Buscar

Aula-01-a-10-CURRÍCULOS-EDUCACIONAIS-1-mesclado

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 99 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 99 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 99 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

CURRÍCULOS EDUCACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
VOTUPORANGA - SP
http://faculdadefutura.com.br/
 
1 
 
 
1 O CURRÍCULO ESCOLAR 
 
 
Fonte: www.cdn.skim.gs 
O Currículo Escolar é um elemento importante para o planejamento do 
professor, pois pode organizar os conteúdos e as atividades, contudo ele é um recurso 
para o educador e não uma lei rígida ou um mandamento a ser seguido 
metodologicamente, ele pode ser usado como um norte para a práxis pedagógica, 
com flexibilidade de ajustes para melhor atender as necessidades dos educandos. 
Sendo que, cada instituição pode construir o seu currículo, ou este fazer parte da rede 
escolar, podendo usar os livros didáticos no auxilio desta construção. 
A origem da palavra currículo – currere (do latim) – significa carreira, por isso 
ele é uma caminhada dentro do processo ensino e aprendizagem, que vai ajustando 
os conteúdos a realidade dos educandos. Ele não é único no nosso país, mas os 
Parâmetros Curriculares Nacionais oferecem uma sugestão, uma forma de definição 
das disciplinas e distribuição dos conteúdos entre os componentes curriculares 
propostos. Devido à dimensão territorial e à diversidade cultural, política e social do 
país, nem sempre os Parâmetros Curriculares chegam às salas de aula. 
Não se separa conteúdos de processo de instrução, ou seja, ação em 
desenvolvê-lo em consonância com atividades práticas. Segundo Sacristàn (1998), 
sem conteúdo não há ensino qualquer projeto educativo acaba se concretizando na 
 
2 
 
aspiração de conseguir alguns efeitos nos sujeitos que se educam (...) quando há 
ensino é porque se ensinam algo ou se ordena o ambiente para que alguém aprenda 
algo (...) a técnica de ensinar não pode preencher todo o discurso didático evitando 
problemas para o conteúdo colocado. 
Assim, a educação pode ser compreendida como sendo uma atividade 
expressa de formas distintas onde tanto o conteúdo programático e a didática usada 
possam transformar o currículo em uma ação que produza a aprendizagem. 
Defini-lo não é uma tarefa muito fácil, mas é importante na produção de novas 
subjetividades no mundo contemporâneo. Daí o entendimento do currículo escolar 
como um caminho, um curso ou uma listagem de conteúdos que devem ser seguidos 
(GOODSON, 2005). 
Nessa perspectiva, o termo está intimamente vinculado à ideia de 
sequencialidade e de prescrição. Em relação à ideia de transitoriedade Silva (2005) 
diz que: Uma história do currículo tem que ser uma história social do currículo, 
centrada numa epistemologia social do conhecimento escolar, preocupada com os 
determinantes sociais e políticos do conhecimento educacionalmente organizado. 
Enfim, tem que descobrir quais conhecimentos, valores e habilidades eram 
considerados verdadeiros e legítimos numa determinada época, assim como 
determinar de que forma essa validade e legitimidade foram estabelecidas (SILVA 
2005, p.10-11). 
Em Silva (2005) encontra-se a ideia de vários currículos constroem sujeitos 
também diferentes sendo diferenças sociais: Diferentes currículos produzem 
diferentes pessoas, mas naturalmente essas diferenças não são meras diferenças 
individuais, mas diferenças sociais, ligadas à classe, à raça, ao gênero. Dessa forma, 
uma história do currículo não deve ser focalizada apenas no currículo em si, mas 
também no currículo como fator de produção de sujeitos dotados de classe, raça, 
gênero. 
Nessa perspectiva, o currículo deve ser visto não apenas como a expressão ou 
a representação ou o reflexo de interesses sociais determinados, mas também como 
produzindo identidades e subjetividades sociais determinadas. O currículo não apenas 
representa, ele faz. É preciso reconhecer que a inclusão ou a exclusão no currículo 
tem conexões com a inclusão ou exclusão na sociedade (SILVA, 2005, p.10) . 
 
3 
 
1.1 Currículo escolar: limites e possibilidades 
 
 
Fonte: www.teach.nsw.edu.au 
Podemos dizer que ensinar, uma das funções essenciais da escola, é promover 
a “transposição didática” de conhecimentos, um processo que torna os saberes 
“ensináveis, exercitáveis e passíveis de avaliação” e em que é possível distinguir três 
fases de transformação: 
1ª - da cultura extraescolar para o currículo formal; 
2ª - do currículo formal para o currículo real; 
3ª - do currículo real para a aprendizagem efetiva (PERRENOUD, 1993). 
 
E para que isso se realize, a escola precisa construir um currículo que: 
Concilie os conhecimentos científicos que presidem a produção moderna e o 
exercício da cidadania plena, a formação ética e a autonomia intelectual, as 
competências cognitivas e as sociais, o humanismo e a tecnologia; 
Considere as múltiplas interações entre os conteúdos das disciplinas e a 
abertura e a sensibilidade para identificar as relações entre escola e vida pessoal e 
social, entre o aprendido e o observado, entre o aluno e o objeto do conhecimento e 
entre a teoria e suas consequências e aplicações práticas como pressupostos 
decisivos de sua organização; 
 
4 
 
Reconheça a linguagem como elemento primordial para a constituição dos 
conceitos, relações, condutas e valores, o conhecimento como construção coletiva e 
a aprendizagem como mobilizadora de afetos, emoções e relações humanas (COLL, 
1997); 
Selecione o que de fato é relevante e consistente no conjunto extraordinário de 
conhecimentos hoje disponível, o que impõe à escola o compromisso de propiciar ao 
professor o desenvolvimento da capacidade de ‘mapear’ os conhecimentos relevantes 
na escala adequada às necessidades e possibilidades dos alunos. 
Ora, essa tarefa reconhecidamente não é fácil. E uma das maiores dificuldades 
para a sua realização está na prescrição, na maioria das escolas, de um currículo legal 
e formal que reproduz uma colcha de retalhos de informações descontextualizadas e 
fragmentadas, moldada por uma tradição pedagógica anacrônica e inócua, para dizer 
o mínimo. 
É como se desejássemos ajudar uma pessoa a visitar algum lugar maravilhoso 
que conhecemos há muito tempo. Para orientá-la, desenhamos um mapa. Porém, 
nosso mapa se baseia em informações ultrapassadas e desfocadas, engavetadas em 
algum canto poeirento da memória. É pouco provável que este mapa seja eficaz. O 
terreno mudou. As referências são outras. Muitas indicações não existem mais, 
enquanto outras surgiram alterando o panorama. Precisamos estudar novamente a 
área e promover um levantamento atualizado antes de criar um mapa útil, capaz de 
servir de orientação segura em um terreno que não apenas pode ter mudado sua 
aparência externa, mas sua própria natureza. 
O currículo escolar é um mapa ainda mais especial, pois, à parte essa função 
Cartográfica básica, deve fornecer orientações sobre um território desconhecido na 
ocasião em que está sendo desenhado. 
A escola não pode mais fixar sua visão no dedo que aponta, mas olhar para 
aquilo que o dedo aponta: uma constelação de novos conhecimentos que, além de 
representar o recurso mais importante do mundo contemporâneo, é uma das 
instâncias em que a solidariedade se realiza como um dos elos mais fortes entre os 
membros da espécie humana, o que exige a reflexão sobre o próprio conhecimento, 
atitude que nos compromete e constitui, em última análise, o fundamento de toda 
ética. 
Por isso, pensamos uma organização curricular orientada por: 
 
5 
 
 
 
Fonte: wwwassets.rand.org 
(1) uma visão orgânica do conhecimento, coerente com essa metamorfose da 
racionalidade, caracterizada por uma abordagem renovada e renovadora que trate os 
conteúdos escolares e as situações de aprendizagem de modo a destacar as múltiplas 
interações entre as disciplinas do currículo. 
O processo de reflexão, conforme nos propõe Kemmis, implica “a imersão 
consciente do homem no mundo de sua experiência [...] carregado de conotações 
valore, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interessessociais e 
cenários políticos. ” Além disso, a reflexão: 
• Expressa uma orientação para a ação e se refere às relações 
historicamente situadas entre pensamento e a ação; 
• Pressupõe relações sociais; 
• Expressa e serve interesses particulares de natureza humana, política, 
cultural e social; 
• Reproduz ou transforma ativamente práticas ideológicas; 
• É uma prática que exprime o poder de reconstrução social (NÓVOA, 
1992) 
 
(2) uma abertura e uma sensibilidade capazes de reconhecer o nexo entre o 
conhecimento e os contextos contemporâneos da vida social e pessoal. 
 
