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UNIVERSIDADE PAULISTA
CURSO DE BACHARELADO 
EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
MATERNIDADE NA PRISÃO E OS REFLEXOS DA PENA NA CRIANÇA ENCARCERADA.
Karina Jullye de Deus Melo
São Paulo
	
	
	
	
	
	
2020
	
	
	
	
	
	
	
	
	
UNIVERSIDADE PAULISTA
CURSO DE BACHARELADO 
EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
MATERNIDADE NA PRISÃO E OS REFLEXOS DA PENA NA CRIANÇA ENCARCERADA.
Karina Jullye de Deus Melo
Monografia de conclusão de curso, sob orientação do Professor:. 
São Paulo
2020
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
UNIVERSIDADE PAULISTA
CURSO DE BACHARELADO 
EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
MATERNIDADE NA PRISÃO E OS REFLEXOS DA PENA NA CRIANÇA ENCARCERADA
Karina Jullye de Deus Melo
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Presidente: 
_____________________________________________
2º Membro: 
_____________________________________________
3º Membro: 
São Paulo, ____de ______________de 2020.
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Dedicatória
A meus pais, por possibilitarem mais uma etapa no meu aperfeiçoamento.
Aos meus amigos que sempre me apoiaram, e torceram por cada etapa desse projeto.
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Agradecimentos
À Deus, por mais esta oportunidade de evolução. 
				
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Epígrafe
“... Capitu quis que lhe repetisse as respostas todas do agregado, as alterações do gesto e até a pirueta, que apenas lhe contara. Pedia o som das palavras. Era minuciosa e atenta; a narração e o diálogo, tudo parecia remoer consigo. Também se pode dizer que conferia, rotulava e pregava na memória a minha exposição. Esta imagem é porventura melhor que a outra, mas a ótima delas é nenhuma. Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem. Se ainda o não disse, aí fica. Se disse, fica também. Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força de repetição.”
Página constante do livro: “Dom Casmurro”
 
