Em 2009, a diretora e também fundadora da Cia., Cecília Raiffer, 
desenvolveu em seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes 
Cênicas da Universidade Federal da Bahia - PPGAC/UFBA, uma dissertação 
intitulada Cena e Jogo: o imaginário na carne, na qual aborda o processo de 
criação do espetáculo Irremediável. Sua análise baseou-se na investigação dos 
percursos trilhados no processo, a partir de cadernos de bordo, dos rascunhos 
e das várias versões da dramaturgia. Essa pesquisa é de extrema importância 
para a presente dissertação, sobretudo na articulação de conceitos utilizados ao 
longo da escrita, e sem dúvida é um importante referencial para a compreensão 
da espinha dorsal da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. 
Para chegar à reflexão sobre a iluminação cênica no trabalho do ator, 
precisaremos fazer um percurso metodológico que compreendo ser necessário 
para entendermos como o ator se utiliza da iluminação cênica no seu processo 
criativo e como sua atuação no processo de concepção da iluminação deve ser 
ativa. Essa relação é extensível a todos os elementos cenográficos que 
influenciam de maneira determinante o sentido do espetáculo e que fortalecem 
o processo de significação do trabalho do ator em cena. 
10 
 
A metodologia se dá em três etapas, ou seja, em três capítulos, que se 
estruturam da seguinte forma: 
No capítulo 1, intitulado “A sala de ensaio e os processos colaborativos 
da Cia. de Teatro Engenharia Cênica: Irremediável, Doralinas e Marias e O 
Menino Fotógrafo”, apresentamos a investigação da sala de ensaio como um 
espaço que agencia as experiências dos artistas, tendo-as como fontes 
inesgotáveis de conhecimento que, quando exercidas dialogicamente por meio 
da ação-reflexão-ação, acabam por contribuir para a formação de todos os que 
estão presentes no processo criativo. Um lugar que investe na construção de 
diálogos colaborativos como processo de formação. Refletiremos, portanto, 
sobre a poética de criação da Cia. de Teatro Engenharia Cênica nas montagens 
dos três espetáculos supracitados. Desse modo, exploraremos o conceito de 
Imagem Propulsora (FERREIRA, 2009, p. 49) como a base inicial para a criação, 
especificamente como se dá o seu processo de mudança e de materialização 
cênica, ou seja, quando deixa de ser apenas uma ideia e passa a ser uma cena 
propriamente dita. 
Dando continuidade, no capítulo 2 – O processo criativo da iluminação 
cênica na sala de ensaio –, passaremos a analisar, na “era da encenação” 
(DORT, 1977, p. 61), alguns aspectos de como a iluminação cênica passou a ser 
articulada nos processos criativos, possibilitando o entendimento da mesma 
como uma “linguagem ativa” (ARTAUD, 2006, p. 92), de extrema importância 
para a construção de um espetáculo teatral. Elaboramos essa base para 
investigarmos a iluminação cênica e o seu processo de criação “co-evolutivo” 
(CAMARGO, 2005, p. 11) com o trabalho do ator. O objetivo principal é a análise 
da concepção, montagem e execução da iluminação cênica, em estreita 
colaboração com o trabalho do ator. 
Por fim, no capítulo 3 – A iluminação cênica no trabalho do ator de teatro 
–, apresentamos uma análise sobre o processo criativo do ator na sala de ensaio 
e, principalmente, como acontece sua relação com os processos criativos dos 
elementos cenográficos (cenário, iluminação, maquiagem, figurino e som). Na 
continuação, nos deteremos aos processos criativos da iluminação cênica nos 
espetáculos Irremediável, Doralinas e Marias e O Menino Fotógrafo, sobretudo, 
como se deu o processo de criação da personagem em estreita consonância 
11 
 
com a iluminação cênica na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica. 
Algumas questões são levantadas para uma melhor fundamentação da 
experiência. São perguntas que serão estendidas, também, às considerações 
finais desta dissertação, quais sejam: como um ator pode conceber a iluminação 
de um espetáculo em que ele atua? A criação da personagem contribui para a 
concepção da iluminação ou vice-versa? Que especificidades podem ser 
desenvolvidas no trabalho de um ator que também concebe a iluminação? Como 
se dá a criação colaborativa da iluminação na sala de ensaio? 
Observemos que a Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o escopo central 
da pesquisa. Logo no primeiro capítulo ela é trazida como uma espinha dorsal, 
que sem a qual não seria possível estruturar os capítulos subsequentes. 
Compreendi que manter-me firme sobre um recorte de pesquisa, no caso a Cia., 
me ajudaria sobremaneira na escrita e, principalmente, me colocaria em um lugar 
de onde pudesse experimentar teoria sem ter medo de errar. A presente 
dissertação investiga uma poética, tentando esclarecer os caminhos que as 
experiências nos levam a percorrer, observando como uma prática pode agir 
interdisciplinarmente com outras dentro da sala de ensaio, estabelecendo 
diálogos geradores de pesquisas. 
Nesse sentido, percorro os caminhos dissertativos, ora em primeira 
pessoa, quando me refiro especificamente aos processos colaborativos da Cia. 
de Teatro Engenharia Cênica, uma vez que não consigo falar de fora por ser, 
também, uma parte do processo; e, por vezes, me coloco de maneira distanciada 
na escrita, principalmente quando abordo conceitos dos quais me utilizo para a 
fundamentação teórica. 
Essa pesquisa recebeu influências de muitos artistas que, na sala de 
ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, trocaram suas experiências comigo 
nos três espetáculos analisados. No decorrer da escrita, os nomes desses 
artistas aparecerão, para serem devidamente creditados. São de grande 
relevância, também, os diálogos estabelecidos com o orientador deste trabalho, 
o prof. Dr. José Sávio Oliveira Araújo, cuja produção se concentra, nos últimos 
seis anos, no CENOTEC – Laboratório de Estudos Cenográficos da Cena, do 
DEART/UFRN. Esse espaço abriu minha atuação para o universo conceitual da 
iluminação cênica, a partir de seu vasto acervo bibliográfico, concentrado na área 
12 
 
dos elementos cenográficos.E, por fim, tive importantes contribuições dos 
demais professores do PPGARC nas disciplinas que cursei ao longo dos dois 
anos de mestrado, onde pude dialogar com diferentes estratégias de pesquisa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
CAPÍTULO 1 
 
A SALA DE ENSAIO E OS 
PROCESSOS COLABORATIVOS DA 
CIA. DE TEATRO ENGENHARIA 
CÊNICA: IRREMEDIÁVEL, DORALINAS 
E MARIAS E O MENINO FOTÓGRAFO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Assim, cada sujeito, ao desenvolver suas aprendizagens, deve 
ser estimulado a refletir, articular e reinventar os saberes com os 
quais estará lidando para, assim, desenvolver suas 
potencialidades criativas, seu discernimento crítico, suas 
habilidades de socialização e seu crescimento pessoal, 
instrumentalizando-se para as ações que pode exercer como 
agente transformador de sua própria história (ARAÚJO, 2005, 
p.122). 
14 
 
1.1 TEATRO: A ARTE DO ENCONTRO NO ESPAÇO CÊNICO DA SALA DE 
ENSAIO 
A sala de ensaio é, por sua vez, o cadinho1 onde se fundem as ideias que 
levam um grupo de artistas a pensarem e a criarem um espetáculo cênico. É o 
lugar em que os erros são sempre o melhor caminho para a criação. Os artistas, 
no processo criativo em teatro, utilizam a sala de ensaio “como o espaço 
enquanto ferramenta” (BROOK, 1994, p. 201), onde a criação acontece na 
intersecção de pensamentos, na profusão de proposições e, sobretudo, na troca 
de experiências, que estão contidas na sala de ensaio ou são trazidas para ela. 
Para o artista em processo criativo, sempre haverá a necessidade desse lugar, 
onde ele gesta a sua obra e, consequentemente, sua poética. 
Na sala de ensaio, os artistas envolvidos na elaboração de um espetáculo 
teatral se relacionam em diferentes dinâmicas e, muitas vezes de maneira 
ritualística, acabam instalando atmosferas, através da expressividade e da 
contracena de corpos, que fogem da noção de realidade. O diretor é quem 
conduz todo o processo e “os ensaios devem criar uma atmosfera na qual os 
atores sintam-se livres para mostrar tudo que puderem trazer para a peça” 
(Ibidem, p. 20). Não só os atores, mas também iluminadores, cenógrafos, 
figurinistas, sonoplastas, dentre outros, que desejem participar 
colaborativamente para o processo de criação do espetáculo. 
A sala de ensaio, devido a essa capacidade de fazer com que artistas 
interajam a partir dos seus saberes, em prol da construção de um espetáculo, 
torna-se um ambiente pedagógico em que todos são aprendizes um dos outros 
e de si mesmos, pois descobrem e aprimoram suas poéticas, na medida em que 
estabelecem contato uns com os outros. 
Uma prática teatral educativa não se caracteriza por uma única 
ação isolada e sim como uma ação artística, que articula 
diversos atos de conhecimento, cujas particularidades e 
competências específicas produzem articulações entre si e com 
o todo da cena, constituindo os instrumentos de intervenção dos 
sujeitos na construção de uma representação teatral (ARAÚJO, 
2005, p. 59-60). 
 
