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- 1 - Dez Dias de Maio em 1888 Cristovam Buarque Brasília, 13 de maio de 2008 - 100 - Edição: Christiana Ervilha - 2 - - 99 - MOÇÃO DO CONGRESSO, DO DIA 10-12-1890, MAS PUBLICADA NA SESSÃO DE 20 de DEZEMBRO “O Congresso Nacional congratula-se com o governo Provisorio por ter mandado fazer eliminar dos archivos nacionaes os ultimos vestigios da escravidão no Brazil. Em 10 de dezembro de 1890. Barão de S. Marcos – General Almeida Barreto – Matta Bacellar – Annibal Falcão – Luiz Delfino – Urbano Marcondes – Fonseca Hermes – Domingos Rocha – D. Manhães Barreto – João Lopes – José Avelino – Barbosa Lima – Uchôa Rodrigues – Serzedello Corrêa – Oliveira Pinto – João de Siqueira – Espírito Santo Pereira de Lyra – J. Ouriques – Jesuino de Albuquerque – Pedro Velho – José Bernardo – Epitácio Pessoa – Prisco Paraíso – Theodureto Souto – Dr. Ferreira Cantão – Paes de Carvalho – Frederico Borges – Costa Rodriques – L. Mullir – Tolentino de Carvalho – A. Milton – Santos Pires – Marciano de Magalhães – B. Mendonça – Augusto de Freitas – Rosa Junior – M. Valladão – A. Stockler – Amorim Garcia – José Bevilaqua – Paula Guimarães – Dionysio Cerqueira – Francisco Argollo – A. Ornellas – Conde de Figueiredo – José Simeão de Oliveira – Frederico Guilherme de Souza Serrano – Virgilio C. Damásio - Juvêncio de Aguiar – A. Azeredo – Joaquim Moutinho – Lauro Sodré – Victorino Monteiro – Índio do Brazil – Lopes Trovão – Carlos Campos – Athayde Junior – Moniz Freire – Gil Goulart – J. Retumba – Menna Barreto – Marcolino Moura – S. L Medrado – Artur Rios – J. J Seabra – Custodio José de Mello – Belfort Vieira – A. Moreira da Silva – F. Mayrink – Coronel Pires Ferreira – Antonio Justiniano Esteves Junior – Raulino Horn – Raymundo de Andrade – José Mariano – Belarmino Carneiro – Pedro Américo – Almeida Pernambuco – Luiz de Andrade – Zama – André Cavalcante – João Barbalho – J. Meira de Vasconcellos” Eliminaram dos arquivos, mas não eliminaram das ruas, nem da realidade. Olhem ao redor e verão todos os sinais da escravidão: uma desigualdade que aumentou, uma liberdade para sobreviver no abandono, um círculo vicioso que mantém os filhos na mesma vida dos pais, sobretudo um discurso político muito parecido com aquele de 180 anos atrás. Até quando vamos esperar para completar a abolição? - 3 - Apresentação Foi com alegria que recebi o convite do senador Cristovam Buarque para escrever algumas palavras sobre a sua mais nova obra “Dez dias de maio em 1888”. O livro faz um resgate de documentos da época em que o Parlamento brasileiro debateu e votou a Lei Áurea. Fiquei impressionado ao saber que vários nomes de senadores, deputados, escravocratas, gente da sociedade e, até mesmo seus discursos, artigos e opiniões, praticamente desapareceram, a não ser em raras exceções. A maioria dos textos e documentos da época foram incinerados como se isso pudesse diminuir a dor e o sofrimento de um povo e de uma negra nação que foi seqüestrada no seu torrão natal e marcada a ferro e fogo. Considero o senador Cristovam o grande timoneiro da educação em nosso país, um verdadeiro abolicionista. Com sua marca de mestre ele demonstra nesta obra que os direitos humanos, a liberdade e a igualdade de oportunidades são o esteio de todos os países que perseguem a justiça social e o desenvolvimento sustentável. Creio que todos nós, homens e mulheres, negros, brancos e índios carregamos essa chama que deve iluminar a humanidade: a luz eterna da liberdade, da fraternidade e da solidariedade. A publicação dessa obra, na data em que completamos 120 anos da Abolição não conclusa, é essencial para todos aqueles, jovens ou não, que querem entender a construção do nosso país e, fundamentalmente compreender melhor o porquê de ações afirmativas e do Estatuto da Igualdade Racial. Senador Paulo Paim - 98 - Segundo consta na página 339 das Obras Completas de Rui Barbosa*: “Base juridica não havia, mas existia o problema latente. A ameaça da indemnização sem duvida o atormentava, não obstante a ausencia de fundamento para tanto, a ausencia de suporte juridico, mas isso não bastava, sabendo-se que no Brasil até mesmo a posição do alfabeto se controverte, e, por vezes, vence o sofisma.” Circular nº 29, do Ministerio dos Negocios da Fazenda. – Rio de Janeiro, 13 de maio de 1891. Convido, para cumprimento das instrucções expedidas por este ministerio em 14 de dezembro de 1890, que fiquem extinctos todos os livros e papeis referentes ao elemento servil, recommendo aos srs. Inspectores das thesourarias da Fazenda que providenciem, com toda a urgencia, para que sejam incinerados sem demora os livros de lançamento e as declarações feitas para a cobrança da taxa de escravos, e os mandados devolvidos ao juizo que os houver expedido, ex-vi do art. 5o da lei no 3396 de 24 de novembro de 1888; desapparecendo por este modo os últimos documentos que attestam a ex-propriedade servil. A incineração será feita em presença da Junta da Fazenda, e disto se lavrará uma acta minuciosa, da qual se remeterá copia a este ministerio. E, para que a falta de taes livros não affecte á responsabilidae dos exactores, cujos contas ainda não tenham sido tomadas, quanto á arrecadação daquelle imposto, deverá a verificação dessa resposabilidade ser feita pela confrontação da importancia das certidões ex-trahidas dos talões, com as partidas do livro da receita. – T. de Alencar Araripe. Em 20 de dezembro de 1890, foi publicada uma moção do Congresso, apoiando o Decreto que determinava a queima de todos os papéis em arquivo sobre a posse dos escravos. *Obras Completas de Rui Barbosa - Atos Legislativos, Decisões Ministeriais e Circulares, com Prefácio e Notas de José Gomes Bezerra Câmara, organizadas pela Fundação Casa de Rui Barbosa. - 4 - Aos taquígrafos, bibliotecários, secretários e servidores do Senado e da Câmara dos Deputados, sem os quais esses discursos não teriam sido guardados, desde 1888. Esperando que as falas de hoje sejam lembradas daqui a 120 anos, quando a história de nossas lutas e missões for resgatada. Brasília, 13 de maio de 2008. - 97 - Art. 5º Ficam desde já remittidas todas as dividas provenientes dos impostos, a que era sujeita a propriedade servil. Aos que tiverem pago a taxa de escravos correspondentes ao exercicio corrente restituida metade da respectiva importancia. Art. 6º O governo expedirá o regulamento necessario para a execução desta lei, podendo impor a pena de commissão aos que dentro do prazo de dous annos não provarem o seu direito á indemnização. Art. 7º Ficam revogadas as disposições em contrario. Paço do Senado em 19 de junho de 1888. Barão de Cotegipe. Foi para evitar que, em nome do direito adquirido, os ex-proprietários entrassem em juízo pedindo indenização que o regime republicano, em 14 de dezembro de 1890, determinou a incineração de todos os “livros e papéis referentes ao elemento servil”. O documento está assinado por T. de Alencar Araripe, e não por Rui Barbosa, que parece ter sido o autor da decisão. Aqui, a disputa não foi entre a ética e a política, como ao longo de todo período da escravidão, mas entre a política e a história. Esta foi sacrificada, como meio de reduzir o poder dos escravocratas e seus descendentes. Estivessem aqueles papéis guardados, o conceito de direito adquirido certamente permitiria que herdeiros dos donos de escravo encontrassem algum juiz que lhes desse ganho de causa, aplicasse juros e correção monetária e cobrasse do governo a desapropriação feita em 13 de maio de 1888. Algum juiz provavelmente daria direito a um dono de escravo e seus descendentes, mesmo que em nenhum momento tenha havido uma lei autorizando a escravidão. A lei foi necessária para abolir, nunca para escravizar. Os ricos se beneficiam dos hábitos sociais, mas para mudá-los, são necessárias leis. Em 13 de Maio de 1888 foi aprovada uma lei, depois de décadas de batalha política, para eliminar a escravidão que não se baseava em lei alguma. - 5 - Introdução A escravidão é um fenômeno social muito antigo. A propriedadede seres humanos aparece quase simultaneamente com o próprio conceito da propriedade. Por um grande período da história da humanidade, era uma instituição aceita mesmo por sociedades humanistas e progressistas. Os gregos e os romanos mantiveram a escravidão, enquanto implantavam suas repúblicas democráticas. A "República" de Platão, do século VI a.C., previa com naturalidade a escravidão, dentro dos sonhos por uma sociedade justa. Na "Utopia" de Sir Thomas More, que difundia o sonho da igualdade e do funcionamento de uma sociedade perfeita, a escravidão era um instrumento normal. A Europa atravessou todo o Renascimento convivendo com formas de escravidão em seus territórios e suas colônias. No exemplo de democracia que foi a república norte-americana, o grande sonho libertário da modernidade, antes mesmo da Revolução Francesa, a escravidão foi mantida por quase 100 anos. E para eliminar essa barbaridade, foi preciso uma trágica Guerra Civil, com a morte de 970 mil pessoas para libertar os 3 milhões de escravos. O Brasil nasceu com a escravidão. O Reino de Portugal combinou simultaneamente o solo do novo território na América e a mão-de-obra vinda da África para produzir o açúcar, o ouro, o café que os ricos europeus consumiam. Logo nos primeiros encontros com os indígenas, os portugueses começaram a escravizá-los. Foi uma escravidão diferente da antiga. Antes, os escravos eram parte da família, do exército, da pequena produção, conviviam com as pessoas livres e seus donos. Na América, eles foram desumanizados. Transformados em coisa. O escravo doméstico, serviçal familiar do passado, foi transformado em massa, e tinha a vida degradada a ponto de ser confundido com uma ferramenta de produção. Por isso, a escravidão tornou-se, ao mesmo tempo, mais abjeta e mais necessária. Ao longo de quase quatro séculos a escravidão foi aceita plenamente pela Igreja, pelos dirigentes, pelos intelectuais. A única exceção eram os - 