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
RESUMO
A MATERNIDADE NA PRISÃO E OS REFLEXOS DA PENA NA CRIANÇA ENCARCERADA busca realizar um completo estudo do princípio da dignidade da pessoa humana, particularmente no que se refere a inconstitucionalidade do nosso sistema carcerário no Brasil, e o descumprimento das Regras de Bangcoc. Para tanto, foi realizada uma análise de dados federais disponibilizados por meio de relatórios oficiais, relatórios do Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC, Pastoral Carcerária, onde foram identificados os principais fatores do não regramento do nosso Sistema Prisional. Firmado o conceito de Dignidade Humana, foram apresentadas as principais características dos reflexos da penalidade das grávidas e mães custodiadas nos seus filhos, bem como a naturalização da violência para o Estado que se inicia no tratamento dado aos suspeitos pela polícia quanto ao desenrolar das audiências de custódias em caso de flagrante e os estados degradantes dos quais são geridos os nossos presídios. Dessa forma, após um estudo das principais características desses atos, são apresentadas as consequências que esse rompimento de direitos podem acarretar na falha da reintegração da mulher presa perante a sociedade.
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	09
1	a evolução histórica do sistema carcerário brasileiro	10
1.1	O Surgimento dos Presídios Femininos no Brasil	12
2	 o princípio da dignidade da pessoa humana	15
2.1	O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito Penal	17
2.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Humanidade das Penas	18
3	a violência como instrumento da justiça criminal	20
3.1	Violência Psicológica e/ou Verbal	21
3.2 Revista Íntima Vexatória	22
3.3	Condições Carcerárias								 24
3.4	Maus Tratos nos Estabelecimentos Prisionais					 26
3.5	Violência Sexual									 28
3.6	Falta de Acesso à Produtos de Higiene						 29
3.7	Descaso à Saúde da Mulher no Sistema Prisional Brasileiro			 30
4	maternidade na prisão e os reflexos da pena na criança encarcerada	32
4.1	Quantidade Limitada de Estabelecimentos Prisionais voltados às Mães e Gestantes	34
5	as regras de bangkok e o tratamento igualitário para as mulheres presas	36
CONCLUSÃO	39
REFERÊNCIAS	41
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
INTRODUÇÃO
O modo pelo qual o sistema de justiça processa e encaminha as mulheres que apresa, conforme critérios pré-determinados, dá a conhecer não só o perfil de mulheres capturadas pelo sistema de justiça criminal, assim, a invisibilidade da mulher presa, ao mesmo tempo em que objetiva a punição do delito praticado busca também a reintegração de uma mulher marginalizada durante toda a sua vida e a ressocialização em uma sociedade da qual nunca se encaixaram de fato.
Estabelecimentos carcerários em estados calamitosos, falta de investimento, discrepância nos tratamentos às presas de acordo com sua raça ou situação econômica, violências físicas e psicológicas são apenas alguns dos problemas que centenas de mulheres vivem diariamente em sua realidade, seja desde a prisão preventiva até a sentença transitada em julgado e a transferência para o presídio que corresponde a sua pena e ao delito praticado.
O sistema de justiça brasileiro participa de processos de (re)produção de desigualdades que tanto mais vulnerabilizam, atingindo principalmente mulheres negras e pobres moradoras das periferias de suas cidades. A realidade esmagadora é que há uma inconstitucionalidade na forma do qual o sistema penitenciário lida com a sua população carcerária, ferindo principalmente o artigo 5º, inciso III da Constituição Federal de 1988 (ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante) e as Regras de Bangcoc, tratado internacional de Direitos Humanos do qual o Brasil é signatário.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIROCapítulo
 O sistema carcerário que conhecemos atualmente é recente, datado do século XVII com a reforma do Direito Penal e a consequente humanização das penas. Até então na época o mais comum eram as penas cruéis “carnais”, era comum a pena de morte, o desmembramento, a guilhotina e principalmente a forca como forma de punição do Estado para aqueles que cometiam crimes.
Conforme conceitua o doutrinador Rogério Greco:
“A princípio, a prisão não tinha finalidade de cumprir um papel de condenação principal para aquele que havia violado a norma, praticando determinada infração penal.” [footnoteRef:2] [2: GRECO, Rogério. O Sistema Prisional – O Colapso Atual e Soluções Alternativas. São Paulo: Impetus, 2017.] 
 Com a reforma esse tipo de punição perde a força e começam a ser aplicadas as penas restritivas de liberdade com seu lugar em destaque, surgindo de forma inicial o princípio dignidade da pessoa humana. A realidade do sistema prisional brasileiro era extremamente precária, com estabelecimento que não tinham estruturas para o novo tipo de pena que estava sendo aplicada. Somente em 1920 que surge uma preocupação com esse tema com a criação da primeira Penitenciária do Estado, ela foi criada com a intenção de atender os dispositivos do Código Penal de 1890. Criou-se a expectativa da regeneração do preso e a sua reintegração na sociedade.
		O Brasil até 1830 não tinha um Código Penal próprio por ainda ser uma colônia portuguesa e se submetia as Ordenações Filipinas, em seu livro V trazia as informações das punições que seriam aplicadas no país, não existia a possibilidade de reclusão e privação de liberdade. Desde que o Código Penal de 1890 entrara em vigor percebia-se a necessidade de estabelecimentos próprios para o encarceramento e cumprimento das penas.
A partir de 1870 surge uma mordaz crítica as Casas de Correção de São Paulo e do Rio de Janeiro e suas formas que eram geridas, pois as formas que eram as punições eram muito semelhantes a mentalidade escravocrata da época. 
Existia um abismo enorme entre o que estava previsto na lei da época e a realidade carcerária, o problema da falta de vagas nasprisões nacionais criava outro grave problema de deterioração do ambiente dos presos. Em 1890 quando o Código Penal foi promulgado as penas mais comuns eram as prisões celulares (envolvia trabalhos dentro do presídio)
É apenas em 1905 que é aprovada uma nova lei para as substituições das antigas penitenciárias e a criação de novas. A Penitenciária do estado deveria estar concluída com mil e duzentas vagas área para oficinas, tamanho de cela ideal, ventilação e boa iluminação, entretanto foi inaugurada em 1920 mesmo não estando totalmente concluída.
Segundo Foucault[footnoteRef:3] a mudança no meio de punição vem junto com as mudanças sociais e políticas da época, com a queda do espetáculo público que eram as execuções e a ascensão da burguesia, já que assim incentiva-se a violência, com as normas mais rígidas e as penas fechadas muda-se o meio de fazer sofrer, deixar de punir corpo do condenado e sim a sua mente. Essa mudança, de acordo com o autor, é um modo de acabar com as punições imprevisíveis e ineficientes do soberano sobre o condenado, o poder de julgar e punir devem ser melhor distribuídos, deve haver uma proporcionalidade entre o delito cometido e a pena aplicada. Foucault usa o panótipo em sua obra como metáfora para as sociedades ocidentais e sua busca de disciplina, no modelo panótipo não há necessidade no uso de grades, ou algum artifício de dominação, sendo a visibilidade constante uma forma de poder própria. [3: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. São Paulo: Vozes, 2014.] 
A saúde dos presos sempre foi motivo de preocupação, os anúncios da “penitenciária modelo (de São Paulo)” eram que as edificações atenderiam as necessidades e menos presos viriam a óbito. A responsabilidade do Estado perante a triste realidade vai além de atuar na omissão, atuou também em comissão, visto que submetia os presos doentes a regimes que deflagravam a morte dos mesmos.
As violências sempre existiram nos cárceres brasileiros, desde o seu início até os dias atuais, um dos maiores exemplos é o Massacre do Carandiru, tragédia na quais cento e onze detentos foram assassinados e cento e trinta ficaram feridos pela polícia que invadiu o pavilhão nove da Casa de Detenção de São Paulo, a tragédia foi marcada pelo excesso de força policial para controlar a rebelião, que entrou no intuito de executar os detentos que ali se encontravam e não para conte-la. Mesmo após o massacre, é comum nos depararmos com noticias de violência policial, abuso de autoridade, infrações penais, descumprimento de regras normativas de conduta e grave violência aos Direitos Humanos e Fundamentais.
1.1 O Surgimento Dos Presídios Femininos No Brasil
Os presídios femininos foram criados com outro intuito, não só para conter e punir mulheres que haviam violado as leis para também doutrinar, controlar e “amansar” mulheres que eram tidas como difíceis ou rebeldes na época. Mulheres que não queriam se casar com os pretendentes escolhidos por suas famílias, que queriam trabalhar ou não executavam as tarefas domésticas de forma exemplar, eram encarceradas até que o seu comportamento se tornasse mais dócil.
As casas de custodias femininas eram voltadas para se manter a moral e os bons costumes da época, lá as mulheres eram ensinadas a cozinhar, bordar, passar e administrar sua casa como uma senhora decente. Dessa forma, a punição sobre ela deveria ser treinada e modo a voltar para o lugar de onde nunca deveria ter saído: uma casa realizando as atividades domésticas.
Em 1940 instituída pelo Código Penal, a primeira penitenciária para mulheres contava com apenas sete internas. Durante o século vinte, o Brasil operava uma grande tentativa de institucionalizar as relações humanas, em especial as camadas mais populares. A formação de um estabelecimento penitenciário específico para a população feminina foi exemplo disso.
As relações dos presídios femininos se cruzam com a religião desde o seu princípio, principalmente com a Igreja Católica, quando os poderes corretivos e administrativos dos presídios eram exercidos por freiras. Um exemplo é o presídio Madre Pelletier, em Porto Alegre/RS, esse presídio foi fundado em apenas 1937, e não pelo Estado, mas sim pelas freiras, e nascei com o nome Instituto Feminino de Readaptação social, eram uma casa destinada as criminosas, mas também a prostitutas, moradoras de rua e mulheres desajustadas.
“Era um processo de “domesticação”. Eram mulheres que não cometiam crimes necessariamente, mas deixavam maridos ou eram rejeitadas pela família - conta Maria José Diniz, assessora de Direitos Humanos da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.” [footnoteRef:4]. [4: QUEIROZ, Nana – Presos que menstruam, Rio de Janeiro: Record, 2015.] 
A penitenciária comandada pelas freiras do Bom Pastor não foi somente o cenário de um instituto corretivo católico, mas também serviu como ambiente para a tortura de mulheres presas consideradas subversivas no período ditatorial brasileiro, as agressões e humilhações eram rotineiras, a consequência direta da ditadura é que a mesma retirou os direitos mais básicos das pessoas que ousavam lutar contra o regime e naturalizou a tortura de diversas formas, inclusive como forma de interrogatório. O fato só foi descoberto em 2012, pelo Comitê de Memória e Verdade do Rio Grande do Sul, que coletou uma série de depoimentos e documentos.
A intenção do exercício carcerário exercido pelas freiras eram o de conversão das presas para religião católica, como uma forma de aumentar sua autoridade e status na sociedade. Um instrumento de controle travestido de ação por boa-fé. Somente em 1981 as irmãs deixaram a administração do presídio para o Estado. 
De acordo com o relatório federal INFOPEN[footnoteRef:5] de 2018 apenas 7% das unidades prisionais no Brasil são destinadas exclusivamente as mulheres, enquanto outros 17% são estabelecimentos mistos, que abrigam homens e mulheres. Contrariando o artigo 82, parágrafo 1˚ da Lei de Execução Penal[footnoteRef:6], que garante que a mulher será recolhida para estabelecimento próprio e adequado a sua condição pessoal. [5: DEPEN, Departamento Penitenciário Nacional – Brasília: 2018] [6: Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.] 
Quando falamos de presídios mistos são, na verdade, presídios masculinamente mistos, onde não há espaço para se colocar as mulheres que acabam sendo enviadas aos castigos, ou seja, no pior lugar da cadeia. Se notarmos a disposição estrutural das cadeias, vamos perceber que são feitas majoritariamente para homens. Os banheiros são compostos de buracos no chão no lugar de privadas, sendo uma forma de humilhação muito sutil para as mulheres, principalmente a encarcerada grávida, imaginem a dificuldade de uma grávida no oitavo mês de gestação precisando se agachar para realizar suas necessidades fisiológicas. Os espelhos são lâminas reflexivas que deixam deformados quem os veem, imagine passar o tempo da sua pena se vendo assim e nunca de corpo inteiro, sem poder se enxergar de forma real.
 
