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A escrita antes das letras - Emília Ferreiro

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Alfabetização: relações de ensino e aprendizagem 
 
Bibliografia para prova do processo seletivo 
 
As questões para a prova de seleção serão formuladas a partir da seguinte bibliografia. 
 
LERNER, Delia Ler e Escrever na Escola: o real, o possível e o necessário Porto Alegre: 
Artmed, 2002 
 
FERREIRO, Emilia A escrita... antes das letras São Paulo: Cortez. Título esgotado, sem 
previsão de reedição. Ver texto a seguir. 
 
Obs.: Os livros deverão estar em mãos no dia da prova, para que possam ser consultados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
In: SINCLAIR, Hermine A produção de 
notações na criança:linguagem, número, 
ritmos e melodias São Paulo: Cortez, 
1990 (esgotado sem previsão de reedição) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo I 
A ESCRITA... ANTES DAS LETRAS 
Emilia Ferreiro 
 
 
 
 
A aquisição da representação escrita da linguagem tem sido 
tradicionalmente considerada como uma aquisição escolar (isto é, como 
uma aprendizagem que ocorre, do início ao fim, no contexto escolar). Ora, 
sabemos que, entre os conhecimentos fundamentais, praticamente não há 
domínios dos quais possamos identificar um início propriamente escolar. 
Em todos esses domínios, aos quais a pesquisa psicogenética trouxe dados 
sólidos, o começo do conhecimento pôde ser situado em torno de um limite 
pré-escolar (é especialmente o caso das noções numéricas elementares, da 
organização do espaço, das seriações temporais, da estruturação das 
relações e dos objetos físicos). 
A aquisição da língua materna é inegavelmente uma aquisição pré-
escolar. O mesmo aconteceria para o início da língua escrita? Há bastante 
tempo, vários pesquisadores interessados nas origens da representação 
gráfica na criança assinalaram tentativas precoces de produção de traçados 
de aparência gráfica variada, mas diferentes do desenho, comentados pela 
criança em termos tais como: "eu marquei", "são letras", "são números", 
"está escrito" etc. 
Essas condutas foram assinaladas, mas vistas simplesmente como 
parte das atividades de "faz-de-conta", como um brinquedo, como imitação 
lúdica das condutas adultas, e não como atividades características do 
processo de aquisição da língua escrita. 
Em seguida, vamos tentar mostrar que: 
1) Pode-se falar de uma evolução da escrita na criança, evolução 
influenciada mas não totalmente determinada pela ação das 
instituições educativas; mais ainda, pode-se descrever uma psicogênese 
nesse domínio (isto é, pode-se não somente distinguir etapas sucessivas 
mas também interligá-las em termos de mecanismos constitutivos que 
justificam a seqüência dos níveis sucessivos). 
2) No âmbito de compreensão da escrita, a criança encontra e 
deve resolver problemas de natureza lógica, como em qualquer outro 
domínio do conhecimento. 
Para tanto, vamos utilizar resultados obtidos em trabalhos de 
pesquisa que realizamos nos últimos dez anos em diversos países 
(Argentina, Suíça, México), bem como resultados de colegas 
trabalhando segundo o mesmo quadro conceituai em outros países 
(Brasil, Itália, Israel, Estados Unidos). Nosso objetivo não é relatar 
aqui resultados desta ou daquela pesquisa (as referências ajudarão o 
leitor a encontrá-las nas publicações citadas), mas proporcionar uma 
visão de conjunto do estado atual de nossos resultados e reflexões 
teóricas sobre o assunto. Contudo, é útil ressaltar que realizamos 
pesquisas longitudinais (nas faixas de três a cinco e de quatro a seis 
anos) como também transversais (com crianças entre quatro e sete 
anos), pesquisas com crianças vivendo em meios quase iletrados bem 
como com crianças crescendo em condições de interação contínua com 
a língua escrita, pesquisas com crianças de 4-5 anos que freqüentam 
instituições escolares e com outras que não as freqüentam, pesquisas 
longitudinais com crianças no início de sua escolaridade elementar, 
com adultos analfabetos etc. 
O objetivo específico de cada pesquisa determinou a escolha 
metodológica. Porém, aproveitamos muito as vantagens dos métodos de 
exploração próprios da pesquisa psicogenética. Jamais teríamos 
podido avançar em nosso trabalho sem levar em consideração o 
poderoso instrumento de leitura da experiência que é a teoria 
psicogenética e os meios de exploração que ela elaborou. Nossa 
ligação aos princípios fundamentais do quadro psicogenético é 
evidente e explícita. Entretanto, aqui como alhures, tentaremos invocar 
Piaget o mínimo possível, mas utilizando-o ao máximo. 
Notas prévias 
Antes de entrar no âmago da discussão, é necessário explicitar as 
razões que nos levam, de um lado, a fazer uma distinção que não é 
habitual e, de outro, a recusar uma distinção que parece evidente. 
1) A interpretação de uma produção escrita de uma criança pode 
ser feita de dois pontos de vista muito diferentes. Podemos observar 
a qualidade do traçado, a orientação da seqüência de grafias (da es 
querda para a direita ou ao contrário; de cima para baixo ou ao 
contrário), a presença de formas convencionais (O que a criança produz 
corresponde efetivamente às letras de nosso alfabeto? Em caso afirma 
tivo, são estas bem orientadas ou há inversões?) etc. 
Tudo isso diz respeito ao que podemos chamar aspectos 
figurativos da escrita, os únicos para os quais tem se voltado, até o 
momento, a atenção de psicólogos e psicopedagogos. Ora, a par desses 
aspectos figurativos, há o que podemos denominar de aspectos 
construtivos da mesma produção. Estes aspectos construtivos são 
colocados em primeiro plano quando nos perguntamos o que a criança 
quis representar e como ela chegou a produzir uma tal representação -
(mais precisamente, como ela chegou a criar uma série de 
representações). Os aspectos figurativos foram a tal ponto privilegiados, 
que não é absolutamente necessário retomá-los. Em compensação, os 
aspectos construtivos não se constituem ainda em observáveis para a 
maioria dos pesquisadores. Em seguida, falaremos somente dos aspectos 
construtivos porque são eles que nos permitem propor uma 
psicogênese nessa evolução. Faremos referência aos aspectos 
figurativos apenas para contraste, quando for necessário marcar bem a 
distinção entre ambos. 
2) Tradicionalmente, estamos habituados a diferenciar as 
atividades de leitura das atividades de escrita. Porém, vamos recusar 
essa distinção. O que nos interessa é a relação entre um sujeito 
cognoscente (a criança) e um objeto de conhecimento (a língua 
escrita). Esse sujeito ignora que a tradição escolar quer guardar bem 
as diferenças entre os domínios chamados leitura e escrita. Ele tenta 
apropriar-se de um objeto complexo, de natureza social, cujo modo de 
existência é social e que está no centro de um certo número de trocas 
sociais. Para tanto, ele tenta buscar uma razão de ser nas marcas que
fazem parte da paisagem urbana, tenta encontrar-lhes o sentido, isto é, 
interpretá-las (em uma palavra, "lê-las"); de outro lado, ele tenta 
produzir (e não somente reproduzir) as marcas pertencentes ao 
sistema: ele se entrega então a atos de produção da escrita 
propriamente dita. 
Por razões de organização desta apresentação, vamos nos referir 
mais às atividades de produção da criança do que às suas atividades de 
interpretação da escrita, como atividades reveladoras dos níveis de 
conceitualização, e não como estudo da escrita per se. 
A evolução das conceitualizações sobre a escrita 
Três períodos fundamentais podem ser identificados, no interior 
dos quais é possível indicar subníveis. 
1) O primeiro período caracteriza-se pela busca de parâmetros de 
diferenciação entre as marcas gráficas figurativas e as marcas gráficas 
não-figurativas, assim como pela formação de séries de letras como 
objetos substitutos, e pela busca das condições de interpretação desses 
objetos substitutos. 
2) O segundo período é caracterizado pela construção de modos 
de diferenciação entre os encadeamentos de letras, baseando-se 
alternadamente em eixos de diferenciação qualitativos e quantitativos. 
3) O terceiro período é o que corresponde à fonetizaçãoda 
escrita, que começa por um período silábico e culmina no período 
alfabético. 
Primeiro período 
O primeiro período caracteriza-se pelo trabalho da criança em 
tentar encontrar características que permitam introduzir certas 
diferenciações dentro do universo das marcas gráficas. Uma primeira 
diferenciação é a que separa as marcas icônicas das demais. Nesse 
momento, a escrita parece ser definida apenas pela negação: ela não é 
desenho. A criança não utiliza necessariamente os termos 
convencionais para denominar essa escrita. Ela pode falar, geralmente, 
em letras ou em números sem fazer distinções entre esses dois 
subconjuntos (quer dizer, todas as marcas reconhecidas como não-
icônicas são chamadas de letras, inclusive os números, ou são 
chamadas de números incluídas aí as letras). O que não pertence à 
classe do desenho pode também receber denominações tomadas dentre 
os nomes convencionais, mas empregadas de um modo menos 
convencional: por exemplo, quando a criança toma o nome de um 
subconjunto e o emprega como denominação geral ("são cincos", "os 
zeros", "os a" etc.). Essas marcas podem não ter outra denominação a 
não ser a que corresponde ao resultado de uma ação específica: "está 
marcado", "está escrito". De fato, pouco importa a denominação que é 
efetivamente utilizada. O que é mesmo importante é o fato de buscar 
estabelecer uma distinção entre o icônico e o não-icônico, entre 
desenhar e escrever (ou, antes, entre os resultados dessas duas ações). 
Quando se desenha, fica-se no domínio do icônico; as formas dos 
grafismos são pertinentes porque reproduzem a forma dos objetos. 
Quando se escreve, fica-se fora do icônico; as formas dos grafismos 
não reproduzem o contorno dos objetos. Não é por acaso que o 
arbitrário das formas empregadas como também a organização linear 
contam entre as primeiras características presentes nas escritas das 
crianças. 
Para distinguir, é necessário separar. Ora, uma vez estabelecida 
essa distinção, torna-se importante buscar as relações entre os dois 
modos fundamentais de realização gráfica (icônico e não-icônico). No 
início, letras e imagens, ou desenhos, podem partilhar o mesmo espaço 
gráfico e, contudo, não ter entre si nenhuma relação de natureza 
significante ou mesmo funcional. As letras são objetos do mundo 
entre outros; o fato de elas poderem receber nomes pouco as 
diferencia dos outros objetos. Entretanto, elas são objetos particulares, 
pois que não têm existência própria senão como marcas nos mais diversos 
objetos materiais. Essa presença difusa e múltipla da escrita no meio 
social não facilita a compreensão da natureza do elo entre as marcas e 
o objeto que as traz1. É verdade que certos objetos sociais definem-se 
quase inteiramente como portadores de marcas (a maior parte dos 
livros e dos jornais). Mas a função desses objetos permanece opaca se 
 