 
1 Recipiente utilizado na química para misturar substâncias. 
15 
 
Dessa forma, a reflexão de Araújo compreende que a formação de 
sujeitos acontece através da relação dialógica, mediados pela realidade 
partilhada. Na sala de ensaio as diferentes poéticas possibilitam a criação e 
estabelecem o percurso por onde o processo criativo caminhará. Mesmo que o 
diretor tenha com muita precisão os seus objetivos práticos, como marcações, 
intenções e etc., ele sempre caminhará por percursos incertos, uma 
improvisação ou uma proposição de um cenógrafo, ou iluminador, pode mudar 
o caminho da criação, atualizando o processo incessantemente. 
Não existe, na sala de ensaio, um pensamento uno, mas sim uma 
coletividade que pensa e age a partir da relação do “eu” com o “tu”, como propõe 
Paulo Freire, ao referir-se à “co-laboração” como um pressuposto para a relação 
dialógica que gera a formação dos sujeitos: 
O eu dialógico [...] sabe que é exatamente o tu que o constitui. 
Sabe também que, constituído por um tu – não-eu – esse tu que 
o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu 
um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na teoria dialética 
destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu 
(FREIRE, 1981, p. 196). 
 
O espectador comum, quando assiste ao espetáculo, não consegue 
imaginar o processo criativo do mesmo, e somente se detêm a apreciar um 
universo que se desenrola dentro de uma pluralidade de significações, produzido 
pela interdisciplinaridade dos elementos cenográficos que estão presentes na 
cena, quais sejam: atuação, cenografia2, encenação e dramaturgia. O teatro é 
uma arte feita a partir do encontro, como sugere o emblemático e revolucionário 
pensador do teatro moderno Jerzy Grotowski: 
O âmago é o encontro [...] A essência do teatro é um encontro. 
[...] O teatro é também o encontro entre pessoas criativas. Sou 
eu, o diretor, que me defronto com o ator, e a auto-revelação do 
ator me dá a revelação de mim mesmo [...] O encontro resulta 
de um fascínio. Implica numa luta, e também em algo tão 
idêntico, em profundidade, que existe uma identidade entre 
aqueles que tomam parte do encontro (GROTOWSKI, 1971, p. 
40-41-42). 
 
O processo criativo, na linguagem teatral, é uma busca em que todos os 
artistas constroem o encontro com o espetáculo. A partir do momento que 
 
2 Cenografia na presente pesquisa é entendida como os elementos que compõem a organização 
do espaço da cena, a saber: iluminação, figurino, maquiagem, cenário e som. 
16 
 
passam a colocar suas ideias e, com isso, as suas experiências, as formações 
de todos se ampliam. Vejamos, por exemplo, o caso do ator: quando o mesmo 
começa a interagir com o processo criativo da luz, passa a entendê-la como uma 
constituinte de uma gramática da cena, que contribuirá para criação de sua 
personagem, principalmente no que diz respeito aos aspectos de atmosfera, 
tempo e emoção. Esse mesmo processo de troca do ator pode ser estabelecido 
com todas as demais linguagens. Trata-se de uma fusão de experiências, de 
uma mistura, que passa a compor sua poética e que reverberará em muitos 
outros processos criativos que vier a participar. 
A sala de ensaio é, portanto, o lugar do encontro, do “tateio lúdico” 
(FERREIRA, 2009, p. 68), e sua natureza é volátil, transmuta-se a cada vez que 
os artistas se encontram para continuar a criação do espetáculo. É como um 
atelier, no qual o pintor experimenta suas combinações de pigmentos ou um 
escultor se integra à argila em busca de uma escultura, ou “tal como um oleiro 
molda seu vaso, o autor escreve seu livro, o cineasta faz seu filme” (BROOK, 
1994, p. 24). 
No caso do teatro há um grande diferencial: o espetáculo não é um objeto 
que ficará guardado na sala de ensaio enquanto os atores, diretor, e demais 
artistas da cena voltam para suas casas. O que é gerado na sala de ensaio é 
uma combinação de corpos, de vidas, de experiências que, unidas 
presencialmente, dão substancialidade ao processo. Ao ir embora, o artista leva 
consigo a criação, e essa, por sua vez, deixa de ser pensada numa esfera 
coletiva e passa a ruminar na individualidade, o que faz do processo criativo em 
teatro algo ininterrupto. Pensar dessa forma nos faz compreender que o conceito 
da sala de ensaio é extensível aos corpos dos artistas, que envolvidos de 
maneira intrínseca com o processo criativo, vivem associando, refletindo, 
burilando. Como um ator que ensaia sempre que tem uma oportunidade, ou 
simplesmente em pensamento, vai percebendo e conhecendo sua personagem, 
num intenso diálogo entre arte e vida, que gera conhecimento e auto-revelação. 
O homem que realiza um ato de auto-revelação é, por assim 
dizer, o que estabelece contato consigo mesmo. Quer dizer, um 
extremo confronto, sincero, disciplinado,preciso e total – não 
apenas um confronto com seus pensamentos, mas um encontro 
que envolve todo o seu ser, desde os seus instintos e seu 
17 
 
inconsciente até o seu estado mais lúcido (GROTOWSKI, 1971, 
p. 41). 
 
O aprendizado do artista de teatro é gerado nos ensaios de muitos 
espetáculos, nos encontros estabelecidos com diversos outros artistas, nas 
salas de ensaios de todos os processos criativos de sua vida. Essas vivências 
são experiências que sempre serão levadas consigo, num intenso processo de 
atualização. 
A sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica é o ponto de partida 
para a presente dissertação. Investigaremos na mesma, os elementos 
necessários para discutirmos a relação interdisciplinar entre iluminação e 
interpretação. Cabe a essa pesquisa, portanto, pelo menos apontar os princípios 
técnicos adotados pela Cia., para compreendermos a sua poética de criação, 
que permite que artistas possam agenciar funções dentro dos seus processos 
criativos e, dessa forma, ampliarem as suas competências para a criação teatral. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 
 
1.2 A CIA DE TEATRO ENGENHARIA CÊNICA: PROCESSOS 
COLABORATIVOS? 
 
A Cia. de Teatro Engenharia Cênica tem pesquisado uma maneira de criar 
os seus espetáculos na sala de ensaio, que aproximaremos aqui com o teatro 
colaborativo. Não é nossa intenção afirmar ou enquadrar a Cia. dentro de um 
procedimento técnico, até porque ao tratarmos de processos colaborativos isso 
é impossível. Acreditamos que a Cia. tem experimentado outras poéticas de 
criação3, mas, em se tratando dos espetáculos Irremediável, Doralinas e Marias 
e O Menino Fotógrafo, encontramos pontos de ligação dos princípios adotados 
pela Cia. com os debates e as discussões acerca do teatro colaborativo. 
Neste estudo, refletimos e identificamos o Teatro Colaborativo como uma 
entre as várias possibilidades de construção cênica na contemporaneidade, que 
potencializa o imbricamento entre vida e arte. Faz-se a partir do amálgama entre 
reflexões e ações que emergem na sala de ensaio, geradas através da junção 
de artistas-colaboradores: encenador, ator, cenógrafo, iluminador, figurinista, 
maquiador, etc. Reunidos em um mesmo espaço para gerar tessituras criativas 
em torno de uma ideia, leitmotiv, imagem propulsora, temática, etc. 
A expressão processo colaborativo começou a ser usada na 
segunda metade da década de 90 dentro de um contexto de 
retomada do movimento de teatro de grupo na cena paulistana. 
O retorno desta perspectiva grupal, que aparece quase como um 
contraponto à hegemonia do encenador no teatro brasileiro da 
década anterior, vai, aos poucos, ganhando uma dimensão 
nacional. Não que os grupos tenham deixado de existir após a 
década de 70 – entre outros coletivos importantes e atuantes 
nesse período, poderíamos destacar o Grupo Galpão, o 
Imbuaça, o Ponkã ou ainda o Oi Nóis Aqui Traveiz – mas o forte 
da produção nacional orbitava em torno dos encenadores. São, 
desse período, montagens importantes de Gerald Thomas, 
Ulysses Cruz, Bia Lessa, Gabriel Vilella, entre outros (ARAÚJO, 
2002, p. 57). 
 