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 o princípio da dignidade da pessoa humanaCapítulo
Marco fundamental na história do direito penal, o princípio da dignidade da pessoa humana constitui uma severa limitação do poder punitivo estatal, ocorre que é necessário também frear o Estado em sua ânsia de punir, principalmente quando nos encontramos com uma situação que pode gerar grande comoção social, em face do disposto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal.
A consequência primeira desse princípio é a de evitar degradação da pessoa humana, mantendo assim o seu direito a vida, saúde, saneamento básico, segurança e principalmente a vida. Evitando que haja uma ruptura do estado de Direito como houve no período ditatorial brasileiro. Do ponto de vista jurídico, ser digno significa ser reconhecido como sujeito de direitos, ser tratado como “alguém” e não como “algo”, ser contemplado como um sujeito que tem direito à vida, à liberdade,à segurança, à integridade moral e física e a todos os demais direitos oriundos do fato de se pertencer a uma comunidade jurídica.
Como escreve Ana Paula Lemes de Souza[footnoteRef:7]: [7: SOUZA, Ana Paula Lemes de. Dignidade humana através do espelho: o novo totem contemporâneo. In: Trindade 
] 
“A dignidade da pessoa humana se tornou, no ordenamento jurídico brasileiro, uma espécie de totem, um símbolo sagrado e indefinível, que circula duplamente entre as dimensões mágicas e práticas. Com seu poder simbólico, passou a figurar em demandas das mais diversas, trazendo sentidos cada vez mais distintos e inimagináveis para sua mensagem. Nos tribunais, esse metaprincípio passou a ser uma espécie de mestre ou xamã na grande manta principiológica ordenamentária, e tem se disseminado como uma palavra-chave, ou mantra sagrada, invocada como uma entidade jurídico-protetora dos oprimidos (ou, a depender, também dos poderosos).”
Porém, dizer que a dignidade humana é concretizada por meio dos direitos fundamentais não significa dizer que todo e qualquer direito necessariamente constitua um meio de sua realização direta. Os direitos, para serem compreendidos como fundamentais, requerem um conteúdo mínimo de valorização do homem, assegurando-lhe as bases necessárias para que seja valorizado como pessoa. ²
Tal repercussão se deu nitidamente após a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948[footnoteRef:8], promulgada pela Organização das Nações Unidas – ONU, consagrar de forma expressa a dignidade da pessoa humana, ao estabelecer em seu art. 1º que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. [8: Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)] 
Já no ordenamento jurídico brasileiro tal princípio se tornou relevante após o período ditatorial militar que o país viveu, sendo necessária a expressa previsão da dignidade da pessoa humana de forma expressa na nova Constituição, por temor que houvesse novamente os crimes contra a vida e a dignidade que ocorreram no período. O processo de redemocratização brasileiro demonstrou em sua totalidade a preocupação com a dignidade inerente ao ser humano e a sua necessidade de resguardar direitos que anteriormente foram descartados em nome do bem jurídico, no entanto o maior bem que o Estado deveria proteger graças a assembleia constituinte da época estão previstos nas cláusulas pétreas constitucionais. Evitando assim que haja uma deturpação de entendimentos independente do candidato eleito e seus princípios morais na época.
Nesse contexto, infere-se que o princípio da dignidade humana tem por objetivo assegurar a todo ser humano, pelo simples fato de ser humano, as condições mínimas indispensáveis para uma existência vital digna. A dignidade é inerente à própria qualidade de pessoa humana, sendo esta razão suficiente para se ter respeitado um núcleo mínimo de direitos essenciais a essa existência.
Com efeito, esse princípio é qualidade inerente a todo e qualquer ser humano, constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, independentemente de suas condições particulares de cada pessoa em concreto.
 
2.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito Penal
O Direito Penal compõe uma das ferramentas de que se vale o Estado para a proteção de todos os bens jurídicos necessários ao indivíduo e à sociedade. Seu principal objetivo é a tutela de bens que possuem altíssimo valor, independe do valor econômico e que não podem ser protegidos de forma suficiente pelos outros ramos do direito. Representa, então, a mais severa intervenção nos direitos fundamentais, seja do ponto de vista da vítima, ao sofrer a ação criminosa, seja do ponto de vista do agente do delito, com a punição que lhe será aplicada. Desse modo, necessária se faz a garantia de que a intervenção penal não viole esses direitos para que seja assegurada a condição de ser humano. 
A medida em que assegura a universalidade da dignidade da pessoa humana a qualquer indivíduo, reconhece aqueles que tenham cometido atitudes indignas possuem direitos que devem ser protegidos, tendo seus direitos protegidos, e não podendo ser desumanizados e tratados como animais independendo das condutas praticadas pelos mesmos. 
A vida e a dignidade são bens que não permitem sua modificação, sendo por isso a necessidade de estabelecer os limites necessários ao Estado para exercer o seu poder punitivo, todos os princípios penais se interacionam com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista o alto grau de intervenção dos Direitos Humanos na forma de tratamento do Estado com as pessoas contempladas pelo direito penal. Qualquer intervenção social promovida pelo Estado que não esteja em consoante com a os preceitos constitucionais devem ser considerados inconstitucionais
No ordenamento jurídico pátrio, encontram-se expressos na Constituição Federal diversos princípios penais, dentre os quais encontram-se diretamente ligados à ideia de dignidade humana e princípios da legalidade penal (art. 5º, XXXIX), da lesividade, da intervenção mínima e da humanidade das penas.
O princípio da legalidade, ou “nullum poena sige lege” estabelece que somente as leis poderão determinar as penas e os delitos, sendo que essas leis deverão ser elaboradas pelo Poder Legislativo, legítimo e representado pela vontade popular. A legalidade é a primeira ligação jurídica com a dignidade humana, assegurando o direito fundamental de liberdade contra a atuação estatal. Com a legalidade, os cidadãos passam a ter a garantias políticas contra a intervenção estatal em suas liberdades fundamentais, podendo fazer tudo o que não tiver expressamente proibido por lei, trazendo maior segurança jurídica ao ponto que permite o conhecimento prévio dos delitos e das penas que serão aplicadas, não podendo alegar o desconhecimento das mesmas e sendo vedada as penas ilegais.
O intuito da sanção penal é ressocializadora e educativa, alçando uma dimensão compatível com a dignidade humana, uma vez que a redução da criminalidade não ocorrerá por intermédio de punições severas e cruéis, causadoras de sofrimento físico, psicológico ou moral, parafraseando Cazuza é impossível o retorno do encarcerado a sociedade se permitimos seres humanos vivendo como bichos. Cabe ao aplicador do direito a missão constitucional de reparar o excesso legal produzido assegurando a concretização do princípio.
2.2 A Dignidade da Pessoa Humana e a Humanidade das Penas
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 5º, inciso VLVII que “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos dos art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados, d) de banimento; e) cruéis.” Desse modo consagra-se o princípio da humanidade das penas no ordenamento jurídico brasileiro. Esse princípio deriva diretamente da dignidade à medida que reconhece ao impedir que a pena seja utilizada como meio de instrumentalização e coisificação do homem. O artigo 1º, inciso III da Carta Magna limita o jus puniendi, sendo um dispositivo legal proibitivo “da adoção de penas que, por sua natureza, conteúdo ou modo de execução, atentem contra esse postulado, envilecendo o cidadão infrator ou inviabilizando definitivamente a sua reinserção social ou, ainda, submetendo-o a um sofrimento excessivo; proibitivo, enfim, de penas desumanas e degradantes.
Obviamente, as penas tem a função preventiva, devem consistir em “males” necessários para dissuadir a realização de outros delitos, desencorajando o indivíduo a repetir a conduta danosa a ele e a sociedade, e também a evitar que as pessoas façam justiça pelas próprias mãos. Ser desagradável é uma coisa inerente à pena, tendo em vista que sua aplicação vai contra a vontade do condenado, ninguém comete um delito na intenção de ser punido e sim com a intenção de não receber a punição pelo mal causado, mas essa pena não pode ser aplicada de forma a se desconsiderar a sua humanidade. Assim é necessário racionalizar e buscar a moderação na aplicação da sanção penal.
Nem mesmo por emenda constitucionalou a adesão de tratados internacionais as penas degradantes ou desumanas são permitidas em nosso ordenamento jurídico, também em nome desse princípio é vedada a adoção de penas exemplificadoras, pois neste caso estaria se tratando um delinquente como um exemplo para se obter efeitos sobre outras pessoas.
Desse modo, o princípio da humanidade das penas tem como principal objetivo fazer com que a sanção aplicada de forma que se respeite a natureza humana do indivíduo, para que possa atingir a sua finalidade de mais do que punir, ressocializar e não colocar o delinquente totalmente à margem da sociedade.
 