96 - § 1º Ao pagamento dos juros e amortização acima decretados serão applicados as seguintes rendas: 1º O producto integral da taxa de 5% addicionaes aos impostos geraes, a que se refere o art. 2º, no II, da mencionada lei no 3.270, excluídos os relativos á propriedade servil; 2º O do sello dos bilhetes de loteria e o dos cheques ou mandados ao portador, comprehendidos no § 5º, no I, da tabella B do regulamento no 5.946 de 19 de maio de 1883. § 2º Para occorrer ao serviço do pagamentos dos juros e amortização correspondentes ao anno de 1889, bem como ás despezas da impressão e emissão das apolices, o governo lançará mão do saldo que no fim do corrente exercicio se verificar existir na conta dos depositos provenientes do fundo de emancipação e dos 2/3 da taxa dos referidos 5% addicionaes, que se destinava á libertação de escravos, na fórma do art. 2º, § 3º, da citada lei de 1885, passando os remanescentes para a conta da indenização de que trata esta lei. Art. 3º Os recursos votados no § 1º do artigo precedente terão applicação especial ao fim desta lei. Á proporção que se realizarem saldos, o governo os empregará na amortização de maior somma das apolices emittidas. Paragrapho único. Si, ao contrario, o producto desses recursos tornar-se insufficiente para o serviço a que é destinado, o governo poderá supprir o deficit com bilhetes do Thesouro até obter do Poder Legislativo os fundos indispensaveis. Art. 4º Si na execução do disposto no art. 1º verificar-se que o direito creditorio dos ex-proprietarios de escravos excede da somma de 200.000:000$, alli fixada, o governo solicitará da Assembléa Geral autorização para realizar a indemnização do que restar pelos meios que forem então decretados. - 6 - próprios escravos, que lutavam, como o grande Zumbi, e formavam quilombos. A parcela livre ignorou totalmente a existência da escravidão. É vergonhoso como 400 anos de história se passaram ante a insensibilidade das classes dirigentes, dos brancos pobres, dos estudantes das faculdades criadas no século XIX, dos padres, dos escritores. Só no século XIX, e muito lentamente, começaram a surgir pequenos movimentos pela redução da barbaridade dentro da escravidão, mas ainda não pela Abolição. Eram movimentos limitados a diminuir castigos corporais, a evitar a venda de crianças separadas de suas mães. A verdadeira luta pela Abolição começou devagar e veio de fora. O primeiro ato de combate à escravidão - a Proibição do Tráfico - não surgiu dentro do Brasil. Foi o resultado de pressão da Inglaterra, que forçou a aprovação da lei de 1831. Mesmo assim, foi uma "lei para inglês ver" *. O trafico só parou quando, anos depois, a Marinha Britânica passou a interceptar os navios negreiros e a libertar os escravos. Fomos forçados pelos ingleses a pôr fim ao crime hediondo de arrastar africanos através do Atlântico e sujeitá-los ao rigor da escravidão, por toda a vida e - inacreditável - de seus descendentes também. Até então, os cursos superiores, a Igreja, a quase totalidade dos parlamentares do Império ignoravam a escravidão como problema. Ela era parte do sistema social brasileiro, um instituto normal, como são hoje a pobreza, a desigualdade, o abandono dos serviços sociais para os pobres, o desprezo pela educação pública. Como na literatura de hoje, que raramente tem personagens vindos do grupo social dos excluídos, os escravos eram invisíveis aos olhos da elite social. Machado de Assis, que era mulato e tão bem descreveu a vida social brasileira, nunca fez qualquer manifestação qualificada sobre a escravidão. Em seus romances e contos, os escravos eram como mobílias. Não tivemos nenhum romance como "A Cabana do Pai Tomás", nem enaltecemos heróis escravos, como o romano Spartacus, ou Zumbi dos Palmares. * A expressão “para inglês ver” surgiu da hipocrisia com que os brancos brasileiros, ricos ou pobres, se submeteram à pressão inglesa, decididos a não cumprir a lei que proibia a importação de escravos africanos. Uma postura que caracterizaria a alma do brasileiro: submissão aos acordos impostos pelo exterior, maldade com os excluídos e hipocrisia ante a maldade e os acordos. - 95 - indemnizado do seu valor poderá o cidadão ser privado do uso e emprego (§ 22 do citado artigo); Considerando que a lei no 3.533 de 13 de Maio deste anno, decretando a extincção da escravidão, não providenciou sobre a indemnização dos respectivos proprietarios em consequencia da urgencia com que foi votada; Considerando que o silencio da lei póde ser interpretado como revogação das leis e da Constituição – que garantem a indemnização da propriedade: A Assembléa Geral Legislativa decreta: Art. 1º O governo emittirá apolices da divida publica na importancia de 200.000:000$00 para indemnização dos ex-proprietarios dos escravos existentes até ao dia 12 de Maio do corrente anno. § 1º Os ditos titulos serão do valor nominal de 1:000$, 500$ e 200$; vencerão o juro annual de 3%, pago em semestres vencidos; poderão ser transferidos do mesmo modo por que o são as demais apolices geraes, e serão amortizadas, na razão de 1% do capital da emissão, no fim de cada anno civil, por sorteio, quando estiverem ao par ou acima delle, ou por compra no mercado, no caso contrario. § 2º A indemnização será feita pelos valores dados aos escravos no art. 1º, § 3º, da lei no 3.270 de 28 de setembro de 1855, com a deducção que lhes couber, nos termos do § 1º do art. 3º, correspondente ao tempo decorrido desde a data da mesma lei até áquele dia. Aos ex-proprietarios dar-se-ão tantas apolices quantas representarem o valor da indemnização a que mostrarem ter direito. Á vista das provas que o governo exigir; sendo pagas o dinheiro as fracções inferiores a 200$000. Art. 2º A emissão será feita á medida que se for liquidando o direito de cada credor, mas o juro será contado para todos desde o dia 1º de Janeiro do futuro anno de 1889, e a primeira amortização se effectuará em Julho do mesmo anno. - 7 - Foi a partir da segunda metade do século XIX que alguns começaram a falar do assunto e a criar núcleos abolicionistas, paralutar por uma lei simples, que emancipasse todos os escravos, sem pagamento indenizatório aos seus donos. Nesse momento, começaram a surgir grupos, movimentos e ações isolados contra a escravidão, por meio da alforria, graças à compra de escravos individualmente, para libertá-los. Em Pernambuco, o Clube do Cupim escondia escravos fugidos. No Ceará, em 01 de janeiro de 1883, o fazendeiro Coronel Gil Ferreira Gomes libertou todos os seus escravos e conseguiu reunir os demais vizinhos a venderem os seus, com o compromisso de jamais voltarem a comprar mão-de-obra servil. Foi o primeiro a abolir a escravidão no Brasil. A luta continuou paulatinamente, com a Lei do Ventre Livre em 1871 e dos Sexagenários em 1885. As palavras abolicionismo e abolicionistas só surgem no Brasil em 1871, segundo consta no dicionário Houaiss. Só então, tardiamente, uma pequena parte da intelectualidade brasileira começou a falar em abolição, o puro e simples fim do sistema escravocrata. Ainda assim, eram palavras marginais, usadas por contestadores, jamais pelos donos do poder. Os poucos projetos de lei apresentados nesse sentido foram ignorados, arquivados ou rejeitados, como os projetos de lei dos deputados Pedro Pereira da Silva Guimarães, João Maurício Wanderley, Tavares Bastos, e pelos senadores Silveira da Mota e Visconde de Jequitinhonha. - 94 - Considerando que, em virtude da lei no 1.237 de 24 de Setembro de 1864, os escravos pertencentes ás propriedades agricolas – especificados nos contratos – eram objecto de hypotheca e de penhor; Considerando que sob a fé do legislador foram creados estabelecimentos de credito com a faculdade de emitir letras hypothecarias até o decuplo do capital realizado; Considerando que a mesma lei decretou uma indemnização pelos ingenuos, em serviços, até 21 annos, ou em titulo de divida publica equivalente a 600$, e creou um fundo de emancipação para resgate de escravos; Considerando que para execução de taes contratos foi entregue aos mutuarios moeda corrente ou foram emitidas letras hypothecarias, as quaes, pela dupla garantia que offereciam, eram facilmente aceitas, e constituiram as economias e renda de muitas familias; Considerando que o grande numero de contratos de hypothecas ruraes celebrados com particulares provém de emprestimos, adiantamentos para sustentação das fabricas, e augmento das culturas, ou para creação de novas; Considerando que a lei no 2.040 de 28 setembro de 1871, libertando os nascituros, manteve a propriedade sobre todos os escravos existentes; Considerando que a mesma lei decretou uma indemnização pelos ingenuos, em serviços, até 21 annos, ou em um titulo de divida publica equivalente a 600$, e creou um fundo de emancipação para resgate de escravos; Considerando que a lei no 3.270 de 28 de setembro de 1885 reconheceu igualmente o mesmo direito de propriedade, taxando o valor dos escravos segundo suas idades e sexos, e elevando por meio de novos impostos o fundo de emancipação, para desta fórma ainda mais apressar a extincção da escravidão, que se realizaria em poucos annos; Considerando que a nossa Constituição Politica (art. 179) garante a inviolabilidade da propriedade em toda a sua plenitude, e que só previamente - 8 - Dia 3 Há 120 anos, no dia 3 de maio de 1888, a princesa Isabel, que ocupava o trono como Regente, enquanto seu pai estava em viagem à Europa, leu o Discurso da Coroa, na abertura da 20ª Legislatura da Assembléia Geral. Estavam presentes quase todos os parlamentares, os Deputados eleitos e os 73 Senadores escolhidos pelo Imperador, com cargos vitalícios. É surpreendente como, 120 anos depois, a Fala do Trono, feita pela Princesa aborda problemas parecidos com os de hoje: os acordos e desacordos internacionais, a insegurança, o funcionamento imperfeito da justiça, a crise na saúde, a necessidade de saneamento e de reforma na educação, especialmente no ensino técnico. Mas a novidade foi à referência à escravidão. Pela