1 Por exemplo, uma escrita em uma camiseta não indica necessariamente 
uma relação entre a escrita e o objeto portador, nem entre a escrita — como 
parte do objeto — e as outras partes deste mesmo objeto. 
 
não se tem ocasião de assistir a trocas sociais onde ela pode se 
manifestar (o que supõe crescer em um meio alfabetizado). Porém, a 
informação obtida por meio das trocas sociais está longe de ser 
imediatamente assimilável; ela exige, por sua vez, esforços de 
interpretação. Um desenvolvimento importante concerne precisamente à 
função significativa dos objetos-letras. 
Podemos seguir com detalhes a formação das séries de letras 
como objetos substitutos graças aos estudos longitudinais feitos com 
crianças pequenas de meio urbano marginalizado (favelas). Neles, a 
evolução se faz mais lentamente devido ao seu acesso limitado às 
informações socialmente transmitidas. Os dados obtidos foram 
relatados em outras publicações com muitos exemplos ilustrativos (cf. 
Ferreiro, 1982, 1984). A progressão de uma criança, descrita a seguir, 
ajudar-nos-á a mostrar em que consiste essa evolução. 
Vítor usa a partir de três anos e dez meses a denominação letras. 
Todos os textos, inclusive os compostos por ele, são "letras". A 
pergunta "o que é que diz aqui?" (ou as perguntas equivalentes) é 
sempre seguida pela mesma resposta: "letras". A situação se mantém 
sem modificação até 4;22. Aos 4;5, os textos sem figuras continuam a ser 
"letras" que dizem "letras", mas quando há uma figura por perto há 
uma mudança. O diálogo seguinte é ilustrativo: 
(O experimentador mostra a figura de um violão) 
"O que é isto?" "Um violão." 
(O experimentador mostra o texto embaixo da figura) 
"O que puseram aqui?" "Para o violão." 
"O que diz aqui?" "Violão." 
(Figura de uma cadeira) 
"O que é isto?" "Uma cadeira." 
"E isto?" (texto embaixo] "Cadeira." 
Quando Vítor tem 5;1 nós lhe apresentamos a figura de uma 
boneca e uma série de cartões com textos, pedindo-lhe que procure o 
cartão que "combina com a boneca". Vítor pega qualquer um sem 
escolher: 
 
2 A partir de agora, a idade das crianças será indicada em anos e em meses da 
seguinte maneira: 4;2, que significa quatro anos e dois meses. 
(O experimentador mostrando as letras do cartão.) 
"O que é isto?" "Letras para a boneca." 
"Leia isto!" (Vítor faz uma série de bolinhas 
ao lado do desenho da boneca.) 
"O que é que você fez?" "Para a boneca." 
"O que é que você fez para a boneca?" "Letras." 
"Elas vão dizer o quê?" "Boneca." 
Um mês depois (5;2) mostramos a Vítor uma série de figuras, 
pedindo-lhe: "ponha qualquer coisa com as letras". Dessa vez, 
procuramos saber se Vítor é capaz de antecipar antes de começar a 
escrever. Para a figura de uma galinha, ele decide escrever galinha, e 
nós lhe perguntamos com quantas letras ele vai escrever essa palavra. 
Ele responde "três". Perguntamos-lhe: "Três o quê?". Ele responde: 
"De galinha". Sua antecipação ainda não serve para controlar sua 
produção; ele escreve galinha com seis bolinhas. Depois ele faz cinco 
bolinhas para a figura de um peixe, e nós lhe perguntamos: "O que se 
pode ler aí?". Ele responde: "Peixe". Perguntamos-lhe então se se 
poderia ler peixe onde está a figura. Vítor rejeita essa idéia fantasiosa: 
"Não. Aí está o peixe". ("No, ahi está el pescado."). 
Essa seqüência evolutiva apresenta características que não são 
exclusivas de Vítor. Primeiramente, há o fato de que a pergunta "o que 
diz aqui?" referindo-se às letras não tem sentido. No começo, as letras 
são objetos particulares do mundo externo que têm em comum com 
todos os demais objetos o fato de ter um nome. Elas nada querem 
"dizer", não tendo ainda o caráter de objetos substitutos. É preciso 
notar que, no mesmo nível, as respostas não melhoram se colocamos 
perguntas usando o verbo ler. Ainda aos 5;1, Vítor interpreta ler como 
equivalente a escrever, como muitas outras crianças de favela (com 
maior freqüência entre três e quatro anos que aos cinco anos). Assim, 
quando pedimos a essas crianças que tentem ler um texto, elas 
escrevem; quando lhes pedimos que mostrem onde podem ler, elas 
mostram os espaços em branco em volta das letras, mas não as 
próprias letras. 
É evidente que a conceitualização da atividade que chamamos ler 
é muito mais complexa do que a que chamamos escrever. A atividade 
de escrever tem um resultado observável: uma superfície na qual
se escreve é transformada por causa dessa atividade; as marcas que 
disso resultam são permanentes, exceto se uma outra ação as destrua. 
Ao contrário, a atividade de ler não dá resultado: ela não introduz 
nenhuma modificação ao objeto que acaba de ser lido. A voz pode 
acompanhar essa atividade, mas esta pode também ocorrer em 
silêncio; quando a voz é audível, é preciso então aprender a distinguir 
a palavra que resulta da leitura dos outros atos de palavra (os 
comentários que podem ser feitos sobre o que acaba de ser lido e que 
podem estar acompanhados de todos os outros indicadores visíveis da 
atividade de leitura:os olhos fixando o texto, as mãos perto do texto 
etc). 
Antes de as letras tornarem-se objetos substitutos, assistimos a 
esforços para estabelecer relação entre os textos e as figuras que lhes 
são próximos: à denominação do objeto representado pela figura 
sucede o estabelecimento de uma relação de pertinência entre o texto 
e a figura, e é somente em seguida que se torna possível interpretar o 
texto. Vítor emprega a expressão "letras para. . ."; outras crianças 
empregam as expressões "letras de..." ou "é o nome de...". 
Em todas as situações, a idéia que guia a busca de interpretação 
pela criança é que: no texto está o nome do objeto (do objeto real ou 
do objeto desenhado). Para marcar bem a distinção entre o que é 
desenhado e o que é escrito, as crianças recorrem a uma diferença 
bastante refinada no nível da linguagem. Elas utilizam o artigo 
indefinido quando falam do objeto ou da figura, e enunciam o nome 
sem artigo quando se trata de interpretar o escrito. Pudemos observar 
(Ferreiro e Teberosky, 1979) que essa diferenciação no nível da 
linguagem é — nas crianças de fala hispânica — uma das indicações 
mais seguras da transformação das letras (organizadas em séries) em 
objetos substitutos. 
Na verdade, o que é interpretável não é uma letra isolada mas 
uma série que deve preencher duas condições formais essenciais: ter 
uma quantidade mínima e não apresentar a mesma letra repetida 
(variação intrafigural). Dizemos "letras", mas de fato deveríamos falar 
de grafemas não-icônicos que funcionam, para a criança, como letras 
(pouco importa sua semelhança gráfica com os caracteres do alfabeto). 
De fato, também pode tratar-se de "verdadeiras" letras, como de 
algarismos, de "quase-letras" ou de "pseudoletras", ou simplesmente 
de séries de bolas e de barras verticais. 
Segundo período 
O estabelecimento de condições formais de "legibilidade" (logo, 
de "interpretabilidade") de um texto marca o início do segundo dos 
três períodos fundamentais da organização da escrita na criança. As 
propriedades específicas do texto tornam-se então observáveis. 
Quando pedimos às crianças que classifiquem uma série de cartões em 
"os que dão e os que não dão para ler", vemos por várias ocasiões 
aparecerem esses dois critérios fundamentais (cf. Ferreiro e Teberosky, 
1979; Ferreiro et al., 1979; Ferreiro et al., 1982)3. Em uma sondagem 
de confirmação efetuada com crianças de fala francesa, em Genebra, 
crianças de quatro e cinco anos expressaram-se assim: 
— Um cartão com quatro a, emendados em letra cursiva, não 
"dá pra ler" porque "é tudo vezinhos malfeitos"*, ou porque "tem 
bolas" (subentendido "tem somente bolas"). Outras crianças o recusam 
porque vêem ali um desenho: "É tudo ondinhas"**. Isto é importante: 
a distinção adquirida no nível precedente entre o icônico e o não-
icônico não se perde; ao contrário, ela se integra às novas construções. 
— Um cartão que apresenta quatro M (MMMM) é recusado 
porque "é tudo a mesma coisa", "só tem destes assim", "não está 
escrito nada porque tem muito deste" ("c'est écrit rien du tout parce 
qu'il y en a beaucoup") (subentendido, "muitos do mesmo"). 
— O critério de variação intrafigural é, às vezes, levado ainda 
mais longe; nenhuma letra pode se repetir. Por exemplo, um cartão 
com o texto lolo é rejeitado por certas crianças porque "tem duas 
letras da mesma coisa". Mesmo quando se trata de uma palavra de 
verdade, por exemplo, um cartão com a palavra non (não), esta 
exigência de variação estrita pode aparecer: a palavra não dá para ler
 
3 Outros critérios de classificação são igualmente utilizados mas têm uma 
importância secundária na psicogênese e, por isso, não faremos sua análise 
aqui. Trata-se das distinções entre a escrita cursiva e as grafias separadas, en-
tre letras e pseudoletras, entre algarismos e letras. 
* Trata-se, naturalmente, do diminutivo do grafema vê. (N. da T.) 
** Na tradução das falas infantis deste trecho, bem como de outros desta 
obra, tenta-se colocar as falas e expressões espontâneas correspondentes 
às da criança em português, para que não se perca exatamente seu caráter de 
espontaneidade. (N. da T.) 
 