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3 	A violência como instrumento da justiça criminalCapítulo
 A violência policial é um marco na vida da mulher custodiada, é um dos primeiros contatos com a justiça criminal e o seu tratamento recebido por ela. Sendo a tortura exercida pelos policiais o início de suscetíveis violências que essas mulheres sofrem ao decorrer dos trâmites legais. Vemos que o nosso sistema prisional se vale de atitudes degradantes e vexatórias sem se preocupar com lesão causada a pessoa, seja ela presa ou do âmbito familiar.
 Milhares de mulheres sofrem com a violência em sua rotina, muitas delas são agredidas por seus companheiros e inclusive às fazem exercer as mesmas funções ilícitas que eles, essa violência é estendida até a nosso sistema justiça criminal que naturaliza essas práticas, e dão a elas funcionamento.
Conforme os dados analisados pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC (2017c) presentes em seu relatório MulheresSemPrisão identificou uma expressiva quantidade de mulheres entrevistadas relataram terem sidos agredidas por policiais no momento do flagrante:
“Contudo apenas 7,2% dos documentos de delegacia examinados havia registros a respeito da violência policial narrada. No relatório foram analisadas prisões em flagrante efetuadas no segundo semestre de 2014, quando as audiências de custódia não haviam sido implementadas e a apresentação a uma autoridade judicial só era feita meses após a prisão, inexistindo controle institucional quanto ao registro de violência pela delegacia.[footnoteRef:9] [9: Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC. MulheresSemPrisão, (2017c).] 
As audiências de custódia têm como função a apuração de abusos, tortura e maus tratos no momento do flagrante, porém a realidade é que há um descrédito na fala da custodiada e uma culpabilização pela violência, indicando que não haveria o tratamento na qual ela foi submetida se não tivesse reagido, por exemplo, se não há marcas no corpo, ou se foram ameaçadas.
Dentro do sistema penal há uma seletividade racializada que embasa uma maior violação dos corpos de mulheres negras e periféricas, evidenciando como as matrizes do sistema de justiça criminal brasileiro são influenciadas por uma concepção de crime e castigo alicerçada na punição do corpo negro, existe um grande resquício de uma escravocrata que trata de forma desigual os negros. Essas atitudes ilegais deveriam acarretar o relaxamento do flagrante, mas as falas dessas mulheres são desconsideradas em muitos dos casos pelos magistrados. 
Com relação à ausência de marcas de violência no corpo, as definições de tortura e de outras formas de maus tratos apresentadas por normativas como o Protocolo de Istambul e a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanas ou Degradantes – UNCAT em seu artigo 1º, bem como em documentos produzidos por organizações da sociedade civil, a exemplo da Associação para a Prevenção da Tortura – APT, dispensam a evidência de sinais físicos. 
1 
Violência Psicológica e/ou Verbal
Dificilmente o entendimento sobre violência engloba as agressões psicológicas imputadas as presas, sendo que envolvem diferentes formas de abusos e maus tratos que, não necessariamente, resultam em marcas físicas visíveis. Ou seja, desde ameaças de agressões e xingamentos até outras modalidades de abuso como humilhações de cunho sexual, uso excessivo de algemas e zigue-zague da viatura policial que, no mínimo, configurariam práticas ilegais por parte dos agentes estatais.
Entretanto as agressões físicas por serem mais fáceis de serem constatadas tem um peso maior que as agressões verbais, uma vez que, a palavra do agente policial tem um peso comprobatório maior que o da custodiada. Isso evidencia uma recorrente falta de atenção a violência psicológica, que pode ser tão ou mais danosa que a física. Muitas das custodias sofrem ameaças direcionadas aos seus filhos ou familiares, tornando o medo companheiro constante na sua jornada processual, já não bastando o peso do sistema judiciário criminal. 
Ademais, essa prática acaba sendo naturalizada pelas próprias mulheres que tenham sofrido eventualmente esse tipo de violência ao longo de sua vida, tendo o temor de denunciar os maus tratos sofridos e recebem em troca uma retaliação contra seus entes queridos ao invés de uma investigação da conduta recebida como determina o Protocolo II da Resolução nº 2013/2015.[footnoteRef:10]. [10: Resolução 213, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2015. Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.] 
 Revista Íntima Vexatória
A revista íntima é um procedimento obrigatório para possibilitar a entrada nos estabelecimentos prisionais, consiste no desnudamento e inspeção das cavidades corporais pelo qual as custodiadas são obrigadas a passar quando chegam aos presídios e as visitas para poderem visitar seus entes queridos que se encontram nessa situação. Essa prática, além de ser uma grave violação dos direitos humanos, perpetua a violência ao permitir que agentes do Estado mexam, toquem e controlem o corpo feminino
É considerada como violência sexual e tortura por organismos internacionais, bem como deve ser vedada pela Lei estadual n˚ 15.552/2014 e pela Resolução n˚ 05/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e de contrariar o disposições constitucionais contidas no artigo 5˚, incisos X, LIV e LVI da Constituição Federal de 1988, essa humilhação, violência e discricionariedade que permeia a realização da revista vexatória permanece mesmo em estados como São Paulo, no qual já fizeram as instalações de scanners corporais.
“A revista íntima obrigatória, antes e depois de qualquer visita ou periodicamente, faz com que a revista seja o “preço” que a mulher encarcerada tem que pagar para receber uma visita de seus filhos/as, seu companheiro, pois, para muitas, é muito difícil suportar a sensação de impotência e degradação durante a nudez e a recordação dos abusos sexuais prévios.”.[footnoteRef:11] [11: SIMÕES, Vanessa Fusco Nogueira. Filhos do cárcere, Editora Núbris Fabris, 2013.
] 
		Nem as crianças se safam dessa forma degradante e desumana de revista, tendo seus corpinhos violados simplesmente por estarem indo visitar sua mãe, o procedimento inclui a retirada de fraldas, calcinhas, cuecas ou qualquer coisa que estejam vestidos. Assim a revista íntima, além de ser traumático por si mesmo, pode estar impedindo que a mulher mantenha contato com a sua família.
		Procedimento semelhante tem sido aplicado fora do ambiente prisional, como meio de obtenção de provas durante a abordagem policial. Agentes da polícia militar e até mesmo guardas civis metropolitanos, em sua grande maioria homens, efetuam “buscas” nas partes íntimas das mulheres abordadas em vias ou locais públicos amparados pelo artigo 240, §2 do Código de Processo Penal. As pessoas privadas de liberdade deveriam ser revistadas somente por pessoas com o mesmo sexo que o seu, sendo vedada a revista por funcionários do sexo oposto.
“Como esta realidade ainda esta distante, seria ideal que os Estados capacitassem os funcionários de maneira a sensibilizá-los sobre a probabilidade que as mulheres com quem trabalham sofreram ataques violentos e/ou sexuais. Em alguns Estabelecimentos Prisionais já existem scanners corporais. Todavia, na imensa maioria, especialmente nos Estabelecimentos Femininos, arevista íntima ainda é regra.” [footnoteRef:12] [12: SIMÕES, Vanessa Fusco Nogueira. .idem
] 