primeira vez, a Coroa Imperial brasileira manifestou-se oficialmente sobre a necessidade de extinguir a escravidão no Brasil. Foi uma referência curta, mas fez imensa diferença. Finalmente, o Brasil assumia oficialmente a necessidade de enfrentar o problema do então chamado "elemento servil". Foram apenas três parágrafos do longo discurso, mas que finalmente fizeram o que parecia óbvio: eliminar a vergonha do trabalho escravo. Foi o passo decisivo para completar uma luta e reorientar o futuro do País. Ao final do seu discurso, as palavras da Princesa foram: "A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente de tal modo, que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiraveis exemplos de abnegação da parte dos proprietarios. Quando o proprio interesse privado vem espontaneamente collaborar para que o Brazil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido. Confio que não hesitareis em apagar do direito patrio a unica excepção que nelle figura em antagonismo com o espirito christão e liberal das nossas instituições. Mediante providencias que acautelem a ordem na transformação do trabalho, apressem pela immigração o povoamento do paiz, facilitem as comunicações, - 93 - Paragrapho unico. A este fundo reverterão as quantias depositadas em juizo, nas causas de liberdade, para indemnização dos senhores. Art. 5º A locação dos serviços industriaes ou domesticos regulada pelas Assembléas Legislativas, nas provincias, e na Côrte por posturas da Camara Municipal. Art. 6º Continuam em vigor as disposições das Leis de 28 de Setembro de 1871 e 1885 na parte em que não foram revogadas pela de 13 de Maio e não o são pela presente. S.R. – Sala das Sessões, 24 de Maio de 1888. A. Coelho Rodrigues.” Felizmente, para a honra da Câmara de Deputados, o projeto não foi julgado objeto de deliberação. Mas essa não foi a última tentativa de beneficiar os ex-senhores de escravos. Em 19/06/1888, o Barão de Cotegipe volta a apresentar outro projeto semelhante: Projecto “C”, de 1888, do Barão de Cotigipe (antecedido de fundamentação) autorizando “o Governo a emitir apolices da divida publica para indemnização dos ex-proprietarios de escravos” Autorisa o Governo a emitir apolices da divida publica para indenimnização dos ex-proprietarios de escravos. Considerando que a garantia do direito de propriedade é um dos deveres primordiaes, impostos a toda associação politica, e que sem ella nenhum governo, qualquer que seja a sua fórma, póde subsistir; Considerando que antes e depois da independencia e fundação do Imperio foi reconhecida e garantida pelas leis civis, e pela lei constitucional, a propriedade servil; Considerando que da legalidade dessa propriedade dimanaram relações juridicas, interesses diversos, e obrigações reciprocas por contratos de origem e especies differentes, ainda hoje em vigor; - 9 - utilizem as terras devolutas, desenvolvam o credito agricola e aviventem a industria nacional, póde-se asseverar que a producção sempre crescente tomará forte impulso e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos." Assumia que a Abolição (palavra que evitou usar) era uma aspiração generalizada no País. Na verdade, era o resultado de um longo processo de quase 400 anos, desde que o primeiro grupo de escravos chegou ao Brasil, vindo da África. Durante esse período, a escravidão era normal, legal, mesmo sem uma lei que a autorizasse. Os poucos que lutaram pela libertação dos escravos, de Zumbi a Joaquim Nabuco, foram perseguidos, assassinados, até ridicularizados, considerados loucos. Com aquele discurso, a vida parlamentar brasileira entrava no mais intenso período de debate político reformista de nossa história. Desde então, o Congresso brasileiro teve grandes momentos, debates intensos, mas ou ficaram limitados a mudanças políticas, como nas Diretas, nos anos 80, ou não foram conseqüentes, como na luta pelas reformas de base nos anos 60. Naqueles dez dias demaio de 1888, o Parlamento debateu e fez uma revolução no Brasil: a Abolição da Escravatura, mesmo que uma Abolição até hoje incompleta. As Atas da Assembléia Geral Legislativa descrevem a solenidade: A 1 hora da tarde, annunciando-se a chegada de Sua Alteza e Princesa Imperial Regente do império e de Seu Augusto Esposo Sua Alteza Real o Sr. Conde D' Eu, foi a deputação, a convite do Sr. Presidente, recebel- os á entrada do Paço do Senado; e, entrando Suas Altezas Imperial e Real no salão, foram pelos Srs. Presidente e secretarios recebidos fora do estrado do throno. Logo que Suas Altezas Imperial e Real tomaram assento nas cadeiras de espaldar collocadas abaixo do throno, e que assentaram-se os Srs. deputados e senadores, Sua Alteza a Princeza Imperial Regente do Império leu a seguinte: - 92 - § 3º As pessoas que, depois de terem justificado seus prejuizos, renunciarem á indenização, gozarão dos favores concedidos pela primeira parte do art. 8º e pelo art. 9º do Decreto nº 3.371 de janeiro de 1885, além de outros, que para o futuro lhes serão decretados; assim como aos ex- senhores de escravos que os libertaram antes da extincção da escravidão. Art. 2º As alforrias concedidas com a clausula de prestação de serviços, sem salario, antes da Lei de 13 de Maio, consideram-se livres da condição desde esta data; as concedidas com salario, desde logo, consideram-se sujeitas á condição, até o fim deste anno, ou até ao do prazo ajustado, si o foi; mas tanto estas como aquellas devem ter a respectivo contrato registrado no cartorio do respectivo juiz de paz, dentro de dous mezes da publicação desta Lei na folha official da provincia do domicillio dos contratantes. Art. 3º Ao serviço da divida do elemento servil, além dos 5% addicionais estabelecidos pelo art. 2º da Lei citada no 3.270, será applicada a renda do imposto sobre os vencimentos, elevado desde já: A 50% dos vencimentos das commissões, ou cargos accumulados, exceptuados os dos arts. 29 e 30 Constituição: A 25% do subsidio dos deputados e senadores; A 10% dos empregos de qualquer ordem ou commissões que vencerem mais de 2:000$ annualmente, exceptuadas a dotação da Famillia Imperial e os soldos dos militares de terra e mar; A 5% dos outros empregos, ou commissões retribuidas. Paragrapho unico. Os empregados aposentados ou jubilados, que exercerem outros cargos ou commissões retribuídas, perderão, durante o exercício destes, todas as vantagens da aposentadoria ou jubilação para o serviço da mesma divida. Art. 4º Fica o governo autorizado a applicar á fundação de asylos de menores e invalidos e ao estabelecimento de colonias agricolas ou fabris o saldo existente do fundo de emancipação. - 10 - "Augustos e Digníssimos Srs. Representantes da Nação. A vossa reunião, que sempre desperta fundadas esperanças, causa-Me grande jubilo pelo muito que Confio em vossas luzes e patriotismo. Sua Magestade o Imperador, Meu muito Amado Pai, obteve na Europa o proveito que os medicos prognosticaram. Tudo indica que brevemente Elle regressará a Patria para lhe consagrar de novo incansavel dedicação. A Sua Magestade a Imperatriz, Minha Prezada Mãi, Deus concedeu a graça do conservar a saude afim de que pudesse continuar durante a viagem nos cuidados de desvelada esposa. Satisfaz-Me a certeza de ser compartido por todos os Brazileiros o prazer com que vos Faço esta communicação. Persistem as amigaveis relações do Imperio com as potencias estrangeiras. A commisão mixta nomeada em virtude do tratado de 25 de Setembro de 1885, entre o Imperio e a Republica Argentina, adiantou quanto possivel os respectivos trabalhos e em breve os terminará. Está concluida a missão do arbitro nomeado por parte do Brazil para completar as commissões mixtas internacionais reunidas em Santiago. Foram resolvidas por transacção as reclamações que as commissões não julgaram. Celebrou-se nesta Côrte com os Plenipotenciarios das Republicas Argentinas e Oriental do Uruguay uma convenção sanitária que ainda não foi ratificada A ordem e a tranquilidade publica não soffreram alteração. Alguns tumultos locaes, de origem restricta e fortuita, foram immediatamente apaziguados. Espero de vossa sabedoria providencias que melhorem a condição dos juizes e tornem mais efectiva a sua responsabilidade. A organização do Ministerio Publico é de indeclinavel urgencia, como tambem a reforma do processo e julgamento dos delictos sujeitos a penas leves. O governo renovará esforços para dotar a nossa Patria com o Codigo Civil fundado nas solidas bases da justiça e equidade. - 91 - Depois de 13 de maio No dia 24 de maio, mesmo depois da sanção da Lei pela Princesa, os escravagistas não se deram por derrotados. Já que não seria possível manter escravos, passaram a lutar por uma indenização. Foi lido, na Camara dos Deputados, o Projecto no 10, de 1888, de autoria do Deputado A. Coelho Rodriguez que mandava o governo indemnizar, em titulos da divida publica, os prejuizos resultantes da extincção do elemento servil. PROJECTO No 10 – 1888 Providencias complementares da Lei nº 3.353 de 13 de Maio de 1888, que exitinguiu a escravidão. Indemnização aos ex-senhores. Art. 1º Fica o governo autorizado a indemnizar, em titulos da divida publica, os prejuizos resultantes da extincção do elemento servil, aos ex- senhores de escravos e aos credores hypothecarios, ou pignoraticios, em relação aos comprehendidos nos respectivos titulos de credito, podendo para isso fazer as operações necessarias. § 1º A justificação desses prejuizos terá como base os valores da tabella do § 3º do art. da Lei no 3.270 de 28 de Setembro de 1885, com as deducções correspondentes ao tempo decorrido, e as demais que foram accordadas entre os representantes do governo e as partes, ou seus procuradores. § 2º São representantes do governo, para esse fim, os membros de uma commissão nomeada por elle e composta de um ministro do Supremo Tribunal de Justiça, um conselheiro de Estado, um empregado do Thesouro, outro da Secretaria da Agricultura, e mais um capitalista ou proprietario. Essa commissão poderá nomear