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0 UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EDUARDA GRAZIELA WEBER ACIDENTE DE TRABALHO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR: ASPECTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS Ijuí (RS) 2016 1 EDUARDA GRAZIELA WEBER ACIDENTE DE TRABALHO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR: ASPECTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador: MSc. Paulo Marcelo Scherer Ijuí (RS) 2016 2 Dedico este trabalho à minha família, ao meu amor, por todo carinho, apoio e incentivo que dedicaram a mim durante toda esta jornada. 3 AGRADECIMENTOS Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma contribuíram e que da sua maneira possuem um significado muito especial para mim, em especial. À minha família, pelo fato de estarem presentes em minha vida nos momentos bons e ruins, dando força, incentivo, apoio e confiança. Ao meu orientador Paulo Marcelo Scherer, pela disponibilidade e acompanhamento prestado. Aos meus amigos e colegas de trabalho, que sempre me acompanharam durante esta jornada. 4 “Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para dignidade humana e a pessoa não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças”. (Ingo Sarlet – Juiz e Jurista brasileiro) 5 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso primeiramente faz uma análise do trabalho e suas condições no mundo e no Brasil, a fim de propiciar uma investigação no que tange às reformulações do trabalho perante a necessidade apresentada no decorrer de cada época. Aborda a evolução da legislação trabalhista no Ordenamento Jurídico brasileiro, até se chegar à construção da garantia aos direitos do trabalhador, com relação às condições mínimas para a elaboração e desenvolvimento de sua função. Estuda a evolução legislativa do acidente de trabalho, abordando o conceito, a sua classificação e possíveis causas que venham a contribuir para o evento danoso, trazendo consigo a questão da responsabilidade civil do empregador, analisando o conceito, as espécies, sua aplicabilidade nas indenizações, acompanhado de sua origem histórica e sua evolução. Finaliza concluindo que se deve priorizar a pacificação social, deste modo, objetiva-se com a pesquisa revelar a realidade fática da questão, apresentando o ponto de vista das jurisprudências dos tribunais trabalhistas. Palavras-Chave: Acidente de Trabalho. Responsabilidade Civil. Realidade Fática. Trabalho. 6 ABSTRACT This course conclusion work first analyzes the work and its conditions in the world and in Brazil, to provide an investigation regarding the reformulation of the work towards the necessity presented in each time. Discuss the evolution of labor law in the Brazilian law to get the construction of the warranty to workers' rights, with the minimum conditions for the elaboration and development of its function. Study the legislative evolution of work accidents approaching the concept, classification and possible causes that may contribute to the hurtful event, bringing the question of the employer's civil responsibility, analyzing the concept, the species, its applicability in compensation, accompanied by its historical origin and evolution. Concluding that it should give priority to social peace and the objective of the survey is to reveal the reality of the matter, introducing the view of the case law of the labor courts. Keywords: Work Accident. Civil Responsibility. Objective Reality. The Work. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 8 1 O TRABALHO, SUAS CONDIÇÕES NO MUNDO E NO BRASIL .............................. 10 1.1 O trabalho na história da humanidade ........................................................................... 10 1.2 O trabalho no Brasil .......................................................................................................... 14 1.3 A evolução da legislação trabalhista no país ................................................................... 16 1.4 O direito ao trabalho digno .............................................................................................. 20 2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR EM CASO DE ACIDENTE DE TRABALHO ...................................................................................................................... 24 2.1 O acidente de trabalho no ordenamento jurídico brasileiro ......................................... 25 2.2 A responsabilidade civil no ordenamento jurídico ......................................................... 32 2.3 A responsabilidade civil do empregador ......................................................................... 36 2.4 O entendimento nos tribunais trabalhistas – jurisprudências ...................................... 43 2.4.1 A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho .................................................... 43 2.4.2 A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho ..................................................... 46 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 49 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 51 ANEXOS .................................................................................................................................. 55 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto de estudo o acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador. Este estudo apresenta motivações diversas como, encontrar meios capazes de conscientizar os possíveis responsáveis com relação à questão da reparação dos danos que venham a ser causados ao trabalhador nos casos de acidente de trabalho, visando a proteção e a segurança deste. Este trabalho foi motivado pela condição do país, que apresenta inúmeras leis, as quais fazem menção à proteção e à saúde do trabalhador, exemplo disto, é a própria Constituição Federal de 1988, a qual assegura os direitos fundamentais à prevalência da vida, à dignidade da pessoa humana, bem como ao trabalho digno. Porém, o que está previsto em Lei nem sempre é efetivamente cumprido ou ainda encontra dificuldades de aplicação prática, o que associado à demais fatores, gera a alta incidência de acidentes de trabalho. Perante esta realidade torna-se relevante que os órgãos de fiscalização sejam mais ativos frente a esta situação, aplicando as devidas sanções, nos casos em que venham a ocorrer os respectivos descasos, proporcionando ao trabalhador a execução de todos os direitos a eles assegurados e garantidos.Sob esta perspectiva, o presente estudo analisa a responsabilidade do empregador perante os casos de acidente de trabalho, mais especificadamente com relação ao não cumprimento do que está previsto em Lei, buscando identificar meios que melhor possam amparar o trabalhador, vítima do acidente de trabalho. 9 Construindo este trabalho, far-se-á inicialmente, no primeiro capítulo, uma abordagem sobre o trabalho e suas condições no mundo e no Brasil. Segue com uma análise histórica do trabalho nas diferentes épocas, sua contextualização no sistema brasileiro, bem como no que se refere à legislação trabalhista, com o objetivo de se verificar todas as transformações ocorridas ao longo do tempo. Também será analisada a construção da garantia dos direitos fundamentais, como a figura do direito ao trabalho digno. O segundo capítulo abordará mais profundamente o acidente de trabalho em si, sua evolução no ordenamento jurídico, seu conceito, as classificações, principais causas, trazendo consigo a questão da aplicabilidade da responsabilidade civil da empresa e de seus empregadores. Também analisa os entendimentos jurisprudenciais, dos tribunais trabalhistas, no que está relacionado às situações de acidente de trabalho, a fim de revelar o ponto de vista destes, perante a realidade fática vivenciada e encontrada atualmente. Para a concretização do trabalho utilizar-se-á o método de abordagem dedutivo, tendo como metodologia a pesquisa doutrinária em diversos livros e por meio eletrônico, analisando também a legislação pertinente ao assunto exposto. Sendo ainda utilizada a consulta jurisprudencial dos julgados dos Tribunais trabalhistas, onde foi analisado o posicionamento judiciário em relação ao tema, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo do acidente de trabalho e da responsabilidade civil do empregador. 