Em 2009 o DEPEN adquiriu seis body scanners. Eles foram distribuídos a seis Estados brasileiros: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Amazonas.
Mesmo com a utilização de equipamentos modernos que visam eliminar essa violência nos estabelecimentos carcerários vemos noticias diariamente dessas práticas desumanas. Um exemplo é a notícia veiculada pelo jornal Folha de São Paulo no dia 1 de outubro de 2019[footnoteRef:13] que traz no título de sua matéria que uma mulher e sua filha receberão R$ 100.000,00 (cem mil reais) por mau uso de scanner em penitenciária, o Estado terá que indeniza-la por ter sido forçada a realizar exames invasivos, que não detectaram drogas em seu útero. [13: PAULO, Folha de São: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/10/mulher-recebera-r-100-mil-apos-penitenciaria-revistar-seu-utero-em-visita-com-a-filha.shtml] 
A mãe e a criança foram coagidas e ameaçadas por policiais militarem que pediam para a mesma entregar as drogas, caso contrário chamariam o conselho tutelar para levarem sua filha. As duas acabaram conduzidas ao Hospital do Mandaqui, próximo à penitenciária de Santana, lá foi forçada a realizar exames médicos invasivos sem o seu consentimento – já que, se não se submetesse aos procedimentos seria presa, de acordo com as ameaças dos policiais. Enquanto se sucediam os testes e os exames, as agressões verbais continuaram, mesmo depois de ela informar que poderia estar grávida.
“Mesmo após a instalação dos scanners corporais, a lógica de desumanização [nas visitas] não foi alterada, ela só tem criado novos mecanismos de punição aos familiares de pessoas privadas de liberdade. Afirmam os três defensores do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria que assinam o documento pedindo a indenização, Leonardo Biagioni, Mateus Moro e Thiago Cury”.[footnoteRef:14] [14: Idem.] 
A naturalização da prática e, consequentemente, a legitimação do uso de formas vexatórias de revista durante o procedimento criminal geram impedimentos à sua identificação e aos encaminhamentos que seriam devidos, como a constatação da ilicitude da prova obtida. 
Condições Carcerárias
	O sistema penitenciário brasileiro é um reflexo de sua justiça criminal, muita das vezes falho e inapto para as questões sociais que envolvem um crime e sua punição por esse ato praticado. A grande maioria das mulheres que se encontram encarceradas são provenientes de lares desestruturados e violentos, onde o abuso é a realidade que elas conhecem, a vida do crime caminha se cruza com a necessidade de uma vida nova, uma condição financeira melhor para si e seus familiares ou até uma forma de libertação da opressão em que vivem.
			Os presídios deveriam sobrepujar essa dura realidade e oferecer a ressocialização juntamente com a sanção, porém há um descaso reforçado nas instituições fechadas destinadas à população feminina. O Estado brasileiro não tem garantido, em detrimento do que dispõe seu ordenamento jurídico, condições adequadas para o cumprimento de pena de privação de liberdade. As violações do Estado ocorrem quando é priorizada a construção de unidades prisionais masculinas e ao se manter uma parcela significativa da população encarcerada feminina do país em delegacias e cadeias públicas.
			A histórica e sistemática priorização no atendimento aos homens encarcerados, somada à diferenciação	discriminatória de políticas públicas que não tem apresentado a garantia de isonomia de tratamento entre a população carcerária existente no país em discrepância com o previsto no artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988.
			Quase todas as penitenciárias femininas existentes estão localizadas em prédios “reformados”: ou eram penitenciárias masculinas, cadeias públicas, ou, ainda prédios públicos em situação de desativação. Essa realidade determina as questões preocupantes de salubridade e habitabilidade, como são feitas reformas paliativas e pouco se altera na estrutura dos prédios há uma excessiva presença de mofo, infiltrações, roedores, umidade, escassez de saneamento básico oferecendo risco à saúde das encarceradas.
			As cadeias públicas apresentam condições muito piores do que as penitenciárias. As condições de saneamento nessas cadeias se caracterizam por falta de água, água contaminada, tubulações quebradas e enferrujadas, que resultam no vazamento de água e de excrementos, que frequentemente invadem as celas onde as presas se encontram.
“Ao lado da inadequação dos alojamentos das presas, as condições insalubres dessas cadeias se repetem em todos os estados. Há cadeias superlotadas onde as detentas têm de dormir no pátio a céu aberto e celas sem cama, nas quais todas as detentas dormem amontoadas no chão, inclusive presas doentes, idosas e grávidas. Algumas celas, quando vistas de fora, se assemelham a verdadeiros tapetes humanos.” [footnoteRef:15]. [15: Carcerária, Pastoral. Relatório sobre as mulheres encarceradas no Brasil. 2007.] 
Maus Tratos nos Estabelecimentos Prisionais
A violência institucional, praticada por agentes do Estado contra as mulheres encarceradas é frequentemente denunciada às organizações da sociedade civil a que elas têm acesso, realidade diferente daquela vivenciada por homens privados de sua liberdade em que sofrem espancamentos coletivos, torturas individuais, combates violentos com funcionários que encontram no uso da força física um instrumento de autoridade e poder, apesar das práticas de castigo e humilhação serem frequentes a tortura psicológica é amplamente utilizada, por meio de ameaça e violência ou constrangimento sexual, nas unidades prisionais onde os funcionários são homens.
“Na Penitenciária Feminina de Tucum, Espírito Santo, as presas relataram que ocorreram espancamentos após fuga ocorrida no dia 07 de julho de 2007, realizada por presas da cela 07 (sete). Foi unânime a fala das detentas de que o Coronel Rodrigues teria agido de forma repressora, efetivando diversas ameaças verbais do tipo: “Se vocês não conhecessem o diabo, vão conhecer agora, e irão chorar lágrimas de sangue...”, “o pior ainda está por vir”, fizeram as presas repetirem no frio “se o crime é a doença o choque é a cura”, durante o castigo fizeram as presas apesar do intenso frio dizer: “está muito, muito calor”. Também foram proferidos ofensas e chingamentos como: “piranha”, “vadia”, “vagabunda”, “bando de desgraçadas; elas também relatam que o Coronel Rodrigues levou para um banheiro escuro algumas presas, onde as mesmas foram espancadas por policiais com ripas de madeira, cabo de vassoura e cassetete.[footnoteRef:16]”. [16: Carcerária, Pastoral. Relatório sobre as mulheres encarceradas no Brasil. 2007.] 
		Doze anos se passaram desde o fato ocorrido no estado do Espírito Santo, e parece até um fato isolado casos como esse, porém a dura realidade é que agressões como essas ocorrem diariamente em diversas cadeias femininas espalhadas pelo Brasil. O Centro de Reeducação Feminino de Ananindeua, região metropolitana de Belém (PA) enfrenta uma violenta crise e sistemáticas violações aos direitos humanos no tratamento que destina a suas detentas.