outros delegados nas provincias, onde existiram escravos até o dia 13 de maio de 1888. - 11 - A força policial da capital do Imperio carece de organização mais adaptada ás funcções que lhe são proprias. Muito importa á segurança publica aperfeiçoar a nossa legislação repressiva da ociosidade, no intuito de promover pelo trabalho a educação moral. O estado sanitário do paiz em geral é bom, e ha vastas regiões que offerecem permanentes condicções de salubridade. Medidas adequadas impediram ou attenuaram certas enfermidades que periodicamente apparecem em alguns pontos do littoral, e nos preservaram do cholera-morbus que invadira Estados vizinhos. Convém que attendais ainda ao saneamento da capital do Imperio, para o qual existem planos e estudos sujeitos ao vosso esclarecido exame. A administração provincial e a municipal exigem reformas que alarguem a respectiva esphera de acção. Reorganizar o ensino nos seus diversos graus e ramos, diffundindo os conhecimentos mais uteis á vida pratica e preparando com estudos serios e bem dirigidos os aspirantes a carreiras que demandam superior cultura intelectual, é assumpto que muito se recommenda á vossa patriotica solicitude. As rendas publicas cresceram no ultimo exercicio, e deram sobejamente para a despeza ordinaria. O que se despendeu de mais, por operações de credito, representa melhoramentos que, si não promettem immediata remuneração, asseguram bons effeitos economicos. A nossa organização militar requer algumas reformas, entre as quaes avultam os codigos penal e do processo, cujos projectos dependem de vossa definitiva deliberação. A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brazil, adiantou-se pacificamente de tal modo, que é hoje aspiração acclamada por todas as classes, com admiraveis exemplos de abnegação da parte dos proprietarios. - 90 - Com a assinatura da Princesa Isabel e do Ministroda Agricultura, Antônio da Silva Prado, mudava radicalmente a vida dos 800 mil escravos brasileiros, que trocavam a vergonha pela esperança. Em mais de um século de história, nenhuma outra legislatura fez qualquer outro gesto tão radical a favor do nosso povo. É como se todos os parlamentares que o Brasil teve desde então tenham se negado a completar o que foi feito naqueles dias de maio. As palavras da lei que mudou o Brasil, a partir de 13 de Maio, não começaram naquele ano de 1888, não foram aprovadas sem manifestações contrárias, e até hoje não trouxeram todos os benefícios esperados. - 12 - Quando o proprio interesse privado vem espontaneamente collaborar para que o Brazil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido. Confio que não hesitareis em apagar do direito patrio a unica excepção que nelle figura em antagonismo com o espirito christão e liberal das nossas instituições. Mediante providencias que acautelem a ordem na transformação do trabalho, apressem pela immigração o povoamento do paiz, facilitem as comunicações, utilizem as terras devolutas, desenvolvam o credito agricola e aviventem a industria nacional, pode-se asseverar que a producção sempre crescente tomará forte impulso e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos. Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação. Muito elevada é a missão que as circumstancias actuaes vos assignalam. Tenho fé que correspondereis ao que o Brazil espera de vós. Está aberta a sessão. Izabel, Princeza Imperial Regente. Terminado este acto, retiraram-se Suas Altezas Imperial e Real com o mesmo ceremonial com que foram recebidos e immediatamente o Sr. Presidente levantou a sessão." Três parágrafos indicavam de que aquela Legislatura teria o privilégio de realizar o maior feito político de impacto social do Brasil, até hoje. De lá para cá tivemos a Consolidação das Leis do Trabalho, a lei do Salário Mínimo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sete Constituições, o voto universal, inclusive do analfabeto. Cada lei trouxe uma evolução social, mas nenhuma trouxe uma ruptura, como foi o caso da Lei Áurea. Mesmo assim, pela análise dos três parágrafos, nota-se o cuidado da Princesa com a reação dos latifundiários donos de escravos. Até quando faz uma lei libertadora, a favor da parte excluída, o poder no Brasil se dirige aos ricos e incluídos. A Princesa diz que os donos dos escravos estão espontaneamente colaborando para o fim da escravidão. O - 89 - da escravidão, como já Lhe coube a de Confirmar o decreto que não permittiu nascerem mais captivos no Imperio do Cruzeiro. Sua Alteza Imperial Regente Dignou-se Responder: “Seria o dia de hoje um dos mais bellos da minha Vida, si não fosse Saber Meu Pai enfermo. Deus permittirá que Elle nos volte para Tornar- se, como sempre, tão util á nossa Patria.” Transforma-se na Lei no 3.353, de 13 de maio de 1888 (assinada pela Princesa Imperial Regente e Rodrigo Augusto da Silva) Evaristo de Moraes Filho descreve a comoção daquele instante: “Assinados os autógrafos, ouviram-se estrepitosas aclamações nas janelas do Paço e na rua. Como alucinado, José do Patrocínio atirou-se aos pés da princesa, procurando beijá-los. De uma das janelas, Joaquim Nabuco comunicou à multidão que não mais existiam escravos no Brasil.” - 13 - que, em parte, era verdade, porque a escravidão já estava exaurida, era questão de tempo: a Proibição do Tráfico, a Lei do Ventre Livre, a Libertação dos Sexagenários, o descontrole sobre os escravos, os movimentos independentes de alforria, faziam o "elemento servil" agonizar como sistema social e econômico. Vale a pena lembrar também a insensibilidade da elite representada pela Princesa, quando diz que a escravidão é a única exceção brasileira ao espírito cristão. Como se a pobreza, o analfabetismo e a desigualdade não o ferissem também. Não é por acaso que, além da Abolição, nada mais mudou substancialmente na busca da emancipação do povo pobre do Brasil. Em 1888, havia 800 mil escravos no Brasil. Hoje, precisam de um programa para atender 40 milhões de pessoas com renda de R$ 20 per capita por mês. Em vez de emancipar, a Lei Áurea apenas tornou a escravidão ilegal. Como a Bolsa Família: sem educação de base com qualidade, reduz a fome mas não emancipa o beneficiário. Nestes 120 anos, pelo menos 100 milhões de brasileiros viveram e morreram em condições materiais próximas às dos escravos de antes de 13 de maio de 1888. Depois da fala da Princesa, o governo de João Alfredo trabalhou na elaboração do texto do projeto de lei. Uma minuta manuscrita, que afirmam ter sido do punho de Joaquim Nabuco, e está no arquivo da fundação que leva seu nome, em Recife, foi a base do texto enviado ao Parlamento pela Câmara dos Deputados, no dia 7 de maio. - 88 - O Sr. Presidente designa a deputação que apresentará á Sereníssima Princesa Imperial Regente do Império os autógrafos do Decreto. Foram escolhidos os Senadores Dantas, Affonso Celso, Teixeira Junior e Escragnolle Taunay (Membros da Comissão Especial) que deu parecer sobre a proposta aprovada, com excepção do Visconde de Pelotas (por motivo de doença), mais os Senadores sorteados Visconde de Paranaguá, Ignácio Martins, de Lamare, Franco de Sá, Barros Barreto, Correia, Pereira da Silva, Cândido de Oliveira, Ferreira da Veiga e Jaguaribe. Mais uma bela descrição do Mestre Evaristo de Moraes Filho: “Em seguida, participou o presidente do Conselho que a princesa regente estaria à disposição dos representantes do Senado no Paço da Cidade, às 3 horas. Viera ela, desde Petrópolis, recebendo manifestações. No Arsenal da Marinha era aguardada por grande massa popular, que a acompanhou até o Paço, na hoje Praça 15 de Novembro. Fora o edifício invadido por pessoas de todas as classes sociais. Derredor dele, moviam-se para mais de cinco mil pessoas, presas de transbordante entusiasmo, numa expansão incoercível de sentimentos efusivos. Penetrou a regente no Paço acompanhada do marido, e dos ministros da Agricultura e do Império, dirigindo-se para a sala do trono. Entregou-lhe o senador Dantas os autógrafos, dizendo-lhe algumas palavras.” Palavras descritas nas Atas: Senhora, A commissão especial do Senado, tendo cumprido o dever de apresentar á sancção de vossa Alteza Imperial Regente a lei que extingue desde hoje a escravidão em nossa patria, pede reverentemente vênia a Vossa Alteza Imperial para: em primeiro logar congratular-se com Vossa Alteza Imperial e com todos os Brazileiros, pelas auspiciosas noticias, que o telegrapho nos transmitiu, de achar-se melhor de seus graves padecimentos Sua Magestade o imperador, o Primeiro Representante da Nação, e tambem o primeiro entre os mais esforçados propugnadores do grande e jubiloso acontecimento que acaba de realizar-se; E em segundo logar para felicitar a Vossa Alteza Imperial, por caber-lhe a gloria de Assignar a lei que agora dos nossos codigos a nefanda macula - 14 - Apesar do longo processo anterior, e da surpreendente simplicidade da lei, sua votação não foi um processo simples, nem unanimemente favorável, embora tenha levado apenas dez dias, da Fala do Trono à sanção da lei, e somente cinco, contando da sua apresentação na Assembléia. Era uma lei curta, com apenas um parágrafo de 12 palavras, além da abertura e do "Revogam-se as disposições em contrário". - 87 - desastres e ruinas ás alegrias do futuro, absolvido por nobre expiação o erro de hontem, pelo qual não é originalmente responsável a nação brazileira.” Tem-se ainda appelado para os transtornos que desta proposta hão de porvir. Sei bem que não se extirpa do organismo social um cancro secular sem que pertubações se operem. Nunca mais ha de abrir-se, porem, a cicatriz desta ferida: e sobre ella se levantara – o patriotismo e o bom senso dos brazileiros o indica – o grande edificio da crescente prosperidade de nossa patria. (Muitos apoiados.) Tem-se querido ver uma questão politica no melindroso assumpto sobre que estamos resolvendo. Ainda hapouco o meu illustre amigo senador pelo Rio de Janeiro dizia: não compete aos conservadores presidir á extincção da escravidão: mas ao Partido