6 
 
O currículo é por natureza uma rede de sentidos capaz de estabelecer uma 
relação ativa entre o aluno e o objeto do conhecimento e de relacionar, dialeticamente, 
o aprendido com o observado, a teoria com suas consequências e aplicações práticas. 
Mas um grande obstáculo se interpõe: a realidade imediata, na medida em que 
a educação escolar incorpora uma rotina metodológica conservadora muito resistente 
que considera os objetos isolados e estáticos, plenamente construídos e definitivos. 
Portanto, grande parte dos problemas decorre não apenas de eventuais deficiências 
do conhecimento científico ou da sua organização histórica, mas, sobretudo, da 
própria realidade (DEMO,1998). 
1.2 Compreensão do currículo escolar 
A interminável busca do homem pela compreensão do mundo, tanto do seu 
próprio mundo interior, quanto daquele exterior, do qual é parte integrante e integrada, 
tem levado ao incansável processo de construção do conhecimento, pelos mais 
diversos modos. A filosofia, a epistemologia, a antropologia, a sociologia, a psicologia, 
a psicanálise, a pedagogia. Têm mostrado a profunda complexidade desse processo, 
na medida em que a construção do conhecimento sobre o mundo exterior não se 
separa da construção do próprio complexo sujeito-objeto-processo-instrumento-
produto do conhecimento, que é o próprio homem. 
A sociedade contemporânea depara-se numa profunda crise — no bojo da qual 
e permeando todas as suas dimensões, encontra-se aquela do conhecimento. 
Principalmente de um determinado tipo de conhecimento: o científico-tecnológico, aí 
imp 
licada a grande questão das concepções de homem e de sociedade. 
O grande debate sobre o fim da modernidade tem trazido uma fecunda 
contribuição à crítica da sociedade tecnológica, principalmente no que diz respeito ao 
deslocamento da crítica da supremacia do conhecimento cientifico (como, por 
exemplo, está colocado na teoria crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt) para 
uma crítica ao primado da tecnologia, especificamente da tecnologia da informação 
(como precisa Vattimo, 1987, p. 15, nota 12). Além disso, pensadores 
contemporâneos nos trazem elementos outros, fundamentais, para uma prospecção 
bastante crítica, tanto da história, principalmente da historicidade entendida como um 
 
7 
 
modo de consciência da inserção do homem na história, considerado como processo 
objetivo (Vattimo, 1987, p.11), quanto da arte, especialmente na perspectiva da 
"explosão" da estética fora dos limites institucionais fixados pela tradição (Vattimo, 
1987. p. 46). 
 
1.3 Enfoque: Qual é a questão? 
Essa complexidade que os pensadores contemporâneos nos apresentam, 
enfatizando a destruição de formas tradicionais de relação dos homens entre si e 
destes com o mundo exterior a si, tem trazido profundas polêmicas, com posições que 
se opõem dentro de limites que vão desde a consideração da modernidade como um 
projeto inacabado, como é o caso de Habermas, passando pelo anúncio da pós-
modernidade, como insiste Maffesoli (apesar da crítica a esta perspectiva como um 
descompromissado modo de denunciar a decadência de um modelo de sociedade), 
até aquele que, embora não aceite a pós-modernidade como um marco definitivo de 
periodização da história, considera que vivemos (desde a década de 50) um processo 
de retração no conformismo, a despeito da ocorrência de importantes movimentos na 
direção de significativas transformações sociais que, contudo, não conseguiram 
propor uma nova visão de sociedade, como afirma Castoriadis. As implicações de 
todas essas discussões para a educação têm sido objeto de trabalho em alguns 
centros universitários de diferentes países, dentre os quais se destaca a Universidade 
de Paris VIII, onde pesquisadores como Ardoino e Barbier, entre outros, vêm 
desenvolvendo estudos que, quer mais indiretamente, quer diretamente, trazem 
significativas contribuições para uma profunda reflexão e para uma possível e radical 
transformação na educação, principalmente no que diz respeito à instituição escolar e 
ao seu papel na sociedade contemporânea. 
Considerando que a escola é uma instituição social, criada na e pela 
modernidade para a formação dos cidadãos de uma sociedade e que para tal 
formação é fundamental a construção de sujeitos coletivos, indivíduos sociais, 
num/para um momento do eu permanente, tenso e duplo processo de 
instituição/continuidade, é importante procurar aprofundar o entendimento do papel 
do currículo para essa construção. 
"Formar o cidadão!". Expressão tão desgastada no discurso 
políticoeducacional, mas que teve um significado histórico na concepção 
 
8 
 
liberalburguesa de educação, precisa ser radicalmente questionada na atualidade em 
que vivemos. O que significa ser cidadão nesta sociedade plural, que vai desde a 
dimensão de uma sociedade tecnológica de ponta, até aquela outra, de uma república 
dos guabirus? Onde as fronteiras geopolíticas perderam o seu significado e os países 
considerados — em função de indicadores econômicos — como de primeiro mundo, 
abarcam, hoje, no interior de suas respectivas sociedades, todo o espectro dos vários 
terceiro e quarto mundos em que (aqueles mesmos indicadores econômicos) 
dividiram o planeta? Onde a história dos vencedores perde a hegemonia e os vencidos 
desenvolvem outras formas de fazer história? Onde a genialidade, a singularidade, a 
imortalidade da arte dá lugar a uma multiplicidade de formas de expressão produzidas 
por sujeitos comuns, formas essas que destroem as barreiras das galerias, dos 
teatros, das salas, para se espalharem pelas ruas, pelas residências, pelas quadras 
de escolas de samba, através dos meios de comunicação de massa, sob formas 
reprodutíveis, não raramente apresentadas tosca e fugazmente? Onde outras formas 
de manifestação do conhecimento humano vêm sofrendo modos revolucionários de 
transformação, como é o caso da ciência e da tecnologia? Onde a religião e o mito 
estão sendo tomados de modo tão significativo como outras formas, mas não formas 
inferiores de saber (como queria a postura cientificista)? 
Todo esse questionamento nos remete ao currículo e ao seu significado na 
sociedade contemporânea. Remete-nos, mesmo, a aprofundar, para melhor 
compreender, não só a polissemia do termo, como se pode constatar na literatura 
pertinente, inclusive nos artigos de Pedra e Ribeiro, a seguir, mas ao seu significado 
como processo social, que se realiza no espaço concreto escola, com o papel de dar 
àqueles sujeitos que ai interagem, acesso à diferentes referenciais de leitura e 
relacionamento com o mundo, proporcionando-lhes não apenas um lastro de 
conhecimentos e de outras vivências que contribuam para a sua inserção no processo 
da história, como sujeito do fazer dessa história, mas também para a sua construção 
como sujeito (quiçá autônomo) que participa ativamente do processo de construção e 
de socialização do conhecimento e, assim, da instituição histórico-social de sua 
sociedade. Na construção desse sujeito, o currículo significa um dos principais 
processos, na medida em que aí interagem um coletivo de sujeitos-alunos e sujeitos-
professores, além de outros que não estão tão diretamente ligados à relação formal 
de ensinar-aprender. Nesta interação, mediada por uma pluralidade de linguagens:9 
 
verbais, imagéticas, míticas, rituais, mímicas, gráficas, musicais, plásticas... e de 
referenciais de leitura de mundo — o conhecimento sistematizado, o saber popular, o 
senso comum. — Os sujeitos, intersubjetivamente, constroem e reconstroem a si 
mesmos, o conhecimento já produzido e que produzem as suas relações entre si e 
com a sua realidade, assim como, pela ação (tanto na dimensão do sujeito individual 
quanto social), transformam essa realidade, num processo multiplamente cíclico, que 
contém, em si próprio, tanto a face da continuidade, como a da construção do novo. 
Considerar currículo, desta perspectiva, pressupõe a assunção/reconstrução 
de uma rede de referenciais, a partir da qual seja possível analisá-lo, compreendê-lo, 
segundo um compromisso com a sua transformação e com base na certeza de que, 
como processo social, o currículo apresenta possibilidade concreta de contribuir para 
a construção desse sujeito autônomo e de uma sociedade democrática. 
A rede de referenciais a que nos referimos tem sido, mais recentemente, 
ampliada e aprofundada, a partir de trabalhos dos três pensadores franceses que 
citamos anteriormente. Consideramos significativo trazer algumas de suas produções 
teóricas e um pouco de nossa compreensão sobre elas, para discussão, nesta 
oportunidade em que outros importantes referenciais estão sendo aqui apresentados 
(Cf. Fernandes, Leite, Lopes, Moreira, Pedra, Ribeiro, Santos, nos artigos deste 
número). 
Embora muito limitadamente, queremos trazer para a discussão proposta as 
concepções de complexidade, multirreferencialidade e subjetividade, que nos têm 
aberto novos caminhos para incursionar pelos fascinantes meandros do currículo 
escolar. Obviamente, tais concepções são componentes de referenciais teóricos muito 
ricos, que o espaço deste artigo não permite tratar devidamente; contudo, resolvemos 
correr o risco de separá-las do todo do referencial e tratá-las fragmentariamente, não 
só para instigar a discussão que acreditamos merecer o trabalho desses pensadores, 
como também para tomar mais coletiva a sua compreensão, a partir da ótica de uma 
professora interessada em se aventurar na fascinante complexidade do currículo. 
É muito comum ouvir, de professores e outros educadores, que currículo é uma 
"coisa" muito complicada, que trabalhar com currículo envolve um grande desafio, que 
é difícil ensinar a muitos alunos, porque eles são muito diferentes. Enfim, é comum 
representar o currículo como uma área de trabalho que traz uma multiplicidade de 
dimensões e que por isso mesmo, requer uma compreensão muito ampla, um grande 
 