porque "tem duas letras da mesma coisa e depois uma bolota", ou 
então, de forma ainda mais explícita, nos termos de uma outra 
criança: "é errado se é feito duas vezes a mesma coisa". 
— No que se refere à quantidade mínima de grafias, quando há 
apenas uma letra, essas crianças são unânimes: "não dá pra ler nada". 
Um cartão com um E e outro com um D são recusados "porque tem 
só um", "não tem bastante, há só um, seria preciso muitos". Algumas 
crianças se contentam com duas letras, mas outras exigem ao menos 
três; diante de um cartão com as duas letras EA, elas justificam sua 
recusa dizendo "porque tem duas"; "só tem duas palavras: a, e"; "não 
dá pra ler só com duas". Desde que haja três letras em um cartão, as 
crianças tornam-se de novo unânimes: com três é certeza que se possa 
ler (sob a condição, porém, de que as três sejam diferentes. . .)4. 
Três observações parecem-nos importantes a propósito da 
quantidade mínima: que a criança nomeie bem as letras em questão, 
mas recuse o cartão, como no exemplo precedente ("só tem duas 
palavras: a, e"); que ela utilize as denominações convencionais ou 
não, sem que isso tenha conseqüência sobre a aplicação do critério de 
quantidade mínima (no mesmo exemplo, a criança usa a expressão 
"duas palavras" querendo indicar "duas letras"); enfim, que a presença 
de três letras considerada como uma condição necessária de 
interpretabilidade do texto não quer dizer que a criança seja capaz de 
interpretá-lo nem mesmo que procure encontrar uma interpretação. 
Gabriel (4;7) escreve três letras, olha-as e comenta: "Com tudo isto já 
pode dizer alguma coisa" ("Con todo esto ya puede decir algo")5. 
 
4 Para mostrar melhor que não se trata do reconhecimento de palavras 
pertencentes efetivamente à escrita da língua, basta dizer que o cartão com a 
palavra non (não) foi aceito como próprio para ler em 50% dos casos, 
enquanto as mesmas crianças aceitaram a "não-palavra" VST em 91% dos 
casos (numa amostra de 22 crianças de quatro e cinco anos). 
 
5 Resultados preliminares obtidos em inglês por Y. Freeman e L. White-sell 
(1985) confirmam nossos resultados referentes à quantidade mínima (a maior 
parte das crianças consideram três caracteres como o requisito mínimo) c a 
exigência de variação interna. As crianças de fala inglesa se exprimem assim: 
— Um cartão com uma só letra não dá para ler porque "it doesn't have any 
more letters", "has to have lots of letters", "has to have more letters". 
— Um cartão com quatro B (BBBB) é rejeitado porque "it has too many 
B's"; "they are all the same" etc. 
 
Quantidade mínima e variação intrafigural definem, no nível 
intrafigural, os dois eixos de diferenciação que serão elaborados e 
reelaborados a seguir: o eixo de diferenciação quantitativo e o eixo de 
diferenciação qualitativo. Porém, além disso, esse realce às 
propriedades específicas do texto (produto de uma nova centração 
cognitiva) permite ultrapassar a dicotomia anterior referente à 
interpretabilidade dos textos. Durante o primeiro período, os textos 
são interpretáveis quando as condições contextuais o permitem 
(porque se reconhece o objeto no qual ele se encontra ou porque ele 
está próximo de uma figura); eles "não dizem nada" e voltam a ser 
simplesmente "letras" na ausência de um contexto que permita 
construir uma significação. Em compensação, desde que as condições 
de legibilidade que acabamos de expor tenham sido elaboradas, os 
textos se dividem de outra forma: alguns são imediatamente 
interpretáveis (como antes), outros potencialmente interpretáveis 
(porque apresentam as condições formais requeridas) mesmo se não é 
possível atribuir-lhes imediatamente uma interpretação; outros ainda 
não são interpretáveis, mesmose o contexto é fornecido (quando a 
quantidade de letras está abaixo do mínimo ou quando os critérios de 
variação intrafigural não estão atendidos). 
Dizemos intrafigurais, utilizando uma das denominações que 
Piaget e Garcia (1983) empregaram para distinguir os grandes 
períodos de organização do pensamento científico e da psicogênese. 
Essa denominação nos parece de igual modo pertinente aqui, em 
relação às características específicas desse momento da evolução e em 
relação aos modos de diferenciação interfigural (segundo a 
denominação dos mesmos autores) que fazem sua aparição logo em 
seguida. 
Quantidade e variação intrafigurais são critérios absolutos e não 
relativos. Eles não permitem comparar as escritas entre si mas 
estabelecer quais delas podem ou poderão ser interpretáveis. Prova 
disso é que o mesmo texto pode receber interpretações diferentes se 
os contextos são diferentes; da mesma forma, dois textos diferentes 
podem receber a mesma interpretação se os contextos são parecidos 
(por exemplo, dois textos diferentes podem "dizer" o mesmo nome se 
eles são atribuídos a figuras que recebem a mesma denominação; 
inversamente, dois textos reconhecidos como iguais podem "dizer" 
dois nomes diferentes se colocados em relação com figuras que não 
recebem a mesma denominação). 
 
Um grande avanço se opera quando as crianças elaboram um 
novo critério, que pode ser assim enunciado: para que se possa "ler" 
coisas diferentes, é preciso uma diferença objetiva nos próprios textos 
(independentemente do contexto e das intenções do produtor). O 
problema que então se coloca — do ponto de vista desse produtor de 
textos que vem a ser a criança em desenvolvimento — é o de como 
criar diferenças nos textos para representar palavras diferentes. 
Começa então uma laboriosa busca de modos de diferenciação entre 
as representações escritas, oscilando alternativamente sobre os eixos 
(1) Armando. 
(2) Elefante. (Aqui, e nas seguintes, Armando pretere desenhar antes 
de escrever.) 
(3) Jirata (girafa). 
(4) Venado (veado). 
(5) Gato (gato). 
(6) Perro (cachorro)*. 
* Para melhor compreensão do texto, foram mantidas as expressões em 
espanhol. (N. da T.) 
quantitativo ou qualitativo e buscando progressivamente uma coordenação 
de ambos. 
Para diferenciar uma palavra escrita de outra, a criança pode procurar 
mudar as letras que a compõem. Contudo, como ela não se permite repetir 
muitas vezes a mesma letra na mesma representação6, é-lhe necessário 
dispor de um repertório de letras bastante amplo para poder escrever cinco 
ou seis nomes diferentes. Muitas crianças não dispõem de um repertório 
suficientemente vasto de grafias diferentes. Em lugar de inventar novas, elas 
encontram uma solução notável, ao entender que, mudando a posição das 
letras na ordem linear, obtêm-se totalidades diferentes. Quando a 
quantidade é mantida fixa, essa combinatória se manifesta em estado puro, 
como na figura 1. 
Na figura 2, vê-se o primeiro exercício de combinatória, sem nenhuma 
interpretação consecutiva, efetuado por uma criança muito pequena (3;8) 
que se exercita por si própria na busca de modos de 
 
 
6 A regra que as crianças de fala hispânica tentam seguir é a de não pôr mais 
de duas vezes a mesma letra em uma série interpretável (então, em um 
nome escrito); se houver repetição, deve-se tentar não localizar a letra 
repetida em posição contígua à sua similar. Assim, uma série tal como 
EATEM é aceita, enquanto a série MTEEA é evitada. 
 
 
(1) 
(4) 
(3) 
 
(6) 
(2) 
(5) 
 
 
(1) Yolanda. (5) Coche (carro). 
(2) Muñeco (boneca). (6) Tren (trem). 
(3) Pelota (bola). (7) Avión (avião). 
(4) Camión (caminhão). (8) Avión (avião) (segunda tentativa) 
diferenciação, utilizando seu repertório de cinco letras e tentando 
manter fixa a posição da primeira letra. 
A busca de critérios de diferenciação no eixo quantitativo leva a 
criança a procurar variar a quantidade de grafias para escrever palavras 
diferentes. Mas, como a criança não pode permitir-se ficar aquém da 
quantidade mínima exigida (para não se arriscar a produzir alguma 
coisa não interpretável), as variações de quantidade devem situar-se 
acima desse mínimo, mas não muito (para não se arriscar a escrever 
mais do que a palavra pretendida). Vemos então as crianças tentarem 
controlar, ao mesmo tempo, o mínimo e o máximo, e produzir 
variações dentro de um intervalo bem delimitado (entre três e sete 
caracteres, por exemplo) (fig. 3). Quando as crianças tentam variar 
somente a quantidade, elas podem empregar a regra seguinte: escreve-
se uma palavra com três letras diferentes, a palavra seguinte com as 
mesmas e uma a mais, e assim por diante. Naturalmente, esse 
procedimento centrado nas variações quantitativas introduz 
forçosamente variações qualitativas. 
Um outro procedimento utilizado pelas crianças é o seguinte: 
tentar fazer correspondência entre as variações quantitativas nas 
representações e as variações quantitativas no objeto referido. O 
raciocínio é então o seguinte: os nomes dos objetos maiores deveriam 
ser escritos com mais letras que os dos objetos pequenos, o mesmo 
para o mais espesso, o mais pesado, o mais numeroso, ou o mais 
velho. As crianças se exprimem assim: 
Martin (5; 7) escreve quatro letras para gato e o dobro para gatos, 
acrescentando que essa palavra vai "com muitas letras porque tem 
muitos gatos". 
Jorge (5;3) escreve urso com três letras e ursinho com apenas 
duas. Quando lhe perguntamos por que ele pôs duas letras, responde: 
"Porque... ele é pequeno". 
Antonio (4; 11) pensa que a palavra elefante deve ser escrita com 
cinco letras porque "ele pesa quase mil quilos!". 
No passado, acreditamos ter visto, nessas tentativas de colocar 
em correspondência os aspectos quantitativos da representação (o 
número de letras) e os aspectos quantificáveis do objeto referido, indi-
cações de uma dificuldade de diferenciar a escrita do desenho. Porém, 
estamos agora convencidos que este não é o caso. É uma busca formal 
que dirige as explorações das crianças e não uma dificuldade de se 
desligar do desenho. Certos dados fundamentais apóiam essa 
interpretação. Primeiro, essas respostas estão longe de ser respostas 
primitivas: elas aparecem em crianças que já começaram a elaborar a 
exigência de quantidade mínima e que, além disso, tentam manter sob 
controle a quantidade máxima. Para elas, a diferenciação entre o que é 
desenho e o que é escrita já é algo adquirido. Em segundo lugar, e isso 
é muito importante, é preciso salientar que a busca de uma 
correspondência entre os aspectos da representação e os aspectos do 
objeto referido leva em conta exclusivamente os aspectos quantificáveis 
do referido e os aspectos quantitativos da representação. Essas 
crianças nunca pensam em escrever com letras redondas os nomes dos 
objetos de forma circular, nem em escrever com letras mais quadradas 
ou pontudas o nome de objetos com essas formas. Enfim, admite-se 
que esse procedimento, embora presente em muitas crianças, possa ser 
explorado quando se pede à criança que escreva duas ou três palavras,
 
