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BRUNO BETTELHEIM & KAREN ZELAN PSICANÁLISE DA ALFABETIZAÇÃQ um estudo psicanalitico do ato de 1er e aprender UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA-BC B0'3 ^ J U w u b & C v O J ? T )a /C Íi/n A ' r ò a à t r ' ^ U Á /y C L Í€ i/ . A C tb r y ib lO i A alfabetização plena é aquela que engaja o leitor principiante na des coberta de um mundo cheio de atrações, desafios e sentidos novos e profundos. Os escritores de literatura infantil, os professores, especialmente os de alfabetização e de comunicação e expressão, os educadores, os pais, os'técnicos que escrevem cartilhas e livros didáticos encontrarão em PSICANÁLISE DA ALFABETIZAÇÃO uma nova fonte inesgotável de. sub- síd ios para as suas atividades. B565p Bettelheim, Bruno Psicanálise da alfabetização: um estudo psicanalítico do ler e do aprender, por Bruno Bettelheim e Karen Zelan. Trad, de José Luiz Caon. Porto Alegre. Artes Médicas. 1984. 2 34p. 23 cm. 1. Psicologia Educacional. 2. Alfabetização (Educação). 3. Psicanálise. 1. (Zelan, Karen. II. Caon, José Luiz trad. III. t. C.D.D. 370.152 372.4145 616.8917 C.D.U. 37.025 159.964.2:372.4 37.015,3 Educação INDICES PARA 0 CATÁLOGO S ISTEM ÁTICO : Desenvolvimento da Capacidade Mental: Métodos 37.025 Psicanálise: Ensino Elementar 159.964.2:372.4 Psicologia Educacional 37.015.3 {Bibliotecária responsável: Sonia H. Vieira CRB 10/526) PSICANÁLISE DA ALFABETIZAÇÃO % um estudo psicanalítico do ato de ler e aprender Tradução e prefácio à edição brasileira: JOSÉ LU IZ CAON Licenciado em Lotras. Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/RS. Coordenador, Supervisor e Professor da Área de Psicologia Clínica do Curso de Psicologia da UFRGS. PORTO ALEGRE / 1992 F s t ’j tirffo p a rte rv :1.; í ís l j . - .v - J c a s U O fJ . D c i 'ç r r , ►■r.:- ! M 3 ;^ *V Í5 > 0 S •»:; - . . . . ' i j iu * ; . ! ú ;.’ - i '■*! I s s . * a r -i -s' • » • « ia n c f> in c. j s o •1*j { d a i.i; i:a c ô > T ou p A fJ ri f i- ív á râ r a p o . lo . j tr n| S ' r Obra originalmente editada em inglês 50b o tftulo On Learning to Read — The Child's Fascination with Meaning ( c ) by Bruno Bettelheim and Karen Zelan, New York, 1981 by arrangement with Raines & Raines and Alfred A. Knopf Capa: Mário Röhnelt Coordenação editorial: Paulo Flávio Ledur Composição, diagramaçSo, arte: AGE — Assessoria Gráfica e Editorial Ltda. Reservados todos os direitos de publicação em Ifngua portuguesa à ED ITO RA ARTES MÉDICAS SUL LTDA. Rua General Vitorino, 277 — Fones 25-8143 e 25-2728 Porto Alegre — RS — Brasil PR INTED IN BRA ZIL Prefácio à edição brasileira O reconhecimento e a decodificação de palavras são habilidades fundamentais do ato de ier. Entretanto, Bruno Bette/heim aponta para uma alfabetização vazia, desinteressante e nada atraente, que cu ltiva a aquisição dessas habilidades como um fim . Para ele, o fim da alfabetização é a alfabetização plena, que está constantemen te em busca de significado. A alfabetização plena é aquela que engaja o le ito r p r in c i p iante na descoberta de um mundo cheio de atrações, desafios e sentidos novos e profundos. A psicanálise do ato de ler e aprender — desenvolvida p o r Bruno Bette lhe im e colaboradores — vê nos erros de le itura, nos bloqueios, nas in versões de letras ou palavras e em outras dificuldades deste gênero uma intenção in te ligente no ato de ler, que pode ocorrer tanto na le itura do p rinc ip ian te como na do le ito r amadureci do. Entretanto, a pedagogia tradicional, teimosamente, continua vendo nesses erros e distorções uma falta de inteligência do le ito r e, quando mais indulgente, incapaci dade e fa lta de habilidades. As teses neurológicas e psicológicas que vêem os erros de le itu ra , os bloqueios, as inversões e outros fatos semelhantes como defeitos e incapacidades. perturbações e deficiências são vigorosamente atacadas e denunciadas pelas teses deste livro . /Ves te sentido, prevejo que a le itura e o estudo paciencioso de Psicanálise da A lfabe tiza ção, um estudo psicanalítico do ato de ler e aprender, sacudirá velhas e fortalecerá novas perspectivas nos meios educacional e psicanalítico brasileiros. Os escritores de literatura in fan til, os professores, especialmente os de alfabe tização e de comunicação e expressão, os educadores, os pais, os técnicos que escre vem cartilhas e Hvros didáticos encontrarão neste liv ro uma nova fonte inesgotável de subsídios para as suas atividades. Todos eles já foram alertados, de ou tra form a, pelas teses desenvolvidas p o r Paulo Freire, EmfHa Ferreiro e outros pesquisadores, sobre o que se passa no denominado "fracasso" da alfabetização. A contribu ição de Bruno Bettelheim e colaboradores, embora desenvolvida com m etodologia d ife ren te, integra-se na mesma filosofia desses educadores e pesquisadores da alfabetização e da aprendizagem. Dessa forma, a psicanálise, que não tinha plenamente conquis tado a sala de aula nem tinha sido reivindicada e reconhecida pelos pedagogos, edu cadores e professores, agora se encontra à disposição e se im põe de fin itivam ente como contribu ição validada, eficiente e viável. O m étodo psicanalítico, ao abordar o processo de alfabetização e o ato de le itura, resgata a eficácia do inconsciente, que, na alfabetização, mais do que em outros processos de aprendizagem, constantemente se manifesta via bloqueios, erros de le itura, inversões de letras, palavras ou significados. Estas manifestações do in consciente que a abordagem trad ic iona l trata como atos in in te ligentes, ou incapaci dades, são consideradas e evidenciadas, pelo método psicana lítico , como m anifesta ções de uma intenção inteligente. Elas representam anúncios de um significado m uito ríco e pessoal, aprisionado no sujeito que lê, significado sub je tivo que conse gue se im por e m od ifica r o significado obje tivo dos textos impressos que freqüente mente é pouco interessante e, às vezes, m ob ilizador de desejos recalcados ou sup ri midos que operam vigorosamente, embora inconsciente ou subconscientemente, nos processos mentais do le ito r, p rinc ip iante ou amadurecido, no momento da ieitura. O le ito r que pacientemente le r e estudar esta pesquisa psicanaiítica não pode rá deixar de perguntar sobre o que é ser alfabetizado e sobre como é que se pode saber se alguém acedeu plenamente ao ato de ler. Acredito que os marcos teóricos, o teor e o espírito da pesquisa ficam detalhadamente explicitados à medida que o le ito r fo r avançando na le itura, estudando e reestudando as teses e demonstrações, discutindo-as com interlocutores válidos, inclu indo entre eles as próprias crianças, como o fizeram os autores desta pesquisa. Tudo isso me faz crer que em breve surgi rão estudos semelhantes ju n to às crianças brasileiras, enriquecendo assim o trabalho que já se está fazendo, principa lm ente nas periferias urbanas e nos meios rurais, onde se encontram as nossas maiorias-minorias. As teorias e o método psicanalitico aplicados ò alfabetização beneficiarão, em prim eiro lugar, as crianças e, em segundo lugar, farão surgir um novo pesquisador e certamente um novo educador. Assim sendo, antevejo o despertar de novas esperanças, tanto para a educação, que se per deu na reprodução do sistema, como para a psicanálise, que se encalhou na eiitiza- çSo dos que a cultivam como exercício e benefício. A desprivatização da educação e da psicanálise é a reivindicação de um espaço público para estes dois ramos de intervenção. É a tese do Bruno Beztslheim da Orthogenic School, de Só A m or não Basta, de Psicanálise dos Contos de Fadas, do Dettelheim que passou (beneficiou e se beneficiou) na Escola da Teoria C ritica de Frankfurt. Esta tese vem cada vez mais conquistando professores e alunos, psicana listas e psico terapeutas, p o lítico s e cidadãos e, entre estes, os pais que acompanham de perto o desabrochar das mentes de seus filhos. A desprivatizaçãoé a dem ocrati zação das descobertas científicas e obedece àquele sábio anseio de levar a verdade a todos, isto é, entende que as descobertas científicas, e como tais considero as psica nal íticas, constituem uma parcela do bem comum da humanidade. A tradução — e Bruno Bettelheim é extremamente rigoroso com os tradu to res, principalm ente de Freud — fo i um desafio, pois os exemplos, em sua o rig ina li dade, referem-se à maneira como a criança norte-americana, de diversos níveis sócio- econômicos, incorpora a alfabetização. Se é possível traduzi-los, nem sempre é pos sível transpô-los. Por isso, p re fe ri a tradução pura e simples, citando a palavra ingle sa quando a compreensão do exemplo o exige. Não dei notas explicativas, pois estas se m ultip licariam , resultando em "soluções" maçantes, alongadas e aborrecidas. Co m o tradu to r e le ito r de traduções, tenho observado que o tradutor é freqüentemen te alvejado. Prefiro ver no tradu to r um mediador e não um tra idor, embora costu mei ramen te se diga que todo tradu to r é tra idor {ogni tradutore trad itto re). Neste sentido, a tradução, ao invés do significado de traição, ganha bettelheimnianamente o significado de mediatização e desprivatização. Também sei que a preguiça pela le itura muitas vezes se jus tifica inculpando o tradutor. Entretanto, os leitores incon formados com a tradução registram os defeitos de tradução e compartem seu m e lh o r conhecimento com o tradu to r carente — pois este, embora corajoso, jamais será perfe ito —, fazendo chegar suas correções ao lugar apropriado. Outros leitores terão que, p o r eles mesmos, aprender a língua estrangeira, ou ficar na cômoda situa ção de desfazer a tradução, ou se contentar com a tradução disponível. Acred ito que a tradução é também uma form a de in ic ia r um diálogo com o le ito r , e p o r isso receber observações sobre os senões, que certamente os há, é uma forma de estabe lecer um diálogo recém-encetado. Porto Alegre, abril de 1984. José Luiz Caon Sumário Prefácio ............................................................................................................................ 