Liberal pela natureza da materia. Divirjo do meu nobre amigo. Trata-se de uma questão social, ou, si quizerem, de um ponto de politica nacional: e é grande fortuna para o imperio que a lei possa ser promulgada, revestida de força moral e do prestigio que lhe dá o accôrdo reflectido e quase unanime de ambos as parcialidade politicas (Apoiados; muito bem, applausos das galerias.) Os assistentes tem o dever de não interromper-me, e eu o peço tambem como obsequio. Concluindo direi: convém que o projecto que se discute, e que o honrado ex-presidente do conselho, com sua autoridade e experiencia, declarou inadiavel, saia desta casa com inteira adhesão, e sob a responsabilidade dos partidos politicos do Brazil. (Muito bem: muito bem, applausos das galerias.) Chegaram a um acordo suprapartidário. A Proposta entra em votação, é aprovada com apenas um voto contra, e vai para sanção Imperial. As Atas descrevem o processo: - 15 - Dia 7 No dia 7, quatro dias depois da Fala do Trono, Joaquim Nabuco discursou, anunciando a próxima chegada do projeto. Na sua primeira frase, ele se refere ao Deputado que fizera um discurso contrário à aprovação da Lei Áurea, dizendo: "Sr. Presidente, ao contrario do meu illustre amigo, deputado pelo Rio Grande do Sul, cuja intenção ficou mais clara do que elle nos disse e cujas ironias cahiram sobre o ministerio e a Corôa, eu levanto-me para offerecer ao honrado presidente do conselho, para a realização do seu grande programma, o apoio desinteressado, si não de toda, de uma parte daquela fracção do partido que foi sempre antes de tudo abolicionista. (Muito bem!)" Trata-se de uma referência à tentativa, que ele previa, de procrastinar a votação da lei, provocando um debate regimental que adiaria, até impediria sua aprovação. Essa era a estratégia dos escravagistas, quando já não havia como se opor ao projeto de lei. Eles já não podiam ser abertamente contra, mais diziam que o País não suportaria o fim do trabalho escravo. Era preciso apoiar o fim da escravidão, mas "não já", "a economia e sociedade precisavam de tempo" . Quase 40 anos depois da proibição do tráfico, quase 30 anos depois da libertação dos filhos dos escravos, e alguns anos depois da emancipação dos sexagenários, a escravidão iria acabar quase naturalmente. Mesmo assim, os escravagistas queriam ganhar tempo, motivados pela expectativa de compra dos escravos feita pelo governo: a abolição indenizada. Numa situação muito parecida com a disputa, no final do século XX, pela tardia reforma agrária, queriam transformar a abolição em um negócio. * Isso lembra um projeto em discussão no Senado para obrigar os eleitos pela democracia brasileira a colocarem seus filhos nas escolas públicas, mas só a partir de 2014. Os filhos dos políticos eleitos não poderiam, de imediato, ser colocados nas escolas juntos com os filhos do povo. - 86 - que a lei possa ser promulgada, revistada da força moral e do prestigio que lhe dá o acordo refletido e quase unanime de ambas as parcialidades politicas.” O momento não é para discutir, é para deliberar; mas podem ser convenientes algumas palavras opportunas da parte de um membro do Partido Conservador, que aceita, convencido, a proposta sobre que vamos votar. Tem-se apontado na discussão o perigo, o risco das instituições. Senhores, si as instituições pudessem neste instante estar em questão, ellas teriam hoje o seu dia derradeiro. Mas assim não é, assim podia ser, assim não era justo que fosse. Tem-se feito tambem referencia a mudanças bruscas de opinião na questão servil. É facto previsto. E seja-me licito recordar poucas palavras que aqui proferi na sessão de 26 de Setembro do anno passado (lê): Ha questões que marcham. A que nos occupa é uma. Os que têm de lidar com ella não podem perdel-a de vista. Distanciam-se, e não mais podem consideral-a qual é. Á proporção que a idéa caminha, os horisontes se modificam, o panorama varia. Os obstaculos que surgem em um ponto desfazem-se adiante. O terreno accidentado se vai aplainado pouco a pouco, e descobre-se afinal o leito por onde as aguas, antes caudalosas, podem seguir serenamente para o natural escoadouro. Eis o que explica, nas questões em marcha, mudanças que parecem bruscas na opinião. O ponto cobiçado tem de ser necessariamente attingido; á proporção que elle se avisinha, a impaciencia cresce. E si á força da idéa reune-se o brado da consciencia, a distancia encurta-se illuminando o espirito, despertada a consciencia, a cujos dictames todos obedecem por lei providencial, a resistencia cessa, as vozes confundem em um só clamor, a politica alia-se á philantropia, o bem triumpha. Com taes elementos, que estão em jogo, não ha negar, a escravidão será em poucos annos apenas uma sombra no passado, sem pertubar com - 16 - Mas Joaquim Nabuco queria o País integrado por uma luta comum pela decência da Abolição, como hoje deveriam estar os brasileiros unidos pela educação de qualidade para todos. Não, Sr. Presidente, não é este o momento de se fazer ouvir a voz dos partidos. Nós nos achamos á beira da catadupa dos destinos nacionaes e junto della é tão impossivel ouvir a voz dos partidos, como seria impossivel perceber o zumbir dos insectos atordoados que atravessam as quedas do Niagara. (Apoiados. Muito bem!) É este incomparavelmente o maior momento de nossa patria, a geração actual ainda não sentiu cousa semelhante e precisamos lembrar-nos do que nossos paes que viram o 7 de Abril * ouviram aos nossos avós que viram a Independencia, para imaginar que nesta terra brazileira houve de geração em geração uma cadeia de emoções perecidas com esta. (Apoiados. Muito bem!). Dentro dos limites de nossa vida nacional é feito o desconto da marcha de um século todo, 1888 é um maior acontecimento para o Brazil do que 1780 foi para a França. (Apoiados. Muito bem, bravos.) É litteralmente uma nova patria que começa e assim como á mudança de uma fórma de governo cahem automaticamente no vacuo ás instituições que a sustentavam ou viviam della, é o caso de perguntar, Sr. presidente, si os nossos velhos partidos, manchados com o sangue de uma raça, responsáveis pelos horrores de uma legislação barbara, barbaramente executada, não deviam ser na hora da libertação nacional, como o bode emissario nas festas de Israel, expulsos para o deserto, carregados com as faltas e as maldições da nação purificada. A nação, neste momento, não faz distincção de partidos, ella está toda entregue á emoção do ficar livre, ella confunde no mesmo sentimento Dantas e João Alfredo, José Bonifacio morto e Antônio Prado vivo; ella * 7 de Abril de 1831, o dia em que D. Pedro I abdicou do trono. - 85 - “O estado do paiz ha de convencel-o de que é necessario acabar o quanto antes com a escravidão, lepra que nos corroe e vulcão que nos ameaça. Tenho profunda convicção que o maior perigo da actualidade é o escravo, com todos os seus direitos illudidos. O captiveiro está morto e não póde resuscitar; é preciso enterral-o. Não teremos partidos, não teremos governo, não teremos cousa alguma, emquanto a escravidão entrar como elemento perturbador da ordem moral e social.” Pois bem, senhores, a nossa tarefa, por este lado, está terminada; e como nos annunciou ha pouco o nobre senador pela provincia do Rio de Janeiro que do desapparecimento da escravidão outras necessidades, outras reclamações vão apparecer, oriundas dos interesses creados por aquellas maldita instituição de envolta com outras necessidades e outras necessidades e outras reclamações de nossa vida politica, eu, desde agora, ponho-me á disposição de quem quer que esteja no governo, para constinuar a servir ás idéas liberaes, porque, parodiando um pensamento resumido em três pequenos versos do XIII século; direi: Ó Libertad! Luz Del dia! Tu me guia! Vozes: - Muito bem, muito bem. (Bravos e repetidos applausos das galerias.)” Ainda nos descreve Evaristo: “Falou,também, mas com espírito de polêmica, o senador Manuel Francisco Correia, que servira como ministro de Estrangeiros com Rio Branco e que, saindo do ministério, sempre ligado ao glorioso visconde, presidira a Câmara de 1847 a 1875. Parecia a ele que não eram de temer as catástrofes anunciadas pelos adversários do projeto. Transformando, como ia ser, em lei, só traria benefícios econômicos e políticos para o Brasil.” O Senador Correia, do Partido Conservador, fez um discurso declarando que a Proposta era uma questão social e que “é grande fortuna para o Imperio - 17 - não pergunta si quem vai fazer a abolição é liberal ou é conservador, como á repercussão estrondosa das victorias contra o Paraguay, para deixar pulsar os seus corações de brazileiros, os conservadores não queriam saber si Osorio, o vencedor de 24 de maio, era liberal, nem os liberais indagavam si quem tinha tomado Assumpção, Caxias, era conservador. (Apoiados e bravos nas galerias.) Embora fosse um filiado do Partido Liberal, Nabuco era sobretudo um militante da causa abolicionista. Por isso, defendeu a lei, mesmo tendo chegado pelas mãos de um governo do Partido Conservador. Essa foi uma das provas de sua grandeza de estadista, mostrando não ser um político que pensava na próxima eleição, mas sim na causa que defendia. Hoje, vemos políticos da oposição que defendem uma causa e mudam de lado quando o governo passa a defendê-la. Porque não têm causa, apenas reivindicações comprometidas com o voto da próxima eleição. Os liberais eram, em sua maioria, favoráveis à abolição, mas o processo político e o destino histórico fizeram com que fosse o gabinete presidido pelo conservador João Alfredo que apresentasse a Lei Áurea, e Nabuco apoiou. Quando a abolição estiver feita, Sr. Presidente, então sim, podem recomeçar essas nossas lutas partidarias que se travam de facto em torno das comarcas para juizes de direito e das patentes de guarda nacional (riso), parecendo que se travam em torno de ficções constitucionaes; neste momento, porém, o terreno é outro e muito diverso, porque do que se trata é nada menos do que de fechar a cova americana, de