(1) 
(2) 
(3) 
(4) 
(8) 
(7) 
(6) 
(5) 
porém dificilmente mais do que isso, porque tal coisa implicaria que 
ela fosse capaz de classificar qualquer conjunto de objetos em relação 
a um parâmetro de comparação estável e sistemático, o que está além 
das capacidades cognitivas dessas crianças. 
Às vezes, as crianças variam as próprias letras tentando ajustar a 
representação com aspectos do objeto referido, aspectos estes também 
quantificáveis. Por exemplo, Valéria (quatro anos) escreve seu nome 
com seis letras, depois declara que vai escrever o nome de seu pai 
mas com "letras compridas porque o nome de papai é comprido". Ela 
escreve então as mesmas seis letras (em outra ordem) e todas mais 
compridas que as anteriores. 
Chegamos então à conclusão que é em função de uma busca 
puramente formal (encontrar a razão e, então,o meio de controle das 
variações quantitativas entre as representações escritas) que a criança 
pode ser levada a orientar sua procura para as propriedades do objeto 
referido. Esse momento da evolução não deve absolutamente ser 
considerado como um momento "concreto" em relação a outros 
"abstratos" que se manifestariam em seguida. Não é a dificuldade de 
se liberar do concreto que impele a criança a buscar nessa direção; ao 
contrário, é sua própria busca de princípios formais que a conduz para 
o concreto. 
O exemplo seguinte é particularmente ilustrativo. Mostramos a 
Mariana (4;3) a palavra GALLO (galo) e perguntamos-lhe se é 
preciso pôr o mesmo tanto, mais ou menos letras para escrever 
gallina (galinha). Mariana responde que é preciso menos letras 
porque "a galinha é menor", e ela escreve então GALL. Quando lhe 
pedimos que escreva pollito (pintinho), Mariana diz: "com as 
mesmas, mas menos" ("con las mismas, pero menos"), e escreve 
GAL7. 
Esse exemplo nos mostra a utilização de meios de diferenciação 
quantitativos interfigurais, tendo um modelo externo (a palavra 
escrita GALLO) como ponto de partida. Para diferenciar um nome 
escrito de outro é suficiente tirar uma letra. O resultado comporta, é 
 
7 Mariana não pensa em representar as diferenças sonoras entre as palavras 
escritas. Isto se torna ainda mais claro quando lhe mostramos (no mesmo dia) o 
escrito PA, dizendo-lhe: "Escrevi pa, como fazer para ficar papal (papai); 
Mariana acrescenta duas letras bem diferentes; o resultado é PAZM. Com o 
escrito NE e o pedido: "Escrevi ne, como fazer para ficar nene?" (nenê); ela 
produz resultados parecidos com os anteriores. 
 
claro, uma diferença qualitativa, mas ela não é procurada enquanto tal. 
Ao contrário, Mariana busca conservar uma semelhança qualitativa, 
simplesmente introduzindo diferenças quantitativas: "com as mesmas 
(letras), mas menos (das mesmas)". As diferenças quantitativas nas 
representações exprimem as diferenças de tamanho entre galo, galinha 
e pintinho. As letras comuns preenchem uma outra função: servem 
para expressar semelhanças entre os animais cujos três nomes estão 
escritos (o "laço de família" unindo-os). Coordenação de semelhança 
com diferenças e tentativa de coordenação entre os modos de 
diferenciação quantitativos e qualitativos estão presentes nesse 
magnífico exemplo. 
Uma das situações que permitem esclarecer essas tentativas de 
coordenação de semelhanças e diferenças é a escrita de um nome e de 
seu diminutivo (Ferreiro et al., 1979). Em espanhol, como em outras 
línguas, essa situação é fonte potencial de conflito uma vez que a 
construção do diminutivo se faz por adjunção de um sufixo (-ito, -ita), 
de modo que a palavra fica mais comprida quando se quer designar 
um objeto menor. O nome e seu diminutivo são duas palavras 
diferentes, de um certo ponto de vista, mas comportam semelhanças: 
são diferentes no comprimento do significante e quanto aos objetos 
referidos, mas semelhantes do ponto de vista da significação (um 
cachorrinho continua a ser um cachorro). A experiência foi 
recentemente reproduzida em italiano8, e vamos relatar exemplos 
nessa língua — que coincidem inteiramente com os da língua 
espanhola — produzidos por crianças que ainda não procuram 
nenhuma relação entre a representação escrita e o pattern sonoro da 
palavra. 
Entre os sete tipos diferentes de resposta que pudemos identificar 
em crianças de quatro a seis anos, três nos interessam aqui: 
1) Certas crianças escrevem exatamente a mesma coisa para uma 
palavra e seu diminutivo, indicando, de formas diversas, que não é 
pertinente introduzir uma diferença: "Cagnolino è la stessa scritta di 
cane perché è sempre un cane", diz claramente Tiziano (6;2) -
(Cachorrinho se escreve como cachorro porque é sempre um 
cachorro). 
 
8 Os pares de palavras utilizados foram casa/ casetta e cane/ cagnolino 
(trabalhos de pesquisa realizados por M. L. Monti e M. Bove sob a direção 
de C. Pontecorvo, Universidade de Roma, 1983, mimeo). 
 
2) Outras crianças, para escrever o diminutivo, fazem uma cópia 
de sua escrita da palavra, mas com letras menores: "Scrivo casetta 
con numeri piccoletti", diz Sara (4; 8) (Escrevo casinha com números 
bem pequenininhos). 
3) Outros ainda, para escrever o diminutivo, fazem uma cópia 
de sua escrita da palavra, mas omitindo uma ou duas letras: Giuditta 
(6;0) escreve casa com cinco letras e casinha com apenas as três 
primeiras, e se justifica dizendo que escreve casa "maior que casinha 
porque é mais comprido" ("Ho scritto casa più grande di casina 
perché è più lungo"). 
As respostas 1 mostram uma centração exclusiva nas 
semelhanças entre as duas palavras, ignorando as diferenças. 
Entretanto, elas são de grande interesse porque permitem apreciar que 
essas crianças são capazes de se centrar no aspecto conceituai da 
significação, e não no objeto referido. 
As respostas 2 e 3 são tentativas muito bem sucedidas de 
coordenação entre semelhanças conceituais e diferenças nos objetos 
referidos. Na solução 2, que consiste em tornar menores as mesmas 
letras, a criança consegue conciliar a igualdade conceituai 
(representada pelas mesmas letras) com as diferenças no objeto 
referido (representadas pelas diferenças de tamanho entre as letras), 
enquanto na solução 3, que consiste em pôr menos letras, as 
diferenças quantitativas entre os objetos referidos estão representadas 
pelas diferenças na quantidade de letras, representando ao mesmo 
tempo a semelhança conceituai pela semelhança das letras. 
Dizemos que esses modos de diferenciação (qualitativos e 
quantitativos) são interfigurais porque asseguram a diferença de 
representação entre palavras diferentes9. Não se pode jamais julgar o 
nível de conceitualização de uma criança em função de uma produção 
isolada. É dentro de um conjunto de palavras escritas que se pode ver 
como ela tenta introduzir uma diferenciação. Naturalmente, isso em 
nada assegura que uma certa palavra receba sempre a mesma
 
9 A. Teberosky (1984) colocou em evidência o uso desses modos de diferenciação 
em crianças de um contexto bilíngüe (catalão-espanhol) quando o nome de um 
mesmo animal é escrito nas duas línguas. 
 
representação10. É dentro de um certo conjunto de escritas produzidas 
durante um curto período de tempo que se vê a criança afirmar que 
tal representação "diz" tal palavra (com a exclusão de outras desse 
conjunto). Esses modos de diferenciação são, então, interfigurais mas 
não-sistemáticos. Com o período seguinte, assistiremos à procura de 
uma sistematização. Ora, para melhor perceber a significação dessa 
passagem, é necessário apresentar antes certos problemas de natureza 
lógica que a criança tenta resolver para compreender a natureza do 
objeto que a escrita socialmente constituída vem a ser. 
Problemas lógicos levantados pela compreensão do sistema 
alfabético 
O problema da relação entre a psicogênese das categorias 
lógicas do pensamento e a aprendizagem da língua escrita levou a 
duas posições opostas. Para alguns, não há espaço para se colocar um 
problema desse gênero porque a aprendizagem da língua escrita é 
concebida como a aprendizagem de uma técnica para transcrever 
sons11. Para outros, ao contrário, as categorias lógicas do pensamento 
parecem ter um papel de pré-requisito, de modo que eles postulam o 
nível de estruturação lógica próprio das operações concretas como 
necessário para iniciar essa aprendizagem. 
Essa segunda posição, apresentada como piagetiana, é que deve 
aqui nos ocupar. Suas premissas são (aproximadamente) as seguintes: 
é evidente que, para compreender o sistema alfabético, a criança tem 
de estar em condições de examinar a ordem das letras em uma série, 
pois as mudanças de ordem das mesmas letras permitem efetuar 
distinções pertinentes no nível da escrita (a série MALA ea série 
LAMA devem ser discernidas como duas seqüências diferentes, 
apesar do fato de seus elementos serem os mesmos); é igualmente 
 
10 Ao longo de todo esse período intervém, entretanto, um reconhecimento 
progressivo de séries de palavras com interpretação estável. A escrita do 
próprio nome é um elemento chave nessa história, mas não podemos, aqui, 
tratar de sua significação em todos os detalhes (Ferreiro, 1986). 
 