O termo “teatro colaborativo” passa a ser conhecido a partir das pesquisas 
e trabalhos realizados pelo encenador Antônio Araújo, no grupo de Teatro da 
 
3 Como por exemplo, a montagem do espetáculo “Perdoa-me Por Me Traíres” (2012), obra de 
Nelson Rodrigues, que foi encenada na íntegra, ou seja, um processo criativo que tinha uma 
dramaturgia definida e que o seu procedimento de criação foi diametralmente oposto aos 
processos criativos dos espetáculos analisados nesta dissertação. Maiores informações vide 
anexo. 
19 
 
Vertigem, da cidade de São Paulo, subvertidas dos primeiros espetáculos do 
grupo: Paraíso Perdido, O Livro de Jó e Apocalipse 1.114. Esses processos 
colaborativos foram desenvolvidos dentro de uma metodologia de trabalho que 
articulava a criação total dos espetáculos na sala de ensaio, ou seja, a criação 
colaborativa que se pauta na troca e na experiência de cada artista presente na 
sala de ensaio. 
É um percurso coerente de experimentação de ideias em 
espaços públicos, que se inicia com Paraíso Perdido, em 1992, 
e se desenvolve em processo colaborativo até Apocalipse 1.11, 
estreado em 2000. A marca mais radical dessa proposta é a 
concepção do teatro como pesquisa coletiva de atores, 
dramaturgo e encenador em busca de resposta a questões 
urgentes do país, especialmente das grandes metrópoles 
brasileiras, projetadas, porém, num pano de fundo amplo, 
retalhado de inquietações metafísicas, ligadas a uma tradição de 
teatro sagrado que, nesse caso, paradoxalmente, dramatiza a 
insegurança social e a criminalização sistemática das questões 
públicas [...] todos consideram o processo teatral uma pesquisa 
coletiva, que só tem sentido se experimentada em parceria e, 
em geral, criam a cena em simbiose com o ator, ainda que haja 
distinções marcantes na concepção [...] a concepção cênica [...] 
funciona como uma espécie de edição das contribuições 
individuais dos parceiros de criação (FERNANDES, 2010, p. 61-
62). 
 
 Devido ao espaço propositivo aberto a todos na sala de ensaio, a criação 
colaborativa gera um processo pedagógico, porém caótico, cheio de crises. 
Estamos tratando de processos que geram espetáculos com uma polifonia 
estética “que pode ser qualificada como agonística” (Ibidem. p. 6-7). A 
encenação é construída a partir da justaposição de textos, que acabam por 
estruturar uma dramaturgia que mais está para uma colagem, e que foge dos 
 
4 Esses três espetáculos foram realizados em espaços públicos da cidade de São Paulo. O 
primeiro foi apresentado na Igreja de Santa Ifigênia, esse fato ocasionou um movimento por 
parte de fieis católicos fanáticos contra a temporada do espetáculo, porque acreditavam que 
tudo não se passava de profanação do templo sagrado de Deus. Antônio Araújo, bem como o 
elenco, receberam ameaças, inclusive cartas anônimas exigindo o cancelamento da 
programação, além de ameaças de morte. Depois de uma apresentação fechada para 
representantes da Igreja católica de São Paulo, foi constatado que o espetáculo não conturbava 
a imagem e muito menos profanava o nome de Deus, pelo contrário, o fato de o espetáculo 
tratar da história de um anjo decaído, segundo os padres e bispos, era de extrema importância 
que o homem contemporâneo pudesse assistir ao espetáculo, para assim, refletir sobre sua 
condição. Já O Livro de Jó foi apresentado no hospital desativado Humberto I, localizado na 
parte central de São Paulo e Apocalipse 1.11 aconteceu no presídio do Hipódromo e a 
mobilização principal para a criação do espetáculo foram fatos brutais que aconteceram no 
Brasil como a queima do índio pataxó, em Brasília, e principalmente o massacre dos cento e 
onze detentos no presídio do Carandiru. 
20 
 
princípios aristotélicos de começo, meio e fim. Uma cena que, de acordo com 
Bernard Dort (apud FERNANDES, 2010, p. 7), “supõe uma luta pelo sentido, luta 
da qual o espectador é juiz”5. 
Os processos colaborativos começam, sobretudo, a partir da década de 
90, em consequência de um movimento intitulado “Criação Coletiva” das 
décadas de 70 e 80 no teatro brasileiro, que se tratava da reunião de um grupo 
de artistas que montavam um espetáculo na sua totalidade, assumindo todas as 
funções e negando, portanto, uma hierarquia na sala de ensaio. Todos dirigiam, 
atuavam, produziam, concebiam a luz, cenografia, maquiagem, figurino. Essa 
metodologia gerava um processo caótico e bastante complexo no seu acontecer, 
pois era necessário um grande exercício de democracia dentro da sala de 
ensaio, uma vez que todas as contribuições deveriam ser acatadas e colocadas, 
de alguma forma, no espetáculo. Vale salientar que esses grupos se estruturam 
para pensar um modus operandide fazer teatro, fortalecendo o movimento de 
teatro de grupo no Brasil. 
O que diferencia o teatro colaborativo da criação coletiva é que, por mais 
que o espetáculo seja fruto do trabalho de todos na sala de ensaio, no final há 
uma hierarquia que define as funções. Vários outros aspectos são comuns aos 
dois tipos de processo, como exemplo, o principal talvez, a ausência de uma 
dramaturgia como elemento que determina todos os procedimentos da 
construção do espetáculo. Os artistas vão para a sala de ensaio apenas com 
uma ideia central, uma temática, e a partir dela é que se desenvolve todo 
processo de criação do espetáculo. 
É preciso identificar que essa ruptura da não utilização de uma 
dramaturgia pré-definida para a montagem de um espetáculo e, principalmente, 
da junção de artistas para a formação de um grupo, pautado numa poética de 
 
5 Um grande exemplo dessa nova perspectiva de encenações no teatro brasileiro é o encenador 
Gerald Thomas, que na década de 80, revolucionou poeticamente a forma como se pensava e 
se produzia teatro no nosso país. Encenações que se apoiavam em justaposições de textos e 
que geravam um espetáculo intitulado de “teatro de imagens” que se contrapunha a ideia 
Wagneriana de unidade entre os elementos utilizados na cena, em Thomas o foco era 
exatamente ressaltar a independência de cada um, gerando espetáculos em “que o espectador 
é convidado a progredir através de imagens, sons e movimentos que o obrigam a olhar as 
coisas de maneira inédita. Em todos eles há um princípio de negação que inverte os 
significados tradicionais e mostra um processo de investigação transgressora, que submete o 
teatro de seu tempo a uma prova de instabilidade” (FERNANDES, 2010. p, 11). 
21 
 
fazer teatro coletivamente, se tornou um diferencial, uma ousadia no teatro 
brasileiro feito na década de 1980, onde o diretor “funcionava como principal eixo 
de concepção dos espetáculos e concebiam uma escritura cênica autoral, de 
grafia inconfundível, às vezes altamente formalizada” (FERNANDES, 2010, p. 
62). 
Essa força motriz do encenador muito serviu para que o conceito e o 
entendimento da “era da encenação” (DORT, 1977, p. 61) mudasse as 
estratégias de criação de espetáculos no Brasil na segunda metade do século 
XX6, sobretudo no entendimento do teatro como pesquisa. São expoentes desse 
movimento os coletivos TBC7, como também o Arena8 e o grupo Oficina de 
Teatro9, grandes referências na discussão de uma concepção de 
 
6 A encenação teatral é um movimento que se iniciou na Europa no final do séc. XIX e será 
discutido no segundo capítulo, porém em se tratando de Brasil, esse conceito só começa a 
reverberar na cena teatral do nosso país, no final da década de 1940 com a encenação de 
Ziembinski para a peça O Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. 
7 Teatro Brasileiro de Comédia é isso o que significa a sigla, fundado pelo empresário Franco 
Zampari com o objetivo de realizar espetáculos teatrais de qualidade e que pudessem colaborar 
para uma profissionalização e principalmente para uma mudança de paradigma no teatro 
brasileiro. De fato, é graças a essa Cia., que temos uma ruptura na cena brasileira, pois a 
mesma passa a ter o contato e a aprofundar o conceito de encenação teatral desenvolvido na 
Europa, que devido às duas grandes guerras mundiais, principalmente pelo motivo da não 
comunicação entre países durante esse período, o Brasil não teve contato com esse movimento 
que mudou a forma como se fazia e se pensava teatro no ocidente. O TBC foi uma grande 
escola para os atores brasileiros a partir do final da década de 40, que espalhados pelo 
movimento teatral, foram reunidos para pesquisar e experimentar com encenadores 
estrangeiros, trazidos exclusivamente para dirigirem os espetáculos. Um momento de grande 
contato com a dramaturgia produzida lá fora e com as pesquisas desenvolvidas em torno da 
criação de cenários, iluminação, maquiagem, figurino e etc. A importância do TBC é grandiosa 
na colaboração para o desenvolvimento da Escola de Arte Dramática da Universidade de São 
Paulo e também para a formação de vários grupos após o final de sua existência. 
8 Importante grupo da história do teatro brasileiro que passa a surgir na década de 1950, cujo 
seus principais componentes saíram da formação oferecida pela EAD- Escola de Arte 
Dramática de Alfredo Mesquita. Segundo SANT’ANNA (2012, p. 156-157) “tinham iniciado 
atividades em 1953, experimentando seu palco inovador em apresentações em escolas, 
fábricas e outros espaços, até constituírem sede própria em 1955, ainda com um repertório 
semelhante ao do TBC, embora com encenações bem mais econômicas. Em 1958, a partir do 
sucesso da encenação de Eles Não Usam Black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri – inspirada 
em A Moratória, de Jorge Andrade -, com o enfoque de operários em grave, o grupo sentiu ali 
o caminho certo e promoveu um Seminário de Dramaturgia, visando descobrir e/ou formar 
atores nacionais que trouxessem à cena os problemas contemporâneos da realidade do país. 
(...) O Arena visava criar uma dramaturgia que, além de tudo, pudesse formar um novo público, 
o popular, que, por sua vez, exigiria mais tarde outra dramaturgia”. 
9 Sobre o grupo, prefiro citar as primeiras páginas da edição 26, da revista Dionysos, publicada 
em 1982: “O Oficina foi organizado em 1958 na Faculdade de Direito (Largo São Francisco) 
em São Paulo. Mas sem qualquer vínculo direto com o centro Acadêmico XI de Agosto. O que 
permite supor: sem relações com questões de política estudantil. Estreou no bairro Bexiga num 
prédio onde antes funcionava um teatro espirita. Em 1980, ameaçado de despejo sumário (o 
local seria vendido ao grupo econômico de Sílvio Santos), o grupo empreende uma batalha, 
em diversas fontes, procurando obter recursos para comprar definitivamente o terreno e a casa 
22 
 