que falla Michelet: onde, por amor do ouro, foram atirados dous mundos, negro por sobre o índio. (Apoiados. Muito bem!) Hoje, 120 anos depois, seria bom se os políticos colocassem de lado seus interesses menores e imediatos, e buscassem um grande acordo para definir um programa - como fizeram com a Lei Áurea - para enfrentar a exclusão social, para fazer uma Segunda Abolição: um pacto que garantisse escola igual para todos, com o filho do empregado na mesma escola que o filho do patrão. Acabando com a escravidão do século XXI: a desigualdade na educação que escraviza os pobres, e a falta de qualidade na educação que escraviza o País inteiro, no cenário global. - 84 - tardiamente, depois de quase 50 anos no Trono, abolido a escravidão? Essa reflexão deveria ser feita também pelos políticos de hoje, que olham o poder sem olhar a história. Não ha, portanto, perigo algum; e até onde a minha voz, a minha responsabilidade, a confiança que eu possa inspirar aos meus concidadãos; até onde a minha experiência dos negocios, o meu estudo de todos os dias, me puderem dar alguma autoridade, eu direi desta cadeira a todo o Brazil que nós hoje vamos constituir uma nova patria; que esta lei vale por uma nova Constituição. (Muito bem, muito bem!) O Sr. Jaguaribe: - É o complemento da Independencia do Brazil. Substituam a palavra “escravidão” por “educação”, “escravo” por “deseducado”, e essa frase pode ser dita hoje com a mesma força. O Sr. Dantas: - Neste caso, Sr. Presidente, eu vou concluir, pedindo a todos que nos levantemos, que façamos ala á passagem dessa lei, que marcará para nós o maior acontecimento da nossa historia; e que todos, ao mesmo tempo, congratulando-nos, honrando mesmo aos nossos adversarios, á frente dos quaes se acham dous cidadões cobertos de serviços, cheios de meritos, merecendores de toda a veneração de nossa patria, digamos: Gloria a Deus na alturas! E, proseguindo neste caminho, o Partido Liberal francamente tal, o Partido Liberal, que não tem medo das idéas liberaes, nem das suas consequencias, uma vez convertidas em lei, poderá contar que ha de ter o mesmo apoio que sempre teve de mim nesta questão da redempção dos captivos. (Bravos! Muito bem!) Eu devo, Sr. Presidente, como homenagem de gratidão, de amisade e de saudade, recordar neste momento palavras que por um acaso feliz vi hontem transcriptas na Redempção, de S. Paulo, e foram aqui proferidas por José Bonifacio. Na sessão de 8 de Outubro de 1886, dirigindo-se ao então ministro da Agricultura, o honrado senador Antonio Prado, José Bonifacio disse: - 18 - Depois da abolição, podem voltar os velhos partidos com os seus chefes aos quaes, si eu tivesse que pedir alguma cousa, não pediria, por certo, Sr. Presidente, a coherencia rigorosa que o meu illustre amigo, no fim do seu discurso, exigiu como primeira condição para um politico impôr-se ao respeito da opinião; eu lhes pediria exactamente o contrario, isto é, uma incoherencia tão grande que parecessem outros e a nação não os pudesse reconhecer pelos mesmos que fizeram o nosso povo perder a fé no governo parlamentar. Esta parte é de fina ironia. Pede a incoerência daqueles que sempre estiveram ao lado da manutenção da escravidão. Mostra que a coerência impatriótica, anti-social, é um pecado maior do que a incoerência dos que mudam de lado e se colocam a favor da Pátria e do povo. Sim, Sr. Presidente, si é o Partido Conservador que vai declarar abolida a escravidão no Brazil, eu digo-o sem recriminação, a culpa dessa substituição de papeis ha de recahir toda sobre essa dissidencia liberal de 1884, que impediu o ministerio Dantas de vencer as eleições daquelle anno, de arrastar consigo o eleitorado todo do paiz, e de realizar uma reforma muito mais larga do que seu projecto. (Apoiados.) Houve, porém, sempre no Partido Liberal uma minoria de homens timidos que fizeram com que os grandes nomes de nossa historia, na questão que mais interessa ao Partido Liberal, a da abolição, isto é, da formação do povo brazileiro, fossem conservadores em vez de liberaes: foram elles que impediram Antonio Carlos de fazer o que fez Eusébio, que impediram Zacharias de fazer o que fez Rio Branco e que impediram Dantas de fazer o que vai fazer João Alfredo, que nunca tiveram fé nem no povo, nem nas idéas liberais. (Muitos apoiados). Mas o escravo já tem sido por demais explorado ... Aqui ele faz o mea culpa dos liberais. Se a Abolição chegava pelas mãos dos conservadores, é porque os liberais não tinham sabido aproveitar o momento deles, quando até três anos antes tinham estado no governo. - 83 - Dado, porém, que surjam taes perigos e que subam tão alto que ameacem até a primeira e a mais elevada entidade do nosso systema politico, taes perigos se dissiparão desde que no coração do povo Brazileiro estiver arraigado o amor das instituições que nos regem; sómente assim ellas encontrarão em cada um quem as sustente! Fallando deste modo, eu não faço sinão dizer a verdade ao paiz, sinão apontar o caminho a seguir, e este deve ser o da manutenção das instituições liberaes, o que só se conseguirá praticando-se uma politica de liberdade e de democracia. E nem esta linguagem metta medo a ninguem, dentro e fora deste recinto. Não ha muitos mezes, Sr. Presidente, Sagasta (actual presidente do conselho) e Martos, dous grandes estadistas da velha Hespanha, terra onde imperou a inquisição e de tradições seculares, disseram da tribuna parlamentar, e em um dia de festa nacional, á Rainha Regente que, si ella queria ver radicada e consolidada na Hespanha a instituição de que era a primeira representante, adoptasse fracamente a politica de expansão e de liberdade. As reformas liberaes não podem, portanto, ser um perigo no Brazil. Ellas serão, sim, o complemento, o remate, a consequencia natural do passo que estamos dando; e si nossas instituições se vissem ameaçadas pelo que estamos fazendo, eu diria:mais vale, Sr. Presidente, cingir uma corôa por algumas horas, por alguns dias, comtanto que se tenha a immensa fortuna de presidir á existencia de um povo e de com elle collaborar para uma lei como esta, que tirar da escravidão a tantas creaturas humanas, do que possuir essa mesma coroa por longos e dilatados annos, com a condição de conservar e sustentar a maldita instituição do captiveiro. (Apoiados. Muito bem!) Esta bela frase ficou profética: 18 meses depois, a República retira a coroa da cabeça de D. Pedro II e de sua sucessora, a Princesa Isabel. De que teria valido mais alguns anos de monarquia, no lugar da honra de terem, - 19 - Dá para imaginar, daqui a alguns anos, os educacionistas apoiando leis que façam a revolução educacional num governo conservador, lembrando que, se isso não ocorreu antes, foi porque políticos progressistas no poder desde 1992 - Itamar, Fernando Henrique, Lula - não quiseram fazer a revolução de que o Brasil precisa, e com a qual eles haviam se comprometido. Muito mais culpa há agora, quando o regime é presidencialista e tem governos liderados por políticos com trajetórias muito mais de esquerda do que os liberais do século XIX. O governo liberal de Dantas, que havia durado 11 meses, foi seguido de mais um gabinete liberal, de José Antonio Saraiva, que durou só três meses. A seguir, os conservadores retornaram ao poder, com o Barão de Cotegipe, que governou por três anos, até que viesse o gabinete de João Alfredo, para apresentar e defender a Abolição. Eu sei, Sr. Presidente, que os liberaes estão soffrendo em todas as provincias do jugo conservador, mas estão soffrendo em suas garantias constitucionaes apenas, ao passo que os escravos estão soffrendo em suas pessoas e no seu corpo. Antes de pensar nos nossos correligionarios, temos que pensar em nossas victimas, e os escravos o são, victimas da politica estreita até hoje de ambos os partidos... É exactamente porque esquecemos o que estamos soffrendo para salval-os do captiveiro em que ainda estão por nossa culpa, mostrando assim sermos abolicionistas antes de sermos partidarios, que ha merito no apoio que prestamos ao ministerio conservador. Nós temos muito que nos fazer perdoar pela raça negra e eu acredito estar servindo os interesses do Partido Liberal, que não é outra cousa sinão o povo, o qual não é outra cousa em vastissima extensão sinão a raça negra, tomando a attitude que tomo ao lado do gabinete no baptismo da liberdade que elle vai agora receber... Mais uma vez, Nabuco põe a Causa da Abolição acima do próprio partido. Uma lição para os políticos de hoje, quando o partido ou não existe ou está acima do País, do povo, dos escravos do século XXI. Discutir, Sr. Presidente, si é Partido Liberal ou o Partido Conservador que tem direito de fazer esta reforma, é cahir sob o rigor de uma etiqueta constitucional muito peior do que essa etiqueta monarchica, que fazia um - 82 - Uma simples consideração, porque a discussão longa virá depois, bastará para tranquilisar os que se aterrarem com os presagios dos dous honrados senadores que me precederam: dentro do espaço de 17 annos, 800.000 escravos têm desaparecido do Brazil. Pois bem, senhores, é justamente neste periodo que se nota maior riqueza no paiz, grande augmento de trabalho e com elle maior produção, e, como consequencia, consideravel augmento na renda publica. Si, pois, este facto se deu; si foram estas as consequencias da diminuição, em mais de metade, do trabalho escravo, o que se deve esperar é que o desapparecimento de 600.000 creaturas escravas não produzirá a nossa ruina, antes augmentará a nossa prosperidade e o engrandecimento do Brazil, graças ao trabalho livre, ao trabalho, o que não só levantará os creditos da nossa patria, como attrahirá para nós o estrangeiro, que encontrará no solo fecundo e uberrimo deste paiz certas e inexcediveis vantagens. Mesmo os abolicionistas falavam em desaparecimento, e não em incorporação dos escravos, da vida nacional. Não é de admirar que o preconceito racial continua até hoje. Que o Brasil tenha abolido a escravidão sem fazer a inclusão. Eu devo tambem