9 Primeira parte 0 ATO DE LER E O ATO DE APRENDER A LER 1 — A aquisição do ato de ler e do ato de aprender a l e r .................................... 15 2 — Por que as crianças detestam a leitura? .......................................................... 38 3 — A magia da le itu ra ................................................................................................ 48 4 — Observações e p rinc íp ios ...................................................................................... 60 Segunda parte ERROS DE LEITU R A: FRACASSO OU DESAFIO? 5 — Erros de leitura: intuições ou equívocos?....................................................... 77 6 — Levando-se a leitura a s é r io ................................................................................ 92 7 — Os erros de leitura e o p ro fessor........................................................................ 108 8 — Erros que promovem a alfabetização p le n a .................................................... 131 9 — As inversões e outros erros de pe rcepção ....................................................... 144 1.0 — Um exemplo extraído da lite ra tu ra ............................•..................................... 156 Terceira parte O PROBLEM A DAS CAR TILH AS 11 — Erros de leitura causados pelas ca rtilha s ................ ......................................... 173 12 — Textos vazios: crianças chateadas.................................................................. ’ • 185 13 — A causa das cartilhas pela leitura s im p lificada ............................................ .. 206 Prefácio Venho me interessando, desde os meus tempos de estudante, pelo papel que os processos inconscientes representam na determinação do com portam ento hum a no, tan to do meu como do dos outros. Durante os quase tr in ta anos em que d irig i o trabalho da Orthogenic School da Universidade de Chicago, pus este interesse em utilidade prática no tratam ento e na educação de crianças extremamente pe rtu r badas, Muitas delas, no in íc io , eram tota lm ente incapazes de aprender; outras, t i nham distúrbios de leitura tão graves que, por isso, tinham sido diagnosticadas co mo portadoras de alexia incurável. Entretanto, apesar de diagnósticos agourentos deste tipo , a atenção cuidadosa para os processos inconscientes em ação nestas crianças e a aplicação de métodos psicoterapêuticos e educacionais baseados no pensamento psicanalítico perm itiram que praticamente todas elas superassem as graves deficiências que tinham sofrido. Este pensamento sugeriu-nos que os métodos aplicados na Orthogenic School po diam também beneficiar a educação de crianças normais. Porém, eu estava to ta l mente ocupado com o enfrentamento das exigências concretas das atividades da Orthogenic School, ã tal ponto que não tinha tempo disponível para con tinua r as pesquisas sobre esta idéia. Após me ter retirado da Universidade, uma volumosa verba concedida pe la Fundação Spencer possibilitou-me conduzir um estudo cujo propósito era in vestigar as contribuições que o pensamento psicanalítico podia fornecer para o ensino de crianças que estavam começando a ler na escola. Boa quantidade do que se segue baseia-se em observações que foram amplamente possib ilita das pela Fundação Spencer. Fico grato ao apoio desta Fundação, e pa rticu la r mente ao encorajamento pessoal inestimável de seu presidente. Tom James. 9 Após ter sido form ulado o plano para a pesquisa, uma pequena equipe se reuniu para auxiliar na sua execução. Karen Zelan, que estivera ligada a m im d u rante 8 anos na Orthogenic School, reuniu-se a esta equipe como seu membro mais importante. Ao fazermos e ao avaliarmos as observações aqui relatadas, eu e Karen Zelan fomos consideravelmente auxiliados por Margot G riffin . Devem ser grata mente reconhecidas, além das contribuições de Margot G riffin , também as de Kris- t in Field, Gail Donovan Levinso, Judy Schulman, Carol Slobodin, Margaret Thé e as de muitos professores em cujas salas de aulas nós fizemos as observações. Os capítulos 2, 4, 5, 6 , 7, 8 , 9 e 11 baseiam-se no trabalho de toda a equipe e foram escritos pelo autor e pela autora. Assumo a responsabilidade exclusiva dos capítulos 1, 3, 10, 12 e 13. O manuscrito original fo i mais atraentemente editado por Joyce Jack. Pica mos m uito agradecidos a ela por suas muitas e esplêndidas sugestões; sua hab ili dade e seu entendimento sutil tornam este livro m uito mais gostoso de ler. Theron Raines fez muitas e m uito valiosas sugestões para melhorar o liv ro ; agradecemos- lhe m uito sua ajuda e interesse. Em ú ltim o lugar, mas certamente não sem menos importância, desejamos agradecer a Robert G ottlien por sua orientação, encoraja mento e interesse contínuos, bem como por sua publicação. Foi nossa sorte o fa to de ele devotar-se pessoalmente a esta tarefa. Estamos profundamente gratos pelo seu apoio e entusiasmo, B.B. Meu interesse pela le itura das crianças surgiu como parte de um esforço geral no tratamento e no ensino de crianças profundamente perturbadas na Orthogenic School. 0 poder do inconsciente causou-me forte impressão quando trabalhamos com estas crianças, inclu indo o significado envolvido nos erros de leitura, ou outros erros acadêmicos. Eu tinha o sentimento de que o entendimento do significado inconsciente era minha tarefa principal, e a atitude de prestar atenção aos erros de leitura era um entre os m uitos meios através dos quais eu tentava fac ilita r o cresci mento psicoterapêutico. Gradualmente, fiquei interessada também nas questões educacionais em si mesmas. Se as crianças, sob meu cuidado, podiam aprender temas académicos, en tão sua reabilitação seria m u ito mais completa. E se as crianças profundamente per turbadas podiambeneficiar-se a pa rtir de insights (intravisões) quando elas tentavam aprender, então as crianças normais, capazes de maior prontidão para a compreen são, deveriam beneficiar-se até mesmo m uito mais com a autocompreensao durante .7 aprendizagem. Uma menina que sofreu de perturbação in fan til mais grave, autismo in fan til, foi o meu principal interesse. Quando, finalmente, ela se dispôs a falar, também se dispôs a ler, embora de maneira negativa. Ela ditava palavras que ela desejava ler, palavras que eu im prim ia em pedaços de papel separados, de tal forma que pode riam ser arranjados numa variedade de sentenças. Como a maioria das crianças que 10 estão aprendendo a 1er, ela escolheu para aprender os nomes de pessoas importantes como os pais dela. Quando ela se zangava com o nascimento de um irmão, alegre mente lançava fora os pedaços de papel nos quais estavam impressas as palavras "p ap a i" e "mam ãe". Meu impulso fo i o de recuperar as palavras lançadas no cesto de lixo. O que me fez parar fo i a compreensão de que ela devia ter lido silenciosa mente as palavras de modo correto, pois de outra forma ela não as teria separado dentre mais ou menos vinte palavras para lançá-las fora. Refletindo sobre o podei da palavra impressa, eu não fiz nada. Ficou tão deliciada em lançar fora as palavras ofensivas, que em seguida, sistematicamente, passou a 1er corretamente as restâmes palavras da sua coleção. Após quase o ito anos empregados como membro da equipe da Orthogenic School, eu me afastei para completar meus estudos a fim de obter um Ph.O. cm Psi cologia Educacional. Desde então fiquei engajada por quase 15 anos na pesquisa das razões psicológicas segundo as quais as crianças são incapazes de aprendei na esco la, ou incapazes de 1er, embora tenham sido avaliadas como normais na maior parte ou em todos os outros aspectos. Os pais trazem-me essas crianças para a psicotera- pia, e se preocupam com os diversos problemas psicológicos decorrentes da não- aprendizagem escolar: angústia, auto-estima, hiperatividade, e uma variedade de outros sintomas, todos atribuídos ao fracasso da criança na aprendizagem ou na leitura. A atenção favorávei para aquilo que a criança faz com a leitura ou com ou tras tarefas acadêmicas e para com os motivos dela para não querer aquilo que espe ramos conduziram-me, em cada caso particular, a melhorar o desempenho acadê mico. Foram estas e similares experiências que me induziram a participar no estudo em que se baseia este livro. K.Z. 11 Primeira parte O ATO DE LER E O ATO DE APRENDER A LER A aquisição do ato de ler e do ato de aprender a ler Para a criança, o primeiro dia de aula não é precisamente outra nova experiên cia da mesma natureza das muitas freqüentemente surpreendentes experiências com que ela se houve no passado. Pelo contrário, a experiência do primeiro dia de aula acrescenta uma nova dimensão à vida da criança, vida que nunca mais será novamen te a mesma. Na escola, a criança tem de contar com as próprias forças, geralmente pela primeira vez, na tarefa de enfrentar um mundo bem diferente daquele que ela encontrou na sua fam ília, no seu lar e junto aos amiguinhos, mundo este que cons t itu i tudo o que ela conheceu até o momento. E o que é mais importante ainda é o fato de que a criança, na escola, fique exposta a uma das mais importantes ins titu i ções da nossa sociedade, cuja meta determinada consiste em desenvolver a criança como pessoa por meio da educação da mente e da sensibilidade. A educação se tornou a empresa singular mais ampla da nossa sociedade. Entre os setores da administração governamental, a educação é aquele que emprega mais pessoal do que qualquer outro , com exceção da própria administração, da qual a educação faz parte. Conseqüentemente, uma ampla e bem entrincheirada burocra cia não somente serve aos interesses das crianças, mas também aos próprios interes ses dessa mesma burocracia, os quais nem sempre se coadunam com aquilo que me lhor servirá à educação da criança. {Um exemplo óbvio dos interesses legítimos das crianças, que são prejudicados pelos interesses próprios e compreensíveis dos pro fessores, é uma greve de professores.) Uma boa parte dos procedimentos cotidianos das escolas são concedidos por causa das necessidades do sistema educacional estabelecido, e essas necessidades, freqüentemente, prevalecem sobre as necessidades das crianças. 