10 
 
lastro de conhecimento para se poder dar conta dessas diferentes dimensões. Os 
textos de Becker, de Gazzinelli e de Sá, publicados neste número, trazem evidência 
de que o trabalho entre professores e alunos, no concreto de espaços curriculares 
diferentes, mostram essa multiplicidade de maneira bem explícita e nos dão exemplos 
de tendências do trabalho com currículo, não de uma perspectiva teórica de 
pesquisadores, mas com base em prospecções efetivamente realizadas no interior 
daqueles espaços. 
Mas, será que ao dizermos que currículo é uma área complicada, difícil, é isto 
mesmo que estamos querendo dizer? Será que estamos sabendo comunicar o que 
estamos percebendo, sentindo, no cotidiano do nosso trabalho, nas reflexões teóricas 
que procuramos desenvolver? Buscando compreender melhor essa complexidade 
que é o currículo e os modos de nela penetrar, encontramos um significativo 
referencial teórico nos trabalhos dos professores de Paris VIII, anteriormente 
indicados e em especial num texto de Ardoino (1992), possivelmente preparado para 
uma de suas aulas. E a nossa interrogação sobre qual seria a melhor maneira de 
abordar tal complexidade veio a ter uma (dentre possivelmente muitas outras que 
ainda desconhecemos) orientação. É claro que o referencial apresentado por este 
autor é bastante polêmico, como poderemos constatar, e uma das razões para isso é 
que ele assume uma postura — que já não é nova, mas ainda sofre resistências — 
de rompimento com as formas racionalistas e fragmentárias de tratar com o 
conhecimento. E esta é a principal razão do nosso interesse em estudá-lo e trazê-lo à 
discussão. 
A concepção que Ardoino (1992) coloca diante de nós é extremamente 
fecunda, começando por dizer que complexidade é o que contém, engloba (...), o que 
reúne diversos elementos distintos, até mesmo heterogêneos, envolvendo uma 
polissemia notável. Tratar com a complexidade, de acordo com este autor, implica 
lançar mão de um estatuto de análise bem diferenciado daquele da análise cartesiana, 
em que esta significa instrumento de decomposição, desmonte, desconstrução de um 
todo em suas partes elementares, com vistas a uma síntese, uma explicação ulterior. 
É necessário que nos detenhamos um pouco nessa afirmativa, se realmente 
quisermos entender melhor o currículo enquanto complexidade, uma vez que: não é 
possível observar e descrever o complexo como um objeto simplificável em suas 
 
11 
 
supostas particularidades, componentes, linhas de força, articulações naturais, para 
tomá-lo inteligível, através de um trabalho mental de simplificação e depuração. 
Não é possível, também, através dessa nova análise buscar, no complexo com 
que estamos lidando, uma transparência que presumimos existir (no objeto 
simplificável) e que, portanto, podemos (ou devemos?) Reencontrar nesse objeto, a 
partir de um estado. 
Ao invés desse tão conhecido e hegemônico estatuto de análise, Ardoino 
(1992) nos apresenta um outro, bem diverso daquele estatuto cartesiano. Análise, 
aqui, significa muito mais, na medida em que se considera o complexo como processo 
e não como um objeto estático e individual. Analisar passa a ser acompanhar o 
processo, compreendê-lo, apreendê-lo mais globalmente através da familiarização, 
nele reconhecendo a relativamente irremediável opacidade que o caracteriza. Passa 
a ser, também (diferentemente da explicação racional que o outro estatuto de análise 
exige), produzir a explicitação, a elucidação desse processo, sem procurar 
interromper o seu movimento, mas realizar esta produção ao mesmo tempo em que 
tal processo se renova, se recria, na dinâmica intersubjetiva da penetração na sua 
intimidade, na multiplicidade de significados, na possibilidade de negação de si 
mesmo, que caracteriza o sujeito das relações sociais. É uma análise que pretende 
ser hermenêutica, que pressupõe a interpretação, a produção do conhecimento, já 
que se supõe que o processo-objeto1 não contém em si mesmo todas as condições 
de sua inteligibilidade. Além disso, a análise da complexidade precisa ser situada na 
relação que une o processo-objeto sobre o qual nos interrogamos ao sujeito desejante 
de produzir conhecimento. 
Procurando compreender tal possibilidade de análise em relação ao currículo, 
ainda é Ardoino (1989,1992) quem nos põe frente à forma de penetrarmos nessa 
complexidade: (re)construindo o processo-objeto inicial através de substitutos 
mentais, as representações, que, na sua visão, constituem literalmente esta 
complexidade, uma vez que tomam como referência modelos de inteligibilidade que 
se esforçarão para dela dar conta. Num primeiro momento, diz o autor, parece que se 
dá um empreendimento de teorização da prática, como se o processo de 
conhecimento devesse transformar o real, ou sobretudo as representações deste, que 
se construíram mentalmente até elaborar uma nova representação dessas 
 
12 
 
representações. A partir dessa nova representação é possível invocar, num segundo 
momento, formas de 
1- Embora Ardoino não tenha empregado esta expressão e se referia ora ao 
objeto, ora ao processo, como sinônimos, resolvemos adotá-la para tornar mais ciara 
a acepção de objeto do conhecimento como o próprio processo de sua construção. 
Análise que procurarãodar conta desse processo-objeto; através do exercício da 
reflexividade (da qual trataremos adiante). 
O que é sobretudo importante nessa outra análise é a aceitação da 
heterogeneidade que constitui o complexo e, portanto, a compreensão de que o 
exercício de reflexividade requerido por ela vai exigir um amplo espectro de 
referenciais. Por esta razão, é que Ardoino reafirma não se pode compreender esse 
complexo, como realidade/ representação, a partir de um único referencial de análise 
ou paradigma especifico. A observação, a investigação, a escuta, o entendimento, a 
descrição dessa complexidade, como bem dizem Ardoino (1989) e Barbier (1992a), 
dá-se por óticas e sistemas de referência diferentes, aceitos como definitivamente 
irredutíveis uns aos outros e escritos em linguagens distintas. Tal estatuto de 
heterogeneidade traz a intelecção da complexidade sempre de um modo um tanto 
paradoxal: apóia-se na perspectiva da implicação2, que assume estarem co-
presentes na realidade (em situações, fenômenos, processos...), sem perder as suas 
especifícidades e as suas competências, o sujeito — objeto-processo e o objeto-
processo — sujeito do conhecimento3. 
Esta concepção de complexidade, que inclui, nela própria, a forma de sua 
intelecção, tem um fecundo significado para os estudos de currículo. Chamando a 
atenção para a heterogeneidade e a polissemia do que se encara como complexo, 
podemos colocar no âmbito de nosso foco de análise relevantes elementos para o 
entendimento do processo curricular com a heterogeneidade, a polissemia, as 
contradições, etc. que o constituem. Basta lembrar que o currículo da escola brasileira 
se estrutura formalmente, de modo geral, segundo parâmetros herdados do 
positivismo, de forma multidisciplinar, fragmentária, exigindo a compartimentalização 
do conhecimento. 
2- Por implicação Barbier(1985) já definia o engajamento pessoal e coletivo 
do pesquisador por sua práxis científica, em função de sua história familiar e libidinal, 
de suas posições passada e atual nas relações de produção e de classe, e de seu 
 
13 
 
projeto sócio-político em ato, de tal modo que o investimento que resulte 
inevitavelmente de tudo isso seja pane integrante e dinâmica de toda atividade do 
conhecimento (p.120). 
3- Aqui indicamos o duplo de sujeito-objeto, objeto-sujeito do 
conhecimento, em que objeto toma a acepção indicada na nota 1. Organização 
burocrática dessa multidisciplinaridade, mas também no próprio processo de trabalho 
no interior da escola e de cada disciplina. A heterogeneidade que se verifica nas 
estruturas conceituais e nos processos cognitivos (sempre tratados isolados uns dos 
outros) dessas disciplinas; a separação que se tem observado entre o conteúdo 
dessas disciplinas e a vida concreta dos sujeitos que interagem no interior do 
processo curricular, a multiplicidade de linguagens que é requerida até mesmo numa 
disciplina/área específica (como é o caso de Estudos Sociais e Ciências, na escola 
fundamental), já é suficiente para encararmos o currículo como uma complexidade 
em si mesmo. Mas esta complexidade vai muito, muito mais longe do que os limites 
acima delineados, se considerarmos ainda (além de inúmeros outros dos seus 
componentes), a própria complexidade que é cada sujeito-aluno e cada sujeito-
professor, que cotidianamente mantêm/constroem relações entre si, mediadas (ou, 
pelo menos, supostamente mediadas) por um processo de socialização/construção 
de conhecimento; que esses mesmos sujeitos convivem submetidos a formas de 
controle, possibilitadas não somente pelos mecanismos implícitos do currículo oculto, 
mas também por modos explicitamente autoritários de exercício de poder (quer nas 
relações administrativas instituídas pela burocracia escolar, quer na interação 
professoraluno durante as atividades chamadas pedagógicas). 
Reconhecer a relativamente irremediável opacidade que caracteriza a 
complexidade do currículo pode ser um dos mais complexos desafios dessa nova 
análise, quando nos deparamos com o nosso concreto campo de trabalho, 
principalmente porque fomos educados na tradição da busca da verdade, da 
coerência total do sujeito, da hierarquia. Penetrar nesta opacidade sem a ilusão de 
que somos suficientemente onipotentes para removê-la e restituir a transparência que 
pretendíamos existir diante de nós, não é o que estamos acostumados a fazer. Num 
recente trabalho, chamávamos a atenção para um dos mais sérios problemas da 
educação brasileira: o vazio de significado políticoepistemológico da nossa escola 
pública. Este problema, sem dúvida, envolve uma das áreas de opacidade do currículo 
 