10 1 O TRABALHO, SUAS CONDIÇÕES NO MUNDO E NO BRASIL O trabalho surgiu com o homem por meio de um conjunto de atividades por ele desenvolvidas e, posteriormente, realizadas a fim de possibilitar a satisfação de suas necessidades como, por exemplo, saciar sua fome, abrigar-se e defender-se, ou seja, o trabalho possibilita ao ser humano que este possa produzir a sua própria existência. Diante de tal posicionamento, pode-se destacar que o trabalho é tão antigo quanto o homem e que este se utiliza do trabalho como uma forma de luta pela sua sobrevivência dia após dia. Durante o passar dos anos o trabalho se reformulou perante as necessidades apresentadas no decorrer de cada época. Além do mais, cumpre ressaltar que não só o trabalho se reformulou, mas também as condições provindas deste, as quais inicialmente eram consideradas mais árduas e sofridas, o que se diferencia muito dos dias atuais, visto que existem inúmeras condições expressas em leis, as quais são direitos garantidos que visam à proteção da saúde e da segurança do trabalhador, nas mais diversas atividades laborais que este venha a desenvolver. Feitas essas primeiras colocações esclarece-se que o primeiro capítulo tem por objeto analisar o tema historicamente, ou seja, traz consigo toda uma abordagem histórica do trabalho e sua contextualização no sistema brasileiro, bem como as transformações ocorridas no que tange à legislação trabalhista, a fim de possibilitar a posterior averiguação de todas as transformações ocorridas ao longo do tempo. 1.1 O trabalho na história da humanidade O trabalho sempre foi alvo de modificações ao longo da história da humanidade, fazendo com isso parte de toda uma evolução histórica, a qual perpassou ao longo dos tempos, nas mais diferenciadas formas. No entanto, sem perder a sua essência, qual seja a formação da história do homem, a qual se constrói, por meio de lutas, sacrifícios, que provêm de seus esforços diários oriundos do trabalho. Diante disso, merece relevância a colocação feita por Martins (2012, p. 3): 11 O direito tem uma realidade histórico-cultural, não admitindo o estudo de quaisquer de seus ramos sem que tenha noção de seu desenvolvimento dinâmico no transcurso do tempo. [...] é impossível ter o exato conhecimento de um instituto jurídico sem se proceder a seu exame histórico, pois se verifica suas origens, sua evolução, os aspectos políticos ou econômicos que o influenciaram. O trabalho é definido como a tarefa que envolve dispêndio de tempo e de esforços, com o objetivo de vir a produzir bens e serviços para posteriormente vir a satisfazer as necessidades do ser humano. Além do mais, o trabalho é tido como uma questão de sobrevivência ou de grande poder econômico, pois através deste possibilita-se ao ser humano que este possa vir a produzir a sua existência, bem como dos demais integrantes de sua família. Conforme leciona Oliveira (1987, p. 5): A história do trabalho começa quando o homem buscou os meios de satisfazer suas necessidades – a produção da vida material. Essa busca se reproduz historicamente em toda a ação humana para que o homem possa continuar sobrevivendo. [...] o trabalho fica então subordinado a determinadas formas sociais historicamente limitadas e a correspondentes organizações técnicas, o que caracteriza o chamado modo de produção. Sendo assim, a origem do trabalho vem de longa data, desde as civilizações egípcias, passando posteriormente por gregos e romanos. Inicialmente, o trabalho representava a luta constante pela sobrevivência, através da busca por alimentos e de um lugar para se abrigar, toda via, esta concepção foi se reformulando ao longo do tempo, nas mais diferentes formas de trabalho. A primeira forma de trabalho que predominou foi a escravidão, a qual se deu na sociedade pré-industrial, onde não se tinha a existência de um sistema de normas jurídicas de direito do trabalho. A relação trabalhista nesta fase se dava entre “escravizador-escravo”, período em que o escravo era considerado apenas uma coisa, objeto de poder de seu Senhor. Todo o trabalho provinha do esforço diário do escravo, o qual pela sua condição não possuía qualquer direito, muito menos trabalhista. Neste período, “[...] o escravo fazia o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres” (MARTINS, 2012, p. 4). Além do mais, o mesmo não caracterizava uma forma de realização pessoal do trabalhador, nem mesmo uma forma de dignidade do homem. Deste 12 modo, o trabalho era tido pelo escravo apenas como uma forma de luta pela sua sobrevivência. Após esta fase surge então a servidão, a qual se associa ao período do feudalismo, onde a relação trabalhista se dava entre “senhor-servo”. Neste período os senhores feudais devem toda a proteção aos seus servos, no entanto, os mesmos não eram livres, pois tinham que prestar seus serviços nas terras de propriedade dos senhores feudais, para em troca receber a proteção e o abrigo. Sendo assim, o trabalho ora realizado não era remunerado, mas sim um objeto de mera troca, tido como um castigo. Diante destes dois períodos históricos, em especial a primeira forma de trabalho, Nascimento (2003, p. 41) complementa que: Não diferiu muito a servidão, uma vez que, embora recebendo certa proteção militar e política pelo senhor feudal dono das terras, os trabalhadores também não tinham uma condição livre. Eram obrigados a trabalhar nas terras pertencentes aos seus senhores. Camponeses presos às glebas que cultivavam, pesava-lhes a obrigação de entregar parte da produção rural como preço pela fixação na terra e pela defesa que recebiam. Num terceiro plano encontram-se as corporações de ofício. Neste período existiram três categorias de membros, quais sejam, os mestres, os companheiros e os aprendizes. Neste, cada corporação tinha um estatuto com algumas normas, as quais disciplinavam as relações de trabalho. Os mestres eram os proprietários das oficinas.Os companheiros eram os trabalhadores que recebiam os salários dos mestres e os aprendizes eram aqueles menores, que recebiam os ensinamentos dos mestres. Estas corporações tinham como intuito estabelecer uma estrutura hierárquica, regular a capacidade produtiva, bem como regulamentar a técnica de produção. Estas “[...] corporações mantinham com os trabalhadores uma relação de tipo bastante autoritário e que se destinava mais a realização dos seus interesses do que a proteção dos trabalhadores” (NASCIMENTO, 2003, p. 42). No entanto, estas corporações acabaram sendo suprimidas com o advento da Revolução Francesa, em 1789, tendo em vista que seus ideais tornaram-se incompatíveis no que tange a ideia de liberdade do homem. 13 No entanto, a grande mudança ocorreu após o período pré-industrial, mais especificadamente no início do século XVIII, onde ocorreu a chamada Revolução Industrial, responsável por grandes transformações tecnológicas, econômicas, políticas, sociais e culturais, bem como por todas as mudanças ocorridas nas relações de trabalho. A partir deste período as relações trabalhistas que anteriormente eram totalmente voltadas fortemente à área agrária passaram a empregar um número bem menor de pessoas, tendo em vista a substituição do trabalho braçal/manual pelo trabalho com o uso de máquinas. Diante deste cenário, merece relevância a colocação feita por Oliveira (1987, p. 77): O capitalismo assume formas agressivas: surge o capitalismo monopolista, em que o papel do Estado é redimensionado e ocupa a função centralizadora e, em alguns casos, intervencionista. Durante essa fase, que se arrasta até nossos dias, a produção industrial é autorizada e os meios de comunicação expandem-se vertiginosamente. A energia elétrica substitui definitivamente a energia a vapor e surge uma alternativa energética: a atômica. Com o advento deste período o trabalho transformou-se em emprego. Os trabalhadores passaram a trabalhar por salários. Diante desta mudança surgiu uma nova cultura, sendo desconsiderada aquela que existiu ao longo dos tempos. No entanto, surgiram também as condições inadequadas, tendo em vista que um grande número de pessoas amontoava-se diante de uma atividade repetitiva, sem muitas vezes poderem ver o resultado final, oriundo de seu trabalho e esforço diário. Além do mais, os trabalhadores prestavam serviços em locais considerados insalubres, por baixíssimos salários e sujeitos a uma jornada de trabalho exaustiva, sem tempo pré-estabelecido para parar. Diante destes abusos que vinham sendo cometidos pelos empregadores é que o Estado passou a intervir nas relações de trabalho, criando certos limites, a fim de proteger mais a parte mais fraca da relação, qual seja o trabalhador, procurando satisfazer o bem-estar da coletividade e melhorar as condições de trabalho existentes. A partir deste momento, o trabalhador passa a ser amparado e protegido juridicamente. Todavia as transformações nas relações de trabalho não pararam por aí, pois após este período surgiu a globalização, a qual perdura até os dias atuais. Este sistema é considerado um dos responsáveis pela crescente competitividade entre as empresas, bem como pela geração de um maior número de trabalho. O que consequentemente veio possibilitar que parte dos empregadores abra mão de seu tempo livre, dedicado ao lazer, para conseguir posteriormente 14 alcançar suas metas/ambições, tudo isso devido ao fato de que a sociedade se tornou muito mais capitalista, passando a priorizar muito mais o lucro monetário do que o próprio bem- estar. Com relação a este período contemporâneo, merece relevância o destaque feito por Nascimento (2003, p. 47): Assistimos às transformações do mundo das relações de trabalho, numa sociedade que produz mais com pouca mão de obra. A tecnologia mostrou o seu lado cruel: a substituição do trabalho humano pelo software; a