			As detentas foram acordadas às quatro horas da manhã no dia 04 de setembro de 2019[footnoteRef:17] por homens da Força Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), em sua primeira intervenção no presídio. Os agentes atiraram bombas dentro dos cárceres e aplicaram spray de pimenta mesmo sem a possibilidade de fuga das detentas. Algumas delas foram arrastadas, espancadas com cassetetes, obrigadas a se sentarem somente de roupa íntima em cima de formigueiros. Uma postura completamente sádica e desumana que só fica pior conforme o relatado nos veículos midiáticos e relatório oficial da OAB paraense. [17: Brasil de Fato: https://www.brasildefato.com.br/2019/09/26/em-presidio-feminino-no-para-presas-tiveram-de-sentar-seminuas-em-formigueiro/?fbclid=IwAR2A5Ybvn8gaNsCXAk0pJDzBKeAarJmxjux2PrJ4uUjIMDtr20w966G-iQg]Foram sete dias, sem fazer higiene pessoal. A comida ofertada estava azeda, crua ou mal cozida e elas bebiam água da torneira. Há relatos de presas que menstruaram em seu próprio uniforme, porque não havia absorvente. As violações de direitos humanos descritas constam no Relatório de Inspeção Carcerária do Centro de Reeducação Feminina de Ananindeua.
			A força-tarefa, composta por agentes federais, foi autorizada pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, a pedido do Governador Helder Barbalho. A ideia era que os homens atuassem em atividades de vigilância, guarda e custódia, mas a realidade é que atuaram de forma opressiva e violenta e com uma ampla violação das leis contra a tortura e direitos humanos vigentes no país.
			Segundo o artigo 1º da Lei n° 9.455, de 1997[footnoteRef:18]: tortura é “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”. A Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes adotada pela Resolução 39/46, da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1984 - ratificada pelo Brasil em 28.09.1989 aduz em seu artigo 2º, caput que “Cada Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição.”. Em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais, como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, como justificação para a tortura. [18: Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências.
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			Também há relatos de tortura nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Goiás e Rio de Janeiro. Porém, é importante reconhecer que há muitas unidades prisionais onde não existem tortura, e diretores que não toleram qualquer tipo de abuso contra as detentas.
Violência Sexual
			As mulheres encarceradas também são submetidas à recorrente violência sexual praticada tanto por funcionários(as) quanto por presos masculinos nas cadeias mistas. No Brasil 16% dos estabelecimentos carcerários são mistos, porém, não há dado oficial disponível de quais são as unidades prisionais que possibilitam essa convivência. Em algumas unidades prisionais as mulheres são obrigadas a dividirem suas celas com adolescentes e homossexuais masculinos.
			Verifica-se, neste universo, além da falta de privacidade impelida a essas mulheres, que elas sofrem constante violência sexual e engravidam enquanto encontram-se privadas de liberdade nesse tipo misto de instituição fechada e sob a tutela de funcionários homens. Esses funcionários quando não são os abusadores, compactuam com os abusos, e acabam por transformar as penitenciárias em verdadeiros prostíbulos, possibilitando que por meio da “troca de favores” entre os presos e carcereiros que as mulheres continuem vítimas mesmo sendo tutelada pelo Estado.
			As mulheres que sofrem violência sexual ou trocam relações sexuais por benefícios ou privilégios não denunciam os agressores por medo, uma vez que, vão seguir sob a tutela de seus algozes. Muitas mulheres que levaram a denúncia adiante se viram sendo transferidas para outro presídio mais distante de sua família como forma de retaliação.
			A legislação interna do estabelecimento penitenciário prevê que, em caso de estupro ou atentado violento ao pudor, somente a própria vítima pode iniciar a apresentação da denúncia.
Falta De Acesso A Produtos De Higiene
			A maioria das mulheres encarceradas não recebem por parte do Estado os produtos essenciais de higiene e asseio, como papel higiênico, pasta de dente, xampu, entre outros. O acesso fica restrito à capacidade da família em comprar e entregar esses produtos nos dias de visita. Um quadro de extremo desrespeito a os direitos da mulher, a maioria das cadeias públicas sequer disponibilizam absorventes íntimos para as presas.
			Há notícias de que aquelas que não têm família ou amigas que possam ceder o produto, passam o mês inteiro acumulando miolo de pão para improvisar absorventes para o período menstrual. Claro que não é a realidade da maioria das mulheres encarceradas, muitas trocam trabalho por itens de higiene que são essenciais.
“A segunda dimensão para problematizar a falta de itens de higiene diz respeito a quais são as políticas públicas pelas quais devemos lutar. A ênfase nos absorventes sugere que o grave problema a ser combatido é a falta de recursos na prisão. De fato é fundamental que todas as pessoas presas tenham acesso aos bens materiais de que necessitam no seu dia a dia, como é previsto no art. 11 da Lei de Execução Penal, mas a política defendida pelo ITTC não é de ampliação na distribuição de suprimentos básicos, mas de redução do encarceramento.”.
“A violência da prisão não ocorre simplesmente porque mulheres são tratadas da mesma forma que homens na prisão – que seria a justificativa para a falta de absorventes -, mas porque o gênero é instrumentalizado como mecanismo de controle. É isso o que ocorre quando as mulheres são punidas com faltas disciplinares porque seus bebês estão chorando ou quando são obrigadas a usarem anticoncepcionais para terem visita íntima.” [footnoteRef:19]. [19: ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania: http://ittc.org.br/ittc-explica-mulheres-presas-miolo-de-pao/] 
Descaso a Saúde da Mulher no Sistema Prisional Brasileiro
			A atenção médica no Sistema Prisional feminino no Brasil também apresenta situações de descaso e falência similares a situação vivenciada nas unidades prisionais masculinas. Não obstante, apresenta também características peculiares às doenças físicas e emocionais que, no contexto do encarceramento, incidem com intensidade diferenciada.
			As condições das edificações das unidades prisionais, afetam diretamente a saúde física e mental das mulheres presas. Mais uma vez as más condições de habitabilidade, superpopulação e a insalubridade são fatores motivadores de doenças infecto contagiosas, como tuberculose, micose, leptospirose, pediculose e sarna. O ambiente degradante contribui com o cenário de baixa estima alimentando doenças de âmbito emocional como a depressão, ansiedade, melancolia, angústia e pânico.
			Inexistem dependências destinadas aos cuidados relacionados a saúde. Não há previsão orçamentária para promover qualquer serviço de saúde, ou atendimento emergencial. Em algumas cadeias públicas uma cela é convertida em enfermaria improvisada, com escasso equipamento médico e sem profissionais qualificados para promover as consultas médicas. Já nas penitenciárias com regularidade encontram-se lugares improvisados utilizados como enfermarias. Existem poucas celas para observação e poucas asseguram as condições sanitárias adequadas.
			O atendimento médico fora das unidades prisionais encontra um grande obstáculo, que é a falta de escolta policial para acompanhar a encarcerada até um hospital ou posto de saúde. Os diretores das penitenciárias relatam que chegam a perder sete de cada dez consultas agendadas por falta de escolta policial.