14 
 
escolar e, temos que admitir, só muito recentemente começa a ser estudado a partir 
da perspectiva dos sujeitos que nele, com ele e sobre ele atuam, procurando entender 
por que a escola pública e o currículo, historicamente instituídos para permitir o 
acesso ao conhecimento sistematizado (e atualmente instada a assumir o status de 
instituição que também deve produzir conhecimento), no Brasil, "vem se restringindo 
a exercer um papel quase que meramente cartorial de emitir diplomas e certificados 
de conclusão de níveis de escolarização ou de habilitações profissionais, sem um 
mínimo de rigor e de qualidade nos serviços que oferece."? (Bumham, 1992, p.95). A 
preocupação com este problema não é nova, mas se vinha tratando sobre ele de um 
modo que procurava explicá-lo a partir de referenciais externos, buscando, à luz de 
grande teoria(s), encontrar a transparência de suas causas, o que não vinha dando 
conta da elucidação do (e não sobre o) referido problema. 
Analisar a complexidade, como já indicamos anteriormente, requer o olhar por 
diferentes óticas, a leitura através de diferentes linguagens, enfim, a compreensão por 
diferentes sistemas de referência. E um dos suportes teóricos que nos permite 
penetrar na possibilidade de trabalhar com esta multiplicidade de referenciais vem 
também sendo objeto das (pre)ocupações dos professores de Paris VIII, como 
veremos a seguir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FACULDADE FUTURA 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURRÍCULOS EDUCACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VOTUPORANGA – SP 
http://faculdadefutura.com.br/
 
1 
 
1 PROCURANDO ENTENDER A MULTIRREFERENCIALIDADE 
A perspectiva que permite a possibilidade de trabalhar com uma multiplicidade 
de referenciais, o grupo de Paris VIII, segundo Barbier (1992a), animado por J.Ardoino 
e G.Berger, advoga denominar multirreferencialidade. Ardoino (1989, 1992) argui que 
esta é uma perspectiva de apreensão da realidade através da observação, da inves-
tigação, da escuta, do entendimento, da descrição, por óticas e sistemas de referência 
diferentes, aceitos como definitivamente irredutíveis uns aos outros e traduzidos por 
linguagens distintas, supondo como exigência a capacidade do pesquisador de ser 
poliglota e, acrescentamos, de ter uma postura aberta, conforme explicitamos acima. 
Esta perspectiva, acrescenta este último autor, encaminha a si mesma (como implica-
ção), uma visão de mundo propriamente cultural e requer uma compreensão herme-
nêutica da situação em que os sujeitos aí implicados interagem, intersubjetivamente. 
Esta concepção de multirreferencialidade, de acordo com Barbier (1992a, 
1992b), ligasse inseparavelmente àquela de referência, compreendida como um nú-
cleo de representações "de que é portador cada ator social, tanto do ponto de vista 
organizacional, ... institucional, ideológico, quanto libidinal, etc. (1992a, p.36). Neste 
etc. o autor inclui outros pontos de vista que são sempre deixados de lado pelos seus 
próprios colegas, tais como as referências ao "'sagrado', ao 'transpessoal', à auto su-
peração... às características míticas, simbólicas e artísticas... irredutíveis a toda inter-
pretação científica e inseparável do núcleo de referências e de valores últimosdo su-
jeito"(1992a, p.36). O sujeito, porém, não se limita apenas às suas óticas e sistemas 
de referências particulares, uma vez que ele vive concomitante e duplamente num 
mundo interior (privado) e num mundo exterior a si mesmo (no caso do indivíduo so-
cial, mundo público), este último passando a fazer parte do sujeito através do perma-
nente processo de socialização que permite a inserção deste mesmo sujeito, como 
parte dele (conforme veremos adiante). Em razão desta duplicidade de mundos em 
que vive o sujeito, Barbier informa que distingue a multirreferencialidade em interna e 
externa. 
A multirreferencialidade interna é considerada a opacidade de referências que 
um sujeito humano dotado de desejos desenvolve durante seus múltiplos itinerários 
existenciais, traçando assim sua 'itinerância', que não pode ser abordada senão de 
 
2 
 
uma maneira compreensiva e fenomenológica, já que é portadora de sentidos (...sig-
nificações, direções, sensações). 
A multirreferencialidade externa remete à rede simbólica de referências teóri-
cas, de sistemas de conceptualizações científicas e de visões filosóficas do mundo, 
que necessariamente encharca de sentido o sujeito. De modo geral, existe uma ten-
dência a se confundir a perspectiva de multirreferencialidade, com aquela da multidi-
mensionalidade, contudo, citando Berger, Barbier procura mostrar a diferença entre 
as duas, nos seguintes termos: a multidimensionalidade remete à ideia de que é pos-
sível construir de uma maneira aditiva, ou pelo menos complementar, um conjunto de 
categorias explicativas correspondentes às variáveis do objeto e que permitem pelo 
menos de maneira exponencial apreendê-la no interior da sua totalidade. 
A multirreferencialidade parte da ideia de que o objeto é efetivamente suscetível 
de tratamentos múltiplos, em função não só de suas características, mas também dos 
modos de interrogação dos atores [sobre esse objeto] e que esta multiplicidade é ra-
dical. Cada abordagem, cada referente é como se fosse o limite do outro... É isso, 
pois, que faz a especificidade da multirreferencialidade, e não a complementaridade, 
a atividade, a pretensão de uma transparência pressuposta, e de um domínio possível 
[deste objeto], mas a afirmação de um vazio necessário, da impossibilidade de [se 
alcançar] um ponto de vista superior a todos [os demais] pontos de vista e a afirmação 
da limitação recíproca dos diversos campos disciplinares. Há [pois] diversos campos 
de referência possíveis, nenhum esgota o objeto, nenhum pode, sobretudo, ser redu-
zido a outro, ou nenhum pode ser explicativo do outro campo. (Berger, apud Barbier, 
1992a, p.38). 
Como podemos verificar, também a concepção de multirreferencialidade é 
muito recente no campo da pesquisa educacional e começa a levantar polêmica, es-
pecialmente porque rompe com a ortodoxia da fidelidade do pesquisador a um e único 
paradigma epistemológico/metodológico. E esta situação de polêmica pode nos levar 
a interrogar sobre as razões de considerarmos imprescindível o aprofundamento dos 
estudos sobre esta perspectiva quando temos como foco de interesse o estudo do 
currículo escolar. Embora a resposta a tal interrogação nos pareça óbvia, quando as-
sumimos a concepção e o compromisso de trabalho com currículo explicitados, vale 
lembrar que estudos no campo concreto da escola mostram que os paradigmas pre-
dominantes na orientação do trabalho cotidiano do currículo, embora na maioria dos 
 
3 
 
casos não sejam explicitamente assumidos pelos educadores, são de cunho reducio-
nista (como ilustra o texto de Becker, em uma próxima seção deste número) e que só 
muito recentemente na história da pesquisa educacional têm sido assumidas — e 
ainda deixando muito a desejar (cf. por exemplo, André, 1993) — pesquisas no e do 
cotidiano escolar, que tentam penetrar a e na escola, a partir de e com os próprios 
sujeitos que ali interagem, procurando investigar, do ponto de vista destes, os múlti-
plos referenciais que orientam as suas ações, quer enquanto sujeitos individuais ou 
sujeitos sociais. 
Somando-se a estas limitações aquela relacionada com a fidelidade a um único 
paradigma de investigação, bem como a outra, de estudar fragmentariamente aspec-
tos do currículo — a interação professor-aluno, o desempenho de alunos, o conteúdo 
dos programas —, podemos inferir que longe estamos de poder apreender a comple-
xidade do currículo escolar como processo-objeto de estudo se continuarmos a repro-
duzir tais práticas. 
Dois estudos realizados por professoras (Luz, 1990; Silva, 1988) demonstram, 
respectivamente, que o livro didático e as práticas educativas em escola pública dis-
criminam a etnia e assumem, como bem diz o título de um deles a pedagogia do em-
branquecimento, numa patente demonstração do preconceito étnico e do desrespeito 
a um coletivo de sujeitos que, pelo menos no texto constitucional, tem os mesmos 
direitos de cidadania... Estes exemplos nos revelam que, a despeito da história dos 
movimentos sociais, no mundo inteiro, revelar a luta contra a discriminação étnica, 
amplamente divulgada pelos meios de comunicação e, portanto, de conhecimento pú-
blico, muitos sujeitos que trabalham com o currículo ainda permanecem prisioneiros 
de preconceitos dos quais, certamente, não têm consciência. E uma das grandes con-
tribuições que a perspectiva da multirreferencialidade pode trazer à escola é a aber-
tura para se trabalhar com as linguagens, os valores, as crenças, enfim, uma multipli-
cidade de expressões das diversas culturas que se encontram na escola. 
Os exemplos acima dão pistas para a importância da necessidade de, no 
campo do currículo, não se deixar de considerar que os sujeitos que aí interagem 
como indivíduos sociais, apesar de fazerem parte de um coletivo, mantêm o seu pró-
prio mundo interior, particular. E é por isso que faremos uma incursão, ainda que muito 
 