desnecessidade, cada vez maior, de um quadro numeroso de empregados para obter os mesmos resultados com redução de demanda de trabalhadores entre 25% e 35% da força de trabalho; a informatização e a robótica como principais fatores de crescimento da produtividade; o aumento do desemprego e do subemprego em escala mundial; o avanço da sociedade de serviços mais do que a sociedade industrial; novas profissões; sofisticados meios de trabalho, uma realidade bem diferente daquela na qual o direito do trabalho nasceu. Perante toda esta trajetória observa-se que o trabalho evoluiu ao longo dos tempos, se reformulando conforme as necessidades encontradas em cada período. No entanto, estas transformações possuem seus prós e contras, pois o que vem a ser bom para um nem sempre será o melhor para o outro. Todavia, cumpre salientar que o trabalho, acima de tudo, deve priorizar o bem-estar do trabalhador, proporcionando-lhe condições relativas à sua qualidade de vida. 1.2 O trabalho no Brasil O trabalho no Brasil inicialmente foi introduzido pelos índios, os quais foram usados desde os primeiros anos de colonização até meados do século XVIII pelos colonos portugueses na extração da madeira, momento em que “foi estabelecida verdadeiramente a escravidão” (BENTEMULLER, 2012). Neste período, o índio era tido como uma “coisa” e não como um ser humano, pelo fato de que eram submetidos à exploração diária, duros castigos, jornadas exaustivas e em condições totalmente degradantes. Posteriormente, houve o surgimento da figura dos escravos africanos, os quais eram responsáveis por todas as etapas de produção do açúcar. Nesta fase também esteve presente a questão dos castigos com violência, os quais se davam pelo fato de não cumprir ordens de seu 15 dono ou até mesmo pelos erros cometidos durante a execução de seus serviços. Além do mais, o trabalho naquela época era árduo, sofrido e sem nenhuma recompensa. Com a descoberta das minas de ouro, em meados do século XVIII, os escravos também passaram a trabalhar na mineração, executando trabalhos pesados. [...] No período da mineração, muitos escravos fugiam formando quilombos, que era uma aldeia onde se concentravam os escravos foragidos, localizando-se, geralmente, em áreas de difícil acesso. A atividade desenvolvida pelos escravos, na mineração, impossibilitava o controle rígido e íntegro, dos senhores, no processo de lavra, o que permitia aos negros esconder minérios para, futuramente, comprar a própria alforria (BENTEMULLER, 2012). O trabalho durante estes períodos sempre foi muito duro e ao mesmo tempo massacrante, pois além dos “escravos” serem obrigados a executar os mencionados serviços, não fazia jus a nenhum tipo de direito. Porém, “[...] recebiam apenas alimentação de baixa qualidade, roupas velhas e alojamento (senzala) sub-humano” (SUAPESQUISA.COM, [s.d.]). Além disso, os escravos eram tidos como mercadoria de seus “patrões”, ou seja, a qualquer momento poderiam ser vendidos, quando não mais satisfaziam os interesses de seus donos. Todavia esta situação com o tempo foi se reformulando através de movimentos políticos e sociais, qual seja o abolicionismo que ocorreu durante a segunda metade do século XIX, movimento este em que se defendeu de forma intensa pelo fim da escravidão no Brasil. Diante desta questão Martins (2003, p. 39) complementa: Em 28-9-1885, foi aprovada a Lei Saraiva-Cotegipe, chamada de Lei dos Sexagenários, libertando os escravos com mais de 60 anos. Mesmo depois de livre, o escravo deveria prestar mais três anos de serviços gratuitos a seu senhor. Em 13-5- 1888, foi assinada pela Princesa Isabel a Lei Áurea, que abolia a escravatura. Com a abolição exigiu-se a elaboração de uma nova autoconcepção de status e papéis sociais por parte dos negros e mestiços, a formação de novos ideais e padrões de comportamento. Ela implicava também na mudança de comportamento do homem livre e branco diantedo liberto, do negro não mais escravo (FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 1998, p. 34). Após o período da abolição da escravatura é que o trabalho de forma assalariada e livre começou a tomar espaço no Brasil. No entanto, as condições relativas ao trabalho ainda continuavam a ser tidas como inadequadas, porém neste momento já começavam a serem 16 discutidas questões atinentes às primeiras legislações trabalhistas. E foi a partir da metade do século XIX que começaram a surgir as primeiras regulamentações atinentes à questão trabalhista, um exemplo foi o Decreto nº 1.313 de 1891, que normatizava a questão do trabalho dos menores de 12 a 18 anos de idade. Aproximadamente no final do século XIX e início do século XX é que surgiu a Revolução Industrial. No entanto, o Brasil só aderiu à mesma praticamente um século depois. Nesta fase quem liderava a economia eram os ricos cafeicultores da região de São Paulo, os quais passaram a investir fortemente no setor industrial. Nesta fase, as principais atividades industriais eram a de produção de tecidos e de processamento de alimentos. Estas indústrias eram de pequeno e médio porte, tocadas pela burguesia industrial que estava em plena ascensão. Concentravam-se, principalmente, nos centros urbanos dos Estados da região Sudeste, sendo que a cidade de São Paulo era o grande polo industrial (SUAPESQUISA.COM, [s.d.]). Em sequência a este período, mais aproximadamente em 1930, houve o surgimento da Era Vargas, período no qual o trabalho passou a sofrer mudanças, momento em que foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Durante seu governo “[...] Getúlio Vargas editou a legislação trabalhista em tese para organizar o mercado de trabalho em decorrência da expansão da indústria” (MARTINS, 2012, p. 11). Todavia as mudanças no que se refere ao trabalho no Brasil não param por aí, pois posteriormente, em meado de 1934, é que se teve a primeira Constituição Brasileira, a qual passou a regulamentar especificadamente as relações de trabalho. 1.3 A evolução da legislação trabalhista no país No decorrer do tempo evidenciou-se uma longa trajetória do sistema normativo, no que tange as relações de trabalho. Inicialmente se tinha as constituições brasileiras, conhecidas como as leis principais, as quais versavam sobre a forma de Estado, bem como o sistema dos governos. Mais tarde passaram a tratar especificadamente sobre a questão do direito do trabalho. 17 A primeira Constituição existente foi a de 1824, a qual trouxe em seu texto a questão da abolição das corporações de oficio, pois se entendia que deveria existir a liberdade do exercício de ofícios e profissão. As principais conquistas asseguradas pela Constituição de 1824 foram as seguintes: Liberdade de expressão do pensamento, inclusive pela imprensa, independente de censura; liberdade de convicção religiosa e de culto privado, contanto que fosse respeitada a religião do Estado; igualdade de todos perante a lei; abolição dos açoites, tortura, marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis; exigência de lei anterior e autoridade competente, para sentencionar alguém; direito de prioridade; liberdade de trabalho; instrução gratuita; direito de petição e de queixa, inclusive o de promover a responsabilidade dos infratores da Constituição (DHNET, [s.d.]). Já a Constituição de 1891 passou a reconhecer a liberdade das associações. Todavia, a maior mudança ocorreu a partir da Constituição Brasileira de 1934, pois através desta Constituição é que se passou a tratar do direito, em especial, o direito do trabalho. Conforme o preâmbulo da Constituição de 1934, a mesma foi redigida “para organizar um regime democrático, que assegura a Nação, a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico”. É oportuno ressaltar ainda que esta Carta Constitucional trouxe consigo: [...] avanços sociais importantes para os trabalhadores: instituiu o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, o repouso semanal, as férias anuais remuneradas e a indenização por dispensa sem justa causa. Sindicatos e associações profissionais passaram a ser reconhecidos, com o direito de funcionar automaticamente (CLT 70 ANOS, [s.d.]). Segundo o posicionamento de Nascimento (2009, p. 51), “a de 1934 pouco acrescentou, a não ser o pluralismo sindical, autorização para criação, na mesma base territorial, de mais de um sindicato da mesma categoria profissional ou econômica”. Da mesma forma que a Constituição de 1934, a de 1937 também trouxe consigo a consagração dos direitos dos trabalhadores. Todavia abordou a concepção política do Estado Novo, bem como algumas restrições no que tange aos movimentos sindicalistas. Além disso, conforme Martins (2012, p. 11): 18 A Constituição de 1937 instituiu o sindicato único, imposto por lei, vinculado ao Estado, exercendo funções delegadas de poder público, podendo haver intervenção estatal direta em suas atribuições. Foi criado o imposto sindical, como uma forma de submissão das entidades de classe ao Estado, pois este participava do produto da arrecadação. A Constituição de 1946 acrescentou uma série de direitos até então ignorados