11 Trataremos da concepção de língua escrita subjacente a essa posição na 
parte final deste capítulo. 
 
claro que a criança tem de estar apta a efetuar classificações, mesmo 
porque deve reconhecer como sendo a mesma letra uma série de 
formas que recebem a mesma denominação, a despeito de diferenças 
gráficas por vezes muito acentuadas (não há, por assim dizer, 
semelhança entre um A, um a e as cursivas correspondentes)12. 
O argumento resulta na conclusão que, se a criança deve 
classificar e seriar e se tais operações caracterizam o período das 
operações ditas concretas, é melhor esperar que ela se coloque nesse 
período para ter garantias de sucesso na aprendizagem da língua 
escrita. 
Há, pelo menos, dois pressupostos implícitos nesse raciocínio, 
ambos profundamente contrários ao ponto de vista psicogenético sobre 
o desenvolvimento. O primeiro consiste em fazer coincidir o início de 
um conhecimento — no caso, a língua escrita — com o início de sua 
apresentação escolar. Não é necessário insistir no caráter errôneo dessa 
idéia: toda a obra de Piaget é uma admirável demonstração do ponto 
de vista oposto. Para chegar a compreender um modo de funcionamento 
psicológico, é preciso reconstituir a gênese, como Piaget repetiu tantas 
vezes. Na laboriosa busca de tudo o que precede o funcionamento a 
estudar, é sempre necessário colocar as perguntas iniciais: como a 
criança classifica antes de estar em condições de classificar? (Como um 
 
12 D. Elkind (1976) sustentou, além disso, que uma dificuldade maior se situa 
no nível do conceito de letra. Segundo esse autor, o conceito de letra é ainda 
mais complicado que o de número, mas tem em comum com este último que 
"as letras, tanto quanto os números, têm uma propriedade ordinal que é sua 
posição no alfabeto, assim como uma propriedade cardinal que é o nome que 
cada letra partilha com as outras do mesmo nome (todos os B são B etc.)" (p. 
333). Ora, esse argumento é falacioso porque não se pode colocar no mesmo 
plano a ordem arbitrária do alfabeto com a ordem inclusiva da série nu-
mérica: no 3 estão incluídos o 1 e o 2, mas no C as letras precedentes (A e B) 
não estão incluídas. Por outro lado, quando esse autor busca a unidade da 
escrita (em um paralelismo com a unidade numérica), ele considera que essa 
unidade é a letra. Dessa forma, a aprendizagem da escrita logo surge como 
uma adição de letras, sem que seja justificada a escolha dessa unidade. O 
autor conclui dessas pré-concepções que "o surgimento das operações 
concretas" é um dos pré-requisitos para iniciar a aprendizagem da leitura (p. 
335). Voltaremos a essa questão controversa dos pré-requisitos. Em um texto 
mais recente, Elkind (1981) acrescenta outras precisões (ainda mais 
discutíveis) sobre a aquisição da leitura e a intervenção das operações nesse 
domínio, sem renunciar à sua posição original: as operações devem, primeiro, 
ser constituídas para, depois, serem aplicadas às unidades-letras. 
bebê anda de bicicleta, para empregar a imagem de P. Gréco.) No 
campo que nos diz respeito, como uma criança lê antes de ler? (no 
sentido convencional do termo); como ela escreve antes que sua 
produção seja reconhecida pelos outros como escrita? 
O segundo pressuposto implícito nessa forma de raciocínio — 
também contrário ao essencial da investigação psicogenética — é o 
seguinte: é preciso esperar que a lógica seja constituída para que ela 
possa ser aplicada a novos conteúdos. Mas então, como ela se 
constitui? "A lógica não é estranha à vida: ela é simplesmente a 
expressão das coordenações operatórias necessárias à ação" (Piaget e 
Inhelder, 1955, p. 304). A dicotomia é clara: ou as operações 
cognitivas são a resposta do sujeito aos problemas colocados pelo 
mundo, o qual ele tenta compreender (para poder agir agindo sobre ele), 
ou as operações cognitivas são o produto de processos puramente 
endógenos. Em outras palavras, ou os processos de estruturação do 
real têm algo que ver com a gênese das estruturas lógicas, ou estas se 
desenvolvem apoiando-se sobre os objetos, mas sem apreender seus 
conteúdos. 
Em um prefácio pouco conhecido, Piaget (1971), discutindo as 
relações entre as operações cognitivas e o desenvolvimento da 
linguagem, assim se exprime: 
"Esse papel pode, de fato, ser interpretado de duas maneiras distintas. 
Conforme a primeira, as operações lógico-inatemáticas se desenvolveriam 
de forma autônoma em domínios bem circunscritos: seriar, classificar, 
contar, etc, objetos, sem nada buscar além de obter seriações, 
classificações, uma seqüência de números inteiros, correspondências, etc, 
assim como suas leis constitutivas (transitividade, inclusões quantificadas, 
iterações, conservação de equivalências etc.). Essas operações, uma vez 
constituídas (...) aplicar-se-iam em seguida a múltiplos conteúdos novos e a 
problemas diferentes (. . . ) . 
Mas uma segunda interpretação é mais provável. Poderia ocorrer que, em 
todos os domínios ao mesmo tempo, quando, diante de dificuldades mais 
ou menos equivalentes, um problema comum se colocasse (...) o sujeito 
reagiria por um mesmo jogo de regulações, ou seja, a equilibração por 
compensação das perturbações, do que resultaria uma estrutura mais ou 
menos geral (operação ou função operatória). (...) Essa segunda solução, 
que é a de E. Ferreiro como também a nossa (e cremos tê-la verificado no 
domínio da causalidade), não significa naturalmente que as estruturas 
lógicas constituam um produto ou um derivado das estruturas lingüísticas, 
pois que elas seriam, ao contrário, o resultado comum de todas as 
regulações em todos os domínios ao mesmo tempo (...)". 
Torna-se então possível colocar em termos novos a relação entre 
o desenvolvimento lógico e a compreensão da escrita na criança. 
Conseqüentemente, é evidente que se espera encontrar a lógica 
precocemente em ação (não a lógica constituída mas uma lógica no 
curso de sua formação). Trata-se contudo de saber quais são 
exatamente os problemas de natureza lógica e como eles são colocados 
nesse terreno específico. Por outro lado, dado que as estruturas lógicas 
constituem ao mesmo tempo as condições da leitura da experiência e 
o resultado de tentativas de estruturação do objeto de conhecimento, 
trata-se de compreender como se apresenta essa relação no caso 
particular da língua escrita. 
Até o presente, pudemos dar uma resposta inicial a essas 
questões, mostrando em detalhe como, no caso da psicogênese da escrita, 
colocam-se os problemas lógicos seguintes: relação entre a totalidade 
e as partes; coordenação de semelhanças e diferenças; construção de 
uma ordem serial; construção de invariantes; correspondência termo a 
termo. Acabamos de apresentar alguns exemplos de coordenação de 
semelhanças com as diferenças. Vamos agora tratar especialmente da 
relação entre a totalidade e as partes e da correspondência termo a 
termo, pois esses dois problemas lógicos estão no âmago da evolução 
do segundo ao terceiro dos três grandes períodos do desenvolvimento 
que expomos. 
Relação entre a totalidade e as partes constitutivas 
Tomemos como ponto de partida o momento em que as letras já 
foram admitidas pela criança como objetos-substitutos. Desde que 
uma série de letras receba uma certa interpretação (em função das 
propriedades contextuais, das intenções subjetivas do produtor do 
texto ou por transmissão social aceita), o problema é saber se, dada 
essa interpretação do conjunto, é também possível à criançadar uma 
interpretação às partes constitutivas. 
Ora, no início, os elementos gráficos (letras) não são nada mais 
que os "tijolos" necessários para a constituição de uma totalidade 
interpretável. Uma vez constituída essa totalidade, as propriedades 
atribuídas a ela são simplesmente transferidas às partes. Por exemplo, 
o nome atribuído a uma série de letras pode também ser atribuído
aos seus elementos constitutivos, apesar de que, tomados fora dessa 
totalidade, esses mesmos elementos percam a propriedade de ser 
significantes. Por exemplo: as crianças podem reconhecer seu nome 
escrito ou fazer tentativas de escrita de seu nome com graus diversos 
de sucesso, sem que isso as impeça de acreditar que cada parte desse 
nome escrito "diz" também o nome completo. O observador pode 
comprovar esse fenômeno escondendo uma parte do nome e pergun-
tando se no que fica visível "diz ainda" o nome enunciado antes, ou se 
aquilo "diz" outra coisa13. Mesmo no nível da frase escrita — as 
partes sendo então grupos de letras separados por espaços em branco 
—, as crianças podem aceitar que uma frase enunciada corresponde à 
transcrição que dela se faz, sem estar, no entanto, em condições de 
aceitar que sua forma escrita comporta cada uma das palavras que a 
compõem. Assim, quando fazemos as perguntas sobre a significação 
das partes (grupos de letras rodeadas pelos espaços em branco), elas 
nos respondem enunciando a frase inteira14. 
As propriedades atribuídas à totalidade são então diretamente 
atribuídas às partes, uma vez constituída a totalidade. 
Algumas tentativas de diferenciação podem, entretanto, aparecer 
já nesse nível. Por exemplo, na interpretação das partes de seu próprio 
nome, certas crianças tentam atribuir às diferentes partes visíveis uma 
das partes (na verdade, uma palavra completa) de seu nome quando 
este é substantivo composto; ou ainda uma das partes de seu sobrenome, 
no caso em que o sobrenome corresponde àquele do pai e àquele da 
mãe (o que ocorre no México). A criança pode mesmo atribuir nomes 
de outros membros da família ou de amigos às partes visíveis do seu 
próprio nome. Eis alguns exemplos: 
Leonel (seis anos) não sabe ainda escrever seu nome, mas conhece 
suas duas primeiras letras e aceita como correta a escrita que dele 
o adulto faz. Quando escondemos as partes dessa escrita, ele dá as 
interpretações seguintes: 
(LEO / / /) "Isto aqui ainda quer dizer Leonel?" "Não." 
"O que isto quer dizer então?" "Fernando." 
"Quem é Fernando?" "É meu amigo." 
(/ / / NEL) "E assim, isto quer dizer Leonel?" "Não." 
 