4 
 
superficial, sobre o terreno da formação da subjetividade humana, procurando esta-
belecer algumas pontes com possibilidades que o currículo pode abrir para ajudar na 
construção da subjetividade humana. 
2 EXPLORANDO O TERRENO DA SUBJETIVIDADE 
Compreender o currículo como complexidade e que, como tal, não é possível 
tratar dele e com ele, de modo simplista, a partir de paradigmas específicos e limitados 
se quisermos avançar no sentido de elucidar a emaranhada e heterogênea rede de 
relações que o constituem é um desafio para todos os que trabalham na área. Elucidar 
esta rede de relações, em termos mais amplos e mais profundos, pressupõe consi-
derá-la da perspectiva da multirreferencialidade e, desta forma, abordá-las a partir de 
e com múltiplos sistemas de referência tanto internos aos sujeitos que aí atuam, 
quanto externos a eles. Fica claro, portanto, que o que se argui aqui é a consideração 
do currículo como um processo não só historicamente construído (instituído) para a 
socialização mas que também participa da construção (instituinte) dos sujeitos sociais 
e que, ainda, contribui para o duplo processo de continuidade/instituição de uma so-
ciedade, isto é, para a manutenção/(re)construção/criação das relações dos sujeitos 
sociais, no complexo das relações de um mundo históricosocialmente construído (ins-
tituído) e em permanente processo de (re)construção/criação (instituindo-se através 
de relações instituintes). 
E o que significa penetrar o currículo a partir da ótica da sua contribuição para 
a construção da subjetividade humana? E o que significa, na perspectiva que aqui 
assumimos, esta subjetividade? Para tentar responder a estas questões buscamos 
suporte teórico em Castoriadis (1982, 1987, 1992), que oferece um dos mais consis-
tentes referenciais de estudo sobre a subjetividade humana, no bojo de suas reflexões 
filosóficas/sociopsicoanalíticas (ou psicossocioanalíticas, como outros preferem cha-
mar). Fazendo uma crítica aos modismosnos parágrafos iniciais do texto O Estado 
do Sujeito Hoje, Castoriadis (1992, p.201-238) refere-se à recém passada moda em 
que se festejava a morte do homem e o do sujeito, comentando ironicamente: 
Verdadeira assombração, o sujeito estaria novamente entre nós. Nunca tendo 
acreditado nesta morte, o autor diz que os discursos sobre ela nunca passaram de um 
verniz pseudoteórico de uma evasão diante da responsabilidade — do psicanalista, 
 
5 
 
do pensador, do cidadão e enfatiza: o sujeito não voltou porque nunca partiu. Sempre 
esteve presente — certamente não como substância, mas como questão e projeto. 
Para a psicanálise, a questão do sujeito é a da psique — da psique como tal e da 
psique socializada... compreendida assim, a questão do sujeito é a do ser humano em 
suas inúmeras singularidades e universalidades (p.201). 
Afirmar que o sujeito nunca partiu pode nos dar a impressão de que o autor 
assume que a questão da subjetividade sempre esteve entre nós, isto, porém, não se 
justifica, pois é ele mesmo quem esclarece que a subjetividade é uma criação histórica 
relativamente recente (a ruptura que a cria se dá na Grécia antiga), ela é uma virtua-
lidade de todo o ser humano, não uma fatalidade, com certeza (p.236). Esta afirmação 
revela um dos indícios do longo caminho que este autor percorre no estudo da subje-
tividade humana, através da filosofia, o mesmo ocorrendo no campo da sociopsicaná-
lise, no qual queremos nos deter um pouco, no sentido de melhor nos posicionarmos 
em relação à importância desses estudos para o trabalho na área do currículo escolar. 
Castoriadis, no campo referido, passa por e ultrapassa referenciais já constru-
ídos — enfatizando a teoria freudiana e referindo-se en passant a outras contribuições 
mais recentes — na medida em que os crítica no que diz respeito às restrições que a 
grand sociologia impõe ao estudo do sujeito, principalmente quando tomado na pers-
pectiva do indivíduo, assim como a psicanálise tem resistido ao estudo do indivíduo 
social e do processo de socialização na construção do sujeito humano. Dessa forma, 
o processo de instituição do indivíduo social é abordado nos seus trabalhos, procu-
rando preencher a lacuna que existia entre as fronteiras acima indicadas. Para tanto 
começa a nos apresentar tal processo de instituição a partir do primeiro estado do 
sujeito, o recém-nascido, o núcleo monádico do sujeito originário — ou, mais simples-
mente, mônada psíquica —, o que corresponde ao estado em que o sujeito e o mundo 
ainda não estão separados (daí o termo mônada), mas envolvem-se inteiramente; 
quando o próprio sujeito é indiviso: não há afeto, representação ou intenção separa-
dos, mas um só afeto que é imediatamente representação (de si) e intenção de per-
manência atemporal deste 'estado' (1982, p.337). Em outras palavras, o autor diz que 
está mônada é indeterminada e incontrolável, psique em si mesma radicalmente ina-
daptada à vida ..., esclarecendo ainda que a mônada psíquica nâo sobreviveria por 
um só instante se não fosse submetida à socialização...(1987, p.385). Procurando es-
 
6 
 
clarecer o mistério desta sobrevivência, Castoriadis afirma que esta mônada não per-
manece como tal uma vez que, ao entrar no mundo, se insere num processo de soci-
alização que começa no primeiro dia de vida—se não antes — e só termina com a 
morte. E através desse processo que se forma o indivíduo social, a partir de rupturas 
(desta mônada) que se originam na relação com a mãe, primeira representante da 
sociedade, junto ao recém-nascido: e como essa sociedade... participa enormemente 
da história humana, a mãe é. o porta-voz de milhares de gerações passadas (1992, 
p.220). 
Esta primeira incursão nos domínios do sujeito já nos mostra que é ele, como 
dissemos anteriormente, uma complexidade em si mesmo. Para que esta mônada a-
real, asocial, passe a fazer parte das relações sociais que já encontra instituídas no 
mundo, interagindo como ser biológico-psíquico-social, com outros seres humanos, 
com e nos estratos natural e cultural, ela terá que se desenvolver, gradual e perma-
nentemente, como indivíduo social, uma das regiões da subjetividade humana. O ca-
minho de construção que vai do indiviso ser/mundo — afeto/representação/intenção 
ao ser diferenciado do mundo, dividido, fragmentado, indivíduo social, psique sociali-
zada, não provoca a anulação da onipotente mônada O sujeito permanece numa du-
plicidade que cria/mantém no sujeito uma interminável tensão, tanto de oposição in-
terna (em si) como de posição entre si e o mundo instituído; um sujeito que apesar de 
permanecer construindo uma identidade, mantém-se duvidando de si mesmo; que age 
deliberadamente, mas também segue a lógica de um desejo inconsciente; que faz 
concessão a valores, padrões que lhe são estranhos, apesar de não aceitá-los; enfim, 
que se integra ao já instituído, sem nunca deixar de querer ser instituinte. 
Nesse processo de socialização, participam todas as instituições sociais com 
as quais o sujeito estabelece algum tipo de ligação e todos sabemos que na sociedade 
contemporânea a escola é, dentre essas instituições, a que tem como papel explícito 
(no discurso jurídico e acadêmico, pelo menos), uma das dimensões dessa socializa-
ção, aquela que se processa pelo acesso ao conhecimento histórico socialmente pro-
duzido pela humanidade e pela mediação desse mesmo conhecimento e de outras 
instituições sociais (a linguagem, a burocracia, o ethos...), no emaranhado de relações 
sociais entre os sujeitos que ali atuam. E, no interior da escola, o processo responsá-
vel pela inserção desse sujeito, nessa dimensão da socialização, é o currículo, que 
 
7 
 
em muito contribui para as rupturas que levarão a psique do estado de mônada a 
indivíduo social. 
O desenvolvimento do indivíduo social se dá, portanto, à custa de perturbações 
sucessivas e de remanejamentos em profundidade da organização psíquica (1982, 
p.340); a história do indivíduo social é, segundo esta posição teórica, a história da 
socialização da psique, já que o indivíduo social é uma entidade falante, que tem uma 
identidade e um estado social, ajusta-se mais ou menos a certas regras, busca certos 
fins, aceita novos valores e age conforme motivações e modos de fazer suficiente-
mente estáveis... um indivíduo que funciona adequadamente: para ele mesmo na 
maior parte do tempo... e sobretudo, do ponto de vista da sociedade (1992, p.220). 
Nesta passagem, o autor de A Instituição Imaginária da Sociedade nos apresenta o 
indivíduo social considerado sob o ponto de vista da sociedade instituída, que pre-
tende a sua própria continuidade, a manutenção do status quo e, portanto, de indiví-
duos sociais instituídos a partir da imposição de formas de linguagem, visões de 
mundo (ideologias?), modos de manifestação da cultura, formas de construir e lidar 
com o conhecimento, padrões de desempenho e de interação. 
Contudo, ao longo de toda a sua obra, Castoriadis nos faz ver também o lado 
instituinte da sociedade que tem como projeto a sua própria transformação, ou melhor, 
a criação de uma nova sociedade, autônoma. Mas este é assunto para outra oportu-
nidade. No momento, arriscamos apenas chamar a atenção para o que é explicitado 
no livro acima referido: a instituição da sociedade, que é indissociavelmente também 
a instituição do indivíduo social, é imposição à psique de uma organização que lhe é 
essencialmente heterogênea (1982, p.340). Aí estão embutidas duas histórias em 
construção — a da psique (originalmente a mônada) e a da socialização do sujeito e, 
consequentemente, da sociedade humana, já que essa imposição faz emergir gradu-
almente o enigma da separação (entre a mônada original e o mundo) que instaura no 
sujeito um mundo privado e um mundo público ou comum. Essa separação equivale 
a um violento processo de rupturas que força a psique a uma relação com os outros,a uma invasão dos outros como outros, mediante a qual constituise, para o sujeito, 
uma 'realidade (1982, p.344). 
Mas a construção da subjetividade humana não se basta no indivíduo social, 
psique socializada. Vale lembrar, ainda que en passant, que entre as instâncias que 
 