pelas constituições anteriores. No que tange aos direitos assegurados por esta Constituição torna-se relevante o posicionamento de Martins (2012, p. 12): A Constituição de 1946 é considerada uma norma democrática, rompendo com o cooperativismo da Constituição anterior. Nela encontramos a participação dos trabalhadores nos lucros (Art. 157, IV), repouso semanal remunerado (Art. 157, VI), estabilidade (Art. 157, XII), direito a greve (Art. 158) e outros direitos que estavam na norma constitucional anterior. Todavia, uma das conquistas mais importantes deste período foi a integração do seguro contra acidente de trabalho perante a Previdência Social. Já a Constituição de 1967 manteve praticamente a mesma redação e os mesmos direitos trabalhistas que a Constituição anterior, interferindo apenas com algumas modificações. O referido texto constitucional, segundo Nascimento (2009, p. 51) “exprimiu os objetivos dos governos militares iniciados em 1964 e introduziu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que havia sido criado por lei ordinária de 1966”. No que tange às inovações, a referida Constituição: [...] praticamente, manteve os direitos dos trabalhadores, individuais e coletivos, da CF/46, restringindo, porém, o direito à greve, proibindo-a nas atividades essenciais e nos serviços públicos. Enfatizou-se a integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão da empresa. Dessa inovação surgiu o PIS, depois o PASEP, e, segundo, pelo Banco do Brasil. A idade mínima para o trabalho passou a ser de 12 anos, contrariando inclusive as recomendações internacionais (FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 1998, p. 59-60). Logo após, a Constituição anteriormente mencionada, mais aproximadamente na data de 05 de outubro de 1988, é aprovada a atual Constituição, responsável por profundas mudanças no ramo do direito do trabalho, sendo uma das responsáveis pela inserção de novos direitos, os quais até então eram inexistentes. Através desta houve uma ampliação dos 19 direitos, o que posteriormente ensejou uma imensa proteção legal aos trabalhadores, proporcionando-lhes mais segurança e condições decentes de trabalho. A Constituição de 88, que hoje vigora, ao incorporar direitos trabalhistas essenciais, inéditos à época no texto constitucional e já incorporado definitivamente ao cotidiano das relações formais de trabalho, cumpriu com seu mister de assegurar aos brasileiros direitos sociais essenciais ao exercício da cidadania. A palavra “trabalho”, que na concepção antiga tinha o sentido de sofrimento e esforço, ganhou,assim, uma roupagem social, relacionada ao conceito de dignidade da pessoa humana (CLT 70 ANOS, [s.d.]). A referida Constituição passa a tratar com maior profundidade sobre os direitos trabalhistas, mais especificadamente em seus artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11. Em seu Art. 7º traz os direitos individuais e tutelares do trabalho. O Art. 8º sobre o sindicato e suas relações. O Art. 9º versa as regras sobre a grave. O Art. 10 traz disposições no que tange à participação dos trabalhadores em colegiados. Já o Art. 11 traz consigo a questão de que nas empresas com mais de 200 empregados é assegurada a eleição de um representante dos trabalhadores, com a finalidade de vir a promover o entendimento direto com os empregadores. Durante estes períodos em que ocorreram as referidas alterações dos textos constitucionais é importante ressaltar a existência das primeiras leis ordinárias existentes, conhecidas como leis esparsas, que tratam de temas ligados diretamente à questão do direito do trabalho, as quais surgiram entre o final do ano de 1800 e início do ano de 1900. Dentre as leis esparsas, pode-se citar, por exemplo, a que trata sobre o trabalho de menores, férias (1925), trabalho das mulheres (1932), a justiça do trabalho (1939), salário mínimo (1936), dentre outras. Além destas leis principais e esparsas é de suma importância referir-se a um dos grandes marcos da história da evolução da legislação trabalhista no país, que foi a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tida como a primeira lei ordinária trabalhista, considerada como uma consequência da criação da Justiça do Trabalho, em meados de 1939, sendo que após três anos seu projeto final foi definitivamente assinado, mais especificamente com o surgimento do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de regulamentar todas as relações individuais e coletivas nela existentes. 20 A referida CLT foi a responsável pela unificação de toda legislação trabalhista até então existente no país, segundo Nascimento (2009, p. 52): É a sistematização das leis esparsas existentes na época, acrescidas de novos institutos criados pelos juristas que a elaboraram. [...] sua principal função foi a reunião das leis existentes e não a criação, como num código, de leis novas. Deste modo, a CLT proporcionou a inserção de forma definitiva dos direitos trabalhistas. Sendo assim, considerada como um dos instrumentos principais no que corresponde às relações de trabalho, bem como perante a proteção dos trabalhadores, ou seja, o foco principal deste instrumento, atualmente existente, é sem sombra de dúvidas a proteção dos direitos do trabalhador, o qual diante das relações de trabalho, normalmente é considerando ou até mesmo tido como a parte mais frágil e fraca desta relação. 1.4 O direito ao trabalho digno Ao longo do tempo os trabalhadores lutaram pela construção da garantia de seus direitos, mais especificadamente no que se refere à garantia às condições mínimas para a elaboração de sua função. Diante desta defesa pelos direitos fundamentais é que se percebe a figura do direito ao trabalho digno o qual: Resume as aspirações do ser humano no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidade para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho e proteção social às suas famílias; melhores expectativas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2010). No entanto, toda esta conquista em alguns casos passa a ser desconhecida, tendo em vista o fato de que o trabalhador, em grande parte das vezes é tido como a parte mais vulnerável da relação trabalhista, sendo consequentemente alvo do desrespeito aos direitos do homem do qual faz jus, como qualquer outro indivíduo. Neste sentido, Souto (2003, p. 45) leciona que: 21 Em geral as empresas ainda acreditam pouco na possibilidade de os trabalhadores promoverem o próprio desenvolvimento, desde que haja compreensão para isso. Não valorizar os seus trabalhadores hoje em dia é perder a competitividade e dinheiro. Todo trabalhador busca por meio de seu trabalho a sua dignificação, tendo em vista que dispensa seu tempo todos os dias para a realização de sua função perante o mercado de trabalho. Com isso, espera o retorno, ou seja, o capital o qual se origina de seu esforço, a fim de sustentar sua família, manter uma vida adequada, manter e equilibrar gastos diários. Diante desta necessidade que acaba passando ao longo dos dias, a qual se torna inevitável, pois todos possuem gastos, é que o trabalhador passa a aceitar as condições que lhe tem sido oferecidas, pelo fato de que na maioria das vezes não possui outros meios de garantir seu sustento. Deste modo, a parte mais forte desta relação, que é o caso do empregador, oferta ao trabalhador a exposição a trabalhos perigosos, forçados, em condições precárias e até mesmo desumanas, o que se torna totalmente contrário ao que encontra-se expresso e garantido em lei ao trabalhador. Observam-se práticas que humilham o trabalhador, como o assédio moral e a invasão de privacidade, dentre outros. A dinâmica do capitalismo, no contexto atual de intensa globalização econômica, acentua tais práticas, visto que as empresas buscam um perfil competitivo que impõem a conquista de metas de produção e a redução do custo da mão de obra. Dessa feita, nas constantes exigências de desempenho e de prazo que garantam o processo de enriquecimento e o sucesso do negócio explorado, é frequente e comum que a pessoa humana do trabalhador seja sumariamente ignorada. [...] a prevalência de procura sobre a oferta de empregos coloca o trabalhador de “joelhos” em sua relação com o empregador, fazendo-o acatar mesmo ingerências e ordens que ultrapassam a medida do razoável e que, ordinariamente, atentam contra a sua dignidade (CECATO, 2015). Perante esta situação, o trabalhador que deveria ser visto em igualdade como sujeito detentor de seus direitos passa a ser considerado como um mero objeto de seu “patrão”, o que torna totalmente contrário, ao que por este foi conquistado ao longo do tempo. Diante disso, torna-se visível que esta situação se dá, pelo fato de que, atualmente a sociedade, mais especificadamente a classe dos empregadores, está totalmente atrelada à ideia capitalista e, com isso, acaba deixando de lado preceitos que deveriam ser seguidos, os quais são de direito do trabalhador. No entanto, perante todo este cenário, faz-se relevante trazer alguns avanços que se teve ao longo do tempo a fim de preservar a