experimentação e de pesquisa inovadora na cena teatral brasileira 
contemporânea. Aqui, vale ressaltar que todo esse movimento gerado por esses 
grupos, e por esses encenadores no Brasil, consolidou-se como uma base muito 
forte, que deu suporte para o surgimento de vários artistas e grupos, que 
passaram a realizar processos criativos com novas abordagens e procedimentos 
técnicos particulares, que diversificaram e enriqueceram de poéticas o teatro 
brasileiro. 
Os processos colaborativos geram na cena contemporânea brasileira um 
procedimento que não se trata de uma metodologia cartesiana, com manual de 
regra a ser seguido para criação de um espetáculo. É mais um modelo do que 
até mesmo um referencial estético. Apresenta-se muito mais como princípio 
técnico, e por isso a interpretação e articulação são multidisciplinares. O 
encenador é quem geralmente conduz o processo colaborativo, e acaba criando 
um próprio método, uma forma particular de coordenar a criação. A força motriz 
nesse tipo de processo está nas experiências que são trocadas na sala de 
ensaio. Nesse lugar em que as competências técnicas são alargadas, todos são 
coautores do espetáculo/encenação/dramaturgia da cena. O que se estabelece 
na sala de ensaio é um espaço propositivo horizontal, sem uma hierarquia fixa, 
e sim, como propõe Araújo (2002, p. 56), “hierarquias momentâneas ou 
flutuantes”, que abrem um espaço de proposição para todos os que estão 
envolvidos no processo criativo e transforma a criação em um work in progress, 
que se articula através de: 
Redes de leitmotiv, da superposição de estruturas, de 
procedimentos gerativos, da hibridização de conteúdos, em que 
o processo, o risco, a permeação, o entremeio criador-obra, a 
interatividade de construção e a possibilidade de incorporação 
de acontecimentos de percurso são as ontologias da linguagem 
(COHEN, 2006, p. 2). 
 
 
de espetáculos. Sensibilizou diferentesáreas, inclusive oficiais, e acabou vencendo. (...) Ainda 
no principio afirmou-se diante da crítica lançando um novo autor que logo em seguida 
encerraria sua promissora carreira como dramaturgo para transformar-se no mais criativo e 
corajoso, controvertido e polêmico, encenador do teatro brasileiro contemporâneo (José Celso 
Martinez Correa). (...) Depois de conturbadas discussões internas o grupo abandonou o 
amadorismo e, nas pegadas do Teatro de Arena, assumiu o profissionalismo. Estabeleceu sede 
própria, na rua Jaceguai 520. Transformou-se na mais expressiva companhia de teatro do país 
através de um trabalho contínuo marcado por permanente inquietação e sempre surpreendente 
renovação da linguagem cênica (PEIXOTO, 1982, p. 37). 
23 
 
O que ganha força no teatro colaborativo é o projeto artístico-pedagógico 
gerado por um grupo que se forma para criar seus espetáculos num espaço de 
proposição horizontal, onde todos participam e colocam o seu pensar e fazer, o 
que leva à construção de uma cena ampliada por diversas experiências e pontos 
de vista, enriquecendo o processo de criação e gerando um grupo que se 
fortalece a partir do diálogo e do cruzamento de culturas. É nesse jogo de 
fronteiras entre os partícipes do processo, em que um atua na área específica 
do outro, que atores acabam por descobrir potencialidades para também serem 
pensadores de cenografias, de figurinos, de luz, assim como cenógrafos para 
serem atores, e diretores arriscam-se como atores e vice e versa, 
sucessivamente. 
Quem ao final assina a concepção das linguagens?10 É nessa área de 
acordos que se estabelece um elo de confiança entre os participantes do 
processo colaborativo, e o trabalho individual ganha estrutura ampliada para a 
concepção do espetáculo. É importante entender que, mesmo que a criação no 
teatro colaborativo se dê num campo propositivo aberto, alguém sempre se 
responsabiliza pela concepção final de cada elemento. Um cenógrafo, por 
exemplo, define com qual material irá trabalhar e de que maneira ele tornará 
expressiva as suas ideias. Cabe aos profissionais envolvidos, e responsáveis 
por suas funções, imbricar todas as vontades e desejos do coletivo, mas, 
sobretudo, materializar cenicamente a concepção final. 
No entanto, é preciso reconhecer que a autoria no processo 
colaborativo está localizada numa zona de fronteira, de acordos 
delicados e tensos, pois tenta lidar com as exigências do 
coletivo, ao mesmo tempo em que reclama o reconhecimento 
individual. Trata tanto da autoria de grupo, à medida que todos 
são criadores e agentes de múltiplas apropriações e 
transformações, quanto da autoria particular, que acontece 
quando determinado artista opera a reunião, a filtragem ou a 
organização dos materiais apresentados pelo coletivo (RINALDI, 
2006, p. 136). 
 
 
10 Nesta dissertação compreendemos que a cenografia, iluminação cênica, figurino, 
interpretação, maquiagem, sonoplastia e etc., são linguagens distintas, “ativas”, como nos 
propõe Artaud (2006), que possibilitam, individualmente, um vasto campo de pesquisa e 
técnica, porém, o mais significante é entendermos que a atuação desses elementos em um 
espetáculo é determinante na concepção da encenação. Nos próximos capítulos ressaltaremos 
ainda mais essa reflexão a respeito da importância de articulação dessas linguagens no 
processo criativo de uma encenação. 
24 
 
O teatro colaborativo, embora seja uma matriz cada vez mais utilizada 
para montagens de espetáculos, carrega uma singularidade que merece certo 
enfoque: cada grupo ou companhia, de acordo com suas vontades para a 
criação, estabelecem seus próprios princípios criativo-metodológicos. Esses 
grupos, ao longo de anos de trabalho, apuram através das experiências uma 
forma de condução que se torna a sua poética, e que faz com que o processo 
criativo ganhe movimento e se estruture a cada novo encontro na sala de ensaio. 
No caso do Teatro da Vertigem, por exemplo, embora todos participem 
ativamente dos processos criativos de todos os elementos, no começo as 
funções já são ocupadas. O dramaturgo é convidado para o processo sabendo 
que sua função será a de construir a dramaturgia, assim como o iluminador, o 
figurinista, os atores e etc. O que é característico no caso da Cia. de Teatro 
Engenharia Cênica, é que as competências são aproveitadas na sala de ensaio, 
ou seja, se um ator tem experiência na área de iluminação cênica, e já 
desenvolve pesquisa e se dedica a entender os caminhos para a criação da luz 
no teatro, sua função dentro do processo será, também, a de conceber a 
iluminação do espetáculo. 
Na Cia. de Teatro Engenharia Cênica, as questões que se referem à 
autoralidade dentro da sala de ensaio são ainda mais abertas. No começo, cada 
sujeito tem uma função previamente estabelecida, mas no decorrer do processo 
criativo esse artista poderá não somente colaborar com os outros processos, 
como também assumir a concepção final da cenografia, dramaturgia, iluminação 
e etc., em alguns casos, até três funções na criação do espetáculo. Importante 
frisarmos essa informação, porque potencializa o entendimento de que cada 
grupo que desenvolve processos colaborativos tem o seu próprio procedimento 
na construção dos espetáculos. É exatamente nesse ponto que aparece uma 
relação dentro da sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, que 
incentiva e fomenta a possibilidade de um ator poder ser também o iluminador 
cênico. Dessa forma, os artistas passam a colaborar nos demais processos 
criativos e, com isso, acrescentam às suas competências diferentes experiências 
que enriquecem sua poética de criação. 
A sala de ensaio é um espaço que oscila entre o que podemos 
compreender por espaço trivial, ou seja, um lugar comum, geralmente aberto e 
25 
 
sem muitos móveis e objetos, e ao mesmo tempo um lugar que se transforma 
com os ensaios, pois instalam diferentes atmosferas a partir da expressão 
corporal dos atores, que se mantêm em estado alterado e ainda assim refletem, 
burilam, constroem o espetáculo em total diálogo colaborativo com todos os 
artistas da cena. Esse entendimento da sala de ensaio unido ao processo 
colaborativo é que abre caminho para irmos adiante. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
26 
 