8 
 
formam a psique se encontra o consciente; que no processo de socialização repre-
sentantes/ instituições sociais agem continuamente para a construção permanente do 
e sobre o consciente; e que muito se tem, impropriamente, identificado o sujeito hu-
mano com essa instância. Castoriadis nos chama a atenção para a impropriedade 
dessa identificação, pois, embora reconhecendo que o consciente tem como traço 
decisivo...a auto referência — isto é, o consciente sabe que sabe —, argui que só este 
traço não caracteriza a subjetividade humana. 
E o que, então, caracteriza essa subjetividade, segundo o referencial que esse 
autor nos oferece? A esta questão, Obtemos como resposta que a subjetividade hu-
mana se caracteriza por duas possibilidades: a reflexividade e a vontade ou capaci-
dade de atividade deliberada. 
A reflexividade é entendida como a possibilidade de que a própria atividade do 
'sujeito' tome-se 'objeto', a explicitação de si como um objeto nãoobjetivo, ou como 
objeto por posição e não por natureza. (1992, p.224). Aqui o autor traz um fecundo 
material para discussão, principalmente para aqueles que estão interessados em tra-
balhar com o currículo na perspectiva da construção do sujeito que apreende, reflete, 
reconstrói a si próprio e suas relações com o mundo. Ser objeto por posição e não por 
natureza significa, na nossa compreensão, assumir a dupla postura de sujeito-objeto 
da sua própria existência, sujeito que se separa de si mesmo para se conhecer melhor, 
refletindo sobre si próprio como objeto do conhecimento humano. Daí por que este 
mesmo autor acrescenta que a reflexão implica a possibilidade da cisão e da oposição 
interna. Portanto, a possibilidade de questionamento de si mesmo (p. 224). E esta é 
uma tarefa que o currículo escolar não tem conseguido dar conta, na medida em que 
a sua fragmentação em disciplinas do conhecimento, aparentemente estruturadas se-
gundo paradigmas reducionistas, cientificistas, que tratam o e do conhecimento de 
forma a-histórica, a-social, ascéptica, mítica, retiram desse conhecimento a autoria do 
homem, a sua posição de criador/construtor. 
Dessa forma, o sujeito humano deixa de ser objeto do currículo escolar e se 
perde uma grande oportunidade de contribuir para a construção da subjetividade hu-
mana, deixando-se de refletir sobre si próprio. Esquecemos que na medida em que 
alguém pode ser para si mesmo um objeto por posição e não por natureza é que 
outrem, no verdadeiro sentido do termo, toma-se possível (p.224). E quando se reflete 
 
9 
 
sobre si mesmo e sobre o outro, descobre-se o outro e com ele, através dele, redes-
cobre-se e recria-se o mundo e se constrói novas representações de si mesmos, da 
alteridade e do mundo, o currículo passa a ser um locus social de produção e sociali-
zação de diversas formas de conhecimento. 
A outra característica fundamental da subjetividade humana, a capacidade de 
atividade deliberada ou vontade, é concebida por este mesmo autor como a possibili-
dade de um ser humano integrar nas retransmissões que condicionam os seus atos 
os resultados de seu processo de reflexão. Em outras palavras: a dimensão refletida 
do que nós somos enquanto seres imaginários, a saber criativos, ou ainda: a dimen-
são refletida e prática de nossa imaginação como fonte de criação (p.226). 
Esta concepção de atividade deliberada ou vontade, esclarece o autor, vai 
muito mais além do que aquela comumente aceita, daquilo que determina ou desen-
cadeia um gesto motor, ou a sua inibição; ou da concentração da atenção num objeto 
de pensamento, de forma seguida e sistemática, ou, ainda, um ato indicado pelo sim-
ples cálculo lógico. Esta possibilidade de o sujeito integrar reflexividade e. vontade, 
nos chama a refletir sobre o papel do currículo na perspectiva de um processo que, 
ao participar da socialização da psique, visa à alteração da relação entre as instâncias 
psíquicas, {ajudando o sujeito a analisar a opacidade de conteúdos da instância in-
consciente e tornar mais deliberadas as escolhas, por exemplo) e entre o sujeito e o 
mundo (contribuindo para desambiguizar formas de controle ideopolítico no estrato 
cultural e a assumir posturas com lucidez). 
A alteração dessas relações implica, ainda, a assunção de um currículo estrei-
tamente vinculado à própria vida do sujeito social, às atividades que lhe são próprias, 
às relações que o definem como sujeito social, embora para tanto não possa prescin-
dir da mediação do conhecimento humano sócio-historicamente produzido e do pro-
cesso de construção de variadas formas de conhecimento no processo mesmo do 
currículo. Implicam, também, essas alterações visadas, a possibilidade de o sujeito 
penetrar em si mesmo e no mundo, através do referencial de análise explicitado 
quando discutimos a questão da complexidade. 
A condição de possibilidade absoluta tanto da reflexividade quanto da vontade 
é, para Castoriadis, a imaginação, pois é por meio desta imaginação que o sujeito 
pode colocar como uma 'entidade' alguma coisa que não o é: seu próprio processo de 
pensamento. [pode] ver duplo ...se ver duplo, ...se ver ao mesmo tempo em que se vê 
 
10 
 
como outro. Eu me represento e o faço como atividade representativa, ou: eu me ajo 
como atividade agente (1992, p.225). Este significado da imaginação na constituição 
da subjetividade humana é ampliado quando, relativamente à vontade, é dito que é 
necessário poder imaginar outra coisa fora daquilo que é para poder querer; e é ne-
cessário querer outra coisa fora daquilo que é, para liberar a imaginação (p.226). Não 
poderíamos fazer jus à riqueza da contribuição da obra deste autor no que diz respeito 
ao privilégio que atribui à imaginação humana (tão criticada e relegada pelos referen-
ciais que este autor ultrapassa) na construção do sujeito e da sociedade, principal-
mente na perspectiva da transformação do estado de heteronomia em que se encon-
tra, na direção da criação de uma outra, nova sociedade autônoma, permanentemente 
instituintes de sujeitos também autônomos. Contudo, queremos apenas pontuar a re-
levância das relações que estabelece entre reflexividade, vontade e imaginação refe-
rindo-nos ao currículo. 
Se o sujeito pode tomar o seu próprio pensamento uma entidade, pode se ver 
como instâncias separadas da psique, pode imaginar (o que não é) para querer e 
querer (o que não é) para liberar a imaginação, enfim, se o sujeito pode se reinventar 
e reinventar o mundo através da imaginação, da atividade criativa, como aceitar o 
currículo como um processo (na multiplicidade de tantos outros) de construção e so-
cialização deste sujeito nas condições em que ele [o currículo] se apresenta contem-
poraneamente na escola brasileira? Estudos nos têm mostrado a frágil articulação 
entre o conteúdo/ forma do currículo e a vida concreta dos sujeitos que interagem na 
escola, bem como o vazio, no espaço curricular, de criação, construção do conheci-
mento (cf. Burnham, 1992, Bumham et alii, 1993) e a inibição do imaginário nas rela-
ções pedagógicas (Postic, 199). 
O currículo escolar, que sempre foi caracterizado por relações autoritárias, pelo 
aparente privilégio à razão e pela função de transmitir conhecimento, mais recente-
mente tem perdido essas suas características e se limitado a um mero espaço/ tempo, 
onde sujeitos se confinam durante um período de seus dias, sem clareza do que vão 
fazer (às vezes esse que fazer limita-se ao trabalho com o livro didático ou, na ausên-
cia deste, com um rol de assuntos) e do para que ali se encontram. A imaginação, a 
exploração de si mesmo e do mundo para a reinvenção aque nos referimos acima 
não têm lugar no currículo. Parece, mesmo, que apesar do compromisso de alguns 
educadores, o currículo se transforma num locus de obstáculos para a imaginação, a 
 
11 
 
vontade e a reflexividade; a atividade própria do sujeito, elemento fundamental para o 
| estabelecimento de uma rede de relações sociais (de aprender, de criar, de construir) 
entre os sujeitos que habitam esse locus, é tão ignorada quanto o seu desejo, o seu 
pensar e o seu agir. Desconhecemos, no campo do currículo, a importância do estudo 
da psique e nos lançamos à obra de conscientizar os nossos alunos (como expressa 
um certo discurso pedagógico), querendo chegar a um estágio (!) de dominação do 
inconsciente pelo consciente. 
Desconhecemos a importância da imagem, da fantasia, do sonho em vigília na 
construção do sujeito humano e, portanto, nâo lhes damos lugar nas atividades curri-
culares. E, ainda assim, bradamos que estamos formando a cidadania. Talvez aqueles 
que estão contribuindo para a formação desse tipo de cidadania ainda não analisaram 
suficientemente o que ela significa do ponto de vista da manutenção dessa sociedade 
desigual e injusta, onde aceitamos o que somos porque não sabemos como fomos 
construídos e como nós construímos, a partir da internalização de normas, valores, 
padrões... instituídos para manter essa sociedade tal e qual e talvez porque também 
não nos demos conta de que, apesar desse processo de socialização que sofremos, 
sempre o sujeito humano assume papel instituinte e, portanto, transformador e por 
isso a sociedade instituída permanece em permanente processo de instituição. 
Contudo, o desafio que se encontra diante de nós é transformar o currículo num 
dos processos de construção de sujeitos sociais que através da reflexividade, da ati-
vidade deliberada e do imaginário, possam ter clareza de que tanto eles próprios 
quanto a sociedade é instituída pelos homens que a compõem e, por isso mesmo, 
apresenta a possibilidade de ser (re)criada como uma sociedade autônoma, portanto 
permanentemente instituinte. E esse desafio pode ser enfrentado se construirmos a 
certeza de que 
Queremos indivíduos autônomos, isto é, capazes de uma atividade refletida 
própria. Contudo os meios e os objetos dessa atividade, e mesmo seus meios e mé-
todos só podem ser fornecidos pela imaginação radical da psique. É aí que se encon-
tra a fonte de contribuição do indivíduo à criação social-histórica. E é por isso que uma 
educação não mutilante, uma verdadeira ideia é de uma importância capital. (Castori-
adis, 1992, p. 60161). 
 