conquista dos trabalhadores, no que tange ao 22 direito ao trabalho digno, o qual expressa a universalização dos direitos e garantias mínimas e necessárias para a existência digna do trabalhador, como é o caso do surgimento das organizações internacionais, as quais, perante seus preceitos, fazem com que o trabalhador passe a crer que ainda se vive perante a era dos direitos. No que diz respeito a esta garantia à proteção internacional do trabalho pode-se mencionar o surgimento da Organização Internacional do Trabalho. [...] criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Fundou-se sobre a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social. [...] A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações). As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2014). É por meio desta organização que se promovea oportunidade para que tanto homens quanto mulheres possam ter um trabalho de qualidade e ao mesmo tempo produtivo, priorizando sempre a garantia das condições fundamentais ao trabalho decente. Pode-se mencionar ainda a existência da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Declaração Francesa) de 1789, a qual representa a conquista à liberdade do trabalhador. Por meio de sua aprovação “o trabalhador deixa de ser objeto para ser sujeito de direitos (e obrigações)” (CECATO, 2015). Posteriormente, em meado de 1948 surge um grande marco em relação ao reconhecimento de importantes direitos do trabalhador, qual seja a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual proclama, segundo Nascimento (2009, p. 141): “[...] o direito a condições justas e favoráveis de trabalho, remuneração satisfatória, direito de organização de sindicatos, limitação diária de trabalho, de férias e de seguros sociais”. Frente a estes importantes marcos da história é possível perceber um elo entre os mesmos, visto que se referem, ou melhor, possuem como foco principal a luta pela dignidade da pessoa humana, a qual está intimamente ligada aos direitos que o trabalhador possui. Perante todas estas conquistas e ao mesmo tempo as realidades em que se encontram os trabalhadores na relação trabalhista é visível a desproporção entre ambos os campos, no 23 entanto, é relevante ressaltar a necessidade de se valorar os trabalhadores, proporcionando a estes condições necessárias e dignas para a execução de sua função. Visto que, no momento em que se valoriza o trabalhador pela sua produção, pelo seu trabalho e pelo seu esforço, certamente propiciará a ambos o sucesso. Deve-se ter em mente que para se alcançar o sucesso de um trabalho ou de uma relação de trabalho no âmbito laboral estas duas questões, ou seja, valorização e sucesso devem ao mesmo tempo andar juntas. É fundamental mencionar o importante papel que as empresas possuem diante de toda esta construção, visto que a estas cabem cumprir com suas responsabilidades perante seus trabalhadores, dentre as quais podem-se mencionar as condições de saúde e segurança, o direito ao descanso satisfatório, as condições necessárias no ambiente laboral, não sendo estas perigosas e insalubres. O trabalho é instrumento necessário de todo ser humano, é por meio dele que o trabalhador consegue concretizar o que ao longo do tempo vem desejando, a fim de satisfazer seus interesses e necessidades. Sendo considerado ao mesmo tempo um direito essencial de todos, por meio do qual o ser humano conquista sua dignificação dia após dia. O trabalho, em particular o assalariado, subordinado as ordens de outrem, continua a ser a condição de relação entre o indivíduo e a sociedade, independentemente das transformações pelas quais passam sua concepção e sua regulação no contexto atual. Nenhuma concepção de direitos humanos pode admitir, portanto, que ele seja fonte de exploração, de sofrimento e de exclusão (CECATO, 2015). Destarte, encerra-se este capítulo, enfatizando-se a importância da construção histórica do trabalho e ao mesmo tempo dos direitos e garantias fundamentais do trabalhador e, por conseguinte, atribuir-lhes a aplicabilidade imediata, no que se refere à responsabilidade do empregador diante dos casos de acidente de trabalho no âmbito laboral. 24 2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR EM CASO DE ACIDENTE DE TRABALHO O trabalho e os direitos oriundos deste passaram por um constante processo de evolução, como visto no capítulo anterior. No entanto, ainda se verifica um crescente número de acidentes de trabalho conforme dados estatísticos divulgados pela AEPS 2013 (ANUÁRIO ESTATÍSTICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL), mesmo havendo normas e direitos, os quais regulamentam a preservação da dignidade humana, visando um meio ambiente de trabalho adequado ao trabalhador. [...] dos 559.081 acidentes com CAT registrada (77,88% do total de 717.911 acidentes em 2013), os acidentes típicos somaram 432.254 (77,32%), os acidentes de trajeto, 111.601 (19,96%), e as doenças ocupacionais, 15.226 (2,72%). Já os acidentes sem CAT registrada somaram 158.830 (22,12%). A escalada de acidentes típicos e de trajeto chama atenção: em 2013, foram 5.970 acidentes típicos a mais (alta de 1,4% em relação a 2012) e 8.561 acidentes de trajeto a mais (alta de 8,31%). Somando-se apenas os acidentes típicos e de trajeto, são 543.855 ou 75,76% do total de acidentes ocorridos no ano. Ambos os agravos (típicos e de trajeto) foram responsáveis pelo aumento dos acidentes de trabalho em 0,55% no ano de 2013 em comparação com 2012. Os 432.254 acidentes típicos contabilizados em 2013 atingiram a sua pior marca em 20 anos, só “perdendo” para o ano de 2008 (441.925 registros). Já os 111.601 acidentes de trajeto tiveram o pior resultado em 44 anos, desde 1970 (ANUÁRIO BRASILEIRO DE PROTEÇÃO, 2015). Diante da ocorrência dos respectivos acidentes de trabalho, muitos dos empregadores, frente a esta situação passam a ter que arcar com suas irresponsabilidades quanto a não observância do que está previsto em nosso ordenamento jurídico. O trabalhador tem como direito um meio ambiente laboral adequado para a prática de seu trabalho. Sendo assim, diante de sua importância, torna-se de suma relevância o reconhecimento do acidente de trabalho, a fim de ressarcir o trabalhador que por ventura seja vítima de evento danoso, de uma doença ocupacional ou de algum outro sinistro que venha a ocorrer e que tenha ligação e equiparação ao acidente de trabalho. Além do mais, visando a proteção do trabalhador, o qual é considerado a parte mais frágil e hipossuficiente desta relação, necessita-se um estudo da responsabilidade civil da empresa como também do empregador, frente a estas situações, analisando a conduta, a culpa, 25 o dano e o nexo de causalidade, os quais são pressupostos indispensáveis para a configuração da responsabilidade civil. Feitas as devidas colocações esclarece-se que o segundo capítulo tem por objeto analisar o tema no que tange ao acidente de trabalho em nosso ordenamento jurídico, trazendo consigo a questão da responsabilidade civil do empregador, bem como os entendimentos jurisprudenciais dos tribunais trabalhistas frente à situação do acidente de trabalho e da responsabilização da empresa e de seus empregadores. 2.1 O acidente de trabalho no ordenamento jurídico brasileiro Ao longo do tempo foram formuladas/desenvolvidas, revogadas e reestruturadas inúmeras leis que referem-se aos infortúnios laborais, no entanto, cada uma destas possui um tratamento diferenciado, ou seja, englobam diferentes aspectos como, por exemplo, a questão das responsabilidades, dos direitos, das garantias e dos deveres, com o intuito de alertar os trabalhadores, os quais são os maiores atingidos perante os casos de acidente de trabalho, bem como seus respectivos dependentes, além dos empregadores, os quais na maior parte das vezes são considerados responsáveis pela ocorrência dos respectivos casos, visto que, muitas vezes deixam de observar o que está estabelecido no ordenamento jurídico. Deste modo, as respectivas leis tiveram como base a conscientização de ambas as partes no que tange a importância da necessidade do cumprimento das normas existentes, que envolvem a questão da segurança e da medicina do trabalho, com o intuito de diminuir o grande índice de acidentes. A primeira vez que o tema foi disciplinado no ordenamento jurídico pátrio foi através do Decreto Legislativo nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919, o qual contava com 30 artigos, que traziam a regulação das obrigações resultantes dos acidentes no trabalho. Em seu Art. 1º trouxe o que se considerava como acidente no trabalho. Art. 1º. Consideram-se acidentes no trabalho, para os fins da presente lei: a) o produzido por uma causasúbita, violenta, externa e involuntária no exercício do trabalho, determinando lesões corporais ou perturbações funcionais, que constituam a causa única da morte ou perda total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho; 26 b) a moléstia contraída exclusivamente pelo exercício do trabalho, quando este for de natureza a só por si causá-la, e desde que determine