0 sistema escolar excusa-se dizendo que se ele não puder funcionar bem, a educação das crianças é que vai sofrer. Assim sendo, a criança fica exposta, na escola, não só a experiên- 15 ^ ia s què sãô propostas pàrá benefício delas mesmas, mas também a outrarexperiên- cias que, principalmente, servem para beneficiar a burocracia mesma. Esta situação gera tensão na empresa educacional e a criança e sua formação sofrem com isso. As crianças sentem essas tensões, apesar doi^faío de elas, nas primeiras séries, serem m uito novas para se tornaYeim conscientes dessas tensões. Apesar desses conflitos entre o que é fe ito no melhor interesse da criança e o que é fe ito para satisfazer os requisitos da burocracia, a criança responde ao fato de que as escolas são criadas e mantidas pela sociedade com a finalidade de servirem à criança através da fomentação de seu crescimento pessoal e intelectual. De fato, visto que as escolas são especialmente designadas para a criança e seu grupo etário, esta tende a form ar sua visão da sociedade a partir das suas próprias experiências escolares, as quais constituem a razão por que as experiências primordiais com a es cola não só criam os fundamentos sobre os quais repousarão todas as suas ulteriores experiências educacionais, mas também, em grau considerável, influenciam o modo como a criança chega a pensar sobre si mesma em relação ao mundo mais amplo. Essas primeiras experiências com a aprendizagem na escola são, freqüentemente, decisivas na formação da visão que a criança tem de si mesma como parte da socie dade. Dependendo delas, a criança ou pode sentir-se bem-vinda e bem servida pela escola e concluir que ela, a criança, será bem sucedida dentro da escola ou, pelo contrário, pode sentir-se que pelo fa to desta mesma escola, supostamente criada para o benefício da própria criança, ol*é, no seu melhor, indiferente às necessidades da criança e, no seu pior, abertaméhte inimiga. Então, o mesmo provavelmente será verdade para o resto da sociedade e suas instituições. Caso ocorra esta últim a alternativa, a criança passa a se sentir derrotada pela própria sociedade numa idade bem tenra. Nas escolas maternais e nos jardins-de-infância, especialmente se os estudos acadêmicos não forem exigidos demasiadamente cedo ou com demasiada energia, a criança aprende mais ou menos a brincar com as outras crianças e a tornar-se fa miliarizada com os materiais que a preparam para a aprendizagem form al. Possi velmente, o que mais influencia nessas experiências primordiais na fu tura carreira acadêmica da criança é o encontro com sua professora. É através dela que a criança se encontra com o sistema educacional. Caso as coisas decorram bem, a criança aprende a defrontar-se adequadamente com as exigências escolares e encontra sa tisfação com o fato de ser capaz de proceder desta form a. Mas, se as coisas não se desenvolverem a contento, a criança se torna desconfiada com a professora e com os objetivos da professora e do sistema escolar. A criança fecha, então, a sua mente perante os esforços da professora e até mesmo aprende a combater o sistema; Ísola-se para dentro dela ou se torna um pequeno rebelde. A capacidade de ler é de im portância tão singular para a vida de uma criança numa escola, que a sua experiência na aprendiz agenda le itura mais do que freqüen temente sela seu destino, uma vez para sempre, em relação a sua vida acadêmica. Aquilo que a criança experienciou na escola, na fase em que se ensina a ler, consti tu i somente preparação paraa aprendizagem mais séria; esta preparação se torna uma facilidade ou uma dificuldade quanto ao fato de se sair bem nessa tarefa cru- 16 ciai da aprendizagem. Caso ás experiências pretéritas r ío ía r e ná escola tenham-se equipado pobremente, aquilo que ocorre no momento em que se ensina a ler pode desfazer o dano, embora não seja tão fácil como se possa pensar Caso a criança ache o ler recompensador, tudo andará bem. Entretanto, quando a criança fracassa na habilidade de ler adequadamente, as conseqüências geralmente são irremediáveis. Se a criança não sabia isso antes, logo ficar-lhe*á marcado o fa to de que nada da totalidade do que se aprende na escola se compara, em im portância, com a le itu ra. A leitura é de significação sem paralelos. Esta é a razão por que é tão im portante a maneira como a leitura é ensinada. A maneira como a aprendizagem da le itura fo r experienciada pela criança determinará o modo como ela perceberá a aprendiza gem em gere!; a maneira como ela passará a perceber-se a si mesma como um apren diz e mesmo como uma pessoa. No que se refere a quão cedo, quão fácil e quão bem a criança seja capaz de aprender a ler, tudo isso dependerá, em certa medida, do seu dote natural e, em grau considerável, da sua vida fam iliar pregressa. Isso tudo inc lu i o fato de quão bem se desenvolveu sua capacidade de compreender, usar e desfrutar da linguagem; se a le itura marcou a criança como algo desejável; e de quanta confiança na in te ligên cia e nas atividades escolares da criança fo i depositada nela. Lá onde o im pacto da vida fam ilia r pregressa tiver sido negativo, as experiências escolares da criança po dem, sob condições ótimas, causar uma influência corretiva, embora somente com o passar do tempo. Indiferentemente daquilo que a criança traz do lar para a escola, uma vez que ela estiver na sala de aula, o fa to r mais im portante em sua aprendizagem da le itu ra é como a leitura e a literatura — seu valor e significado — são apresentadas â criança pelo seu professor. Se a leitura parecer uma experiência interessante, válida e agradável, então os esforços exigidos pela aprendizagem da le itura parecer-lhe-ão um pequeno preço a pagar, considerando a grande vantagem que uma pessoa con quista com o fato de ser alfabetizada no seu pleno sentido. É m u ito fácil dar esta impressão à criança caso sua vida fam ilia r pregressa se tenha cons titu ído num apoio; mas se a vida fam ilia r pregressa não a tiver preparado para ver a le itu ra sob uma form a positiva, então será consideravelmente mais d ifíc il para o professor convencer a criança de que o fato de ser capaz de ler é im portante em geral para todos, mas mais altamente im portante para os interesses pessoais da criança, em sua vida im e diata. Há um grande prazer e uma grande satisfação no fato de se to rna r capaz de ler algumas palavras. A criança fica orgulhosa pelo fato de ser capaz de fazer isso. Entretanto, esse entusiasmo logo se esvanece quando os textos que a criança deve ler a forçam a reler interminavelmente a mesma palavra. O reconhecim ento da pala vra deteriora-se rapidamente. Torna-se uma vazia aprendizagem de mem ória quando este reconhecimento não conduzir diretamente à leitura de conteúdos significativos. A capacidade de ler com soltura pressupõe inquestionavelmente a aquisição de habilidades pertinentes, tais como ser capaz de decodificar e pronunciar palavras que a gente nao conhece, fa to este de que a criança está bem ciente. E n tre tan to , a criança sabe também que essas habilidades em si e por si mesmas têm pouco ou 17 n e n h u m m érito , separadas do seu valor de treinam ento. E ela não se interessara pela aprendizagem dessas- habilidades caso a impressão que recebe seja a de que se espere dela que as domine por amor a elas mesmas. Esta é a razão por que tan to dep.endè do momento onde se situa a ênfase do professor, da escola e do liv ro -texto . já desde, o p rinc íp io ,'a criança deve estar convicta de que o dom ín io de tais habi1idadesf nãó é senão um meio para alcançar uma meta e que a única coisa im portante é que ela deve tornar-se alfabetizada em seu sentido pleno — isto é, vir a desfrutar da literatura e a beneficiar-se com aquilo que esta oferece. Uma criança forçada a ler: "Eva vê a ave. Eva vê a ave voar. A vovó vê o ovo. A vovó vê o ovo novo" e outras bobagens semelhantes certamente não recebe a impressão de que ela está sendo conduzida para ficar alfabetizada em. seu sentido pleno, pois aquilo que ela está sendo forçada a ler obviamente não é literatura. Não é que as crianças não gostem de brincar com palavras; elas adoram inventar palavras, incluindo palavras e rimas sem sentido e revelam-se em suas capacidades recente mente conquistadas ao procederem assim. Mas, para que tal jogo de palavras perma neça agradável, ele não deve se tornar uma tarefa obrigatória, pois assim todo o pra zer desaparece dele, e jun to com este prazer desaparece a leitura. A criança brinca com palavras porque ela acha esse jogo d ivertido e inteligente. D iferentemente das criações espontâneas da criança, entretanto, o jogo de palavras das pré-cartilhas e cartilhas está bem longe de ser inteligente; de fato, este jogo é profundamente chato; p ior ainda, estes livros são um insulto para a inteligência da criança. As crianças reconhecem que o exercício repetido pode ser necessário para a aquisição de algumas habilidades, tais como aqueles exercícios necessários para se tornarem alfabetizadas, e se a criança fo r moldada a reconhecer letras e fonemas, ou a decodificar palavras, sem qualquer pretensão de que ela está lendo uma histó ria que merece sua atenção, então essa prática, se por um lado não a ajuda a se tornar alfabetizada em seu pleno sentido, por outro lado, pelo menos não interfere seriamente neste propósito. Em verdade, as crianças podem gostar de exercícios repetitivos de le itura quando elas aprendem a ler pela primeira vez, assim como gos tam de praticar outras habilidades, recém-conquistadas. Um breve período de " jo gos práticos” , ocorre geralmente logo após a criança ter adquirido a capacidade de correr, pular ou saltar, e algo semelhante a isto pode acontecer quando a criança se torna pela primeira vez capaz de decodificar1. Por exemplo, as crianças lerão placas da estrada, mais para o deleite próprio e dos pais, quando estes as estiverem levando de carro para algum lugar. Estes e outros eventos semelhantes mostram que durante tais períodos de prática de uma função recentemente adquirida — em nosso exem plo, a decodificação — pouco im porta aquilo que é decodificado. A qu ilo que é do agrado da criança é o fa to de ela poder decodificar. 