 
 
12 
 
3 O QUE É UM CURRÍCULO EDUCATIVO 
 
Fonte: fabiomallmann-portfolio.blogspot.com.br 
Um currículo educativo é algo que da nossa perspectiva, vai ao encontro de 
uma formação que se configure não apenas em termos de implicações didático-peda-
gógicas eficazes, mas de algo que aponte para uma significativa preocupação com os 
compromissos sociais, portanto ético-políticos, que devem permear o currículo, sua 
concepção e prática. 
Entendemos que a perspectiva aqui cultivada, de uma educação que se amplia 
para além da instrução, vai significar uma confluência com nossas inspirações a res-
peito de um currículo mutualista que deve responsabilizar-se em educar. Não basta, 
assim, transmitir os conteúdos curriculares previstos. É falar também de um lugar op-
cionado e de uma perspectiva de formação e de sociedade que têm a justiça e o bem 
comum sociais como norteadores políticos e éticos inelimináveis; como um esforço 
contínuo de construção de cidadania repensada por novos/outros sujeitos democráti-
cos, novos/ outros sujeitos históricos, caracterizados pela vontade de interferência ir-
restrita nas coisas da educação para dignidade cidadã. Está no campo de uma luta 
que tem face, cor e jeito, até porque não existe o educativo como construção pedagó-
gica e social neutras, imparciais. 
O educativo é sempre opcionado e referenciado, aí está o campo da luta polí-
tico-curricular contemporânea. Esses princípios e atitudes devem inspirar um currículo 
http://www.fabiomallmann-portfolio.blogspot.com.br/
http://www.fabiomallmann-portfolio.blogspot.com.br/
http://www.fabiomallmann-portfolio.blogspot.com.br/
http://www.fabiomallmann-portfolio.blogspot.com.br/
 
13 
 
de rigorosa responsabilidade democrática com o aprendizado da formação e mediador 
de plurais e justas possibilidades formativas, para que tenha dignidade socioeduca-
tiva. Maior interatividade, autonomia e flexibilidade ao pleitear o sujeito que aprende, 
são as bases dos modelos curriculares por módulo, online e por ciclos de formação. 
No primeiro os módulos acabam por criar uma flexibilização pautada na capa-
cidade do formando fazer a gestão da sua própria formação. No currículo online, as 
tecnologias da informação e da comunicação permitem o trabalho de aprendizagem 
do formando a partir de uma intensa interatividade em tempo real da aprendizagem, 
assim como a disponibilidade de interfaces tecnológicas caracterizadas pela capaci-
dade integrativa, propositiva e estruturante dessas tecnologias. 
 No caso do currículo por ciclos de formação, o que se pretende é pleitear a 
diversidade dos tempos de aprendizagem e educacionais, na medida em que depen-
dendo de cada contexto o tempo é vivido e organizado de forma diferente, bem como 
em face da constatação e da compreensão de que os seres humanos não aprendem 
num tempo igual. As temporalidades humanas e sua pluralidade passam ser aqui a 
preocupação central. 
FACULDADE FUTURA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURRÍCULOS EDUCACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
VOTUPORANGA - SP
http://faculdadefutura.com.br/
1 
 
1 O CURRÍCULO NO CENÁRIO EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEO 
 
 
Fonte:blogdoeloiltoncajuhy.com.br 
 Nunca se constatou na história da educação uma tamanha importância atribu-
ída às políticas e propostas curriculares, diria mesmo, um tamanho empoderamento 
do currículo enquanto definidor dos processos formativos e educacionais e suas con-
cepções. No Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em ação, Diretrizes Cur-
riculares, leis específicas sobre conteúdos curriculares, fazem parte do cenário con-
temporâneo de decisões educacionais em nosso país. Se levarmos em conta o con-
texto de importância que o currículo assume no mundo, em termos da concepção e 
da construção contemporânea das formações, o seu empoderamento político-peda-
gógico, assim como a complexidade que emerge dessas configurações, a explicitação 
reflexiva do campo curricular e da noção de currículo, no sentido de distinguir histórica 
e conceitualmente as perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade for-
mativa social e pedagógica incontestável. 
Junto com esse compromisso, faz-se necessário trazer para esse cenário dis-
cursivo e elucidativo o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com 
2 
 
isso aceitar os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas perspec-
tivas que acolhem posições do tipo: “você deve dominar e aplicar essa concepção de 
currículo porque é científica”, ou mesmo, “não é preciso conceituar algo que é extre-
mamente complexo”. Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes demandas 
de compreensão e interferência político-pedagógica, bem como a necessidade do ar-
gumento competente sobre o instituído e o instituinte desse campo, não mais legiti-
mam reduções, pulverizações e concepções a críticas. É urgente, avaliamos, neste 
contexto da história das perspectivas e práticas curriculares, que os educadores en-
trem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas 
e interessadas dinâmicas de ação, sob pena de deixarem que os burocratas da edu-
cação continuem tomando de assalto um âmbito das políticas e práticas educacionais 
que hoje define, em muito, a qualidade e a natureza das opções formativas, na medida 
em que trabalha,fundamentalmente, nas organizações educacionais, com o conjunto 
dos conhecimentos e atividades eleitas como formativas. 
 Este é o campo do currículo, que desejamos refletir profunda e democratica-
mente. Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco se sensibilizam por 
aquilo que podemos denominar de um currículo educativo, formativo. Ou seja, um 
currículo em que as intenções formativas sejam explicitadas e se desenvolva, eluci-
dando e compromissando-se com uma educação cidadã. “Pensam” sempre na arqui-
tetura curricular, no seu desenho expresso nas antigas “grades”, hoje matrizes curri-
culares, fixadas num documento. É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos 
de fato e os movimentos sociais implicados nos cenários e ações educacionais te-
nham a oportunidade de compreender e debater bem o currículo, num processo de 
democratização radical da sua discussão conceitual e da elucidação das práticas e, a 
partir daí se apropriem e construam percepções e ações de descolonização nos âm-
bitos das propostas curriculares correntes. 
Esse não é um esforço de fixação de conceitos, de dizer sobre um conceito 
correto-incorreto, mas, acima de tudo, um esforço de explicitação politizada de uma 
concepção sócio histórica importante; uma política de sentido em elucidação, fincada 
na relevância sócio educacional do compromisso com o trabalho de responsabilidade 
em dizer bem com implicação sobre as políticas e práticas curriculares. 
Não temos dúvida de que o currículo, uma significativa opacidade e dificuldade 
conceitual para muitos trabalhadores em educação e a sociedade em geral, ainda se 
3 
 
constitui num dos dispositivos educacionais dos mais autoritários e excludentes, nes-
tes termos seu conhecimento aprofundado é urgente como um ato democrático. 
 Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os currículos já 
estão prontos para serem oferecidos como um banquete a ser consumido, alguns com 
sabores e adornos extremamente sofisticados. Entendemos com isso, que nunca 
como hoje o trabalho crítico, diria intercrítico, é tão fecundo para deslocarmos propos-
tas supostamente democráticas para o campo da radicalização da construção de no-
vos sujeitos históricos, como partícipes ativos e crítico-reflexivos da cena curricular-
educacional. 
É essa configuração que empresta ao currículo uma formidável perspectiva sis-
têmica e complexa de um macro-conceito. Ou seja, um conceito de fecundas caracte-
rísticas analisadoras do entendimento da educação contemporânea, ou seja, dotado 
de uma significativa capacidade de abraçar as mais diversas dimensões e perspecti-
vas do ato educacional; sem, entretanto, perder a sua especificidade em termos de 
conceito, campo e história específicos. 
 