a morte do operário, ou perda total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. No entanto, o referido instrumento não trouxe meios necessários para que fosse devidamente implementado. Sendo assim, em 1934, sob a vigência da Constituição Federal de 1934, é que foi instituído o Decreto Legislativo nº 24.637, de 10 de julho de 1934, o qual estabeleceu novos moldes às obrigações resultantes dos acidentes de trabalho, além de ampliar o conceito referente a esta temática conforme prevê em seu Art. 1º. Art. 1º. Considera-se acidente do trabalho, para os fins da presente lei, toda lesão corporal, perturbação funcional, ou doença produzida pelo exercício do trabalho ou em consequência dele, que determine a morte, ou a suspensão ou limitação, permanente ou temporária, total ou parcial, da capacidade para o trabalho. Sob esta regulamentação é relevante expor um dos aspectos principais colocados por Saad (1993, p. 53) no que tange ao campo de aplicação da referida norma: 2. Campo de aplicação: Os beneficiários da lei de acidente do trabalho continuaram a ser apenas os empregados, porém, o campo das atividades abrangidas era significativamente, maior: indústria, comércio, agricultura, pecuária e domésticos. Quanto à agricultura, não exigia como no Dec. Leg. de 1919, que se tratasse de agricultura “motorizada” – Art. 3º. O Art. 64 estabelecia, contudo, algumas exclusões no que respeita a tutela acidentária. Contudo, ainda tivemos a Terceira Lei de acidentes do trabalho, qual seja o Decreto- Lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944, o qual trouxe o reconhecimento do tema de forma inovadora. Segundo o Art. 1º desta legislação considera-se acidente do trabalho: Art. 1º. [...] todo aquele que se verifique pelo exercício do trabalho, provocando, direta ou indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional, ou doença, que determine a morte, a perda total ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Além disto, esta foi a primeira norma a expor a possibilidade do concurso de indenização acidentária e de direito comum, em caso de dolo do empregador ou de seus prepostos, conforme expõe o Art. 31 do Decreto-Lei. Art. 31. O pagamento da indenização estabelecida pela presente lei exonera o empregador de qualquer outra indenização de direito comum, relativa ao mesmo acidente, a menos que este resulte de dolo seu ou de seus prepostos. 27 Segundo Souto (2003, p. 165), a referida Lei trouxe inúmeras inovações, vejamos: Estendeu os benefícios da Lei a servidores públicos, não sujeitos ao regime estatutário; o seguro era privado e obrigatório; suprimiu-se a distinção entre incapacidade total e parcial, porque a prática demonstrava a inexistência de incapacidade temporária parcial. Verificou-se, ainda, a dispensa de comunicação do acidente à autoridade policial, salvo em caso de morte, e concedia-se um prazo de 30 dias para o término do procedimento judicial. No ano de 1967 foi instituída a Lei nº 5.316, de 14 de setembro de 1967, a qual se deteve especificadamente na questão do seguro de acidentes do trabalho na Previdência Social, tendo como fundamento jurídico a “Teoria do risco profissional, ampliada pela chamada teoria do risco de autoridade e do risco social” (SAAD, 1993, p. 99). A Sexta Lei a tratar do respectivo assunto, foi a Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, a qual “incluiu entre os segurados os trabalhadores urbanos, os temporários, os avulsos e os presidiários que exercessem atividade remunerada, tendo sido excluídos os trabalhadores autônomos e os domésticos que, desta forma, não gozavam de proteção acidentária” (NOLASCO, 2012). Por fim, em 24 de julho do ano de 1991, instituiu-se a Lei nº 8.213, que dispôs sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, além de definir os conceitos de acidente de trabalho, instituindo benefícios aos trabalhadores que por ventura sejam vítimas do acidente no âmbito laboral. Perante toda esta trajetória do acidente de trabalho, diante do ordenamento jurídico brasileiro, temos que o acidente inicialmente está ligado a ideia de um acontecimento inesperado e visivelmente indesejável, que é capaz de causar danos pessoais, materiais, bem como financeiros. Outrossim, do ponto de vista legal, conforme dispõe o Art. 19, da Lei nº 8.213/1991, temos o seguinte conceito. Art. 19. Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho e serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do Art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Diante do conceito de acidente de trabalho exposto pelo Art. 19, da Lei nº 8.213, de 1991, “depreende-se que os empregados domésticos, bem como os segurados individuais ou 28 facultativos, não fazem jus aos benefícios previdenciários decorrentes do acidente de trabalho, que ficam adstritos aos segurados empregados, empregados avulsos e segurados especiais” (NOLASCO, 2012). Desta forma, é relevante mencionar o Art. 11, inciso VII, o qual é mencionado no Art. 19, transcrito anteriormente, que prevê: Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: [...] VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: 1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; 2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do Art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo [...]. No que tange à conceituação de acidente de trabalho Lago Júnior (2001, p. 54-55) estabelece: Acidente de trabalho é aquele acontecimento mórbido, relacionado diretamente com o trabalho, capaz de determinar a morte do obreiro ou a perda total ou parcial, seja por um determinado período de tempo, seja definitiva, da capacidade para o trabalho. Integram, pois, o conceito jurídico de acidente de trabalho: a) a perda ou redução da capacidade laborativa; b) o fato lesivo à saúde, seja física ou mental do trabalhador; c) o nexo etiológico entre o trabalho desenvolvido e o acidente, e entre este último e a perda ou redução da capacidade laborativa. Segundo Coleta (1991, p. 21): Um acidente é um evento inesperado e indesejável que surge diretamente da situação de trabalho, isto é, de um equipamento defeituoso ou de um desempenho inadequado de uma pessoa. Isto pode ou não causar danos pessoais e danificar o equipamento ou propriedade. Acidentes, entretanto, sempre interrompem a rotina normal de trabalho e estão associados com um aumento no atraso de tempo ou erro. [...] Convém lembrar aqui que existem diferenças muitoacentuadas entre diferentes empresas na definição do que seja um acidente de trabalho: algumas consideram todas as ocorrências imprevistas, que causam algumas interrupções do funcionamento normal do sistema de trabalho, outras somente os casos em que http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm#art2xii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm#art2xii 29 ocorre algum tipo de lesão e outras ainda somente os casos em que a lesão comporta alguma gravidade e o operário é obrigado a ser afastado temporariamente do serviço. No que tange à equiparação aos acidentes de trabalho, estabelece o Art. 21, da Lei nº 8.213/91, que: Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho [...]; III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão de obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. Os acidentes de trabalho podem ser classificados de diferentes modos como: Acidentes típicos, ou seja, aqueles que ocorrem durante o desempenho da função, considerados os maiores responsáveis pelo índice de acidentes, como exemplo, a não utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs). Acidentes de trajeto, ou seja, aqueles em que o acidente ocorre no trajeto de ida e de volta entre a casa e o trabalho ou do trabalho para a casa. Além destes, pode-se mencionar também as doenças ocupacionais, quais sejam, a doença profissional, aquela provocada pelo tipo de trabalho; e a doença do trabalho, que são as doenças provocadas pelas condições a que o trabalhador é submetido na execução de seu trabalho, conforme disciplina o Art. 20, da Lei nº 8.213/91. Art. 20. Considera-se acidente de trabalho [...], as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. 