13 Ferreiro e Teberosky, 1979, cap. VI; Ferreiro et al., 1982, vol. 4. 
 
14 Ferreiro e Teberosky, 1979, cap. IV; Ferreiro et al., 1982, vol. 4. 
 
"Isto quer dizer o quê, então?" "Carlos." 
"Quem é Carlos?" "É outro amigo." 
(//ON//) "E assim?" "Gerardo." 
"Quem é?" "Um outro amigo." 
(LEONEL) "E assim?" "Leonel." 
Adriana (4;5) escreve seu nome com um traçado em ziguezague, em 
quatro pedaços 
"O que diz aqui?" "Adriana." 
"Onde que diz?" (Indica o conjunto dos 
quatro pedaços.) 
"Por que você pôs quatro pedacinhos?" ".. .Porque sim." 
"O que é que está escrito aqui?" "Adriana." 
(primeiro pedaço) 
"E aqui?" (segundo pedaço) "Alberto." 
(nome de seu pai) 
"E aqui?" (terceiro pedaço) "Ale." 
(abreviatura habitual 
de Alejandro, nome de 
seu irmão) 
"E aqui?" (quarto pedaço) "Tia Picha." 
Carmelo (6;2) escreve seu nome com quatro letras assim: AEea. Para 
a totalidade, sua interpretação é "Carmelo", mas letra por letra, sua 
interpretação é: "Carmelo" (A), "Enrique" (E), "Castillo" (e), "Avellano" 
(a). 
Em todos esses casos, é importante salientar que a criança 
trabalha no nível de palavras inteiras, não decompostas: ou as partes 
são solidárias da totalidade a ponto de poderem receber a mesma 
interpretação, ou elas aparecem como outras totalidades às quais se 
pode atribuir a significação de um nome inteiro. 
Ora, certas situações privilegiadas, mais facilmente que outras, 
permitem à criança estabelecer uma relação entre a totalidade e as 
partes. Por exemplo, Abraham (4;7) escreve carro (coche) com cinco 
letras quando se trata de confeccionar uma placa em um mostruário 
com cinco carrinhos em uma loja em miniatura. Da mesma forma, 
Paola (4; 11) põe cinco letras (que ela chama de "números") para uma 
cestinha com cinco maçãs, dizendo: "cinco números para que sejam 
cinco maçãs" ("cinco números para que sean cinco manzanas"). 
Nesses casos todos, cada letra conta para um objeto (um elemento 
do conjunto) e o todo representa tanto o conjunto como a palavra
no plural. As propriedades das partes e as da totalidade não são as 
mesmas. Essa solução é satisfatória mas não é generalizável nem 
estável, porque ela entra em contradição com uma exigência 
construtiva muito importante e poderosa: a exigência de quantidade 
mínima, segundo a qual uma escrita é sempre composta de partes (uma 
letra apenas não é suficiente para criar uma palavra escrita). 
Para que ela seja generalizável a um conjunto, este deveria ter, ao 
menos, tantos elementos quanto a quantidade mínima de letras exigida 
pela criança (há uma tendência muito generalizada de considerar três 
como a quantidade abaixo da qual não se pode chegar sem correr o 
risco de obter alguma coisa impossível de interpretar). Mais ainda, 
quando a criança tenta escrever o nome de um objeto singular, ela é 
forçada a escrever mais de uma letra e, então, ela não compreende 
mais a relação entre cada letra e a seqüência de letras. Por isso, na 
maior parte dos casos, a relação que cada letra mantém com a 
totalidade interpretável permanece obscura para ela. 
É importante destacar que, nesse mesmo nível de 
desenvolvimento, pode-se observar dois modos de construção de 
representações dos substantivos no plural. Quando as crianças 
escrevem primeiro o nome de um conjunto de objetos (um nome no 
plural), elas ajustam, às vezes, o número de letras ao número de 
objetos do conjunto; mas quando essas mesmas crianças escrevem um 
nome no singular e depois no plural (passando, por exemplo, de gato 
para gatos, diferença audível em espanhol), elas fazem aparentemente 
outra coisa, mas obedecem, em realidade, aos mesmos princípios. Por 
exemplo, se a criança acaba de escrever três letras para gato, ela 
caracteriza às vezes o plural repetindo duas ou três vezes a mesma 
seqüência inicial (conforme o número de gatos em questão). Por 
exemplo, Javier (5;5) escreve a série AOi para gato e a série OiA para 
gatinho; depois, quando lhe pedimos para escrever gatinhos (gatitos) 
com referência a uma figura de três gatos, ele escreve novamente estas 
letras (OAi), olha o resultado e comenta: "um gatinho"; ele acrescenta 
as mesmas três letras ao lado e diz: "os gatinhos aqui"; acresce mais 
uma vez a mesma série (o resultado é OAiOAiOAi) dizendo "mais um 
gato". 
Assim, em uma tarefa em que as crianças escrevem primeiro um 
nome no plural, basta uma letra para representar cada objeto porque 
não se trata de uma letra isolada (que não seria "legível" por si 
mesma) mas de um elemento de um conjunto. Olhar a quantidade de 
objetos torna-se um dos meios possíveis para decidir o número de
letras que se deve colocar. As crianças que assim procedem são 
crianças zelosas por encontrar um meio objetivo de controle das 
variações na quantidade de caracteres. Porém, se essas mesmas 
crianças escrevem primeiro um nome no singular, elas precisam de 
mais de uma letra e, aplicando o mesmo princípio como antes, elas 
repetem o nome já escrito, tantas vezes quantos forem os objetos do 
conjunto. O modo de construção corresponde a "gato, gato, gato", mas 
a interpretação do conjunto é a da forma no plural "gatos". 
Temos exemplos de construções do plural conforme esse 
procedimento de iteração da escrita do singular, em diversas línguas. 
A figura 4 apresenta exemplos em italiano, espanhol e hebreu15.As primeiras tentativas de coordenação entre a totalidade e as 
partes podem apresentar-se em outras situações, como a seguinte: 
 
 
15 Os exemplos em italiano provêm dos trabalhos de pesquisa da Universidade de 
Roma, já citados; os em hebreu, dos trabalhos de pesquisa realizados em Telaviv por 
Liliana Tolchinsky. 
 
Victor (5;2) estima que um mínimo de três letras é necessário para 
obter uma totalidade interpretável. Ele nos pede que escrevamos barco 
(barco). Nós escrevemos uma letra perguntando se está certo. Victor 
responde que não, porque "aí tem só ba" (nomàs dice ba). 
Acrescentamos uma outra letra e a resposta de Victor é idêntica: "aí 
tem só ba". Só quando há três letras que ele fica satisfeito, porque 
então ali diz barco. 
Casos como esse parecem-nos de grande interesse. Victor parece 
raciocinar assim: a uma totalidade incompleta no nível da escrita deve 
corresponder uma outra totalidade incompleta no nível da emissão 
oral. Não se trata ainda da hipótese silábica — que veremos adiante, 
segundo a qual cada letra pode corresponder a uma parcela silábica da 
palavra — dado que com uma letra "aí tem ba" e que, juntando uma 
outra letra, o escrito continua a "dizer" a mesma coisa. É antes uma 
forma de explicar que com as duas letras o barco fica incompleto. Isso 
é muito importante porque, em lugar de nos dizer que uma parte do 
barco não está escrita ainda (o que seria o caso se a escrita fosse 
concebida sob o modo icônico: um barco sem velas, por exemplo), 
Victor faz referência à forma lingüística: um barco sem co não é um 
barco completo. Assim agindo, Victor leva em conta, sem disso ter 
consciência, o fato de que a forma lingüística falada — isto é, a 
palavra — é também composta de partes, tal como a escrita cuja 
produção ele controla. 
A decomposição silábica da palavra tem um papel da mais alta 
importância na seqüência do desenvolvimento. Trata-se, contudo, de 
saber qual o sentido das interações entre os conhecimentos gerais 
sobre linguagem e a compreensão da escrita. Duas hipóteses são 
possíveis: conforme a primeira, um desenvolvimento progressivo da 
noção de decomposição silábica das palavras16 ocorreria de maneira 
independente e poderia, depois, aplicar-se à compreensão da escrita. 
Conforme a segunda, seriam os problemas cognitivos colocados 
pela compreensão da escrita — e muito particularmente o da relação 
entre a totalidade e as partes — que levariam a criança à descoberta 
do recorte silábico como a melhor maneira de resolver tais problemas. 
 
16 Contribuímos para mostrar como o caráter psicológico da sílaba muda no 
decorrer do desenvolvimento, graças a uma série de reconstruções sucessivas 
(Bellefroid e Ferreiro, 1979). 
 
Em outras palavras, de acordo com a primeira hipótese, é o 
desenvolvimento no nível oral que conduziria a criança a uma 
silabização progressiva, que encontraria, em dado momento, um ponto 
de aplicação na escrita; conforme a segunda hipótese, seriam duas as 
vias independentes de ação sobre a sílaba que depois se combinariam; 
mas a aparição da silabização seria uma resposta aos problemas 
específicos acarretados pela compreensão da escrita, e não 
simplesmente a aplicação de uma habilidade obtida em outros 
contextos. Não estamos ainda em condições de escolher nem uma 
nem outra hipótese17. 
Seja ela qual for, parece certo que essa relação entre completitude 
e incompletitude abre o caminho para o surgimento de uma idéia 
completamente nova: a idéia de que cada pedaço de um nome escrito 
pode corresponder a uma parte do nome emitido. Nesta nova 
perspectiva, não apenas uma parte incompleta da palavra emitida e 
que corresponde a uma parte incompleta da palavra escrita, mas, siste-
maticamente, cada parte da palavra emitida é considerada como 
correspondente a cada uma das partes da palavra escrita. Estão agora 
reunidas as condições para o estabelecimento de um novo tipo de 
coordenação entre as partes e as totalidades, o qual acarreta uma nova 
reorganização. A novidade consistirá, então, em considerar as 
relações entre duas totalidades diferentes; de um lado, as partes da 
palavra enunciada — suas sílabas — e a própria palavra emitida como 
totalidade; de outro lado, as partes da palavra escrita — suas letras — 
e a seqüência das letras da palavra escrita enquanto totalidade. Uma 
correspondência termo a termo entre os dois conjuntos vai se 
estabelecer, objeto do próximo item. 
 