1 — Piaget discute aquilo que ele chama de "jogos práticos", em Play Dreams and tmagination. New York; W.W. Norton, 1962. Estes jogos consistem de exercícios realizados sem outra fina lidade que o prazer de funcionar. Estes jogos práticos geralmente aparecem bern no infcio do período sensório motriz do desenvolvimento, mas também aparecem mais tarde nos casos de funções mais elevadas. As crianças amadurecem em diferentes idades e algumas aprendem a ler muito mais cedo do que outras. Assim, a idade em que a criança se diverte em decodificar "p o r prazer de decodificar" varia bastante, porém a maior parte das crianças terão ultrapassado este estágio no meio, ou no fim da primeira série. Quando o ler pala vras só pelo prazer de lê-las tiver sido alcançado, as crianças aguardam algo ainda mais interessante em sua seqüência. É neste momento crucial que as cartilhas dei xam a desejar, pois se pretende fazei com que os exercícios repetitivos constituam uma história que possa ser desfrutada. Quando a história contiver exercícios repetitivos estúpidos, chatos e ofensivos ã sua inteligência, auto-respeito e incipiente alfabetização, então as habiíidades que resuitam na leitura dessa história ficam sem sentido. É este o motivo pelo quala ênfase nos aspectos técnicos da aprendizagem da leitura que caracteriza os métodos de ensino empregados atualmente nos Estados Unidos é prejudicial e muitas vezes realmente destrutiva em relação à capacidade de a criança desfrutar da leitura e da literatura. Entretanto, quando as habilidades recém-adquiridas puderem ser separada mente aplicadas em relação direta ao conteúdo que, por causa de seu mérito, torna a le itura definitivamente uma experiência digna de seu valor, esta situação faz com que a aquisição um tanto vazia que se expressa por "agora eu posso decodificar algumas palavras" se transforme num sentimento eminentemente satisfatório expresso sob a forma de: "eu estou lendo alguma coisa que se acrescenta à minha vida". Esta é a razão por que os aspectos técnicos da aprendizagem da leitura pre cisam ser claramente separados da iniciação da criança na literatura, embora seja preferível que este processo de duas etapas de adquirir a alfabetização plena seja evi tado e que a leitura que é aprendida desde o princípio seja um resultado do desejo da criança se tornar plenamente alfabetizada — isto é, de se tornar capaz de ler livro por iniciativa própria. Realmente, bem poucas crianças aprendem a ler antes ou após sua entrada na escola sem receber qualquer treinamento para a decodificação, ou outras habilida des. Elas aprendem estas coisas em casa, mais ou menos independentemente daquilo que lhes é ensinado na escola. Estas crianças são aquelas que adquiriram um amor pela leitura quando em casa lhes era lido algum texto. A criança que gosta de que se lhe leiam livros aprende a amá-los. Impressionada pelo interesse de seus pais na le itura e no prazer que eles demonstram ao ler em voz alta para ela, a criança passa a estudar com agudo interesse as histórias que a fascinam. Então, por iniciativa própria, ela começa a escolher palavras e aprende a reconhecê-las com a ajuda de seus pais, ou de um irmão mais velho. Desta forma, a criança ensina a ler a ela mesma. Eu conheci muitas crianças pré-escolares que ensinavam a ler a elas mesmas dessa form a; entretanto, eu também conheci algumas delas que em primeiro lugar aprenderam a ler as palavras se essas estivessem de perna para o ar. Aprenderam des ta forma quando elas observavam um irmão mais velho lendo no lado oposto da me sa ou no ou tro lado de uma escrivaninha. A criança mais nova indicava as palavras e perguntava o que elas queriam dizer. E recebendo a resposta sem que o livro fosse 19 posto. em. pé,' .para e lá,:então, pelã primeira vez; aprendia a reconhecer as pala vras que estavam de perna para o ar. E quando estas crianças entravam na es cola, era d ifíc il para elas, no in íc io , ier palavras que estavam em pé. Porém, por çéusa de seu interesse na le itu ra , elas logo aprendiam a ler corretamente. As crianças que adquirem um grande interesse pela leitura em sua fam í lia têm grande facilidade de aprender na escola, e elas formam a imensa maio ria daquelas que, mais tarde, se tornam bons leitores. O estabelecimento educa cional dá como exemplo estas crianças para provar que os métodos empregados para ensinar a ler, na escola, são bem sucedidos. Entretanto, não são estes mé todos que as tornaram bons leitores e, finalmente, plenamente alfabetizadas; a gente fica inclinado a dizer que estas atitudes são atitudes que as crianças ad quiriram e mantiveram apesar das experiências às quais estiveram expostas na escola. Se não fosse assim, por que m otivo deviam as crianças de pais mais ele vadamente escolarizados te r tal vantagem no desempenho educacional sobre as crianças de pais menos bem instruídos, que têm a mesma inteligência? Por que tantas crianças que provêm de famílias culturalmente desavantajadas não se to r nam pessoas plenamente alfabetizadas, embora elas tenham adquirido as habilN dades necessárias para a le itura na escola? Uma diferença relevante entre as crian ças que ensinam a elas mesmas a ler em casa e aquelas que somente aprendem a ler na escola está no fa to de que o primeiro grupo aprende a ler com textos que as fascinam, enquanto que o segundo grupo aprende a ler mediante o fato de serem moldadas nas habilidades de decodificação e reconhecimento de palavras, em textos vazios de conteúdo significativo, textos estes que menosprezam a in teligência da criança. O que significa ser plenamente alfabetizado? O Webster's New W orld D ic tionary oferece dois sentidos como sua primeira definição de ple namente alfabetizado {/iterate): "capacidade de ler e de escrever", e como sua segunda definição: "bem instru ído; aquele que tem ou mostra conhecimento, aprendizagem ou cultura extensas". A primeira definição parece ser m uito ob tu sa, porque na linguagem comum d ific ilm ente chamaríamos plenamente a lfabeti zada {lite ra te ) uma pessoa que é apenas capaz de ler e escrever. A segunda de finição, em contraste, parece ser demasiado exigente, porque ela só pode ser al cançada com uma aquisição completa do desempenho e não somente com m ui tos passos intermediários necessários para sua obtenção. Estas duas definições refletem a falta de clareza nos métodos {quando não também em seus objetivos) de nosso ensino de alfabetização plena. Nossas escolas se empenham em ensinar a ler e a escrever a Joãozinho, às vezes mais e às vezes menos bem. Porém, o re sultado dos seus métodos é que a maioria das crianças nem na escola nem depois são capazes de achar a le itura verdadeiramente significativa. Em dezembro de 1969, o M inistério da Educação dos Estados Unidos, p ro fundamente preocupado com a ineficácia de nossos métodos de ensino da leitura, solicitou ajuda à Academia Nacional de Educação. Tentando enfrentar este desafio, a Academia, composta dos mais proeminentes especialistas em educação e em campos afins, estudou o problema e o seu Comitê para a le itura preparou um 20 re latório autorizado2 f O relatório afirma o segu in te :‘"ánãlfãBetismo nSò significa ’ necessariamente a completa ausência da capacidade de ler e de alfabetização sobre uma ampla gama de capacidades que provêm, por exemplo, do fa to de ser capaz de decifrar desde um anúncio escrito num jornal até o fa to de ser capaz de desfrutar da leitura de um romance de Thomas Mann, ou ler com compreensão um tratado cien t i f ic o " . Se por um lado um número de pessoas alfabetizadas podem não se deleitar com romances de Thomas Mann ou ler muitos textos c ientíficos, a gente esperaria que a le itura tivesse um lugar im portante em suas vidas, que elas lessem regularmen te para deleite e compreensão e que, acima de tudo, elàs percebessem que a le itura enriquece a sua experiência. V isto que a alfabetização tem tantas facetas, tcrna-se logo inte lig íve l o fa to de o relatório perguntar: "O que significa alfabetização {Uxeracy)? O que significa dizer que uma pessoa é capaz de ler?" O relatório responde a estas perguntas com alguns exemplos usados para esclarecer o problema de que "há alguns milhares de nossos cidadãos que não podem lèr ou que, como crianças, alunos de escola, não es tão aprendendo a ler num nível suficiente para satisfazer suas necessidades pessoais, e que, portanto , são afastados da plena participação em nossa sociedade". As histórias clínicas apresentam exemplos característicos de uma criança ne gra, de uma criança nascida no estrangeiro e de uma outra que sofre de disfunção cerebral m ínim a. Embora fictícios, todos estes casos "re fle tem condições reais da vida do dia-a-dia que se repetem constantemente em todo o país". Uma história clín ica é a de Sandy, um menino inteligente que freqüenta a l i ? série. A h istória clín ica de Sandy é a única história de um menino nativo, branco de classe média in fe rio r, sobre cujas capacidades inerentes nunca houve qualquer dúvida. Através da história clín ica de Sandy o autor esclarece os elementos cruciais presentes nos casos de analfabetismo funcional quando a criança provém deum lar médio, é de boa inteligência e freqüentou uma típ ica escola pública de classe média durante o curso in te iro da escola primária e secundária: Sandy pode " le r" , no caso que por le ito r se queira d e fin ir a palavra " le r " com bastante generosidade. Ele poderia ler em voz alta um artigo de um jo r nal, porém ele faria isso titubeando e dando poucas mostras de expressão no r mal. Ele poderia entender m uito pouco do que se d iz no jo rna l. O processo de ler é tão d ifíc il para Sandy que ele evita ler sempre que fo r possível. Sandy, que é o craque do tim e de basquete da escola, empurrou-se até a 1 1 ? série meramente graças ao passar do tempo. Ele não aprendera a ler durante a te r ceira série, porém, em vista do fato de longa e aborrecida exposição ao mate* rial escrito pelo resto das demais séries, ele aprendeu pelo menos a "d e c o d if i car" o material impresso até o ponto de ser capaz de expressar um pouco de le, audivelmente. Sandy fala e entende a conversação comum com o os seus _ v - - - - - - - - - - 2 — John B. Carrol and Jeanne S. Chal!, eds.. Toward a Literate Society. Report o f the Com m i ttee on Reading o f the National Academy o f Education. New York: M cGraw-Hill, 1975. As citações que se seguem sao deste reiatório. 