Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
18a AULA RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DAS AREIAS 1. Introdução Nesta aula, será estudada a resistência ao cisalhamento das areias e pedregulhos, principalmente puros ou com pequena porcentagem de finos (menos de 12%). Sempre surgem pressões neutras num solo quando nele se aplica qualquer tipo de carregamento. Como os materiais granulares (areias e pedregulhos) têm como característica principal a alta permeabilidade e, em conseqüência, a facilidade de drenagem, nas obras de engenharia, a dissipação das pressões neutras se dá muito rapidamente, concomitantemente ao próprio carregamento. Assim, de forma a simular as condições reais de campo, a resistência ao cisalhamento das areias é sempre determinada em ensaios drenados (ou seja, de cisalhamento direto ou em ensaios triaxiais adensados drenados), em que a pressão neutra é nula. Somente em situações excepcionais, como no caso de carregamentos extremamente rápidos (por exemplo, terremotos), o intervalo de tempo em que se dá o carregamento é insuficiente para que ocorra a dissipação das pressões neutras. Neste curso, é abordado somente o comportamento drenado dos solos granulares. O comportamento das areias será aqui estudado por meio de ensaios triaxiais adensados drenados, com os corpos de prova previamente saturados. Isto permite que se obtenha a variação de volume do corpo de prova durante o ensaio, pois ela corresponde ao volume de água que entra ou sai do corpo de prova e que é medido numa bureta graduada acoplada à tubulação de drenagem. 2 2. Comportamento de areias fofas Nas figuras 1(a), 1(b) e 1(c) a seguir, apresentam-se resultados típicos de ensaios triaxiais adensados drenados em areias fofas. Foram ensaiados dois corpos de prova de uma mesma areia e num mesmo índice de vazios, correspondente ao estado fofo, nas pressões confinantes de 100 e 200 kPa. Fig. 1 - Resultados típicos de ensaios triaxiais em areias: (a), (b), (c) areias fofas; (d), (e), (f) areias compactas. 3 Nota-se na figura 1(a) que, ao ser feito o carregamento axial na pressão confinante de 100 kPa, o corpo de prova apresenta um acréscimo de tensão (σ1-σ3) que cresce lentamente com a deformação axial, atingindo um valor máximo só para deformações relativamente elevadas (da ordem de 6 a 8%). Na mesma figura, verifica-se também que ensaios realizados com pressões confinantes diferentes apresentam curvas tensão – deformação com aproximadamente o mesmo aspecto, podendo-se admitir que as tensões (σ1-σ3)max sejam proporcionais às pressões confinantes de ensaio. Devido a essa proporcionalidade, ao serem traçados os círculos de Mohr correspondentes aos máximos acréscimos de tensão axial (figura 1(c)), obtém-se uma envoltória que é uma reta passando pela origem. ϕ' é chamado de ângulo de atrito interno efetivo da areia. As medidas de variação de volume durante o carregamento axial indicam uma redução de volume, como mostra a figura 1(b), sendo que para pressões confinantes maiores, as reduções de volume são um pouco maiores. 3. Comportamento de areias compactas Resultados típicos de ensaios triaxiais adensados drenados em areias compactas estão apresentados nas figuras 1(d), 1(e) e 1(f). Nas areias compactas, o acréscimo de tensão axial (σ1-σ3) cresce muito mais rapidamente com a deformação axial, atingindo um valor máximo, sendo este considerado a resistência máxima ou a resistência de pico. Ultrapassada essa resistência, o valor de (σ1-σ3) decresce lentamente com a deformação, até se estabilizar em torno de um valor, que é definido como resistência residual. 4 As resistências de pico são proporcionais às tensões de confinamento dos ensaios. Portanto, a envoltória aos círculos de Mohr correspondentes às tensões máximas também é uma reta passando pela origem. O valor do ângulo de atrito interno efetivo ϕ' neste caso é superior ao obtido no estado fofo. Por outro lado, podem-se representar também os círculos de Mohr correspondentes ao estado de tensões na condição residual. Estes círculos novamente definem uma envoltória retilínea passando pela origem. O ângulo de atrito correspondente, chamado de ângulo de atrito residual ϕ'r, é muito semelhante ao ângulo de atrito desta mesma areia no estado fofo, pois, como mostram as figuras 1(a) e 1(d), as resistências residuais são da ordem de grandeza das resistências máximas da mesma areia no estado fofo. Com relação à variação de volume, observa-se que os corpos de prova das areias no estado compacto apresentam, inicialmente, uma redução de volume, mas ainda antes de ser atingida a resistência máxima, o volume do corpo de prova começa a crescer, sendo que na ruptura o corpo de prova apresenta um maior volume do que no início do carregamento axial. A resistência de pico das areias compactas é justificada pelo entrosamento entre as partículas (figura 2). Nas areias fofas, o processo de cisalhamento provoca uma reacomodação das partículas, que se dá com uma redução do volume. Nas areias compactas, as