17 S. Vernon realiza, atualmente, pesquisas sobre esse assunto, sob nossa 
direção. O problema é de grande importância pedagógica e refere-se ao 
debate sobre os pré-requisitos e às atividades preparatórias da aquisição 
escolar da língua escrita. Na realidade, muitos autores pregam atividades 
orais de separação (não somente silábicas mas sobretudo fonéticas) como 
preparatórias. Por outro lado, há dados convergentes permitindo apontar o 
nível de cinco anos como a idade em que a maior parte das crianças estão em 
condições de resolver tarefas de separação, de recorte silábico. Porém, todos 
os resultados que aqui analisamos mostram a grande dificuldade da criança 
em aplicar diretamente e imediatamente seus conhecimentos de linguagem 
na compreensão da escrita. Esse problema toca de perto as questões teóricas 
relativas aos processos de tomada de consciência em domínios relativos à 
linguagem. 
 
A correspondência termo a termo 
A idéia da correspondência termo a termo é solidária à hipótese 
silábica, o que marca o ingresso no terceiro dos grandes períodos do 
desenvolvimento das conceitualizações a respeito da escrita. Porém, 
ela não aparece exclusivamente durante esse período e, antes de 
analisar suas manifestações mais marcantes, é útil recuar no tempo e 
ver de perto suas primeiras manifestações no domínio da compreensão 
das marcas escritas. 
Para iniciar, eis a evolução de Sílvia (uma criança de favela, 
cujas vias de acesso à língua escrita são muito limitadas). Durante o 
ano todo, ela escreve utilizando somente rodinhas (ver figura 5). Aos 
quatro anos (4;1), essas rodinhas são distribuídas ao acaso na página, 
sem orientação privilegiada. Alguns meses mais tarde (aos 4;8), a 
linearidade aparece e as rodinhas continuam presentes, formando uma 
linha bem apertada, mas Sílvia não parece estar em condições de 
controlar a quantidade de rodinhas que ela vai marcar. Entretanto, um 
mês mais tarde (4;9), quando lhe sugerimos escrever 
Sílvia 
 
4;8 
4;9 
5;0 
4;1 
alguma coisa que se ajustasse a uma série de figuras, vemos Sílvia 
levar em conta, cuidadosamente, os limites espaciais: ela começa uma 
série de rodinhas bem onde começa a figura (exatamente embaixo) e 
pára no ponto onde acaba a figura. Além disso, ela faz duas séries de 
rodinhas quando há dois objetos na figura. Aos 5;0 nós assistimos a 
uma alteração notável em sua produção. Em lugar de traçar uma série 
de rodinhas para cada imagem, ela põe somente uma para cada objeto 
ou personagem da figura. 
Sílvia não é a única a mostrar esse gênero de correspondência 
(uma grafia para cada objeto). Em 33 crianças que acompanhamos 
longitudinalmente, destacamos: a) que essa correspondência estrita 
coincide com o momento da organização das letras como objetos-
substitutos; b) que esta correspondência estrita é precedida por um 
período de ausência de controle da quantidade de grafias; c) que ela é 
de duração muito curta; d) que ela é acompanhada de imediato pela 
exigência da quantidade mínima18. 
A correspondência um a um, no nível da produção de escritas, 
transforma-se logo após em uma correspondência de vários a um, 
característica do aparecimento da exigência de quantidade mínima, 
com uma busca imediata visando regular, ao mesmo tempo, o mínimo 
e o máximo de grafias. O que vemos aparecer no nível da produção 
tem um equivalente no nível da interpretação de textos, ainda que 
mais tardio.Na realidade, quando pedimos às crianças que 
interpretem textos colocados perto de figuras, uma de suas idéias 
persistentes consiste em antecipar no texto o nome do objeto 
desenhado. Contudo, quando há vários objetos na figura e vários 
grupos de letras no texto (o que para nós corresponde a uma frase 
escrita), as crianças tentam fazer corresponder, para cada grupo de 
 
18 Não nos foi possível observar todas essas condutas em todas as crianças 
estudadas longitudinalmente. Fixando uma idade cronológica para o começo 
de um estudo longitudinal, de forma alguma se tem assegurada a homogenei-
dade nos níveis iniciais. Certas crianças mostraram esse tipo de 
correspondência estrita no início do período durante o qual nós as 
acompanhamos; outras somente perto do fim de nosso estudo; outras ainda 
— os casos mais instrutivos — em torno da metade do período de dois anos 
que constituía os limites de nosso estudo. Enfim, em certas crianças, nós não 
pudemos seguir tal progressão (as sessões individuais se desenrolavam em 
intervalos de dois meses). Uma apresentação detalhada encontra-se em 
Ferreiro, 1982. 
 
letras, o nome de cada um dos objetos da figura. Desse modo, o texto 
LOS ANIMALES ESTAN EN EL RIO (os animais estão no rio), 
colocado abaixo de uma figura em que se vê um pássaro, um pato, 
três peixes e uma borboleta perto ou dentro da água — ou seja, tantos 
segmentos no texto quantos são os animais na figura — ocasiona, 
freqüentemente, interpretações nas quais as crianças tentam considerar 
as propriedades quantitativas do texto (quantidade de grupos de letras) 
sem renunciar à idéia de que nada é escrito além dos nomes das 
coisas. 
Eis alguns exemplos (todos de crianças de seis anos)19. 
Colocamos entre parênteses o algarismo correspondente ao segmento 
do texto interpretado (assim (1) corresponde a LOS, (2) corresponde a 
ANIMALES, e assim por diante): 
— pato (1), borboleta (2), peixe (3), também peixe (4), este, 
peixe também (5), passarinho (6); 
— borboleta (1), peixe (2), pato (3), passarinho (4, 5, 6); 
— borboleta (1), peixe (2), um outro peixe (3), pássaro (4, 5), 
pato (6); 
— passarinho (1), peixe (2), borboleta (3), pa (4), to (5), flores 
(6). 
Dizemos exatamente que as crianças "tentam levar em conta" 
porque, embora haja no texto tantos grupos de letras quantos são os 
animais da figura, todos esses grupos de letras não são equivalentes: 
dois grupos de letras em especial (EN EL) só apresentam duas letras, 
o que para muitas crianças está aquém do mínimo requerido para 
atribuir uma interpretação. E precisamente a propósito desses 
segmentos curtos que vemos surgir ora tentativas de "ajuste" (juntar 
esses "pedacinhos" em um único segmento e dar uma interpretação de 
conjunto depois de ter eliminado os espaços em branco pelo próprio 
ato de reuni-los), ora tentativas de silabização (nesses "pedacinhos" não 
dá para ler uma palavra completa, mas somente uma parte de uma 
palavra). 
Como já expusemos, as partes de uma escrita — nos limites de 
uma única palavra escrita — tornam-se progressivamente observáveis,
 
19 Uma apresentação em detalhe é encontrada em Ferreiro et al., 1982, vol. 3. 
Ver também Ferreiro, 1986. 
 
 
o que é preciso levar em conta. Essas partes não correspondem, 
absolutamente, às partes do objeto designado pela palavra20. 
Uma hipótese completamente nova faz então sua aparição: a de 
que o nome pronunciado pode ser decomposto em partes, em 
"pedacinhos", uns após os outros, assim como o nome escrito é algo 
composto de partes colocadas em certa ordem. Uma nova 
correspondência termo a termo é desde então possível entre esses 
dois conjuntos ordenados. É o começo da fonetização da escrita. 
Os "pedacinhos" que a criança encontra decompondo a palavra 
são, naturalmente, sílabas. Em línguas como o espanhol e o italiano, 
onde o limite silábico é bem marcado, esse período silábico é fácil de 
ser seguido em todos os seus detalhes e eles têm sua importância. De 
fato, do ponto de vista da correspondência termo a termo de que aqui 
tratamos, vê-se que, primeiramente, a criança se permite ou repetir 
sílabas, ou reunir letras ou omiti-las, enquanto, um pouco mais tarde, 
a correspondência se torna estrita (uma sílaba para cada letra, sem 
repetir sílabas e sem omitir nem concentrar letras). Na figura 6, temos 
um exemplo dessa correspondência estrita, tal como ela se apresenta 
no apogeu do período silábico. 
Este exemplo nada tem de excepcional, a não ser no que con-
cerne à escrita de palavras monossílabas. Na verdade, Jorge aceita a
 
20 Procedemos ao controle seguinte. Pedimos às crianças que desenhassem e 
depois escrevessem o nome do objeto desenhado. Por exemplo, no caso de uma 
criança que tivesse desenhado uma casa e escrito casa (maison) com quatro ou 
cinco letras, nós comentamos que o desenho comportava elementos tais como 
uma porta, janelas etc, perguntamos, de maneira muito sugestiva, onde estavam 
a porta, as janelas etc. na escrita de casa. As perguntas — com crianças de fala 
francesa de Genebra — foram do tipo: "Ali onde você escreveu casa, daria 
também para ler porta?", ou ainda "Você escreveu também porta?". A maior 
parte das crianças interrogadas (quatro e cinco anos) acharam nossas perguntas 
absurdas e responderam um não enfático. Uma criança achou razoável admitir 
que, ali onde havíamos escrito avião (avion) (porque ela própria não queria 
escrever), seria possível colocar as asas na última letra, o motor na primeira e o 
corpo do avião nas letras do meio. Uma outra criança fez a mesma coisa com 
sua própria escrita de pato (canard) (CMARE): C, a cabeça; M, as patas; A, o 
bico; R, o rabo; E, a água. As outras crianças se recusaram a encontrar um elo 
qualquer entre as partes da escrita e as partes do objeto, apesar do caráter 
altamente sugestivo de nossas perguntas (exceto algumas respostas 
condescendentes dadas por crianças do primeiro nível, para quem a distinção 
entre escrita e desenho não estava ainda bem estabelecida). 
 