dizer ao Senado e ao paiz que não vejo esses perigos de que se fizeram écho aqueles que impugnaram o projecto que, dentro em pouco, estará convertido em lei. Quer me parecer que tremem diante do facto de praticar uma reforma tão radicalmente liberal, porque isso servirá de incitamento para que outras reformas, igualmente liberaes, se possam emprehender e realizar em nossa patria. Mas, senhores, que perigo haverá? Por minha parte não creio nelles. (Apoiados.) - 20 - rei de Hespanha morrer suffocado por não se achar perto o camarista que tinha direito de tocar no brazeiro. (Apoiados. Riso) Por ventura, os escravos são liberais? (Riso. Apoiados) Fazem elles questão de serem salvos por este ou por aquelle partido? Não, Sr. Presidente, o que elles querem é ver-se livres do captiveiro, seja quem for o seu libertador, e eu colloco-me no mesmo ponto de vista que elles e penso que essa é a unica verdadeira theoria constitucional, porque é a única de accôrdo com a urgência da salvação que elles esperam de nós... Eu comparei em Pernambuco esta lei á uma capella dos Jesuitas perto de Roma, onde se vêm nas paredes, como trophéus da religião, os punhaes e as pistolas entregues pelos bandidos arrependidos, e disse que essa lei era a verdadeira igreja nacional onde o Partido Conservador vinha depôr as armas com que combatera a abolição e os escravos e na qual elle tinha o mesmo direito de ajoelhar-se e rezar que os mais antigos abolicionistas... É que, Sr. Presidente, o exemplo dado hoje pelo Partido Conservador corresponde á noção do único verdadeiro conservatismo. Ainda recentemente um estadista inglez, em cujo procedimento eu procuro muitas vezes inspirar- me, o Sr. John Morley, querendo exemplificar o que elle entendia pelo verdadeiro espirito conservador em politica, tomava o exemplo de Lincoln. Ao subir á presidencia em 1860, Lincoln queria somente que a escravidão não se estendesse aos novos territorios da União, que se respeitasse o direito dos Estados de tratar exclusivamente da questão, mas que, á medida que os acontecimentos se foram desdobrando, resolveu dar o golpe final e decretou a abolição no dia em que as victorias de Grant puderam da força de lei em todo o territorio americano á proclamação do governo de Washington. Com 120 anos de antecipação, Joaquim Nabuco mostra a diferença entre o compromisso firme de Abraham Lincoln, que era republicano, e o retrocesso dos partidos de esquerda no Brasil de hoje, que abandonaram seus compromissos com o povo. Um, com patriotismo, avançou para a abolição, os daqui regrediram para o conservadorismo. - 81 - mesmo fim: annunciar á nossa patria, por este acontecimento que se está realizando e que a todos enche dos mais vivos e intensos regozijos, grandes perigos, quer para sua vida financeira e economica, quer para a sua vida politica. Ao mesmo tempo as palavras destes dous illustres senadores mais de uma vez envolvem uma condemnação do ministro 10 de Março por ter, no entender delles, commettido a alta imprudencia de incumbir-se desta gloriosa tarefa; mas que teve, para nós liberaes abolicionistas, alto merito de comprehender que esta questão não podia comportar um minuto sequer de adiamento. Eu não venho agora apurar, diante do Senado, nem a queda do gabinete 20 de Agosto, nem a organização do 10 de Março. Tão pouco indagarei si este ministro deixou de inspirar-se nos sentimentos do conservadorismo partidario. Mas devo declarar que, nesta occasião, sinto o maior desvanecimento, estendendo-lhe mão agradecida em nome de todos os Brasileiros, em nome particularmente daquelles que eram as victimas e que comparticipam desta victoria, devida ao passo glorioso, que deu o gabinete para attingir com desassombro ao desenlace final e completo deste grande problema. (Apoiados.) Sr. Presidente, é justo, é de toda a necessidade que partam de mim, em nome do partido abolicionista, palavras de esperança e de animaçãoque façam desaparecer as de desanimo e de desalento dos honrados senadores que me precederam. (Apoiados.) Senhores, a abolição da escravidão não marcará para o Brazil uma epoca de miseria, de soffrimentos, uma epoca de penuria. (Apoiados.) Isso vale para um projeto de revolução na educação, que reserve mais 7, 10, 20 bilhões de reais por ano no Orçamento Federal. - 21 - Esse é o conservatismo nacional e politico, Sr. Presidente, por opposição ao conservatismo doutrinario, que até hoje tem perdido todas as instituições que se confiaram á sua obstinação e á sua cegueira e que ainda não resuscitou nenhuma com o seu despeito". Até aqui, salvo a abertura, Nabuco faz um discurso grande, erudito, mas não se esquece do jogo da política no chão do Parlamento e investe contra a tentativa em marcha, dos conservadores, para impedir a votação da lei. Mostra-se um estadista que conhece o regimento da Casa. O meu illustre amigo, deputado pelo Rio Grande do Sul, fallou-nos da illegitimidade do actual gabinete. O que é que constitue tal illegimidade? Ter a Princeza Imperial demitido um ministerio que gozara até ao ultimo dia de sessão passada da confiança da Camara? Mas não o demitiu ella por factos supervenientes e inspirando-se com tal segurança no pensamento da illustre maioria que o novo gabinete veio encontrar o mais forte apoio nesta Camara? Ha muito tempo, Sr. Presidente, que eu abandonei o caminho das subtilezas constitucionaes que se adaptam a todas as situações possiveis. Pelo estado do nosso povo e pela extensão do nosso territorio, nós teremos por muito tempo, sob a monarchia ou sob a republica, que viver sob uma dictadura de facto. Ha de haver sempre uma vontade directora, seja do monarcha, seja do presidente. Esta é a verdade, tudo mais são puras ficções sem nenhuma realidade a que correspondam no paiz. Pois bem, todo o meu esforço em politica ha bastantes annos tem consistido em que essa dictadura de facto se inspire nas necessidades do nosso povo até hoje privado de tecto, de educação e de garantias e que ella comprehenda que a verdadeira nação brazileira é cousa muito diversa das classes que se fazem representar e que tomam interesse na vida politica do paiz. E para as necessidades moraes e materiaes da vastissima camada inferior que formam o nosso povo, e das quaes a abolição é a primeira, sem duvida alguma, que eu tenho trabalhado para voltar as vistas da dictadura existente. - 80 - escravocratas. O fato é que o Brasil, antes, agora e sempre, teve seu projeto de desenvolvimento visto do topo, nunca da base da pirâmide social. Daí vem todo o desastre social que atravessamos. Mas... não quero deter por mais tempo o prestito triumphal, que já se enfileira na sua marcha festiva! Quando elle passar por mim achar-me-ha neste logar representando a minha provincia, os meus companheiros no trabalho agricola, coherente com os deveres, já preenchidos, da missão que me incumbi de desempenhar em nome e em defesa de grandes interesses nacionaes. Sejam quaes forem os sentimentos que no coração se me possam expandir na hora em todos forem livres nesta terra do Brazil, os guardarei commigo, silencioso, vencido, mas sem que se me possa contestar um titulo a respeito publico – o de ter preferido até hoje, como hei de preferir sempre, a lealdade, a integridade e honra politica a todas as glorias, a todas as grandezas. (Muito bem! Muito bem!!)” Evaristo de Moraes Filho nos brinda com outra bela descrição: “O hino da vitória cumpria fosse entoado por um propulsor da idéia, e o foi por Sousa Dantas, que com extrema delicadeza não se mostrou ressentido com os ataques dos escravocratas, nas duas câmaras, quando, historiando os antecedentes, se referiam ao seu Ministério. Não havia, na alma do estadista baiano, lugar para sentimentos depressivos; toda ela, de si mesma expansiva e exuberante, irradiava alegria.” As atas detalham o momento: Não é para fazer um discurso que me levanto, contrariando, bem o sinto, a impaciência geral, aliás louvável. Chegamos ao termo da viagem emprehendida, e, mais feliz do que Moyses, não só vemos como pisamos a Terra Promettida. (Muito bem!) Sendo assim, Sr. Presidente, nada de recriminações, nada de retaliações! Mas o Senado, hontem e hoje, pela voz de dous de seus mais illustres membros, ao mesmo tempo dos mais respeitaveis e eminentes chefes conservadores, ouviu, com o publico que nos honra com sua presença, dous discursos, qual mais importante, ambos igualmente identificados no - 22 - O Parlamento estava pronto para receber o projeto de lei que abolia a escravidão. Joaquim Nabuco percebeu a resistência que encontraria entre alguns de seus pares, e mostrou capacidade de antecipar-se aos problemas e atrair apoio, usando inclusive brechas do Regimento. Logo no terceiro parágrafo do seu discurso, ele busca construir a unidade, mesmo sabendo das dificuldades. É possível imaginar o clima que prevalecia no Parlamento naquele dia: euforia nas galerias, constrangimento de alguns dos parlamentares, entusiasmo dos abolicionistas. Um Parlamento com causa. Diferente do clima apático do Congresso vazio de causas e bandeiras dos tempos de 120 anos depois. Agora, porém, o que se vê, Sr. Presidente é essa dictadura de facto assumir o caracter de governo nacional no mais largo sentido da palavra, promovendo a abolição, e é por isto que eu entendo que, longe de merecer as censuras, as ironias e até os ultrages que estão sendo accumulados pelo despeito partidario sobre a sua cabeça, a Princeza Imperial merece a maxima gratidão do nosso povo. Nos mezes em que o Imperador lhe confiou o imperio, ella achou tempo de fazer delle uma patria, um paiz livre, com uma lagrima do seu coração de mãi ella cimentou em um dia essa união do throno com o povo que, com toda a sua experiencia dos homens e das cousas, seu pae não pôde consolidar inteiramente em 47 annos de reinado. (Apoiados.) Não ha nada mais bello, Sr. Presidente. A simples intuição de uma brazileira, que não é mais do que qualquer de nossas irmãs, com a mesma singeleza, a mesma honestidade e o mesmo carinho, escreve a mais bella pagina