tensões de cisalhamento devem ser suficientes para vencer os obstáculos representados pelos outros grãos na sua trajetória. Vencidos estes obstáculos, o que exige um aumento de volume, a resistência ao cisalhamento cai ao valor da areia no estado fofo. 5 Fig. 2 - Posição relativa dos grãos nas areias fofas e compactas 4. Expressões válidas para areias Como visto no item anterior, a equação da envoltória de resistência de uma areia tem a forma 'tg'max ϕσ=τ Observe-se que a envoltória é dada em termos de tensões efetivas (σ’=σ), uma vez que as pressões neutras são nulas. Além dessa expressão, há mais duas que são bastante úteis em algumas situações. A primeira, já mencionada anteriormente, trata da proporcionalidade entre a resistência máxima e a tensão de confinamento. Pode-se escrever para areias: = σ σ−σ 3 max31 )( constante A segunda é uma expressão que permite o cálculo direto do ângulo de atrito efetivo a partir das tensões principais no ensaio no momento da ruptura. 6 Fig. 3 – Relação entre o ângulo de atrito e as tensões principais É fácil observar na figura 3 que: 31 31 '' '' 'sen σ+σ σ−σ =ϕ Como no ensaio adensado drenado u=0, pode-se finalmente escrever: 31 31'sen σ+σ σ−σ =ϕ 5. Indice de Vazios Crítico das Areias Foi visto que uma areia diminui de volume ao ser carregada axialmente quando se encontra fofa, mas se dilata, nas mesmas condições, quando se encontra no estado compacto. A figura 4 apresenta resultados de ensaios de compressão triaxial adensados drenados sobre corpos de prova de uma mesma areia moldados em quatro índice de vazios diferentes, com a mesma pressão confinante. Observando-se o ponto de resistência máxima de cada ensaio, na parte (a) da figura, pode-se determinar a variação de volume no instante da ruptura na parte (b) da figura. Estes valores podem τ σ ' σ ' 1 σ ' 3 (σ ' 3 + σ ' 1 )/2 ϕ ' (σ ' 1 − σ ' 3 )/2 7 ser representados em função do índice de vazios inicial dos corpos de prova, como se faz na parte (c) da figura. No exemplo considerado, dois corpos de prova apresentavam contração e dois apresentavam dilatação na ruptura. Infere-se que deve existir um índice de vazios no qual o corpo de prova não apresenta nem diminuição nem aumento de volume por ocasião da ruptura. Esse índice de vazios é chamado de índice de vazios crítico da areia. Se a areia estiver com um índice de vazios menor do que ele, ela precisará se dilatar para romper; se o índice de vazios for maior do que o crítico, a areia romperá se comprimindo. O índice de vazios crítico é obtido por interpolação dos resultados, como mostra a figura (c). Fig. 4– Obtenção do índice de vazios crítico a partir de resultados de ensaios triaxiais com a mesma pressão confinante 8 Também por interpolação pode-se avaliar o comportamento da areia ensaiada no índice de vazios crítico, como se mostra pelas curvas tracejadas nas figuras (a) e (b). Note-se que uma areia ao ser carregada axialmente no ecrit, apresenta inicialmente uma ligeira diminuição de volume, seguida de um aumento de volume; a variação de volume no momento da ruptura é nula. As areias fofas apresentam elevados índices de vazios antes de serem carregadas axialmente e estes índices de vazios diminuem com o carregamento, pois há contração. De outra parte, as areias compactas apresentam inicialmente baixos índices de vazios, mas eles aumentam com o carregamento, já que há dilatação. Na figura 5, está indicada a variação de índice de vazios dos ensaios apresentados na figura anterior. Nota-se que, após a ruptura, todos os corpos de prova tendem ao mesmo índice de vazios, que é o índice de vazios crítico. O índice de vazios crítico pode então ser entendido como o índice de vazios em que a areia se deforma sem variação de volume, que é o estágio para o qual a areia tende ao ser rompida, independentemente do índice de vazios inicial. Fig. 5 – Variação do índice de vazios de areias em ensaios triaxiais, a partir de índices de vazios iniciais diferentes 9 A importância da definição do índice de vazios crítico vem do fato de que o comportamento das areias, se saturadas e eventualmente carregadas sem possibilidade de drenagem, é extremamente diferente conforme a areia esteja com índice de vazios abaixo ou acima do crítico. Carregamentos sem possibilidade de drenagem podem ocorrer, principalmente em areias finas, de menor coeficiente de permeabilidade, quando a solicitação é dinâmica como, por exemplo, as devidas a tremores de terra ou a explosões. Quando uma areia se encontra com índice de vazios inferior ao índice de vazios crítico, ao ser solicitada, ela tende a se dilatar. A dilatação, no caso de haver drenagem, faz-se acompanhada de penetração de água nos vazios. Se não houver tempo para que isto ocorra, a água fica sob uma pressão neutra negativa (de sucção), do que resulta um aumento da tensão efetiva e, consequentemente, um aumento de resistência. Entretanto, se a areia se encontra com um índice de vazios superior ao crítico, ao ser carregada, ela tende a se comprimir, expulsando água dos vazios. Não havendo tempo para que isto ocorra, a água fica sob pressão positiva, diminuindo a tensão efetiva e, consequentemente, reduzindo significativamente a resistência. As rupturas de areias nestas condições costumam ser drásticas, pois as pressões neutras podem atingir valores tão elevados que a areia se liquefaz. Quando uma areia está com seu índice de vazios acima do índice de vazios crítico, diz-se que ela é uma areia fofa, enquanto que quando o índice de vazios é inferior ao crítico, a areia é considerada uma areia compacta. 