 
(1) Ma-ri-po-as (borboleta). (3) Ga-to (gato). 
(2) Ca-ba-llo (cavalo). (4) Pez (peixe). 
 
conseqüência inevitável da hipótese silábica (uma única letra para uma 
palavra que tem apenas uma sílaba), deixando assim de lado — talvez 
provisoriamente — a exigência da quantidade mínima. Vemos aqui a 
criança atuar no nível puramente quantitativo: uma letra para cada 
sílaba. As letras podem ser quaisquer que sejam. No momento de 
escrever uma palavra, a escolha de uma letra em particular não é 
determinada senão por aquelas que a precedem na mesma série (uma 
vez que não se deve repetir a mesma letra em uma posição contígua...). 
Não importa que letra possa assumir o valor da sílaba ma e, em outra 
vez, aquele de to, ou de qualquer outra sílaba. É somente seu valor 
posicionai que determina a interpretação posterior. Enquanto elemento 
isolado, uma letra pode ter um nome estável mas não valor estabilizado. 
Porém, desde que inserida em um conjunto, ela adquire um valor 
inteiramente definido por sua posição na série. 
Ê exatamente o que se passa quando, a partir de um certo nível de 
desenvolvimento, a criança conta os elementos de um conjunto: não 
importa qual objeto possa tornar-se o terceiro em um conjunto e o 
primeiro em outro; tudo depende de sua posição particular; não há 
nada nas propriedades singulares de um certo objeto que permita 
decidir antecipadamente o nome que ele receberá no momento de sua 
contagem. 
Essa correspondência termo a termo entre elementos quaisquer 
vai evoluir — por uma série de conflitos — em direção a uma 
 
(4) 
(2) 
(1) 
(3) 
correspondência termo a termo entre elementos qualificados. Vamos 
ver como essa evolução se realiza durante o terceiro dos grandes 
períodos do desenvolvimento em questão. 
O terceiro período do desenvolvimento 
Acabamos de ver como nascea idéia de fonetização da escrita e, 
com ela, o destaque às semelhanças e diferenças sonoras entre os 
significantes. Ora, observamos novamente, em outro nível, o trabalho 
cognitivo realizando-se sobre o eixo quantitativo ou o qualitativo, 
com todos os esforços de coordenação que isso comporta. 
Dentro do período silábico podemos distinguir três momentos: 
primeiro, a hipótese silábica só serve para justificar uma produção 
escrita que não foi guiada por ela. A criança produz uma escrita 
guiando-se pelos critérios de diferenciação intrafigurais, próprios do 
período precedente; mas, em seguida, quando ela faz a leitura do que 
acaba de produzir, essa leitura torna-se uma justificação. Ela busca 
fazer corresponder uma sílaba da palavra a cada letra escrita. Muito 
freqüentemente, ela encontra mais letras do que sílabas na palavra e, 
então, em lugar de apagar as letras que sobram, ela faz rearranjos 
complexos que a conduzem ou a repetir sílabas, ou a juntar letras 
(sobretudo perto do final do texto escrito), ou a "pular" letras, tudo 
com a intenção de chegar até o fim do texto escrito. São bastante 
numerosas as crianças que, tendo tentado diversas soluções de 
compromisso sem sucesso, retornam à leitura característica do período 
precedente: a criança lê a palavra inteira, sem recortá-la em pedaços, 
tendo como único cuidado o de pôr seu dedo sobre a primeira letra no 
momento em que a emissão vocal começa e o de parar o dedo e a voz 
simultaneamente na última letra. A criança age, então, como se o 
texto não fosse seu, mas obra de outra pessoa qualquer e que não pode 
ser modificada. Eis dois exemplos particularmente característicos desse 
começo de análise silábica: 
Cláudia (cinco anos) vai escrever muñeca (boneca). Ela põe duas letras 
(IB), olha o resultado e diz: "Faltam mais letras" ("Faltan más letras"). 
Perguntamos-lhe o que "diz" no que já está escrito, e ela responde "Mu-
ñe" (as duas primeiras sílabas da palavra) ao que ela acrescenta uma 
terceira letra (o texto se torna IBO). Tudo parece indicar que Cláudia vai 
parar aí, satisfeita, mas ela continua a afirmar que é preciso ainda outras 
letras porque "aí diz mu-ñe", mostrando desta vez somente a primeira e 
a última letra da série. Perguntamos-lhe o que acontece com a letra do 
meio (B), ao que Cláudia se põe a contar as letras: "uma, duas, três", mas 
sem nada concluir. Sugerimos-lhe ler de novo o que ela acaba de 
escrever. Cláudia diz (sem mostrar com o dedo): "Mu-ne-ca... falta ainda". 
Ela acresce quatro letras (o resultado i então IBOAEPM); ela lê as duas 
primeiras sílabas (mu-ñe-) nas duas primeiras letras, e a última sílaba (-ca) 
na última letra (M), mas nem por isso fica satisfeita. 
Martha (seis anos) vai escrever pelota (bola). Faz cinco letras (RIROT) e 
procede em seguida a uma leitura silábica: "pe-lo-ta". Constata que há 
letras a mais, mas em vez de apagá-las, ela busca uma justificativa ad hoc: 
"É que ando ruim de gripe". ("Es que ando mala de la gripa"). 
Perguntamos-lhe se ela acha que está certo como ficou ou se é melhor 
retirar letras, e ela responde, com muita hesitação: "Só algumas... eu 
acho que sim, deveriam ser todas estas" ("es que nomás poquitas... 
pienso que sí deberían ser todas éstas"). 
 
As dificuldades que as crianças devem enfrentar antes de a 
hipótese silábica iniciar o controle de suas produções estão bem 
ilustradas no caso de Federico, uma criança de fala italiana de seis 
anos que sabe escrever seu nome, e que utiliza o repertório das letras 
fornecidas por essa escrita para produzir outras, mudando a ordem 
linear. Esse procedimento notável, observado em numerosas crianças, 
conduz a uma combinatória, isto é, a uma estrutura nascente cuja 
importância ulterior é bem conhecida. Federico produz a seqüência 
seguinte (cf. fig. 7): 
1) Diante do pedido de escrever sole (sol), Federico põe oito 
letras (FTDOFEDO); lê silabicamente, nas duas primeiras, "so-le" 
(uma sílaba em cada letra), e fica surpreso por encontrar tantas"letras 
a mais; conclui que as outras letras (sublinhadas na ilustração) "non 
servono a niente" (não servem pra nada) e tornam-se então "lettere da 
cancellare" (letras para apagar). 
2) Em seguida, para escrever mela (maçã), Federico fica 
cuidadoso: não põe mais do que duas letras (DF) e controla 
silabicamente: "me-la". Ele acha que é correto mas esquisito: "Io no so 
perché viene sempre due" (não sei por que é sempre duas). 
3) Para as duas palavras seguintes — tavolo (mesa) e bambino 
(criança) — não há nenhum problema. Ele põe imediatamente três 
letras e fica satisfeito com o resultado: "ta-vo-lo", fica bem três, o
 
(1) So-le (sol) (letras sublinhadas = letras para apagar). 
(2) Me-la (maçã). 
(3) Ta-vo-lo (mesa). 
(4) Bam-bi-no (criança). 
(5) Re (rei) (letras sublinhadas = letras para apagar). 
(6) Gru (grua) (id.). 
(7) The (chá) (id.). 
(8) Car-to-li-na (cartão). 
(9) Ca-ne (cachorro). 
(10) Ca-gno-li-no (cachorrinho). 
(11) Ca-sa (casa). 
(12) Ca-se-tta (casinha). 
(13) Ga-tto (gato). 
(14) Ga-tti (gatos). 
(15) Ma-ria-la-va-ipiatti (Maria lava os pratos). 
mesmo que "bam-bi-no" (que ele escreve e lê da direita para a 
esquerda)21. 
 
21 Essas mudanças de orientação da escrita e da leitura referem-se apenas aos 
aspectos figurativos (tal como os definimos no início deste capítulo) e não 
aos aspectos construtivos. 
 
 
4) Um novo problema aparece com as palavras monossílabas. 
Federico escreve três vezes em seguida da direita para a esquerda. 
Inicia-se com re (rei); ele põe três letras, mas quando procede à 
interpretação do texto, acha que uma letra seria o suficiente: muito 
perplexo e embaraçado, ele comenta: "Leggo e mi ferino subito" (Eu 
leio e de repente paro). A palavra seguinte é gru (grua). Apesar do 
resultado precedente, Federico põe de novo três letras e, em seguida, 
lê "gru" apenas em uma letra. Ele faz o seguinte comentário: "Ho 
sbagliato, mi viene sempre tre" (Eu errei, ponho sempre três), três 
letras, naturalmente. Com a palavra seguinte, the (chá), ele fica nova-
mente cuidadoso: põe somente duas letras porque, evidentemente, ele 
não pode ir abaixo de duas, e se sente de novo pouco à vontade com 
uma letra a mais. 
5) A palavra seguinte traz um grande alívio para Federico: car-
to-li-na (cartão) se escreve com a quantidade garantida de quatro 
letras! 
6) As seguintes são pares compostos de um substantivo dissílabo 
e do diminutivo correspondente: Cane/ cagnolino (cão/ cãozinho) e 
casa/ casetta (casa/ casinha). Federico antecipa três letras para cane; 
a verificação silábica posterior à escrita obriga-o a reconhecer que há 
uma letra a mais. Para escrever cagnolino ele começa novamente com 
três letras (FEF), verifica lendo "ca-gno-li-" e acrescenta a quarta 
letra para ficar certo. Apesar do trabalho de verificação, ele não 
consegue prever a quantidade certa para ca-sa: põe de novo quatro 
letras mas, depois da verificação, indica as duas últimas como "letras 
para apagar". Tornando-se prudente, ele escreve somente duas letras 
para ca-se-tta e, dessa vez, põe a terceira após o controle. 
7) A palavra seguinte, gatto, é imediatamente escrita com duas 
letras mas, para representar o plural gatti (diante de uma figura de três 
gatos), ele repete ainda duas vezes a seqüência original (FE). O 
conjunto é interpretado como gatti ou como tre gatti (três gatos). 
8) Enfim, Federico representa uma frase inteira . com " uma 
análise silábica não tão bem feita quanto a das palavras isoladas. Ele 
escreve a frase Maria lava i piatti (Maria lava os pratos) com cinco 
letras (FEDEF), e a lê como "ma-ria-la-va-ipiatti". 
Uma análise detalhada desse tipo se impõe para que as difi-
culdades reais encontradas pelas crianças na construção dessa hipótese 
silábica possam ser captadas e avaliadas em sua justa medida. 
 
( 1) 
( 4 ) ( 3) 
( 7) 
( 6 ) ( 5) 
( 8) 
( 10) ( 9) 
( 12) 
(11) 
 (13) 
( 15) 
( 2) 
( 14) 
Estamos na presença de uma pura correspondência

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