21 _ ........................................... m>< ,% ' .........' ................... " ’ ' ' - ^ colegas Fora da escola ele é bem adaptado e pòpular jun to a seus companhei ros. Cf.) Quando solicitado a explicar as suas fracas séries e seu:; pobres es cores nos testes, Sandy diz que por alguma razão nenhum de seus professores jamais soube despertar-lhe o interesse pela leitura. Sandy, tecnicamente alfabetizado, mas funcionalmente analfabeto, apesar de sua inteligência original e sua capacidade adequada e sua idade para expressar verbalmente, acusa os seus professores. Ele não sabe o suficiente para reconhecer que a acusação também se deve a outros fatores; deve-se a sua vida pregressa, que não conseguiu inculear nele o amor pela leitura, desejo de se tornar escolarizado; c se deve aos métodos através dos quais ele aprendeu a ler e aos conteúdos dos livros com os quais ele aprendeu a ler. Ele tem razão ao acusar o sistema educacional, que, pata ele, é simbolizado pelos seus professores. São tantas as crianças cujo passado fam iliar não as m otivou suficientemente para quérer aprender a ler que, em vista disso, deveria ser a tarefa do sistema educacional se contrapor e compensar aquilo que está faltando nos lares das crianças, no que se refere ao desejo de se tornar alfabetizado. Visto que essas crianças não vêm à escola, ávidas para aprender a ler, é particularmente im portante que um menino, como Sandy, não deva ser exposto aos livros e aos métodos de ensino que não conseguem despertar seu interesse pela leitura e seu amor por ela, e desta forma impedem que ele reconheça o grande m éri to de se tornar plenamente alfabetizado. No que diz respeito às escolas, a história de Sandy enfatiza dois pontos p rin cipais. O prim eiro é que o aprender a decodificar — que Sandy realmente conseguiu — muitas vezes não conduz à leitura que no momento é experienciada como s ign ifi cativa, ou é percebida como sendo potencialmente valiosa. O dom ín io de uma ha bilidade técnica, como o ato de decodificar, pode ser comparado à capacidade de abrir uma porta: se alguém realmente vai abrir a porta, é situação que depende da quilo que se acredita que existe atrás dela. Or$, quando alguém recebeu a impressão de que atrás da porta estão mais ou menos as mesmas coisas desagradáveis que expe- rienciou no .momento em que estava adquirindo a habilidade de abrir a porta, é claro que não encontra nenhuma motivação para ir adiante. O segundo ponto é que aquilo que ocorre à leitura da criança durante as duas ou três primeiras séries é crucial para o fu tu ro da alfabetização plena da criança. Neste sentido, a terceira série é uma espécie de linha divisória de águas. Desgraça damente, os textos predominantemente empregados durante o jardim-de-infância e as duas primeiras séries e, às vezes, a terceira série, são desinteressantes e sem atra tivos, quando não declaradamente ofensivos. (Visto que este tipo de material de leitura continua a ser empregado com as crianças que não lêem bem mesmo depois da terceira série, as coisas somente podem ficar piores para elas, pois que à medida que elas crescem em idade, compreensão e maturidade, os textos para principiantes se tornam ainda mais repugnantes.) Por isso, se uma criança, ao chegar ã terceira série, tiver sido bem encaminhada para se tornar alfabetizada, com toda a proba bilidade ela continuará na mesma direção, visto que a partir de agora os conteúdos dos textos se tornam mais interessantes e mais merecedores de sua atenção. 22 Em contraposição, na terceira série, certas crianças, como Sandy, se tornaram completamente desinteressadas na leitura por causa de suas experiências mais in i ciais com ela. Para" se protegerem daquilo que elas chegaram a odiar a partir das suas experiências anteriores, essas crianças se recusam a se familiarizarem com ma terial de leitura mais avançado, como ocorreria na terceira série e após a terceira série na hipótese de que elas tivessem chegado a níveis adequados*de leitura. Mas, já que elas não alcançaram estes níveis, nada mais muda sua percepção sobre aquilo que a leitura pode lhes oferecer. Abordando diferentemente o problema, outros estudiosos também conclu í ram que aquilo que aconteceu na terceira série é decisivo para o desempenho aca dêmico fu tu ro da criança. Benjamin Bloom, por exemplo, salienta que "aproxim ada mente 50% do desempenho geral, na 12? série (18 anos) fo i alcançado pelo fim da terceira série (9 anos). "Is to sugere a grande importância de alguns primeiros anos da escola, bem como do período pré-escolar, no desenvolvimento de padrões de aprendizagem e desempenho geral. Esies são os anos em que os padrões de.aprendizagerfi se desen volvem mais rapidamente, e o fracasso no desenvolvimento da aprendizagem e do desempenho apropriados nestes anos provavelmente conduzirá a fracassos continua dos, parcial ou totalmente, no restante da carreira escolar do ind iv íduo” 3. Sandy nunca se tornou suficientemente alfabetizado para desenvolver as fa culdades críticas requeridas na avaliação de um texto. Para ser capaz de assim proce der, a pessoa precisa ter sido exposta a leitura significativa; sem isso, é incapaz de discernir o que é literatura de verdade daquilo que.finge ser literatura, mas não é. Não tendo lido nenhum texto que pudesse tocá-lo e provocar uma mudança em sua vida, Sandy não podia saber que sua pobre alfabetização era menos por culpa dos professores do que por culpa das cartilhas. As crianças de quarta e quinta séries que são capazes de ler bem e que abandonaram seus aborrecidos livros para principian tes tém clara percepção de que os livros é que devem ser acusados por tais fracas sos. Algumas avaliações espontâneas destes livros efetuadas por bons leitores podem esclarecer este ponto. Parte de nossa pesquisa sobre a leitura — alguns detalhes dela serão discutidos, no capítu lo 4 — são as visitas que fiz a crianças em suas salas.de aula nas escolas públicas. Somente após muitos meses, quando as crianças tinham obtido um bom conhecimento de minha pessoa com as minhas repetidas visitas, durante as quais nós falávamos sobre uma grande variedade de assuntos, eu realmentè pensei que o tempo amadurecera no sentido de falar com elas sobre as suas cartilhas e seus li vros de leitura. No início, as crianças ficavam hesitantes ao expressar as suas opi- nioes. O fa to de serem bons alunos fazia com que elas desejassem proteger os seus professores e as suas escolas, de quem gostavam. Porém, quando começaram a en tender que eu estava interessado em suas opiniões sinceras sobre a maneira como tinham sido ensinadas a ler, fo i como se uma comporta seabrisse repentinamente 3 — Benjamin S. Bloom, Stability and Change in Human Characteristics. New York; John Wiley 8i Sons, 1964. í^> îfy/?o.V,(V.-.jí>».; '̂.,l.fi v, '.>V ”V V "-■ v.-,av. •-; ;*r .■ .,.■ .. . , • • . • -‘f.vS. ^ ,viUr v %, * », . : ' * " - • ^ ■e um’d ilúvio dexrfticasíiradas-sâísse^ém relação'nãoVseus professores/ou ã suas es colas;-mas aos tívros com qué elas tiveram que aprender a ler. Sem exceção, as crian ças se queixavam da estupidez das historias encontradas em seus iivros iniciais de leitura e diziam o quanto elas detestavam te r de ler essas histqrias. Com verdadeiro ódio, falavam "dè todas estas doces criancinhas nas histórias",' furiosas com o fato de que as histórias supunham que as crianças fossem,tão inocentes, fazendo-as crer que elas todas seriam iguais às criancinhas que apareciam nas histórias. Somente após elas, mais ou menos .em uníssono, terem desabafado o seu aborrecimento acumulado por causa destes textos, é que elas, individualmente, puderam ser mais específicas em relação àquiio que tinha sido mais detestável para elas. Um menino um tanto calado, que preferia ter ou trabalhar sozinho, que participava só raramente nas discussões em classe, e mesmo então só quando espe cificamente solicitado a isso, falou agora, por iniciativa própria, com profundo sen tim ento. Embora, agora, ele gostasse de ler em voz alta, disse que ainda lhe era m ui to d ifíc il fazer isso. A sua explicação era de que quando estava na primeira série e fora solicitado a ler em voz alta, se sentira tão envergonhado de dizer as coisas tolas escritas na cartilha que em conseqüência ficara bloqueado. Ele simplesmente não podia ir adiante. Daí por diante se recusara a ler até a metade da terceira série, m o mento em que começara a ler histórias que eram "realm ente boas". Outro menino odiava as histórias porque elas não eram nem realísticas nem fantásticas. Ele teria passado o tempo mais à vontade aprendendo a ler — e teria t id o m uito agrado — disse ele, se as histórias