10 Chama-se a atenção ao fato de que o índice de vazios crítico de uma areia não é uma característica do material, mas depende da pressão confinante a que ela está submetida. Ao se estudar o comportamento em ensaios triaxiais, verificou-se que, quando se aumenta a pressão confinante, no caso de areias fofas, a diminuição de volume é maior e, no caso de areias compactas, o aumento de volume não é tão grande. Estas informações, expressas na figura 6(a), indicam que a pressões confinantes diferentes correspondem diferentes índices de vazios críticos. Quanto maior a pressão confinante, menor o índice de vazios crítico. Na figura 6(b) tem-se a variação do índice de vazios crítico em função da pressão confinante. Fig. 6 – Relação do índice de vazios crítico com a pressão confinante 6. Variação do ângulo de atrito com a pressão confinante A afirmação de que a envoltória de uma areia é uma reta passando pela origem é na realidade uma aproximação, muito empregada na prática. Ensaios realizados com bastante precisão revelam, entretanto, que os diversos círculos de Mohr na ruptura conduzem a envoltórias de resistência curvas, como se mostra na figura 7. 11 Fig. 7 - Variação do ângulo de atrito interno efetivo de uma areia com a pressão confinante Sabe-se que as areias não apresentam coesão. Sob pressão confinante nula, um corpo de prova de areia não se mantém. Por isto, ao invés de se procurar ajustar uma reta à envoltória curva, prefere-se considerar que o ângulo de atrito varia com a pressão confinante. A variação do ângulo de atrito com a pressão confinante é tanto mais sensível quanto mais compacta estiver a areia e quanto menos resistentes forem os seus grãos. Quando se expressa de uma maneira genérica o ângulo de atrito de uma areia, pressupõe-se que o valor se refere aos níveis de tensão mais comuns em obras de engenharia, correspondentes a tensões confinantes da ordem de 100 a 400 kPa. 12 7. Fatores que afetam o ângulo de atrito das areias Compacidade Como já visto, o ângulo de atrito depende da compacidade da areia, pois é ela que governa o entrosamento entre partículas. Resultados experimentais mostram que o ângulo de atrito de uma areia, no seu estado mais compacto, é da ordem de 7 a 10 graus maior do que o seu ângulo de atrito no estado fofo. Distribuição granulométrica Areias bem graduadas apresentam maiores ângulos de atrito do que areias uniformes. Nas areias bem graduadas, os grãos mais finos ocupam os vazios entre os mais grossos, o que provoca um maior entrosamento das partículas. Formato dos grãos Areias constituídas de partículas esféricas e arredondadas têm ângulos de atrito sensívelmente menores do que as areias constituídas de grãos angulares. Isso se deve ao maior entrosamento entre as partículas quando elas são irregulares, como se mostra esquematicamente na figura 9. Fig. 9 – Entrosamento de areias de grãos arredondados e de grãos angulares 13 Resistência dos grãos A resistência das partículas que constituem a areia interfere na resistência da areia pois se os grãos não resistirem às forças a que estão submetidos e se quebrarem, isto se refletirá no comportamento global da areia. A resistência das partículas é função principalmente da composição mineralógica da partícula (por exemplo, grãos de quartzo são mais resistentes do que grãos de feldspato). A quebra das partículas no processo de cisalhamento é a maior responsável pelas envoltórias de resistência curvas das areias. Tamanho dos grãos e presença de água Ao contrário do que se julga comumente, o tamanho das partículas, sendo constantes as outras características, pouca influência tem na resistência das areias. Da mesma forma, de um modo geral, o ângulo de atrito de uma areia saturada é aproximadamente igual ao da areia seca. 8. Valores típicos de ângulos de atrito de areias Da análise feita acima, verifica-se que os fatores de maior influência na resistência ao cisalhamento das areias é a distribuição granulométrica, o formato dos grãos e a compacidade. Em função desses fatores, na Tabela 1 a seguir apresentam-se valores típicos de ângulos de atrito, para tensões de 100 a 400 kPa, que é a ordem de grandeza das tensões que ocorrem em obras comuns de engenharia civil. 14 Compacidade fofa compacta Areias bem graduadas de grãos angulares 37o 47o de grãos arredondados 30o 40o Areias mal graduadas de grãos angulares 35o 43o de grãos arredondados 28o 35o Tabela 1 – Valores típicos de ângulos de atrito internos de areia
Compartilhar