1.3 A IMAGEM PROPULSORA 
 
A imagem, para a criação artística, tem caráter impulsionador. Os 
processos criativos em teatro estão ligados à construção e elaboração de 
imagens, sejam elas pictóricas ou corporais, sempre abrangem signos que 
levam a múltiplas compreensões. Michael Chekhov apresenta alguns exemplos 
na história da arte em que as imagens são fontes de inspiração para a criação: 
Estou sempre cercado de imagens, disse Max Reinhardt. Ao 
longo de toda uma manhã, Dickens permaneceu sentado em seu 
gabinete de trabalho esperando que Oliver Twist aparecesse. 
Goethe observou que imagens inspiradoras surgem diante de 
nós por sua própria iniciativa, exclamando: “Aqui estamos!” 
Rafael viu uma imagem passar diante dele em seu quarto, e 
essa foi a Madonna da Capela Sistina. Michelangelo exclamou, 
em desespero, que imagens o perseguiam e o forçavam a 
esculpir suas figuras na pedra (CHEKHOV, 2003, p. 27). 
 
O embate entre artista e imagem é extremamente dinâmico. A imagem vai 
se transformando na medida em que ela é trabalhada pelo artista. Ela “muda sob 
seu olhar indagador, transforma-se repetidas vezes, até que, gradualmente (ou 
subitamente), você se sente satisfeito com ela” (Ibidem, p. 29). No caso do teatro, 
a busca é de materialização da imagem em cena. Na sala de ensaio ela possuirá 
uma corporeidade, que bifurcará, gerando outras imagens, criando narrativas e 
personagens, num processo constante de retroalimentação, pondo em 
movimento o processo criativo e constituindo um arcabouço de signos 
imagéticos, que é o próprio espetáculo se construindo. 
Nessa perspectiva,o corpo se torna o lugar onde as imagens ganham 
movimento. O ator é, também, uma imagem na cena responsável por articular 
outras imagens e construir sentido para tudo que o espetáculo pretende 
representar. Para Bergson (2006, p. 20), o corpo é a imagem central “sobre ela 
regulam-se todas as outras; a cada um de seus movimentos tudo muda, como 
se girássemos um caleidoscópio”. Portanto, quando uma imagem é fonte 
primeira para a criação, ela se torna um elemento que se modifica a cada vez 
que o artista a manipula, e por isso constitui-se num universo de descobertas 
que ampliam o sentido e a imaginação. 
No caso da Cia. De Teatro Engenharia Cênica, a palavra propulsão está 
acompanhada da palavra imagem, exatamente porque dentro da Cia. essa 
27 
 
imagem criada e elaborada funciona como o primeiro impulso para que todos os 
integrantes possam agir na sala de ensaio, ou seja, quando a ideia passa a ser 
materializada cenicamente. É importante mencionar que essa imagem 
propulsora não corresponde a uma pintura ou uma fotografia, ou seja, não está 
relacionada a algo que seja pictórico bidimensionalmente ou 
tridimensionalmente. Nos processos da Cia. Engenharia Cênica ela é um 
hipertexto que apresenta uma narrativa sobre a qual se definem a temática e o 
sentido para a construção do espetáculo. Esse texto é considerado imagem 
exatamente por ser ele uma projeção de como se dará o espetáculo. 
Os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica (Irremediável, Doralinas e 
Marias e O Menino Fotógrafo) apresentam processos que têm a imagem 
propulsora como princípio norteador para criação. De acordo com a pesquisa de 
Ferreira (2009)11, a partir da analise do processo de criação do espetáculo 
Irremediável (Sobral - CE, 2007), define-se a imagem propulsora como: 
[...] uma bússola que norteia a criação, mas ela é apenas uma 
diretriz para o caminho, o percurso será trilhado ao longo das 
descobertas que serão interpostas no decorrer do processo de 
criação na sala de ensaio. Compreendo esse processo como um 
labirinto de possibilidades que se abrem em encruzilhadas de 
encaminhamento poético. Testamos as possibilidades e as 
escolhemos dia-a-dia. Esta escolha é movida por nossas 
percepções e individualidade (FERREIRA, 2009, p. 49-50). 
 
Tratando-se dos espetáculos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, a 
imagem propulsora é responsável por abordar todo o discurso do espetáculo. 
Pode ser um pequeno texto narrativo, como uma única frase, que apresentará 
diretamente todo o universo pelo qual o processo do espetáculo caminhará no 
que diz respeito à criação e também ao campo epistemológico fundamentador 
da pesquisa, e que dará sentido à estrutura dramatúrgica do espetáculo. 
No grupo de Teatro da Vertigem, da cidade de São Paulo, tem-se o 
conceito de workshop como o lugar da imagem inicial, ou seja, o ponto de partida 
para a construção do espetáculo, assemelhando-se ao conceito de imagem 
propulsora. Segundo Rinaldi (2006, p. 136), atriz e pesquisadora do referido 
grupo, o workshop “é uma cena criada pelo ator em resposta a uma pergunta ou 
um lema lançados em sala de ensaio”. Diversos grupos se identificam com a 
 
11 Diretora da Cia. de Teatro Engenharia Cênica (nome artístico: Cecília Raiffer). 
28 
 
criação teatral a partir de processos colaborativos. Muitos fatores contribuem 
para o crescimento de espetáculos criados na contemporaneidade a partir 
desses processos. Podemos dizer que a relação com o texto é uma questão, 
pois o encenador ou ator, não encontrando mais uma dramaturgia que apresente 
um lugar, uma motivação, ou antes uma possibilidade de realização do seu 
desejo, passa a escrever seu próprio texto, partindo de improvisações ou de 
outros princípios, sempre caminhando dentro de um percurso norteado por um 
sentido – pela imagem propulsora – que gera no sujeito a necessidade de se 
lançar no processo de experimentação, para a descoberta do espetáculo no seu 
corpo, potencializando o imbricamento artista-vida-obra. 
 A criação na sala de ensaio da Cia. de Teatro Engenharia Cênica gera 
uma dramaturgia em processo. A cada improvisação12, as personagens 
emergiam em gestos, atitudes, verbos e ações que eram bases para a 
construção do texto. A diretora dos espetáculos, Cecília Raiffer, assumia a 
função de dramaturga, e cabia a ela ficar atenta às possibilidades textuais que 
surgiam no jogo entre atores e imagem propulsora. O texto, quando elaborado 
dessa forma, sempre acaba adquirindo uma estruturação fragmentária, que 
possibilita uma maior mobilidade no que se diz respeito à narratividade. Nos três 
processos analisados nesta pesquisa, a dramaturgia só se definia após varias 
organizações. Cenas que seriam o começo passaram para o meio ou até mesmo 
para o fim do espetáculo, mostrando que o trabalho na sala de ensaio de um 
processo colaborativo é incógnito, imprevisível. A cada novo encontro tudo se 
amplia. Trata-se, portanto, no que se diz respeito à dramaturgia, de um jogo de 
descobertas. 
No processo colaborativo, como ainda não há um todo a ser 
analisado, e sim uma progressão de cenas que vão sendo 
elaboradas ao longo dos ensaios, a análise é feita de maneira 
inversa: tem-se somente alguns segmentos, a princípio 
independentes. Praticamente às cegas, vai-se intuindo um 
encaixe das cenas apresentadas na tentativa de formar um todo 
coerente – é como um quebra-cabeça do qual se vai recebendo 
as peças aos poucos, sempre com a certeza de que haveria um 
sem número de possibilidades de outras configurações/imagens 
finais. E essa coerência, essa unidade pretendida, normalmente 
tem como norteadora a proposta inicial do grupo – geralmente o 
 
12 Ainda nesse capítulo discutiremos a respeito da improvisação como técnica de articulação da 
imagem propulsora. 
29 
 
tema eleito pela equipe, sempre amparado pelas pesquisas e 
discussões. É importante que se tenha em mente esse objetivo 
geral que possa guiar a análise – tema, proposta formal – um 
fator que fica de fundo na hora do trabalho analítico. A proposta 
da cena, ela sim, pode ser decomposta pelo dramaturgo, 
analisada em suas diferentes partes, recomposta e 
compreendida num processo de fragmentação do que já é um 
fragmento. A cena é analisada como um todo, num primeiro 
momento, e depois pode ser decomposta e analisada em vários 
aspectos entre os quais ação, fábula, unidade, personagens, 
situação, conflito, núcleo dramático, pertinência quanto ao tema, 
relevância no contexto geral (NICOLETE, 2005, p. 50). 
 