tivessem sido, ou verdadeiras como é a vida, descrevendo como as pessoas realmente são, ou verdadeiramente fantásti cas, como são os contos de fadas. Superou, finalmente, sua aversão pela leitura quando entrou em contato com os contos de fadas, porque então, após ler uma his tória , ele ficava contemplando o seu conteúdo "durante bastante tem po". Estas sim constituíam experiências significativas para ele; aquelas, porém, que ele o b ti nha com a leitura na sala de aula não eram significativas. Quando solicitadas a dizer em que sentido as histórias não eram "verdadeiras como a vida” , cada criança tinha uma objeção diferente. Uma era a de que nessas histórias somente existiam dois grupos de pessoas: crianças da mesma idade que elas e adultos, na maioria das vezes os pais. Além disso, as crianças, como os pais, eram descritas de maneira insípida. Estas crianças desejavam encontrar histórias so bre adolescentes e anciões. Outra objeção geral era a de que ninguém, nestas histórias, mostrava seus verdadeiros sentimentos, tais como raiva. Outras reclamações destas crianças de dez anos de idade eram reclamações referentes ao fato de que não havia novas in form a ções para elas mesmas, nestas histórias; que tudo aquilo que elas. liam elas sabiam m uito melhor e com maiores detalhes do que aparecia escrito nos livros com os quais deviam aprender grandes coisas. Quando perguntadas sobre o m otivo pelo qual não expressaram antes a sua opinião sobre estes livros de leitura, a resposta era a de que ninguém estava interessado nos seus verdadeiros pensamentos sobre este assunto. Todos queriam somente escutar que elas gostavam das histórias. Uma menina amadurecida, da 24 Í r:: -r:^ '::' :■ :T- 'r .7.' ̂ r/v)'"” ' '̂í Í: •;?' quarta série, ressaltou: "Em -nenhum aidas ^msToriaS' alguém de verdade jamais d iz a sua verdadeira opinião, assim como poderia eu fazê-lo?" As outras crianças con cordaram plenamente com ela. Seus pontos de vista negativos estavam em fo rte contraste com aqueles que elas tinham expressado a seus professores, os quais freqüentemente lhes tinham per guntado sobre sua opinião referente àquilo que elas tinham de ler, particularmente quando elas tinham lido uma história sozinhas. Os professores haviam fe ito p rinc i palmente duas perguntas: se elas tinham gostado da história e se a recomendariam como le itura para alguma outra criança; em essência, se era uma boa história. As crianças, em sua quase totalidade, tinham cordatamente respondido: "s im ". Na maioria dos casos, a sua falta de entusiasmo ao responder desta form a tinha sido mais impressionante do que suas respostas afirmativas. Em outras conversações, as crianças me contaram que fingiam gostar das his tórias que apareciam em seus livros de le itura porque pensavam — e não sem razão — que se seus professores não estivessem convictos de que as crianças gostavam destes livros, eles não teriam sugerido que as crianças os lessem. Já que o seu p ro fessor esperava que gostassem deste tipo de história, elas então se sentiam obriga das a dizer que gostavam realmente. A unanimidade e a sinceridade com que as crianças, quando se lhes dava uma oportunidade, por pequena que fosse, criticavam agudamente os textos básicos com os quais tinham aprendido a ler, devem ser avaliadas à luz da prontidão e da candura com que elas faiavam do agrado e do desagrado pelas outras histórias que tinham lido dentro e fora da sala de aula, bem como da ampla variedade de opiniões que elas tinham sobre estas histórias. Por exemplo, se por um lado uma grande maioria gostava m uito de ler os livros da coleção Pooh, ou Black Beauty, por ou tro havia algumas crianças que faziam pouco caso desses livros. Se, por um lado, algu mas gostavam de histórias de basquete, por ou tro lado outras não encontravam nenhuma utilidade nessas histórias. Algumas enalteciam as histórias de ficção cien tífica , outras as de contos de fadas e assim por diante. As crianças se sentiam l i vres para manifestar suas opiniões sobre todas estas histórias e prontam ente d is cordavam entre elas mesmas. Embora as cartilhas de leitura e suas denominadas histórias não sejam de fo r ma alguma a única causa da freqüente fa lta de sinceridade que obscurece as rela ções de muitas crianças com os seus professores e com o sistema educacional, elas acrescentam à suposição das crianças que elas procedem melhor ao dizer ao profes sor aquilo que ele quer ouvir. Esta situação, acima de tudo , é a situação defensiva bem conhecida dos fracos quando lidam com os fortes, e as crianças são os fracos em relação a seus professores, se deixarmos de mencionar o sistema educacional em geral; elas se sentem especialmente fracas, inexperientes e inseguras perante seus próprios julgamentos quando ainda não podem ler adequadamente. Encorajados com a forma direta e enérgica com que as crianças de quarta e quinta séries tinham se manifestado, também perguntamos às crianças de primeira e segunda séries sobre os livros de leitura amplamente empregados, com os quais elas estavam sendo ensinadas .a ler, naquele m om ento, nas suas salas de aula. As 25 crianças Vràrn"unânim es' em' a firm a r que não gostavam'de nenhuma das histórias; diziam que as liam somente porque tinham que fazer isso, e que por sua parte ja mais leriam estas "porcarias". Suas razões eram: "E im possível!" Ao lhes pergun tarmos por que, respondiam: "Porque nenhuma delas é rea l!", referindo-se às pes soas das histórias. "E las não são tím idas !". "Elas não têm m edo!" "Elas não têm raiva!” "Elas não ficam atrapalhadas!" E quando uma criança explicou: "Estas pessoas não são nada!", todas as outras concordaram que esta opinião resumia to das as outras de modo perfeito e que não havia mais nada a ser d ito . Qualquer adulto que lesse esses textos sentiria a mesma coisa. Quando soli citei aos estudantes graduados em cursos de Educação para que lessem ascartilhas atualmente empregadas no ensino da leitura e relembrassem suas próprias reações quando essas cartilhas haviam sido empregadas com eles para lhes ensinar a ler, todos ficaram chocados (ver capítulo 12). Os professores mesmos não tinham nada tio bom para dizer sobre as histórias dos livi:os-textos que eles usavam, embora ex pressassem as suas opiniões com muita discrição. Já que eram eles mesmos que soli citavam às crianças para ler os livros, eles ficavam hesitantes perante a situação de criticá-los abertamente; entretanto, também não podiam entender por que os au tores desses livros pensavam que estas histórias poderiam ter alguma atração para as crianças. Realmente, estas séries de cartilhas não têm "a u to r " algum. Produzir uma car tilha é uma empresa tão extensa que nenhum autor possivelmente poderia fazê-lo. Muitas pessoas estão envolvidas na criação destas cartilhas, e o investimento finan ceiro exigido é enorme. Em 1966, o custo da produção de uma série completa de prc-cartilh3s até livros de sexta série fo i estimado num preço que oscilava entre dez e vinte e cinco milhões de dólares. Por exemplo, a equipe de uma grande casa de pu blicações envolvida na criação de uma coíeção destinada ao programa da primeira série empregou cinco anos nesta única tarefa. Entretanto, apesar dos esforços e gas tos que sc empvegam na criação de uma nova coleção, todas as coleções de cartilhas continuam iguais. É como dizia um editor: "M inha coleção básica é bem parecida com outras tres ou quatro coleções básicas. Sao parecidas pelo fa to de que elas têm um vocabulário controlado até a sexta série (...) Como todas as outras coleções básicas, nós criamos uma fam ília c a mantemos durante o prim eiro g rau"4. Em virtude do grande investimento envolvido na produção de urna destas coleções, o editor precisa ser capaz de vendê-la ao maior número possível de escolas, em todo o te rr itó rio da nação. Ele não pode correr o risco de receber objeções ao conteúdo de cada livro de leitura em particular; desta forma, qualquer coisa que possa merecer uma possível objeção fica eliminada. E o resultado é que, pelo fato de tentarem agradar a todo o mundo, estes livros de leitura term inam por não agra dar a ninguém. Entretanto, como são totalmente vazios, seus conteúdos também nno ofendem a ninguém, a não ser as crianças que têm obrigação de lê-los. Duos experiências pessoais podem esclarecer por que estas histórias são to ta l mente carentes de interesse, por que elas são tão completamente vazias. A prim ei 4 - Je;mne S. Chnll, Learning to Read: The Great Debate. New York: McGraw-Hill, 1967. 26 ra aconteceu há muitos anos atrás. Envolvi-me casualmente num èiforço experimen tal para a produção de um livro de leitura mais atraente para a primeira série. Uma das suas histórias tentava despertar certo interesse mediante a narração de uma pe quena tragédia in fantil. Algumas crianças obtiveram‘.