de nossa historia e illumina o reinado inteiro do seu pae. 1887 é todo delle, mas 1888 é todo della. Ha neste momento uma manhã mais clara em torno dos berços, uma tarde mais serena em torno dos tumulos, uma atmosphera mais pura no interior do lar... Os navios levarão amanhã por todos os mares a bandeira lavada da grande nodoa que a manchava, os nossos compatriotas nos pontos mais longiquos da terra onde se achem sentirão que é um titulo novo de orgulho - 79 - Dia 13 Em seu livro “A Escravidão Africana no Brasil”, Evaristo de Moraes Filho descreve os últimos debates. “No último dia da escravidão, ainda uma voz se ergueu no Senado para fazer oposição platônica ao projeto vitorioso. Foi a de Paulino de Sousa. Reeditou os argumentos de Figueira e de Cotegipe. Fez um pouco de história política e atirou-se contra João Alfredo.” As atas descrevem esse momento: O Sr. Paulino de Sousa: - São tantas as impaciencias, que não posso deixar de concluir, e sem demora; tanto mais quanto é sabido, Sr. Presidente, e os jornaes todos que li esta manhã annunciam, que Sua Alteza a Serenissima Senhora Princeza Imperial Regente desceu de Petropolis e está á 1 hora da tarde no paço da cidade a espera da deputação desta casa, para sanccionar e mandar promulgar já a medida ainda ha pouco por V. Exa sujeita á deliberação do Senado. Cumpri, como as circumstancias permittiram, o meu dever de senador; posso cumprir o de cavalheiro, não fazendo esperar uma dama de tão alta jerarchia; e si assignalo o facto, é para a todo o tempo ser memorado nos annaes do nosso regimen parlamentar. Devo, antes de terminar, dizer que illudem-se ou querem illudir-se aquelles que acreditam remover uma grande difficuldade com esta lei da abolição do elemento servil; pelo contrário, é agora que recrescem, com a desorganização do trabalho e com a entrada de 700 mil individuos não preparados pela educação e pelos habitos da liberdade anterior paravida civil, as contingências previstas para a ordem economica e social. Si para amparal-os, ajudal-os e defendel-os, nesta transição, inesperada e talvez affictiva, precisarem de mim, a minha provincia e a classe da lavoura, a que pertenço, continuarão a encontrar em mim a mesma dedicação, o mesmo esforço e a mesma coragem. Ele reclama que o Brasil está recebendo 700 mil novos indivíduos “não preparados pela educação e pelos habitos da liberdade”. Como se este despreparo fosse culpa da abolição, dos abolicionistas, e não da escravidão, dos - 23 - e de honra o nome de Brazileiro... A quem se deve essa mutação tão rapida si não á Princeza Imperial? Os grandes pensamentos vêm do coração, ao dito de Vauvenargues, Sr. Presidente, pode-se accrescentar - e tambem os grandes reinados, como esta curta regência que em tão pouco tempo deu ao sentimento de partida outra douçura e á palavra humanidade outro sentido... (Apoiados. Muito bem!) O reconhecimento pelo gesto da princesa não era somente o sentimento de um monarquista, era a realidade de que foi ela quem tomou a iniciativa. É certo que não vieram com a reforma agrária - terra para todos -, nem a reforma educacional - escola igual para todos -, nem o fim do preconceito racial. Mas finalmente, foi dado o passo decisivo para abolir a escravidão. O nobre Presidente do Conselho mostrou comprehender que o que faz o homem de Estado é a imaginação que penetra o mais fundo do coração do povo e lhe adevinha o segredo de que, ás vezes, elle mesmo não tem consciencia. Leis, grande leis encommendam-se, Sr. Presidente, á sciencia dos juristas; a eloquencia acha-se ás vezes em inspirações alheias, mas essa chamma sagrada que a alma do povo accende de muito longe no coração do estadista, que põe o coração de Bismarck em contacto com o coração da Allemanha, o de um Gavour com o da Italia, o de um Gladstone com o da Inglaterra e hoje o de um João Alfredo com o do Brazil (applausos), inspiração do verdadeiro homem de estado, Sr. Presidente, não se encommenda, não se aprende, não se estuda, é uma revelação divina dessa luz que illumina o universo e que dirige a humanidade. Eu, Sr. Presidente, tenho dez annos de vida politica e nesse tempo tenho visto como neste paiz crescem e consolidam-se as reputações solitarias dos homens que se inspiram somente nos principios... Eu vi com que reputação subiu o Sr. Dantas e com que reputação baixou ao tumulo José Bonifacio, eu vi com que reputação appareceu de repente o Sr. Antônio Prado... em todos os casos, eu tenho visto sempre a reputação politica dos homens que se inspiram em si mesmos e não egoisticamente, mas como instrumentos desinteressados de uma idéa, crescer cada vez mais forte, ao passo que os - 78 - Desejo ver a corrente da opinião, que está formada, prosseguir dentro da lei, sem offensa dos principios fundamentaes da sociedade, como o rio, que, embora volumoso e rapido, corre pacificamente em seu leito, sem transbordar. “Ninguém mais deseja do que eu” é a frase mais ouvida da boca de cada escravocrata, “mas me preocupo com a pressa e com os riscos” é o que eles diziam para justificar “apenas o adiamento”. Como se adiar uma situação não fosse mantê-la. O mesmo fazemos hoje, com o quadro de apartação que substituiu a escravidão. Todos dizem “ninguém mais do que eu” e “apenas defendo o adiamento das medidas para quebrar a apartação, porque não há recursos suficientes.” A verdade de tudo mudar, para nada mudar. Os Srs. Fernandes da Cunha e Presidente do Conselho trocam apartes. O Sr. João Alfredo: Eu referi-me ás grandes desgraças do sul dos Estados-Unidos. Si aquella grande nação pôde resistir á extincção brusca e violenta do elemento servil, é porque tinha grandes condições de prosperidade, e a parte importante do Norte não dependia do trabalho escravo. O Sr. Dantas (presidente do conselho): A questão lá foi resolvida de modo differente. O Sr. João Alfredo: Mas as desgraças que pesam sobre o Sul são tantas e tamanhas, que em meio seculo talvez não possam ser reparados. O nobre presidente do conselho é hoje, com grave injustiça feita a S. Exa, collocado entre os vencedores; não posso, conhecendo suas opiniões, proclamando a sinceridade dellas, deixar de assignalar-lhe, neste momento, o seu logar, para que venha tomal-o aqui ao lado vencidos. O Sr. João Alfredo (presidente do conselho): Nunca estivemos juntos nesta questão: ella nos separou desde 1871. - 24 - outros, para ficar de pé, precisam encostar-se uns aos outros, apoiar mutuamente as suas ambições contrarias, e ainda assim um sopro da opinião os abateria, si o meu verdadeiro ponto de apoio não fosse essa grande e mentirosa ficção do Senado Vitalicio. (Muito bem!) É uma lição de humanismo, porque fala da sintonia da alma do estadista com a alma do seu povo. Faz um enfático reconhecimento ao seu adversário João Alfredo, chefe de governo naquele momento, que não só era de outro partido, mas também seu duro opositor em Pernambuco, contra o qual se batera especialmente nas eleições de 1884, quando, por manipulação e abuso de poder, tentaram impedir a eleição. O Senado publicou um lúcido livro com os discursos de Joaquim Nabuco nessa campanha. Uma campanha, pelo que se observa em seus discursos, de uma nota só: a escravidão. Sim, Sr. Presidente, ao pensar na sessão de hoje do Senado, eu lastimava que o tumulo da escravidão não fosse largo bastante para conter tudo o que devera desapparecer com ella. Quando morre o rei de certos paizes africanos, o seu cavallo, o seu cão, os seus escravos favoritos são sacrificados sobre o seu tumulo e os herdeiros obrigados a matar-se alli mesmo para que nada reste delle. Pois bem, eu quizera que no tumulo da escravidão se fizesse pelo menos o sacrificio da vitaliciedade do Senado para que elle não venha a herdar-lhe o espirito e, abrigado por traz de uma irresponsabilidade absoluta, tornar-se o foco da conspiração que deve resuscitar o escravismo politico. Ele não fala só da escravidão. Critica a própria instituição do Senado e seus privilégios. É duro para o Partido Liberal, Sr. Presidente, eclypsar-se neste momento em que se passa uma verdadeira apotheose nacional. Mas, como eu disse, a culpa é sómente delle, a culpa é sómente nossa. Fomos nós que não acreditamos que a abolição immediata pudesse ser feita, embora hoje todos a achem facil. Não o acreditavamos ainda o anno passado! Faltou-nos fé na idéa e as idéas querem que se tenha fé nellas. Hoje, que a abolição - 77 - uma engrenagem forçada, eu pergunto: durante esse annos affilictivos de transição onde iremos buscar meios que bastem para todos os encargos do Estado, para toda a nossa vida e serviços da administração? O Sr. Fernandes da Cunha: - Deus permitia que a crise se estenda apenas a um período decennal. O Sr. João Alfredo: - Senhores, muito infeliz foi o Brazil, herdando esta instituição; porém, mais infeliz será si a sua extincção não for conseguida mediante sabias cautelas e previsões, de modo que não acarrete graves perturbações. Como quer que seja, eu applico a esta questão o que dizia Thiers, da Turquia:”A Turquia vive, porque é dificil supprimil-a, e quando a matarem, o seu cadaver ha de emprestar a Europa por mais de 50 annos.” Nós temos o duro engargo desta liquidação; procedamos, não como homens que se deixam levar pelas ameaças e vivorios, mas como homens que se compenetraram do seu dever, e que, em vez dessas glorias da praça publica, querem uma gloria real e verdadeira, que propocione dias tranqüilos e felizes á sua patria. O Sr. Fernandes da Cunha: - Um estadista não se deixa levar pela popularidade. O Sr. João Alfredo: - Podem ser muito seductoras as glorias de Lincoln e seu partido, inundando de sangue o solo da patria, accumulando ruinas, destruindo, brusca e violentamente, a propriedade servil, de que o Estado tinha maior culpa que os particulares, não admittindo indemnização, nem permittindo ente os antigos senhores e os libertos nenhuma condição de serviços temporarios, e até confiscando as demais propriedades daquelles...
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