 O tema do qual a pesquisadora se refere, no caso dos processos 
colaborativos da Cia. de Teatro Engenharia Cênica, trata-se da imagem 
propulsora, que na sala de ensaio se torna um elemento gerador de crise para a 
criação do espetáculo. Articula-se na sala de ensaio, através do trabalho 
improvisacional do ator, que gera cenas que se tornam as bases para a 
concepção da iluminação, cenografia e etc. Nesse entrelaçamento de 
experiências entre os profissionais (iluminador, cenógrafo, encenador, ator, 
maquiador, sonoplasta e etc.) emerge uma pedagogia pautada na troca, 
confiança e na colaboração, fatores que possibilitam o surgimento de artistas 
híbridos, pois são criadores de todas as partes do espetáculo, agentes ativos 
nas bifurcações, sujeitos significadores de suas próprias formações. 
No momento inicial dos espetáculos Irremediável, Doralinas e Marias e O 
Menino Fotógrafo, foram realizados encontros para debate, pesquisa e 
construção de ideias, para só assim iniciar o processo de materialização das 
cenas. O processo do espetáculo Irremediável teve duração de nove meses, 
bem como do espetáculo Doralinas e Marias. Já O Menino Fotógrafo levou doze 
meses. Como se tratam de Processos Colaborativos, essa etapa específica 
voltada para a pesquisa, para o levantamento de imagens propulsoras,assemelha-se ao momento em que O Teatro da Vertigem, grupo referência na 
linha de Teatro Colaborativo, desenvolveu o espetáculo Paraíso Perdido: 
Pretendíamos garantir e estimular a participação de cada uma 
das pessoas do grupo, não apenas na criação material da obra, 
mas igualmente na reflexão crítica sobre as escolhas estéticas e 
os posicionamentos ideológicos (ARAÚJO, 2002, p. 102). 
Podemos perceber que a pesquisa é, no Teatro Colaborativo, base para 
todo o processo se desenvolver. As leituras são os caminhos para a construção 
de ideias, o debate na sala de ensaio desenvolve reflexões em volta da ideia, da 
30 
 
imagem propulsora, e assim o espetáculo se estrutura, num processo em que a 
pesquisa prática e teoria sedimentam a criação cênica. 
[...] a pesquisa é um dos principais fatores a colocar todos os 
componentes em pé de igualdade para a criação. A partir da 
leitura dos mesmos textos, da análise dos mesmos filmes, da 
visita aos mesmos lugares, o grupo desenvolve um vocabulário 
comum e forma um manancial de imagens que serão 
reelaboradas e traduzidos cenicamente. Nessa etapa inicial, 
cada elemento da equipe pode acrescentar ao material 
pesquisado os conteúdos pessoais e sua própria interpretação 
de informações, o que vai gerar uma infinidade de cenas e 
situações propostas [...] Enfim, o que se vai pesquisar e como 
isso vai ser feito pode se configurar de um sem-número de 
formas. Incontestável parece ser a necessidade da pesquisa, já 
que é preciso conhecer satisfatoriamente o tema que se quer 
abordar, e isso durante todo o processo. A pesquisa, em suas 
diversas formas e intensidades, está presente em todas as 
etapas, não só no início. A ela cabe, muitas vezes, o 
aprimoramento contínuo e a busca de solução para questões 
surgidas ao longo do trabalho (NICOLETE, 2005, p. 44-45). 
 
Quando os espetáculos da Cia. Engenharia Cênica são levados à fruição 
do público, o ciclo da criação se fortalece. A partir da recepção dos espectadores, 
buscamos estratégias de mediação para entendermos os resultados gerados. 
 
 
31 
 
1.3.1 Irremediável13 
 
A indefinição do nome do espetáculo apresenta o quanto caótico e crítico 
o processo foi no princípio. No primeiro encontro na sala de ensaio não havia 
ainda uma dramaturgia pronta, nem mesmo personagens ou “lugar teatral” 
(MANTOVANI, 1989, p. 7)14 definidos, apenas uma imagem propulsora, que 
girava em torno de questionamentos sobre o homem contemporâneo e a sua 
condição de vida. Nessa época, a Cia. não sabia ainda conceitualmente da 
existência do teatro colaborativo. Essa realidade é a mesma vivida por vários 
grupos que se estruturaram no Brasil ao longo das décadas de 70, 80 e 90, ao 
criarem seus espetáculos a partir de ideias, de imagens, sem estarem ligados 
diretamente a uma dramaturgia. Os artistas simplesmente se reúnem na sala de 
ensaio e paulatinamente criam seus espetáculos, desde a dramaturgia à 
construção de personagens e atmosferas através do cenário e da iluminação. 
No espetáculo Irremediável, após reflexões demasiadas sobre a condição 
do homem contemporâneo, buscamos referenciais teóricos e exemplos de 
personagens que pudessem ser fontes inspiradoras e alimentadoras da imagem 
propulsora, para que assim pudessem ser criadas ações, cenas, possibilidades 
de espaços cênicos, atmosferas e, principalmente, personagens. Foi então que 
surgiu uma imagem propulsora que estabeleceu claramente os caminhos e 
definiu um lugar teatral que significava um dos principais pontos filosóficos sobre 
a condição do homem na contemporaneidade: “a prisão irremediável do homem 
contemporâneo – aprisionado, vigiado e perdido na terra que gira” (FERREIRA, 
2009. p. 30). O espaço no qual os atores atuavam no espetáculo era um losango 
de 3m², que impunha limites para a sua movimentação cênica. A imagem 
 
13 Espetáculo realizado através do Prêmio Myriam Muniz de Teatro da FUNARTE 2006. Estreou 
em Sobral no teatro municipal da cidade: Theatro São João, em seguida, através de um apoio 
do SESC-CE, o espetáculo circulou pelas suas principais instituições (SESC) situadas no 
estado. Foi apresentado na mostra competitiva do FETAC (Festival de Teatro de Acopiara), 
onde ganhou cinco prêmios: melhor direção, ator (Luiz Renato), sonoplastia, iluminação e 
conjunto cênico; foi apresentado da XII Mostra SESC Cariri de Cultura e no Festival Nordestino 
de Guaramiranga; além de realizar uma temporada na cidade de Fortaleza, capital do estado, 
e participar da Mostra Nacional Palco Giratório, tudo no ano de 2007. 
14 Entender “lugar teatral” como o espaço que é próprio do espetáculo. Anna Mantovani no seu 
livro intitulado “Cenografia”, do ano de 1998, apresenta a diferença entre espaço cênico e lugar 
teatral. Segundo o seu pensamento todo espaço serve para a cena acontecer, mas o que se 
instala nesses espaços é o lugar do espetáculo, ou seja, o espaço criado e elaborado na sala 
de ensaio para o seu discurso dramatúrgico, visual, atmosférico e sígnico. 
32 
 
propulsora, depois de muitas escolhas e desapegos, ganhou a seguinte 
estruturação: 
[...] três pontos iniciais inspiradores, três linhas paralelas [...]: 
Vida de Galileu de Bertolt Brecht – a certeza que a terra não é o 
centro do universo e que as estrelas não estão presas a uma 
esfera de cristal abala as convicções da humanidade; Vigiar e 
punir de Michel Foucault – somos diuturnamente vigiados, 
conduzidos e elaborados pelo sistema que obriga, sufoca e 
desnatura; O Mito de Sísifo de Albert Camus – a humanidade 
carrega absurdamente uma pedra para o cume de uma 
montanha, quando lá chegamos, “a pedra sempre rola” e tudo 
começa novamente. Quando a razão deixa de ser razão e o 
homem perde-se de si, dos seus sonhos, da sua vida. Quando a 
certeza da existência de bilhões de sóis e bilhões de galáxias é 
comprovada. Quando o humano deixa de ser humano... 
Realidade irremediável da vida (FERREIRA, 2009. p. 30). 
 