-üm’ balão na feira. Elas leva ram o balão para casa, onde um gato saitou sobre ele e o' balão estourou. A história parecia bastante inofensiva, porém quando o sistema*escolar, em Illinois, testou este livro antes que ele fosse publicado em grande escala, os amantes dos gatos de Illino is levantaram objeções, indignados: a história difamava os gatos, punha as crianças contra os animais e assim por diante. Eles ameaçavam fazer uma campanha contra o d ire to r local da escola, o qual se encontrava em época de reeleição. Ele achou melhor retirar o livro de circulação. Temendo problemas parecidos para ?. sua nova coleção, o editor decidiu incluir somente conteúdos aos quais ninguém pudesse opor alguma objeção. A segunda experiência é mais recente. Um editor de uma coleção amplamente usada estava no processo de preparar uma nova. 0 presidente da companhia pudm- mo para estudar os planos para a coleção e fornecer a minha opinião. Oepois de eu ter completado a minha revisão, ele me pediu para conversar com o vice-presidente da companhia encarregado dos livros da coleção. Eu lhe disse, com alguns detalhes, por que eu achava que as histórias que ele pensara usar eram extremamente aborre cedoras e fiz-lhe muitas outras objeções. Ele me escutou pacientemente, sem qualquer reação. Finalmente eu lhe perguntei sobre o que ele pensava em relação àquilo que eu acabara de lhe dizer. Ele polidamente observou que isso fazia um bom sentido, que ele pensava, sob muitos aspectos, da mesma maneira como eu. Entretanto, acrescentou que, desgraçadamente, aquilo que era mais importante não era aquilo cjue ele pensava, mas se a coleção seria amplamente vendida. Ele me lembrou que nem as crianças nem os professores iriam comprar essas coleções, mas somente os diretores de escola e os secretários de educação. A preocupação dos editores é de que eles não devem ser criticados em nada que seja possivelmente objetável nos conteúdos da coleção, e praticamente qualquer tipo de história que eu sugerira podia ser objetável por alguns leitores. Tendo já sugerido o emprego de contos de fadas como conteúdos possíveis, eu sabia que ele estava certo, pois algumas pessoas ficariam perturbadas com essas histórias, que mostravam as madrastas sob um aspec to negativo, outras achariam a punição dos malfeitores demasiadamente cruel c as sim por diante. • O que resulta destas condições são livros de leitura que contêm um aglomein- do de palavras interminavelmente repetidas, as quais fingem ser histórias. embora de fato não o sejam. Estes livros são dados a professores para ensinar a ler. Os professo res não gostam desses livros, mas acham que devem usá-los. Muitos professores com os quais falamos abertamente afirmavam que o conteúdo das histórias não tinha importância. Para a finalidade dos livros eles eram bons — e era por isso que os pro fessores os estavam usando. Essa finalidade consistia em desenvolver as habilidades da leitura, tais como a familiaridade com os fonemas, a capacidade de decodificar e assim por diante. Visto que esses livros tinham sido preparados por especialistas 27 e aprovados para u s o 'p o r outros especialistas,’ esses professores não punham em questão o ensino das habilidades de leitura através do conteúdo que eles próprios consideravam irrelevante, quando nao detestável — sentimentos que, embora nunca expressados às crianças, não deixavam de impressioná-los de uma ou outra forma. As crianças concluíam ou que o seu professor fingia ter interesse nas histórias, ou que ele fazia m uito pouco caso da inteligência das crianças quando acreditava que elas gostavam dessas histórias. Tudo isso fazia com que as crianças ficassem brabas, já que elas eram consideradas bobas e estúpidas. O problema fundamental consiste no fato de que os professores, embora não acreditem que ser capaz de ler é sinônimo de ser alfabetizado, de fa to acreditam que a primeira situação necessariamente conduzirá à segunda. Isto tudo novamente levanta a questão de como se deve considerar aquilo que se entende por "a lfabetiza ção". O Shorter O xfo rd Eng/ish D ictionary explica o conceito por meio da seguinte citação: "E ntre ter (...) com alguma diversão cu lta " (literate diversion) "o longo e tedioso passar desses dias". A observação de crianças que estão aprendendo a ler na escola convence a gente de que, longe de a leitura ser uma diversão de entretenimento, ela mais am plamente acrescenta-se ao longo e tedioso passar dos seus dias. Ninguém fica mais aborrecido do que quando tem de gastar o seu tempo e concentrar sua energia men tal em tais coisas como fonemas, o reconhecimento visual, a decodificaçao de pala vras e a leitura de combinações sem sentido e de cansativas repetições de palavras. Toda essa chateação, quando a criança poderia empregar o mesmo tempo numa "diversão de entretenim ento" na leitura de uma história verdadeiramente atraente! As razões para ensinar a ler por meio desses textos aborrecidos se baseiam em duas suposições: não importa de que modoas crianças adquirem as habilidades necessárias para a leitura; os textos automaticamente as farão leitores no seu devido tempo; e somente através de muitas repetições pode uma criança se tornar capaz de reconhecer uma palavra. Essas duas suposições são errôneas. Se uma criança estiver verdadeiramente interessada numa palavra, ela a aprenderá facilmente e depressa, como já deveria ter ficado demonstrado pelas palavras escritas nas paredes, facil mente lidas por ela. E o fato de ter arduamente conquistado as pré-condiçoes abor recidas para fazer algo não nos garante que alguém vá desejar fazer isso subseqüen temente. Se, antes de se concentrar no desenvolvimento de habilidades de leitura, os esforços educacionais desde o in íc io fossem concentrados no desenvolvimento do desejo de se tornar um le itor — essencialmente, uma atitude interna para a leitura — o resultado fina l poderia ser que um segmento maior da população de adultos se tornaria efetivamente um segmento mator de reais leitores. Em nossa situação atual, a maioria dos adultos são capazes de ler, porém vêem pouca finalidade na leitura, além de obter alguma informação específica em que estao interessados ou como um meio para matar o tempo através de alguma diversão triv ia l. Aprender a ler "agora” , a fim de ser capaz de desfrutar da literatura num momento m uito mais tarde — que para a criança do jardim-de-infância, ou aluno da primeira série, muitas vezes significa alguns três ou mais anos mais tarde, os quais nessa teríra idade são vividos como uma eternidade — é um aexperiência esté r il no momento presente. E mesmo se por acaso uma criança rara fosse capaz de o lhar com confiança .para o fu tu ro distante e acreditar que ela então vai ver que a le itura, sim, é significativa, o modo como ela é ensinada a ler, no m om ento pre sente, ainda faz de.rsua espera uma tarefa odiosa. Ficar motivado com recompensas adiadas requer Urfr compromisso com o p rincíp io da realidade em preferência ao p rinc íp io do prazer. Entretanto, a grande maioria das crianças não fizeram esse compromisso em relação aos estudos acadêmicos no m omento em que elas entra ram na escola, ou mesmo nas primeiras séries do ensino básico, sem mencionar as muitas crianças que não conseguem fazer esse compromisso com o p rinc íp io da rea lidade mesmo mais tarde. Esse compromisso com a educação acadêmica surge so mente como um resultado acumulado de muitas experiências de aprendizagem re compensadas. Não se pode esperar que ele exista quando as crianças entram na es cola. O p io r aspecto da maneira como a leitura é atualmente ensinada é a impres são que a criança recebe durante os anos mais iniciais, na escola, de que as hab ilida des tais como a decodificação constituem aquilo sobre o que versa a le itu ra . Não há nada de mau com o ensino de uma habilidade, enquanto ela não fo r feita através de meios que de fato prejudicam os fins para os quais essa habilidade particu lar é desejada, ou é necessária. Entretanto, a ênfase do professor sobre a de codificação e o reconhecimento de palavras — e estas habilidades são tudo aquilo que ele pode enfatizar, visto que o vazio de significado dos textos não lhe perm ite realçar o seu valor — dá à criança a idéia de que essas habilidades são sobremaneira importantes. Que este modo é o modo errado de ensinar a ler já fo i reconhecido há mais de setenta anos, no prim eiro im portante tratado sobre o ensino da le itu ra escrito neste país. Edmund Huey realçou vigorosamente o fa to de que o ensino, o amoldam ento, na técnica da le itura, deve ser inteiramente separado da le itura como ta l* . “ A esco la ", escreveu ele, "deve parar de fazer com que a leitura dos iniciantes se torne o fetiche em que se transformou há longo tem po". Ele ainda acrescenta: " A técnica da le itura não deve aparecer nos primeiros anos, e a única pequena atividade que deve ser tolerada sobre a fonética deve ser inteiramente d is tin ta da le itu ra ". Ele acentuou que "nunca a criança devia ser levada a ler por amor à le itu ra , como um processo form al, ou um fim em si mesmo. A leitura deve sempre estar em conexão com o interesse intrínseco, ou com o valor daquilo que é lido . A le itura nunca deve ser feita ou concebida como 'um exercício '. A pronúncia de palavras, portanto, sempre será secundária em relação à obtenção dos significados das sen tenças completas, e assim deve ser desde o princrpío (...) A aprendizagem da verdadeira le itura deve começar em casa e nos primeiros dias da escola, e deve con tinuar in in terruptam ente." Estas convicções levaram Huey a conc lu ir com natura lidade que "os livros escolares, especialmente as cartilhas, devem desaparecer am plamente. exceto quando forem extratos competentes da verdadeira lite ratura da 5 — Edmund Burke Huey. The Psychology and Pedagogy of Reading. New York: Mcmillan, 1908. língua, materna, apresentados como conjunto lite rário , ou quando puderem ser amostras das experiências e pensamentos próprios das crianças". Huey antecipou aquilo que hoje se denomina de leitura orgânica, baseada nas próprias histórias infantis. Entretanto, ele reconhecia que só isto nunca resultaria na alfabetização plena, porque as histórias que as crianças inventam elas mesmas, embora sejam do interesse delas e revelem a sua personalidade e as suas preocupa ções, são aproximadamente de qualidade literária medíocre, a não ser que seus es critos sejam refinados pelo seu conhecimento e peia sua compreensão da lite ra tu ra maior. Este é o m otivo pelo qual a experiência lim itada da cnança deve ficar mais esclarecida e mais enriquecida por aquilo que Huey denominava de verdadei ra lite ia tu ia . As coisas ficaram m uito piores desde os dias em que Huey se pronunciou com tanto vigor contra os conteúdos das cartilhas em uso no seu tempo, e em fa vor do ensino da leitura às crianças a partir da "verdadeira lite ra tu ra ", que nunca devia ser simplificada ou expurgada, mas usada somente como "con jun tos Siierá- rios". Harris e Sipay relatam que os primeiros livros de leitura publicados na dé cada de 1920 continham em média 645 diferentes palavras. Na década de 1930, esse número ficou reduzido a aproximadamente 460 palavras. Nas décadas de 1940 e 1950, o vocabulário ficou ainda mais reduzido, em to rno de 350 palavras. Analisando sete coleções básicas de livros de leitura publicadas entre 1960 e 1963, aqueles autores verificaram que o "vocabulário to ta l das pré-cartilhas oscilava en tre um número ín fim o de 54 e um máximo de 83 palavras; e o vocabulário das car tilhas oscilava entre 113 e 173 palavras" . 