30 Contudo, com base no que fora exposto anteriormente, bem como da crescente competitividade entre as empresas, do avanço tecnológico existente atualmente e da geração de um maior número de trabalhos, possibilitou-se que parte dos empregadores abra mão de seu tempo livre, a fim de conseguir posteriormente alcançar suas metas/ambições. Tudo isso, devido ao fato de que a sociedade se tornou muito mais capitalista ao longo do tempo, passando a priorizar muito mais o lucro monetário do que o próprio bem-estar. Diante de toda esta busca desenfreada frente às relações de trabalho, muitos dos empregadores com o intuito de alcançar o que almejam ou até mesmo conseguir chegar onde se quer, esquecem de observar o que está previsto nas normas, agindo em alguns momentos de forma dolosa e/ou culposa, das quais consequentemente resultam e originam-se uma série de problemas, exemplo disso é o caso do incontrolável e absurdo número de acidentes de trabalho, deste modo é relevante a colocação de Coleta (1991, p. 17): Os diversos segmentos da sociedade envolvidos com o problema dos acidentes de trabalho – trabalhadores, empresários, membros do governo, técnicos em segurança – por uma razão ou outra explicam a ocorrência desses eventos como causados por características negativas dos próprios trabalhadores (como descuido, desatenção, brincadeira, despreparo, incapacidade), como decorrência do ambiente perigoso e hostil a que estão submetidos (como máquinas velhas e perigosas, falta de manutenção, trabalho pesado e insalubre), como um subproduto da interação homem-máquina, como algo inevitável associado ao destino e azar de cada um, ou, por último, como decorrência natural da maneira de viver do povo brasileiro, do jeito brasileiro de viver, enfim da cultura de nosso povo que não valoriza a prevenção, o cuidado, a segurança e a pessoa humana envolvida no trabalho (Grifo nosso). O acidente de trabalho é composto de inúmeras causas, das quais não se tem a devida prevenção. Desta forma, temos que as causas podem ser imediatas, entendida como “os atos ou as condições inseguras a que são submetidos o trabalhador” (NOLASCO, 2012) ou mediatas, as quais resultam do crescimento tecnológico, além do elevado crescimento da produção. Além desta questão é pertinente expor que o acidente dificilmente terá uma única causa, sendo possível até mesmo a não identificação das mesmas como, por exemplo, a falha humana, que muitas vezes não se consegue identificar, mas que facilmente precipitam os acidentes. 31 Dentre as causas pode-se destacar alguns atos no ambiente laboral que visivelmente apresentam condições inseguras ao trabalhador durante a execução de suas atividades, como é o caso da falta de proteção em máquinas e equipamentos, instalações elétricas inadequadas ou defeituosas, não fazer uso dos EPIs, as condições inadequadas com relação aos aspectos da ergonomia, entre outras situações. Neste sentido, Coleta (1991, p. 17) complementa que: As atividades preconizadas para a prevenção do infortúnio no trabalho envolvem, por um lado, modificações no ambiente laboral (concepção e manutenção de máquinas, projetos ambientais, equipamentos de proteção individual e coletiva), mudanças nas pessoas dos trabalhadores [...], otimização dos sistemas homens- máquinas e dos sistemas sócio-técnicos envolvendo o trabalhador, melhoria da qualidade de vida no trabalho com eliminação dos focos de agressão ao trabalhador, dos pontos insalubres, com a melhoria do ambiente físico, social e organizacional visando a maior satisfação pessoal do trabalhador e melhor saúde laboral. Ademais, o acidente de trabalho além de suas causas traz consigo uma série de consequências, tanto ao trabalhador, o mais afetado em grande parte das vezes e seus familiares, quanto para a empresa e seu respectivo empregador, o que vem a gerar de alguma forma prejuízo e sofrimento a todos os envolvidos. [...] uma ocorrência de acidente do trabalho gera diversas consequências, e muitas vezes extremamente traumáticas ao trabalhador, vezes estas que ocasionam na maior parte das vezes mutilações, invalidez parcial ou permanente, entre outros danos, que nem sempre se limitam ao corpo físico do trabalhador, afetando na maioria das vezes também, sua integridade psicológica e em outras vezes chegando até a acarretar a morte do trabalhador repercutindo também em seus familiares, além dos prejuízos para a sociedade de modo geral, bem como para os cofres públicos. Já que em regra todos perdem (alguns mais outros menos) com os acidentes de trabalho, já que de alguma forma todos acabam sofrendo algum tipo de prejuízo, é no mínimo plausível de se concluir que investir em prevencionismoproporciona incalculáveis benefícios ao trabalhador e, principalmente, ao empregador, com retorno financeiro, por exemplo, decorrente da diminuição de gastos com verbas indenizatórias concedidas juridicamente ao trabalhador acidentado, melhoria na qualidade do meio ambiente de trabalho [...]. O que nem sempre é facilmente perceptível aos olhos de alguns empresários de visão capitalista (MALERBA, 2015). Isto posto temos que, quando um acidente de trabalho ocorre, sendo ele grave ou não, se deve analisá-lo de forma completa e profunda, levantando-se dados tais como, os principais fatos danosos, as condições laborais, entre outros. Além de uma fiscalização mais eficiente, a fim de agir eficazmente para evitar a sua possível repetição, bem como instituir a conscientização de programas que visam a prevenção do respectivo problema. 32 2.2 A responsabilidade civil no ordenamento jurídico O instituto da responsabilidade civil ao longo do tempo passou por uma extensa evolução histórica. Em um primeiro momento a responsabilidade civil perante a civilização humana esteve interligada à ideia de vingança coletiva, ou seja, “que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes” (DINIZ, 2003, p. 9). Mais tarde a vingança coletiva passou a ser privada, ou seja, mantinha ligação com a ideia de reação individual, em que os homens faziam justiça com as próprias mãos. A referida ideia integrou a Lei do Talião, conhecida por todos como “olho por olho, dente por dente”, que visava a reparação do mal, através do próprio mal, de forma individualizada. No entanto, com o intuito de exclui-la, o Poder Público se deportou a Lei das XII Tábuas, na qual se “fixou o valor da pena a ser paga pelo ofensor ao ofendido, porém com muitos resquícios de vingança” (SILVA, 2012). Após este período, visando à reparação do dano, houve o surgimento do instituto da composição. Momento em que a vítima passou a obter vantagens oriundas da violência por esta sofrida ou cometida. Foi através deste período que o autor das ofensas passou a reparar os danos por ele cometidos. Todavia, esta reparação poderia ser uma importância em dinheiro, ou algum bem que viesse a enquadrar-se no valor por ele devido. No entanto, a maior mudança ocorrida neste período foi com a Lex Aquilia, a qual segundo Pereira (2002, p. 4), “Abre, em verdade, novos horizontes a responsabilidade civil, posto não haja enunciado um princípio geral. Seu maior valor consiste em substituir as multas fixadas por uma pena proporcional ao dano causado”. Segundo Diniz (2003, p. 10): A Lex Aquilia de Damno veio cristalizar a ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse o ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade, se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. [...] 33 Todavia, mais tarde, as sanções dessa lei foram aplicadas aos danos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa. O Estado passou, então, a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando a vingança. Com o advento da Revolução Industrial, a responsabilidade civil abrangeu também a ideia de culpa e dano, as quais passaram a ser consideradas como fundamentos essenciais para a aplicação da responsabilidade civil ao infrator, ou seja, estas ideias deveriam estar presentes a fim de justificar o porquê alguém deveria ser obrigado a reparar o dano causado a outrem. O Código Civil de 1916 também estabeleceu a questão da responsabilidade civil, no entanto, subjetiva, baseando-se especificadamente na investigação da culpa. Por sua vez, o Código Civil de 2002 consagrou a ideia da responsabilidade civil objetiva. Nos tempos atuais, a responsabilidade civil é de grande importância, visto que é através desta que perpetua a ideia de segurança e garantia de que a vítima será reparada e restituída do dano causado. Segundo Diniz (2003, p. 6-7): A responsabilidade civil cinge-se, portanto, a reparação do dano causado a outrem, desfazendo tanto quanto possível seus efeitos, restituindo o prejudicado ao status quo ante. A responsabilidade civil constitui uma relação obrigacional que tem por objeto a prestação de ressarcimento. Tal obrigação de ressarcir o prejuízo causado pode originar-se: a) da inexecução de contrato; e b) da lesão de direito subjetivo, sem que preexista entre lesado e lesante qualquer relação jurídica que a possibilite. [...] Visa, portanto, garantir o direito do lesado a segurança, mediante pleno ressarcimento dos danos que sofreu, reestabelecendo-se na medida do possível o status quo ante. Já para Rodrigues (2001, p. 8): Responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependem, e ainda, a indenização não se mede pela gravidade da culpa, mas pela extensão do dano. Para que a responsabilidade civil seja configurada é necessário que apresente alguns requisitos imprescindíveis, tais como: a) conduta omissiva (quando a lei estabelece determinado comportamento, a fim de evitar que determinados danos venham a se produzir) 34 ou comissiva (quando não se observa a existência de normas proibitivas, ou seja, quando a agente age sem observar o que está previsto na lei maior); b) a culpa (momento em que se verifica o dolo, a falta de cuidado, bem como a negligência, a imprudência e a imperícia); c) a existência de dano (pois sem a ocorrência de dano não tens o que ser reparado); e, por