Analisando a imagem propulsora é possível apontarmos os caminhos 
trilhados pelo espetáculo ao longo do processo criativo. Os personagens eram 
agentes ativos do espetáculo, pois eram responsáveis de instalar na cena o 
homem aprisionado. Porém, a iluminação cênica passou a ter uma ação 
expressiva e determinante na construção de significados do espetáculo, 
sobretudo porque editava, dentro do pequeno losango, o espaço cênico das 
personagens15. Sendo assim, Irremediável começou a ser estruturado a partir da 
imagem propulsora. Os personagens foram inspirados nas figuras de Galileu e 
de Sísifo, dois sujeitos da história da humanidade aprisionados por um sistema 
que não possibilitava escapatória.16 Na dramaturgia de Cecília Raiffer, seus 
nomes eram “Cego” e “Aleijado”. Em nenhum momento do espetáculo, porém, 
esses nomes eram pronunciados, e serviram muito mais para o trabalho dos 
atores, na construção de “ações físicas” (STANISLAVSKI, 2001, p. 2), e para a 
compreensão da identidade desses personagens. Em cena, apenas dois jovens 
homens presos, tentando se livrar daquele lugar, inventando uma fabulação ou 
um universo imaginário como estratégia de livramento. Com o passar dos 
ensaios, o espetáculo ganha a seguinte estruturação dramatúrgica: 
 
15 Analisaremos no terceiro capítulo o processo criativo da iluminação do espetáculo 
Irremediável, em consonância com o trabalho do ator na criação de cenas e personagens. 
16 Na peça de Bertolt Brecht, Galileu abjura de sua descoberta para não ser morto pela 
Inquisição. Sísifo foi condenado por Ades a rolar uma pedra até o cume de uma montanha, 
depois de chegado ao objetivo, a pedra rolaria novamente e Sísifo continuaria 
irremediavelmente a rolar a pedra. 
33 
 
Irremediável (2007). Dois homens de identidade desconhecida 
habitam um espaço inóspito, na solidão diária buscam 
estratégias de salvamento para as suas existênciascontinuarem 
valendo. Um rapaz, o Cego, espera o vento que sopra do norte 
e passa toda a vida construindo bonecos, barcos e caixas de 
papel para serem colocados no rio que corre quando o esperado 
vento chegar. O outro rapaz, o Aleijado, apresenta surtos 
psicóticos, toma vários remédios, fala do universo e das estrelas 
– “elas estão livres e sem amarras”; quer ir para a cidade das 
portas, mas ao contrário do outro rapaz não produz 
possibilidades de saída. Finalmente o vento que sopra do norte 
chega, os dois rapazes vão para a sonhada cidade das portas, 
mas são bombardeados pela plateia, e o barco que estava no rio 
que corre é queimado, a luz cai em resistência, a sonoplastia 
continua até a última centelha, silêncio e fim!17 
 
Outros signos foram criados para enfatizar ainda mais a condição de 
vigilância e de punição dos personagens. A sonoplastia do espetáculo foi criada 
por Daniel Glaydson Ribeiro, que na época do processo de criação do 
espetáculo, além de estudante de letras, era também DJ de músicas eletrônicas. 
O fato de ele experimentar a técnica computadorizada de produzir variados tipos 
de sonoridades fez com que, de imediato, surgisse um convite para colaborar na 
sala de ensaio na criação da trilha do espetáculo. A sonoplastia acabou se 
tornando um elemento que intensificou sobremaneira as atmosferas de 
aprisionamento e de desespero por parte das personagens. A movimentação 
cênica dos atores ganhou sonoridades, ruídos, dialogando com as emoções que 
se materializavam cenicamente. Os ruídos acompanhavam as sensações, o que 
possibilitava uma construção ainda mais ampliada das noções de personagem. 
Toda a trilha era operada ao vivo, portanto, era necessária a presença do DJ em 
cena, respirando o espetáculo a cada apresentação. 
Essa necessidade acabou levando para a cena um signo que ressaltou 
ainda mais a construção desse espaço enclausurado. Principalmente, 
presentificou os personagens que vigiavam, uma vez que o sonoplasta foi 
colocado na cena, e o operador de luz também ocupou seu espaço no meio da 
 
17 Rubrica retirada da dramaturgia, acervo pessoal da diretora Cecília Raiffer. No primeiro 
semestre de 2014 será lançado o livro “Três pontos sem ponto final” que reunirá o texto dos 
três espetáculos: Irremediável, Doralinas e Marias e O Menino Fotógrafo, objetos de analises 
da presente dissertação. 
34 
 
plateia. Havia então entre os espectadores os sujeitos com suas mesas de luz e 
pick up. 
A iluminação cênica foi, também, um elemento de aprisionamento para as 
personagens. Editava o espaço cênico com seus recortes em formato de 
losango, ampliava e o diminuía constantemente. A luz era fria, para ressaltar a 
atmosfera de solidão, e quente quando os surtos de ambos os personagens, na 
tentativa de sair dali, se presentificavam. Trilha sonora e iluminação dialogavam 
cenicamente. Luz e som acompanhavam todo o ritmo da interpretação dos 
atores, não existia um momento de silêncio no espetáculo. Para melhor 
compreensão do espetáculo Irremediável, principalmente no que diz respeito ao 
seu “lugar teatral” (MANTOVANI, 1998, p. 7), bem como a encenação, faz-se 
necessário observar uma fotografia retirada por Hudson Costa na primeira 
temporada do trabalho, no Theatro São João, na cidade de Sobral - CE. 
 
Figura 1 – O público sentava-se sobre almofadas pretas, em volta do lugar teatral em 
formato de losango, evidenciando o aprisionamento e o estado de vigilância. 
As bolas distribuídas pelas almofadas eram utilizadas pelo público na cena 
final como bombas. 
 
Fonte: Hudson Costa 
A presença desses dois artistas (operador de luz e sonoplasta) se deu 
desde o meio do processo, quando o espetáculo já apresentava cenas 
Ator Jander Alcântara. Personagem: Cego, 
representação de Galileu Galileu de Bertolt Brecht. 
Atrás, um guarda-chuva feito de contas para simbolizar 
a via láctea e as estrelas. 
Operador de luz Maicon Rocha 
Ator Luiz Renato. 
Personagem: Aleijado, 
representação de Sísifo, 
de Albert Camus. 
Pick-up e notebook do sonoplasta 
Daniel Glaydson Ribeiro. 
35 
 
construídas. Entraram na sala de ensaio para colaborar com todos os outros 
elementos da cena, e dialogavam com todas as esferas da criação que se 
desenvolviam a partir da relação com a imagem propulsora. Todos tinham 
espaço para propor e refletir sobre as cenas elaboradas, e contribuíam com suas 
colocações mostrando outras possibilidades. Mesmo sendo este um espaço de 
proposição aberto, no final a diretora Cecília Raiffer era sempre a responsável 
por coordenar o processo, por ligar os elementos uns aos outros e, nessa teia 
de agenciamentos, construir o sentido geral da encenação. 
 
Figura 2 – Cena em que o personagem Aleijado (Sísifo), interpretado por Luiz Renato, de 
pé, tenta construir um barco para fugir do aprisionamento. No chão o ator Jander 
Alcântara, com o personagem Cego (Galileu), em um transe gerado pela ação do 
Aleijado. 
 
Fonte: Hudson Costa 
36 
 
Figura 3 – Momento de grande desespero, quando os dois personagens buscam 
estratégias para sair do lugar teatral claustrofóbico. 
 
Fonte: Hudson Costa 
 
Figura 4 – Cena em que o personagem Cego (Galileu Galilei), através de um 
guarda-chuva repleto de contas e pedras semipreciosas, faz referência a Via 
láctea. 
 
Fonte: Hudson Costa 
37 
 
Uma forte característica desse momento no processo é o fato de que não 
tínhamos ainda noção dos processos colaborativos. Alguns elementos, como a 
cenografia, por exemplo, foram concebidos por todos. Não existiu alguém que 
se responsabilizasse por essa concepção, o que levou a uma criação coletiva, 
ou seja, todos foram os autores desse elemento. 
Esse processo apresentou um caos em sua totalidade, uma vez que não 
tínhamos condições de entender até quando teríamos condições de criar na sala 
de ensaio. Surgiam, a cada novo encontro, muitas possibilidades de 
continuação, o que levou a Cia. em alguns momentos a desistir ou dar pausas 
longas, para que pudéssemos assimilar o caminho que estava sendo trilhado 
pelos artistas envolvidos. Com inúmeras dificuldades, sobretudo na finalização 
da dramaturgia e, consequentemente, da encenação, o espetáculo chegou a 
uma estrutura final18·. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 Uma análise mais elaborada a respeito do processo criativo do espetáculo Irremediável 
encontra-se em: FERREIRA, Cecília. Cena e jogo: o imaginário na carne. 2009. Dissertação 
(Mestrado em Artes Cênicas) – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade 
Federal da Bahia. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/9434>. 
38 
 
1.3.2 Doralinas e Marias19 
 
O processo de criação de Doralinas e Marias se deu em 2009, na cidade 
de Salvador – BA. Diferente do espetáculo Irremediável, e a partir da experiência 
adquirida com este, a Cia. Engenharia Cênica (núcleo fixo) já sabia o caminho 
que deveria ser percorrido, no que diz respeito à criação de todo o espetáculo. 
A imagem propulsora já era algo aceito por todos, e tínhamos em mente que sua 
elaboração era de extrema importância para que o processo pudesse ser 
iniciado. A Engenharia Cênica, trazendo na bagagem a experiência do primeiro 
processo de criação – quando havia apenas a convicção de que um grupo de 
artistas, reunidos numa sala de ensaio agenciando experiências a partir de uma 
ideia, estruturaria um espetáculo – passou a perceber em Doralinas e Marias os 
caminhos pelos quais o seu processo de criação se guiaria e, principalmente, 
reconhecer que nesse novo trabalho estava se consolidando uma poética, mas 
também um pensar, um refletir do “como”. 
A partir de Doralinas e Marias é que a Engenharia Cênica passa a ter 
conhecimento do que é o Teatro Colaborativo, e encontra no mesmo sua poética 
criativa, tal como os grupos Teatro da Vertigem (SãoPaulo) e os Finos Trapos20 
(Salvador). Esses grupos, embora tenham processos criativos conduzidos de 
formas absolutamente diferentes, apresentam um processo de construção total 
do espetáculo dentro da sala de ensaio, lugar este que unirá uma equipe em 
torno de uma ideia, de uma imagem propulsora, e fará a cada novo encontro se 
 