6 Chall comparou os livros de leitura da primeira série de cinco diferentes pu blicações das coleções Scott, Foresman, as quais são amplamente empregadas. De 1920 a 1962, houve um contínuo declín io, de publicação para publicação, no nú mero de palavras usadas nesses livros de leitura. Enquanto que, em 1920, o número das palavras correntes, numa história, era em média de 333, em 1962 esse número ficou reduzido a 230. Em 1920 foram introduzidas, em média, em cada história, o i to novas palavras; em 1940, havia 5, e em 1962 havia somente 4 novas palavras por história. O número de palavras diferentes usadas no livro completo era, em 1920, de 425; em 1930, de 282; em 1940, de 178; e em 1962, de 153. E como o número de palavras nas histórias e no livro completo declinou de edição para edição, os con teúdos se tornaram mais aborrecidos e mais repetitivos. Durante o mesmo período, o número de gravuras por 1 0 0 palavras correntes aproximadamente duplicou, passando de menos do que uma em 1920 a aproximadamente duas em 1962 .1 Quan to mais ilustrações houver para revelar o conteúdo simples da história, tanto menos razão haverá para a leitura da história embusca do significado. As coleções Harper e Row, Janet and Mark (antes chamadas de D ick and Ja ne), estão provavelmente entre as mais amplamenteusadas nos dias de hoje. Em 6 — Albert J. Harris and Edward R. Sipay, Effective Teaching o f Reading. Nev./ York: David McKay, 1971. 7 — Chall, op. cit. 30 f suas quatro pré-cartilhas aparecem somente setenta e o ito diferentes palavras. A pri meira cartilha aumenta esse vocabulário a um número pequeno de 182 palavras, e n v bora nesta altura as crianças já tenham estudado a leitura por aproximadamente dois anos e tenham lido cinco livros da coleção básica, bem como muitos outios l i vros e cadernos de exercícios, todos os quais tendo como característica um voca bulário igualmente lim itado. Entretanto, nesta idade, a maioria das crianças já co nhece e emprega um vocabulário de quatro mil ou mais palavras. Ninguém teve que fazer qualquer esforço deliberado paia lhes ensinar estas palavras, com exceção de algumas iniciais que seus pais lhes ensinaram na infância. Todas as demais as crian ças as aprenderam porque elas o quiseram — porque acharam que falar e empregar estas palavras era ú til, agradável e necessário, no sentido de fazerem aquilo que elas queriam fazer, como se comunicar com os outros. O grupo com reduzido vocabu lário dos alunos de primeira série domina, em média, bem mais do que duas mil pa lavras, tornando, assim, inú til e irrelevante a reclamação de que as cartilhas devem empregar m uito poucas palavras a fim de que as crianças não tenham dificuldades, já que vieram de famílias culturalmente carenciodas. Esta espécie de condescender, cia desconhece a realidade da vida, inclusive nos ambientes familiares mais desnvan- tajados. Embora em 1920 fossem poucas as crianças que freqüentavam o jardim-do- infância e houvesse pouco espaço para o ensino da leitura na pré-escola, hoje em dia, quando muitas crianças freqüentam o jardim-de-infância e a leitura é consis- tentemente ensinada na pré-escola, nossas cartilhas somente contêm 28% do voca bulário que era apresentado às crianças cinqüenta anos atrás. Seria d ifíc il estabelecer uma conexão direta entre a redução no vocabulário ensinado aos iniciantes em leitura e o decréscimo nas habilidades verbais que se re flete no desempenho dos alunos das primeiras e das últimas séries da escola secun dária. Apesar disso, um decréscimo nos escores verbais que esses alunos obtêm quando se submetem ao Teste de Aptidões Escolares sugere um interesse d im inu í do em relação à leitura mais séria. Os escores médios que estes alunos de escola se cundária obtinham dim inuíram de um escore médio de 473, em 1956-1957 (numa escala de 200 a 800), para 434, em 1974-1975.8 Essa dim inuição no desempenho verbal — que realmente mede o desempenho na leitura, visto que esses testes são testes de leitura e de escrita e não testes de verbalização — não se restringia aos alu nos médios, mas se estendia aos alunos mais bem sucedidos. E estes últimos são alu nos cujos escores vão acima de um nível de 600 ou 700 pontos. A dim inuição em seus escores ficou paralela à dos escores dos alunos médios.9 A pesquisa sobre a leitura, longe de justificar a contínua redução no número das palavras empregadas nas cartilhas, não consegue encontrar qualquer razão para esse fato. Por exemplo, Chall, "analisando os fundamentos da pesquisa realizada para o contro le do vocabulário dos livros das coleções básicas", verificou que "pelo 8 — Evelyn Stern Silver, Lawrence-Johnson, and Associates, Declining Test Scores: A conferen ce Report. The National Institute of Education, February, 1976. 9 — Annegret Harnischfeger and David E. Wiley, Achievement Test Score Decline: Da We Need to Worry? St. Louis: Cemret, Inc., 1968. 31 final da década de 1940; ;>essV contro le Vra 'm uitcrm ais èstrito^do que'o justificaria q u a lq u e r outra pesquisà'''.10 Desde'essa época; o vocabulário empregaclo nas ca rti lhas restringiu-se à metade do term o médio, como o temos mencionado. Chall con tinuava: " A pesquisa mais recente, realizada por Gates, indica que as crianças na metade da segunda série e no fim da terce ira" {os dois grupos estudados por Gates) "conhecem a maioria das palavras contidas nos livros de leitura das séries superiores às dessas crianças. Entretanto, (...) cada publicação subseqüente de uma coleção continha uma carga in ferior de vocabulário." Como Huey, outros antes dela e também depois, Chall critica as histórias em pregadas para ensinar a ter às crianças. "M inha preferência pessoal pelos conteúdos para as crianças de primeira e segundo séries está nos contos populares e contos de fadas. Eles têm um apelo universal. (...) Esses contos contêm lutas e triun fos, o bem e o mal, risos e lágrimas — temas estes que desapareceram das histórias modernas baseadas nas experiências familiares. A maior parte dos autores que selecionam e adaptam histórias para os livros de leitura destinados às primeiras e segundas séries parecem ter esquecido que as crianças, como os adultos, gostam de chorar em pran tos de vez em quando. Fazer com que todas as histórias tenham final feliz não so mente está fora da realidade, mas é também m uito chato." Sara Zimet também lamenta que "os textos de ieitura realçam as habilidades, e a leitura é ensinada por amor às habilidades em si mesmas", e acentua que "nós precisamos deslocar nossa ênfase da 'le itura para aprender a ler' para a 'le itu ra com algum significado enquanto se aprende a ler'. Ouando enfatizamos o processo de exclusão das idéias significativas, nós sacrificamos a razão de ser para o aprendiza do da le itu ra ." Ela continua dizendo que "a fantasia e a realidade da vida das crian ças são plenas e ricas, comparadas com as cenas e as palavras pálidas dos textos de leitura para p rinc ip ian tes".1 1 E é isto exatamente o que as crianças mesmas recla mavam. Ao analisarmos os pontos de vista dos especialistas apenas acima citados, fica d ifíc il entender por que os editores de lívros-textos durante a ú ltim a metade do sé culo vêm sucessivamente restringindo o vocabulário de seus livros-textos básicos sempre e cada vez mais, embora tornando-os cada vez menos interessantes para as crianças; e fica ainda mais d ifíc il entender por que os educadores têm usado estes livros-textos que são cada vez mais chatos ao invés de utilizarem-se de textos cada vez mais desafiadores. Uma possível explicação (explicação que concorda com a d i minuição progressiva na capacidade de ler entre os estudantes americanos) é a de que, na medida em que os livros-textos se tornaram cada vez mais chatos, as crian ças aprenderam a ler cada vez menos bem. A conclusão tirada deste fato não fo i a conclusão óbvia, a de que enquanto os livros-textos iam se tornando cada vez mais chatos para as crianças e também para os professores, as crianças teriam cada vez mais dificuldade de extrair qualquer interesse no aprendizado da leitura. Pelo con trário , concluiu-se que os livros eram m uito difíce is para as crianças e que as coisas 10 — Chall, op. cit. 11 — Sara Goodman Zimet, What Children Read in School. New York: Grune & Stratton, 1972. 32 : ' ' " ... • *1- ■ ' ■ ' f ‘.i ficariam.mais,.fácets,pàra elas se se lhes solicitasse aprender,menòs palavras! Assim; cada nova publicação de uma cartilha contém menos palavras e cada vez mais repe tições e, em conseqüência, a nova publicação se-torna mais chata do que a prece-: dente. Com isto, as crianças ficam progressivamente menos interessadas-naquilo que elas têm obrigação de ler e acham a aprendizagem cada vez menos gràtj.ficante; os seus escores de leitura dim inuem e a maioria das crianças desenvplvetr/sérias d if ic u l dades em leitura. Como este ciclo continua até o dia de hoje, .as coisas vêm vindo de mal para pior. Os autores de livros-textos e os editores não ficaram alheios ao fa to de que os novos livros são de menos interesse para as crianças; assim tentaram torná-los mais atraentes, acrescentando-lhes gravuras melhores e mais coloridas. O problema é que estas lindas gravuras fazem com que o texto impresso
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