			O atendimento ginecológico não está disponível nas Cadeias Públicas, o exame de papanicolau, que pesquisa a possibilidade de câncer nos órgãos genitais e reprodutores também embora deva ser realizado uma vez ao ano, na grande maioria das unidades prisionais nunca foi disponibilizado tal exame para controle. A solicitação de exame de HIV e outros casos de exames preventivos não são prontamente realizados, e quando são efetivados, há casos que os resultados não são compartilhados com as interessadas ou comunicados a um médico por meses. E quando detectada tais doenças, que exigem um cuidado especial, o tratamento respectivo não é necessariamente oferecido pelo Estado.
			Em muitas unidades prisionais, especialmente em cadeias públicas, o controle e prevenção de doenças são inexistentes. Não existe qualquer programa voltado à prática de atividades físicas, laborais e recreativas, que são de extremaimportância à saúde mental, física, além de contribuírem para evitar doenças. As mulheres estão submetidas ao ócio.
MATERNIDADE NA PRISÃO E OS REFLEXOS DA PENA NA CRIANÇA ENCARCERADACapítulo
		Não há como se falar em infância sem observar a maternidade. Ora não há criança sem mãe. Em razão disso, compreender a problemática da primeira infância, a proteção política e a tutela jurídica da mãe implicam proteção e tutela da própria criança. 
		A população carcerária do país é composta de mais de 725 mil pessoas, e esse número vem crescendo vertiginosamente. Prender cada vez mais não tem contribuído para reverter os indicadores de violência, ao contrário, a política de encarceramento, o uso excessivo das prisões provisórias e a ação seletiva e, tantas vezes, violenta da polícia tem sido um marcante instrumento de marginalização, desumanização e inegável expressão das injustiças étnico-raciais e sociais no Brasil.
		Nesse contexto, o encarceramento feminino cresceu, proporcionalmente, mais que o masculino: entre os anos 2000 e 2018, houve um aumento de 656% da população carcerária feminina, enquanto a masculina aumentou 293%. Cerca de 41% da população de mulheres privadas de liberdade está presa provisoriamente, ou seja, ainda não foi julgada e não possui sentença contra si. Segundo os dados do Infopen, a maioria das mulheres em estabelecimentos prisionais atualmente responde por crimes praticados sem violência. 
		Conforme o relatório “Aplicação do Marco Legal da Primeira Infância para o desencarceramento de mulheres” do Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC:
			“Além do tipo de crime, há um perfil comum entre as mulheres selecionadas pelo sistema penal: 50% têm entre 18 e 29 anos, 62% delas são negras, 45% não chegou nem completar o Ensino Fundamental e em sua maioria possuem grande dificuldade de acesso a ocupações profissionais formais. Ainda 74% das mulheres privadas de liberdade possuem filhos e filhas. Assim, fica claro que essas mulheres pertencem a grupos sociais marcados por uma nítida vulnerabilidade socioeconômica, sofrendo uma série de privações, dificuldades e violências em seu cotidiano, que se intensificam com a sua prisão.” [footnoteRef:20]. [20: ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania, Relatório MaternidadeSemPrisão, São Paulo: 2019] 
		No caso específico das mulheres os papéis de gênero a elas impostos fazem com que a maternidade venha à tona como elemento central da experiência com o sistema prisional. Sendo socialmente atribuída às mulheres a responsabilidade prioritária pelos cuidados domésticos e familiares, sua privação de liberdade gera efeitos sobre toda a estrutura familiar e comunitária na qual estão inseridas.
		Há uma crescente atenção às mulheres encarceradas que tem filhos ou estão gestantes, sobretudo com a aprovação das “Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras”, conhecida também como “Regras de Bangkok”, foi sancionada e publicada a Lei 13.257 de 2016, ou Marco Legal de Atenção à Primeira Infância. A referida lei ampliou as hipóteses de prisão domiciliar, determinando que seja aplicada a mulheres presas provisoriamente, que sejam gestantes, mães de crianças com até 12 anos, ou com filhos e filhas que sejam pessoas com deficiência.
Antes da Lei 13.257/16[footnoteRef:21] a prisão domiciliar só era cabível, dentro de outros casos para gestantes a partir do sétimo mês de gestação ou com gravidez de alto risco. Em março de 2017, a prisão domiciliar para mãe em cárcere ganhou notoriedade após o caso Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro, teve a prisão preventiva convertida em prisão domiciliar. Este caso demonstra a violência estatal que centenas de mulheres sofrem diariamente. [21: Lei Nº 13.257, DE 8 DE MARÇO DE 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012.] 
Segundo levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), somente 426 mulheres, das 10.693 potenciais elegíveis, tiveram a prisão domiciliar concedida entre fevereiro e outubro de 2018. Esse número representa apenas 1% do total de mulheres encarceradas no Brasil e cerca de 2,2% do total de presas provisórias.
O grande problema dessa negativa à prisão domiciliar é que as gestantes que dão a luz nos estabelecimentos prisionais não encontram um estabelecimento adequado para conviver com seu filho durante o estabelecido por lei. Essa criança que está em pleno desenvolvimento terá uma forte propensão para ser agressiva, violenta, hostil, pois se a mãe que a carrega no ventre é obrigada entrar em confronto com as demais detentas, as vezes é agredida pelos próprios servidores, xinga, grita para fazer valer seus direitos, certamente essa criança será do mesmo jeito ou pior. Aqui ela vive no útero como se encarcerada estivesse, lutando por seus direitos, brigando com seus oponentes, respirando o mesmo ar que o Estado oferece à mãe. Traumas que não tem retorno, raramente serão feridas que serão curadas.	
Quantidade Limitada De Estabelecimentos Prisionais Voltados Às Mães E Grávidas.
		A maioria das prisões, representada por 58,09% autoriza a permanência de crianças até os seis meses de vida, 12,09% até os quatro anos de idade e 9,7% enquanto amamentar e 6,05% até os dois anos de idade. Com relação aos estabelecimentos com berçário, apenas 19,61% das prisões femininas possuem berçários ou estruturas separadas das galerias prisionais. As mães passam, na maioria dos casos, o período integral com seus filhos, nos casos em que não há essa possibilidade as mães permanecem no local durante o dia e retornam para as celas durante a noite em companhia de seu filho ou voltam para a cela sem a companhia da criança.
		A respeito dos estabelecimentos com berçário apenas 16,13 das prisões possuem creches, e em 51,61% das prisões possuem locais improvisados para atendimento às crianças, em sua maioria os espaços estão restritos à própria cela. No Rio Grande do Sul, o único alojamento conjunto para mães e bebês é denominado “creche”, se localiza dentro da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre.
		O alojamento conjunto para mães e filhos dentro da prisão surgiu para que as mães pudessem permanecer com seus filhos durante o período de amamentação, visto que é uma fase de suma importância no desenvolvimento. Além disto, muitos dos filhos das apenadas encontravam-se em estado de abandono. Apesar do nome, a galeria “creche” se diferencia de uma creche real, pois esta última se caracteriza por ser um ambiente especialmente criado para oferecer condições ótimas, que propiciem e estimulem o desenvolvimento integral e harmonioso da criança sadia nos seus primeiros quatro anos de idade.
		A função da galeria creche é alojar as mães com seus filhos, até que esses completem três anos de idade. Também é um local diferenciado de uma creche tradicional, pois não há cuidadores terceirizados ou treinados para o zelo infantil, consequentemente as crianças passam o dia inteiro com suas mães.
		