fim, d) o nexo causal (que representa a relação causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o resultado que por este veio a ser produzido). Com relação ao dano este pode ser patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral). No que corresponde ao dano patrimonial, Cavalieri Filho (2012, p. 77-78) estabelece que: “O dano patrimonial, como o próprio nome diz, também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente”. Já o dano extrapatrimonial conhecido como moral é aquele dano que não afeta o patrimônio, mas que representa a “dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação – enfim dor na alma” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 88). Em se tratando de acidente de trabalho, para que este venha a ser caracterizado e para que posteriormente sejam aplicadas as devidas penalidades e reparações é imprescindível a existência de nexos de causalidade, os quais também configuram a questão da responsabilidade civil, ou seja, deve-se observar se o acidente teve origem no ambiente laboral, se foi durante o percurso de ida e de volta da casa para o trabalho ou vice-versa, se ocasionou alguma lesão corporal, perturbação funcional, doença que gerou a morte, se houve perda da capacidade, dentre outras questões pertinentes. Conforme já dito anteriormente, a culpa também é considerada como um dos pressupostos indispensáveis para a aplicação da responsabilidade civil. Deste modo, é de grande valia o reconhecimento da responsabilidade civil subjetiva, quanto da objetiva, as quais atualmente são estabelecidas e previstas no ordenamento jurídico brasileiro. No que toca à responsabilidade civil subjetiva temos que esta baseia-se na culpa do agente, a qual deve ser comprovada para posteriormente ser motivo de indenização. Deste modo, ao analisar esta modalidade de responsabilidade civil sob a ótica dos casos de acidente 35 de trabalho, torna-se relevante o que prevê o Art. 7º, inciso XXVIII,da Constituição Federal de 1988: Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXVIII – Seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. [...] Quanto à responsabilidade objetiva esta não exige a prova da culpa para fins de reparação do dano, conforme estabelece o Art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, ficará obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Neste sentido, complementa Dallegave Neto (2007, p. 197): Após verificar-se que a teoria subjetiva não era capaz de responder a todos os casos de reparação, especialmente pela dificuldade de comprovação judicial da culpa por parte da vítima, a doutrina passa a admitir casos de presunção juris tantum de culpa do inadimplente, como é o caso da responsabilidade contratual em relação as obrigações de resultado. Num outro momento, não só a doutrina e a jurisprudência como também o legislador passaram a admitir situações de responsabilidade civil independentemente de culpa. Nascia, pois, a teoria objetiva (Grifo nosso). A responsabilidade civil objetiva está atrelada a teoria do risco, a qual não se baseia na culpa, mas sim na comprovação de existência do nexo de causalidade entre o dano que foi gerado e o agente que o praticou. Neste sentido, surge o dever de indenizar, ou seja, quem der origem ao risco, consequentemente deverá arcar com suas responsabilidades, sendo assim, passará a responder pelos danos causados, independentemente se estão presentes os pressupostos do dolo ou da culpa. Exemplo disto é o caso em que o empregador, ora autor do dano, responde pelos danos causados a outrem, como exemplo, o trabalhador. 36 2.3 A responsabilidade civil do empregador O empregador frente às relações de trabalho e diante do trabalhador possui certas responsabilidades. As quais quando não observadas ou não seguidas do modo como estão previstas acarretam uma série de consequências, tanto ao empregador, à empresa, como também ao trabalhador, gerando gastos e prejuízos que podem demandar tempo para que sejam estabilizados como, por exemplo, os casos de acidente de trabalho. Neste sentido, a fim de evitar que possíveis prejuízos venham a ocorrer é que o empregador deve se deter às questões de prevenção e proteção ao trabalhador, frente ao ambiente de trabalho, no qual este presta seu serviço. Porém, para que possa adentrar especificamente nestas questões torna-se fundamental que primeiramente o empregador conheça as exigências legais pertinentes e existentes, a fim de oferecer à sua equipe toda a proteção adequada para a execução do serviço, com o intuito de evitar a ocorrência de danos ao trabalhador. A esse respeito é oportuno a colocação feita por Coleta (1991, p. 131): A prevenção de acidentes do trabalho deve constituir-se em amplo programa que envolva os mais diversos setores da organização, das entidades dos trabalhadores e dos órgãos do governo, para através de conjunto abrangente de diferentes atividades, garantir melhores condições de trabalho, níveis máximos de preparação profissional do trabalhador e clima de trabalho favorável para que a segurança do trabalho venha a ser realmente uma prioridade dentro da filosofia geral da empresa. Dentro desta ótica Martins (2002, p. 421) afirma que: Cabe à empresa também cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; instruir seus empregados, por meio de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais; adotar medidas que lhe sejam determinadas pelo Ministério do Trabalho, por meio do órgão regional competente; facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente (Art. 157 da CLT). Deste modo, é importante que os empregadores não só ofereçam produtos de segurança aos seus trabalhadores, por exemplo, os EPIs, como também proporcionem ao trabalhador o devido treinamento, no que tange ao uso do equipamento, como também no sentido do exercício seguro da atividade por ele realizada. Além da fiscalização, a qual tem 37 como intuito averiguar se estão sendo cumpridas as exigências colocadas pela empresa e pelas respectivas normas, a fim de proporcionar a eliminação de possíveis riscos no ambiente de trabalho. Além disso, é importante que o trabalhador tenha ciência e informações pertinentes no que tange a cuidados e possíveis riscos que possam vir a ocorrer frente à atividade por ele desenvolvida em seu dia a dia. Com relação aos EPIs estabelece o Art. 166 da CLT que: Art. 166. A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidente e danos à saúde dos empregados. Com relação à questão de prevenção no ambiente laboral, Zocchio (2000, p. 13) considera que: A política prevencionista deve fazer parte do conjunto de políticas de uma empresa. Ela trata de algo indispensável ao pleno êxito das demais atividades – a segurança e a saúde dos trabalhadores, fatores de inegável valor para a qualidade de vida dos empregados e produtividade da empresa. A política prevencionista é, como outras, um documento normativo que estabelece a linha de conduta a ser observada por pessoas e setores da empresa, nos assuntos a que se refere no que couber a cada um. Estão incluídos nesta definição de conduta o Serviço Especializado de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT, como órgão da empresa, e a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, como comissão legalmente constituída. Deve-se considerar que todas as medidas de prevenção de possíveis acidentes de trabalho sejam devidamente adotadas e aplicadas pelos empregadores no ambiente de trabalho, a fim de proporcionar ao trabalhador meios adequados frente às atividades por ele desenvolvidas, bem como a eliminação de condições inseguras no ambiente de trabalho. Além disso, temos que, conforme estabelece Souto (2003, p. 71): É direito do trabalhador a redução dos riscos do trabalho para preservação da saúde e da vida. Assim sendo, impõem-se ao empregador a obrigação de implementar as medidas estabelecidas em normas sobre segurança, saúde e higiene no trabalho. Entretanto, quando não observados os agentes causadores dos riscos existentes no ambiente laboral, tais como, físicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes, os quais 38 consequentemente geram o desgaste do trabalhador, temos que a segurança oriunda das medidas de prevenção, as quais são responsabilidade dos empregadores falhou, o que vem a gerar uma série de futuros problemas para a empresa, como também ao trabalhador vítima da falta de atuação de seus empregadores. No que tange aos fatores de risco, Saliba (2004, p. 19) destaca que: Dentre os fatores de risco que provocam os acidentes de trabalho, destacam-se: eletricidade, máquinas e equipamentos, incêndios, armazenamento e transporte de materiais, manuseio de produtos perigosos, ferramentas manuais, entre outros. Cabe lembrar que quando os empregadores atuam visando a prevenção no ambiente laboral e, neste sentido, atuando em prol da eliminação dos riscos existentes restam com vantagens, pois a correta minimização de riscos diminui a possibilidade de acidentes que podem gerar a interrupção das atividades,
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