2 DISTINÇÃO E RESPONSABILIDADE SÓCIO EDUCACIONAL 
 
 
Fonte:empresa-legal.blogspot.com.br 
 
4 
 
A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente, são lógicas 
necessárias para que se possa trabalhar em prol da lucidez sempre necessária nos 
âmbitos do currículo, da formação e da atividade políticoeducacional. Dizer que “cur-
rículo é a vida da escola”, “tudo que acontece no convívio escolar”, “currículo é tam-
bém o grau de limpeza dos corredores da escola”, ou mesmo reduzi-lo ao argumento 
da mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de seleção de mes-
trado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do negócio promissor da educa-
ção”, é aceitar perspectivas equivocadas, niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de 
equívocos, vieses não elucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é mer-
cado ou é tudo e nada. 
Os prejuízos éticos, políticos e formativos desses equívocos são fáceis de ser 
anunciado. O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de inovações 
apenas comprometidas ou reduzidas a delírios pedagógicos, só favorecem as elabo-
rações modelizadas de intelectuais delirantes e descomprometidos com as conse-
quências sociais da educação, ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às 
compreensões tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar e 
prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”. 
Estamos ainda vivendo numa percepção sócio pedagógica de currículo que dá 
preferência ao modelo e ao sistema pré-montado, em detrimento das pessoas, de 
suas demandas formativas, referências culturais e históricas; em detrimento dos con-
textos e seus interesses ligados ao complexo mundo do trabalho e da produção; e em 
detrimento, por consequência, do debate de sentidos que deve ser formulado no co-
letivo social. Nestes termos, a concepção de currículo expressa o desejo tecnocrata 
de uniformidade, de unicidade, como nos diz o educador português João Formosinho 
(1991, p. 1) “Currículo Uniforme pronto a vestir de tamanho único”. Ou mesmo, cai 
nas concepções delirantes de quem acha que as coisas da educação não têm espe-
cificidade e que toda fonte de elucidação e debate é válida para compreender o ato 
educativo a partir, apenas, da sua própria lógica ou linguagem. 
No caso dos experts de gabinete, a diferença em educação, em geral, não faz 
diferença. Tudo é, a priori, passível de homogeneização. Em geral, o que não pode 
ser homogeneizado vira resíduo a ser descartado. Entretanto, da perspectiva da teoria 
dos sistemas e da crítica complexa, os resíduos são produtos de sistemas que, para 
5 
 
construir suas coerências, eliminam elementos. Porém esses elementos não desapa-
recem. Eles se reagrupam na periferia e, num certo momento, podem retornar em 
avalanche e desestabilizar o sistema (LEFEBVRE apud HESS, 2005). 
O que nos mobiliza, em larga medida, neste momento, é a necessidade de os 
educadores saberem distinguir o campo e o objeto de estudo do currículo como pro-
cessos históricos, como processos de interesse formativo e, ao mesmo tempo, de 
empoderamento político. Numa recente discussão sobre o currículo de licenciatura 
vivido por nossa faculdade, um representante estudantil se expressou: “Não sei dis-
cutir currículo, não tenho os instrumentos conceituais para tal, só sei que estou impli-
cado e tenho que discutir”. Essa é uma narrativa emblemática que ilustra bem a inqui-
etação e a possibilidade de empoderamento que o saber curricular envolve. 
Parece-nos importante dizer que uma visão dialógica e não formal de currículo, 
em termos de seu desenho e conteúdo não nos remete necessariamente para fora da 
implicação com o campo, o debate e a reflexão enraizados aí. Ao longo de nossas 
elaborações sobre currículo, costumamos implicar a epistemologia, a sociologia, a an-
tropologia, a política, a psicologia, o romance, a poesia, a fábula, o cinema, o teatro, 
o mito, a música, as artes plásticas e outras narrativas fora da prosa científico-educa-
cional, como possibilidades de enriquecer/aguçar/ampliar/problematizar a compreen-
são sobre as pautas e as práticas curriculares e suas questões, sem com isso perder 
de vista de onde falamos, de que falamos e qual o nosso compromisso explicativo em 
termos do objeto de reflexão e análise. 
 
3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAÇÕES POLÍTICO-PEDAGÓ-
GICAS 
Autorizamo-nos a dizer que o currículo tem um campo historicamente constru-
ído, onde se desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreensões mediadoras. 
Há uma especificidade histórica que caracteriza este campo. Existem os substantivos 
cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural curricular. Sig-
nifica “carreira”, em forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forenses, 
carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades funcionais pú-
blicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. 
6 
 
 O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos 
séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como 
linguagem universitária. A palavracurriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. 
Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta 
mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um 
curso de aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido também pela palavra 
course. 
Somente no século XX, a palavra curriculum migra da Europa para os Estados 
Unidos. Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir de 1920, já se 
tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda 
Guerra Mundial que vão aparecer às primeiras formulações. 
Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo tardou a se con-
figurar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin (1966), os teóricos da repro-
dução, na elaboração da crítica da cultura escolar, tratam das questões curriculares 
de forma apenas indireta. Silva (1999, p. 21), a propósito, nos diz que a emergência 
do currículo como campo de estudo está estreitamente ligado a processos tais como 
a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de disciplinas e 
departamentos universitários, a institucionalização de setores especializados sobre 
currículo na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas especializa-
das. 
Este autor aponta que a própria emergência da palavra curriculum, como mo-
dernamente conhecemos, está ligada à organização das experiências educativas. 
Faz-se necessário ressaltar que é na literatura estadunidense que o termo surge para 
designar um campo especializado de estudos. Foram talvez as condições associadas 
com a institucionalização da educação de massas que permitiram que o campo de 
estudos do currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional es-
pecializado. 
Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal encarre-
gada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um 
objeto próprio de estudo científico; a extensão da educação escolarizada em níveis 
cada vez mais altos de segmentos cada vez maiores da população; as preocupações 
com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas 
7 
 
de imigração; o processo de crescente industrialização e urbanização (SILVA, 1999, 
p. 22). 
 Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno prático, social-
mente construído, historicamente formado, que não se reduz a problemas de aplica-
ção de saberes especializado desenvolvido por outras disciplinas, mas que possui um 
corpo disciplinar próprio”, no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que 
o conhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio aqui designado 
por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ que se situa nos âmbitos teórico e prático 
do conhecimento educativo.” Inspirado nesse trabalho de compreensão é que nos 
sentimos instados a elaborar uma certa noção de currículo via um esforço de distinção 
relacional, implicado às nossas opções político-educacionais. 
Assim, compreendemos o currículo como uma “tradição inventada” (GOOD-
SON, 1998), como um artefato sócio educacional que se configura nas ações de con-
ceber/ selecionar/produzir, organizar, institucionalizar, implementar/dinamizar sabe-
res, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando uma “dada” forma-
ção, configurada por processos e construções constituídos na relação com conheci-
mento eleito como educativo. 
Enquanto uma construção social, e articulado de perto com outros processos e 
procedimentos pedagógico educacionais, o currículo, como qualquer artefato educa-
cional, atualiza-se os atos de currículo de forma ideológica e, neste sentido, veicula 
“uma” formação ética, política, estética e cultural, nem sempre explícita (âmbito do 
currículo oculto), nem sempre coerente (âmbito dos dilemas, das contradições, das 
ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito das derivas, das trans-
gressões), nem sempre sólida (âmbito dos vazamentos, das brechas).É nestes ter-
mos, que vive cotidianamente enquanto concepção e prática, a reprodução das ideo-
logias, bem como permite, de alguma forma, a construção de resistências, bifurcações 
e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como um produto das relações e 
das dinâmicas interativas, vivendo e instituindo poderes. Neste movimento, cultiva 
“uma” ética e “uma” política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas, 
ao orientar-se por determinados valores. 
Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um docu-
mento (a grade) onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o 
8 
 
desenho organizativo dos conhecimentos, métodos e atividade em disciplinas, maté-
rias ou áreas, competências etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não pers-
pectivam o fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um todo e 
nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só 
não permitem elucidar. O fato é que professores e educadores em geral, nos seus 
cenários formativos, atualizam, constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, 
relacionalmente, tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de 
interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma costura, uma 
forma de tecer a formação, cuja compreensão não é possibilitada por um documento 
apenas, a matriz curricular, por mais que os documentos educacionais, não só a pro-
posta curricular, digam muito sobre o currículo, sua concepção e prática. 
 É nestes termos que o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. 
Sabemos que o currículo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios, 
nos estudos dos alunos e dos professores, sua vida não se encerra nas mãos e na 
cabeça daqueles que concebem a matriz curricular, que também é um ato de currí-
culo, mas não-absoluto. 
 Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear que a perspectiva 
“dura” de currículo cultiva, que argumentamos o quanto este artefato concebido como 
trajetória e itinerário, se transforma numa forma de poda das possibilidades criativas 
das experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento simbólico” 
(ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste mesmo argumento, elabora-
mos a ideia de currículo como itinerância e errância, onde mostramos a necessidade 
de se vivenciar também nas experiências formativas as interações bifurcantes, os de-
vaneios e as errâncias criativas (MACEDO, 2002). É assim que compreendemos o 
currículo, como um complexo cultural tecido por relações ideologicamente organiza-
das e orientadas. Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo, uma 
prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber o currículo como prática de 
significação sem realçar seu caráter generativo, inventivo. 
Como tal, no seio do currículo, constituindo-o, os significados, os sentidos tra-
balhados, a matéria significante, o subsídio cultural, são sempre e continuamente re-
trabalhados. “São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, 
redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transformação” 
(SILVA, 1999, p. 13). Em termos políticos, faz-se necessário ressaltar, como nos alerta 
9 
 
Silva (1999), que há uma tensão constante entre a necessidade de delimitar o signifi-
cado e a rebeldia, também permanente, do processo de significação. 
É aqui que o conservadorismo está sempre às turras com o enfrentamento da 
tendência do significado ao deslizamento, à disseminação, ao vazamento, à trans-
gressão e à traição. É fato que a prática introduz elementos e problemas significativos 
sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir em termos coletivos. Faz-se ne-
cessário perceber que o currículo indica caminhos, travessias e chegadas, que são 
constantemente realimentados e reorientados

Continue navegando