	
	
	
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AS REGRAS DE BANGKOK E O TRATAMENTO IGUALITÁRIO AS MULHERES PRESASCapítulo
O marco normativo internacional chamado Regras de Bangkok – Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras partem para o parâmetro de reconhecimento da diferença como parâmetro para o alcance do trato igualitário a mulheres. Nesse sentido, o valor social da maternidade e as diferenças nas formas de violência, por exemplo, devem ser levados em consideração pelos países signatários, dos quais o Brasil faz parte, para a (re) construção de políticas públicas.Ainda que o Governo Brasileiro tenha participado ativamente das negociações e elaborações dessas regras e sua aprovação junto a Assembleia das Nações Unidas. Embora o governo brasileiro tenha participado ativamente nas negociações e elaboração dessas regras, até hoje o Brasil não internalizou tais mandamentos, apresentando apenas pequenas rupturas na legislação pátria, mesmo sabendo que assumiu compromisso internacional para tanto.
Historicamente, a ótica masculina sempre foi tomada como regra para o contexto prisional, com a prevalência de serviços e políticas penais voltados à figura do homem preso, deixando para segundo plano as problemáticas e discrepâncias que envolvem a realidade prisional feminina, que se relacionam com fatores diversos como etnia, nacionalidade, situação financeira, maternidade e situação de gestação, entre tantas outras nuances. O que contribui fortemente para invisibilidade das necessidades dessas mulheres.
O Pacto de San José da Costa Rica[footnoteRef:22], que antecedeu as Regras de Bangkok, já determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade. Porém viu-se necessária a criação dessas regras visto o descumprimento mundial ao tratamento de mulheres encarceradas. [22: CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969)] 
O relatório MulheresSemPrisão do Instituto Terra Trabalho e Cidadania[footnoteRef:23] – ITTCnos direciona ao impacto que este tratado representou no Direito Brasileiro, pois foi a partir desse marco que elas começaram a fazer parte de normativas. Além disso, houve um aumento considerável de referências às Regras em julgamentos posteriores, bem como inovações legislativas. [23: ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania, Relatório MulheresSemPrisão, São Paulo: 2018.] 
As Regras de Bangkok complementam as Regras mínimas para tratamento de reclusos, levando em consideração as distintas necessidades das mulheres presas, buscando a atenção para essas necessidades para atingir a igualdade material entre os gêneros e não haja discriminação. 
As presas recém-ingressadas ao sistema prisional devem receber atenção adequada, contato com familiares, acesso a assistência jurídica, informações sobre as regras e regulamentos das prisões e o regime prisional do qual se encontram. Sendo necessário também o registro dos números e dados pessoais dos filhos (as) dessas mulheres, devendo conter os nomes, idade, sua localização e situação de custódia. Deverão ser alocadas em prisões próximas ao seu meio familiar, na medida do possível, ou local de reabilitação social.
A higiene é um ponto sensível para diversas mulheres dada a situação de extrema pobreza que vivem e é função do Estado fornecer instalações com os materiais exigidos para satisfazer as necessidades de higiene específicas.
Observando todos os itens contidos nessa Regra notamos o alto nível de descumprimento do Governo Brasileiro no trato de suas mulheres custodiadas, visto que é público o despreparo dos agentes públicos no manejo dessas mulheres. 
O ponto principal é a preocupação mundial com a saúde física e mental dessas mulheres, reafirmando a obrigação estatal em promover diversos programas voltados a essa área sejam eles para o tratamento do consumo de drogas, prevenção do HIV e o tratamento para o caso de mulheres já infectadas, prevenção ao suicídio, exame médico e o seu acompanhamento nos estabelecimentos prisionais.
O artigo 5º, caput da Constituição Federal diz “todos são iguais perante a lei”, independentemente de qualquer situação socioeconômica, esses casos só servem para mostrar de forma explícita que o sistema processual brasileiro pune os já marginalizados e excluídos, tratando de forma diferenciada pessoas com um status social elevado. A desumanização da mulher e sua invisibilidade começam quando as questões étnico-econômicas têm um “peso” maior na balança jurídica do que a própria legislação e procedimentos jurídicos vigentes.
A dignidade e respeito às mulheres são o objetivo desse tratado internacional, devendo se assegurar o respeito durante as revistas pessoais, muitas delas são conduzidas de forma vexatória, as quais apenas funcionárias que tenham sido devidamente treinadas a efetuar esse procedimento. A segregação ou isolamento disciplinar. 
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considerações finais
O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência, a forma desumana e degradante na qual as mulheres são tratadas no sistema processual penal e penitenciário no Brasil.
O interesse pelo tema apresentado deu-se pelo crescente número de mulheres apenadas, o que acarretou de certa forma, um clamor social, que pugna por medidas mais humanas para diminuir os resultados que se apresentam.
O crescimento no número de mulheres presas influenciou na elaboração de diversos relatórios, tratados internacionais e legislações que entraram em vigor na Federação. Principalmente as Regras de Bangkok, e a Lei 13.257 de 2016, ou Marco Legal de Atenção à Primeira Infância. Influenciou, outrossim, no Habeas Corpus 143.641 do Supremo Tribunal Federal, que determinou a aplicação domiciliar para as mães e gestantes nessas condições.
Para seu desenvolvimento lógico, este trabalho foi dividido em cinco capítulos.
O primeiro capítulo cuidou de abordar a evolução histórica dos estabelecimentos carcerários e o surgimento dos presídios femininos no Brasil, que se verifica presente quando os mesmos problemas persistem mesmo nos dias de hoje.
Já o segundo capítulo destinou-se ao estudo do principio norteador no Estado de Direito, a conduta humana, e o tratamento humano destinado as penas. O principio da dignidade da pessoa humana como pilar fundamental das relações jurídicas penais.
No terceiro capítulo, a abordagem concentrou-se nos diferentes tipos de violência a qual essas mulheres são submetidas diariamente, desde o primeiro contato com a justiça criminal até ao estado em que se encontram os estabelecimentos carcerários no Brasil.
O quarto capítulo tratou das mães presas e das gestantes de forma mais direta e os reflexos da pena na criança que se encontra encarcerada juntamente com sua progenitora, e os malefícios desses estabelecimentos desestruturados para a formação psicossocial dessa criança.
No quinto e último capítulo, foi trazida as Regras de Bangkok e o direcionamento internacional que o Brasil se comprometeu a seguir para promover um tratamento igualitário destinado às mulheres presas. 
Percebeu-se, assim, que toda a cadeia da justiça criminal, desde o contato com a instituição policial até o destino final dos presídios, sintonizados com a falta de sentimento e empatia que se instaurou na sociedade brasileira, começaram a ver essas mulheres marginalizadas como menos merecedoras de um tratamento humanitário.
Por fim, retorna-se a hipótese levantada na introdução:
· A inconstitucionalidade no tratamento destinado as mulheres apenadas no sistema carcerário brasileiro.
A hipótese foi confirmada pelo resultado da pesquisa.
Verificou-se que, mesmo havendo diretrizes para o direcionamento destinado às mulheres presas no Brasil, não há um reconhecimento de fato dos direitos adquiridos por essas mulheres.
A possibilidade na melhoria do tratamento destinado a essas mulheres em situação de vulnerabilidade não se trata, portanto, de uma desvirtuação da norma penal, mas sim de uma maneira coerente com a lei de punir de forma justa e humanitária essas infratoras.
Afinal, não se pode esquecer que o Estado tem a obrigação de resguardar a integridade dos bens jurídicos tutelados por ele, e o bem jurídico mais importante, sem sombra de dúvidas, é a vida e a dignidade humana.
REFERÊNCIAS
SOUZA, Ana Paula Lemes de. Dignidade humana através do espelho: o novo totem contemporâneo. In: Trindade 
MELLO, Sebástian Borges de Albuquerque. O conceito material de culpabilidade: o fundamento da imposição da pena a um indivíduo concreto em face da dignidade da pessoa humana. Salvador: Jus Podivm, 2010, p.46.
GRECO, Rogério. O sistema prisional: o colapso atual e soluções alternativas. Editora Impetus, 4ª edição, Niterói – Rio de Janeiro, 2017.
SIMÕES, Vanessa Fusco Nogueira. Filhos do cárcere, Editora Núbris Fabris, 2013.
Relatório Maternidade sem Prisão – Instituto Terra Trabalho e Cidadania. 
Disponível em: 
<http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2019/09/maternidadesemprisao-aplicacao-marco-legal.pdf>
Relatório Mulheres sem Prisão – Instituto Terra Trabalho e Cidadania.
Disponível em: 
<http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2017/03/relatorio_final_online.pdf>
Carcerária, Pastoral. Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil, Fevereiro de 2007.
Disponível em: 
<https://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2013/02/Relato%CC%81rio-para-OEA-sobre-Mulheres-Encarceradas-no-Brasil-2007.pdf>. 
Habeas Corpus 143.641 do Supremo Tribunal Federal.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC143641final3pdfVoto.pdf>
Matéria jornalística veiculada sobre violência prisional.
Disponível em:
<https://www.brasildefato.com.br/2019/09/26/em-presidio-feminino-no-para-presas-tiveram-de-sentar-seminuas-em-formigueiro/?fbclid=IwAR2A5Ybvn8gaNsCXAk0pJDzBKeAarJmxjux2PrJ4uUjIMDtr20w966G-iQg>
Matéria jornalística veiculada sobre revista íntima vexatória.
Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/10/mulher-recebera-r-100-mil-apos-penitenciaria-revistar-seu-utero-em-visita-com-a-filha.shtml>
Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok).
Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf>
Brasil, Lei 13.257 de 8 de março 2016.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm>
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasil. Código Penal. Decreto lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948
Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres, 2ª edição
Disponível em: 
<http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf>
Lei de Execução Penal 7.210, de 11 de julho de 1984.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>

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