19 Sob a direção de Cecília Raiffer, Doralinas e Marias foi realizado através do Prêmio Manoel 
Lopes Pontes, da Fundação Cultural do Estado da Bahia, na categoria montagem de 
espetáculo. Sua temporada de estreia se deu nos teatros Martim Gonçalves, da Escola de 
Teatro da UFBA (18 de junho a 5 de julho) e SESC-Senac Pelourinho (de 9 de julho a 1° de 
agosto) no ano de 2009. O espetáculo fez participação no Festival Internacional de Artes 
Cênicas - FiacBa ano 2, nos dias 24 e 25 de outubro de 2009; na 11ª mostra SESC Cariri de 
Cultura 2009, nos dias 14 de outubro no Memorial Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, e no 
dia 15 de novembro no Teatro Municipal Salviano Arraes, na cidade do Crato-Ce; em março de 
2010 participou da Mostra SESC-ATU de Teatro de Uberlândia em Minas Gerais. 
20 No caso do grupo Finos Trapos, da cidade de Salvador-Ba, podemos aqui citar a pesquisa de 
mestrado do diretor Roberto Ives Abreu Schettini, intitulada: O teatro como arte do encontro: 
dramaturgia da sala de ensaio, uma abordagem metodológica para a composição do 
espetáculo “Genesius – histriônica epopeia de um martírio em flor” junto ao grupo Finos Trapos. 
39 
 
descortinar através da colaboração: a dramaturgia, personagens, cena, 
cenografia, iluminação e etc.21. 
A imagem propulsora do espetáculo Doralinas e Marias é a seguinte: A 
mulher e sua relação com o tempo – O tempo de espera, o tempo de chegada e 
o tempo de partida. 
Para inspiração e estruturação da imagem propulsora, foram utilizadas 
algumas obras que se tornaram fontes de pesquisa, representando um campo 
de encontro do imaginário de toda a equipe e que trazem relações de sujeitos 
com o tempo, no caso, adaptado para a figura da mulher. São as obras: 
 O livro “Casa e Tempo” de Sônia Rangel; 
 O poema “O Caso do Vestido”, para a investigação do Tempo de Espera; 
 A música “Valsinha”, de Chico Buarque de Holanda, para a investigação do 
Tempo de Chegada; 
 A música Triste Partida, de Patativa do Assaré, cantada por Luiz Gonzaga, 
para a investigação do Tempo de Partida. 
A partir dessas obras estabeleceram-se três pontos centrais, que serviram 
como base para a criação do espetáculo: tempo de chegada, tempo de partida 
e tempo de espera. Cada um desses temas estava ligado a uma personagem, 
quais sejam: Alice, Doralina, Sofia, Doralice (mãe de Doralina, que no espetáculo 
é luz) e Manoel, o único personagem masculino, que simbolizava o próprio tempo 
das mulheres. O espetáculo estreou com a seguinte estruturação dramatúrgica: 
Doralinas e Marias (2009): Quatro mulheres e uma casa. Essas 
mulheres fazem parte da mesma família. Doralice é mãe de 
Doralina, Sofia é filha de Doralina e Alice é filha de Sofia. Esse 
laço familiar traz a relação dessas personagens a partir de ciclos 
de 17 anos de idade entre uma personagem e outra. Assuntos 
como o nascimento e a morte, a espera e a chegada, a 
maternidade e a desilusão do amor compõem o texto do 
espetáculo. Doralina, representa o tempo de chegada, após 
viver muito, deseja ficar em sua casa, no jardim, e lá descansar 
até a morte; Sofia simbolizando o tempo de espera, aguarda na 
janela o marido que foi, mas disse que ia voltar e não volta; Alice 
traz o tempo de partida, uma jovem de 17 anos, vive na varanda 
da casa em contato com a lua e o seu maior desejo é o de voar 
 
21 Podemos citar as pesquisas de Antônio Araújo, diretor do Teatro da Vertigem, que refletem o 
fazer desse grupo através da trilogia bíblica “Paraíso Perdido”, “Livro de Jó” e “Apocalipse 1.11”, 
todos desenvolvidos colaborativamente na sala de ensaio. 
40 
 
para “o vasto e grande mundo”; Doralice morreu quando paria 
Doralina aos 17 anos, sua narrativa e presentificação 
desenvolve-se através da iluminação num jogo que estabelece 
através da luz a contracena com as demais personagens; 
Manoel é o menino e velho tempo, rege essas mulheres nas 
suas vidas diárias22. 
 
Figura 5 – Em primeiro plano, no lado esquerdo, Adriana Amorim (personagem 
Sofia), carregava uma longa trança, que simbolizava o tempo de espera 
da vinda do seu amado; no lado direito, Meran Vargens (personagem 
Doralina), vivia no seu jardim embaixo do “pé de goiaba branca misturado 
com goiaba vermelha” e desse lugar não quer mais sair, vive tomando chá 
e simboliza o tempo de chegada; em segundo plano, Daniele França 
(personagem Alice), a jovem de 17 anos que quer conhecer o mundo, 
simbolizava o tempo de partida; e Luiz Renato (personagem Manoel), 
nome que em hebraico significa “Deus presente”, Manoel é a 
materialização do tempo, é o senhor absoluto na narrativa das 
personagens femininas, ele dorme velho e acorda criança. 
 
Fonte: Zélia Uchôa. 
 
Cada personagem possuía um lugar específico dentro da casa: Doralina 
vivia no jardim, Sofia na janela, a esperar, e Alice na varanda. Esses lugares 
foram materializados a partir da iluminação cênica de maneira que, para cada 
um, foi criada uma atmosfera específica de acordo com as emoções geradas 
 
22 Rubrica retirada do texto. Arquivo pessoal da diretora Cecília Raiffer, que será publicado no 
primeiro semestre de 2014. 
41 
 
pelas personagens nas suas narrativas atreladas ao tempo. A cor amarela, no 
jardim, simbolizava um tempo vivo e pulsante; na janela, um âmbar esmaecido 
provocava a sensação de um lugar antigo; e na varanda, um azul-claro quase 
branco foi utilizado para simbolizar a luz da lua. 
 
Figura 6 – Doralina no jardim escrevendo em seu diário. 
 
Fonte: Zélia Uchôa. 
42 
 
Figura 7 – Sofia sentada na cadeira de frente para a janela, a esperar Leonam, 
seu marido, que se foi e que disse que voltaria. 
 
Fonte: Zélia Uchôa. 
 
Figura 8 – Alice na varanda, através de uma lira alça seus voos imaginários em 
direção à lua. 
 
Fonte: Zélia Uchôa. 
43 
 
Figura 9 – O ator Luiz Renato com o personagem Manoel, que tinha todo o 
controle do tempo e da ação da luz através de gestos e movimentações, 
controlava o tempo das três mulheres. 
 
Fonte: Zélia Uchôa. 
 
Figura 10 – Cena inicial do espetáculo, quando a personagem Doralina 
conversa com o público sobre os desconhecidos que permeiam nossas 
vidas. 
 
Fonte: Zélia Uchôa. 
44 
 
Figura 11 – Cena em que Alice domina Manoel, que no espetáculo é a metáfora do 
tempo. Ao fundo, Doralina observando as ações da neta. 
 
Fonte: Zélia Uchôa. 
 
O que deve ser ressaltado, e que tem uma grande importância no 
processo colaborativo de Doralinas e Marias, é a tomada de consciência da Cia. 
de Teatro Engenharia Cênica em relação à pesquisa e o começo de um 
amadurecimento conceitual e metodológico na maneira como cria os seus 
trabalhos, aprofundando e investigando o teatro colaborativo e elaborando os 
seus próprios princípios para a criação dos seus espetáculos. 
 
 
 
 
 
 
45 
 
1.3.3 O Menino Fotógrafo 
 
O primeiro fato a ser ressaltado, aqui, é sobre a junção de dois grupos 
para a criação desse espetáculo. A parceria com o Grupo Ninho de Teatro surgiu 
porque, de um lado, esse grupo manifestava interesse em ter uma experiência 
com um processo colaborativo, e do outro, o fato da Engenharia Cênica já estar 
atuando dessa forma. Os dois coletivos, situados na região do Cariri Cearense, 
exatamente no trecho CRAJUBAR (que se refere a três cidades muito próximas: 
Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha), uniram-se para tornar possível essa 
colaboração na pesquisa e montagem do espetáculo O Menino Fotógrafo. 
O

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