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Análise Literária de um conto da obra de Arthur Engrácio A vingança do Boto

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Monólogo do Caboclo João Bocó à beira do seu roçado, de Arthur Engrácio, na obra a Vingança do Boto.
	Temos aqui uma literatura amazônica. Arthur Engrácio faz uso de uma temática regionalista, comprometida com a realidade histórica do Amazonas. Além disso é uma literatura profundamente associada a aspectos naturais, como a ligação sagrada do homem com a terra. Para o caboclo João Bocó a Terra é fonte de generosidade e de ternura, ao transformar as sementes em alimentos; e seu valor não para por aí, a Terra, diferentemente da morte, que aniquila a vida – eterniza o corpo, guardando-o para sempre, no seu seio de mãe
	O conto analisado é desenvolvido dentro de um monólogo proferido pelo caboclo João Bocó. Dessa forma, a atividade discursiva é expressa, em primeira pessoa, por um único indivíduo, João Bocó, que é o Narrador Protagonista. Ele exterioriza seus pensamentos, lembranças e sentimentos. Podemos comparar essa imagem de João Bocó, olhando para o seu roçado, falando sozinho... com a imagem tão conhecida de Jeca Tatu, personagem criado por Monteiro Lobato em sua obra Urupês. Jeca representa o trabalhador rural paulista, mas simboliza a situação do caipira brasileiro, abandonado pelos poderes públicos às doenças, ao atraso econômico, educacional e à indigência política.
	 Sobre o ENREDO, a narrativa gira em torno de um acontecimento abusivo e muito violento vivido pelo protagonista imputado por Sêo Manoel Cara Dura - um homem rico e explorador que escraviza e oprime o povoado. Sêo Manoel, personagem antagonista, se sente ofendido com o exercício da alteridade de João Bocó, que teve uma conversa de igual para igual com ele, expondo os motivos que o levou a matar os porcos dele.
Sêo Manoel entende como muita ousadia de João Bocó pensar que tem direito a ter algum direito, então manda o delegado do local ir à casa do João para prendê-lo e torturá-lo, como forma de ensinamento. Um relato tenso e indignador.
A história vai além dos fatos que narra, o conto transmite uma expressão inconformista, carregada de uma significativa rebeldia. João Bocó, por ser um silvícola, não é ingênuo. Ele conhece os mecanismos que o alienam, reconhece o seu opressor pelas suas feridas e pelas algemas que carrega. Tem consciência da exploração que vive, da manutenção do sistema escravocrata em pleno século XX e de que ele e os seus pares são ignorados pelos poderes públicos.
O sofrimento diário é tanto que se revolva até com Deus. O fato religioso em sua simplicidade, uma certa comunicação do fiel com o sagrado, se transforma numa arma contra o desespero e a humilhação. Certa feita, João teve sua roça toda perdida devido ao inverno rigoroso:
 “Às vez fico pensando que Deus não é amigo do pobre, não. Pois se fosse, ia consentir uma judiera dessa? Tanto que roguei pra Ele não mandar agora a chuva e ele mandou. Pedi que guentasse um pouquinho mais a lavagem do céu, mas ele sapecou água, judiou das plantações, encheu de fel o coração desse caboclo velho.” (pág. 14)
O fato é que João sabia do risco que corria em fazer a plantação em tal época, mas necessitava do dinheiro que ganharia com a venda da farinha, proveniente de sua roça, para pagar um rancho que devia ao impiedoso Sêo Manoel. 
No conto, o trivial se transforma em denúncia, ao retratar uma realidade injusta, desigual e cruel imposta ao agricultor, esquecido nos grotões da Amazônia. A narrativa é breve, mas vai além dos argumentos de João Bocó. Dialogando com outros contextos, pode-se inferir, que o personagem João Bocó é a expressão do homem que foi interlocutor de Fanon em “Condenado de Terra” foi a esse homem a quem Fanon se dirigiu. Ele é o miserável de terra, condenado da fome, homem subjugado no sistema colonial e massacrado por esse sistema.
Sartre, no prefácio de “Os Condenados da Terra” fala que para o miserável da terra, o ódio é seu único tesouro. Por não poder atacar de frente o verdadeiro inimigo, desvia a violência para falsos inimigos.
Sobre a TIPOLOGIA DOS PERSONAGENS, vale registrar, que houve uma forma sutil de apresentar o cachorro Cacique com seu nome grafado com inicial maiúscula. Cacique é inserido no enredo, da mesma forma que os outros personagens secundários foram. Sendo explicado que se tratava de um animal só no final do conto. Podemos inferir que autor teve a intencionalidade de humanizar o animal, colocando todos os personagens no mesmo plano de humanidade. 
 	Quanto à universalidade, todas as personagens são PLANAS e quanto à simbologia, todas são TIPO. São personagens pouco complexos e com características típicas. 
	ESPAÇO
O conto se passa em um espaço aberto, na zona rural amazônica, no qual o personagem se encontra em seu roçado.
TEMPO
 A narrativa é marcada pelo tempo psicológico, pois o autor utilizou a técnica do flasblack, que se dá por meio das recordações vivenciadas pelo personagem. Nesse texto o personagem João relembra com sentimento de revolta o episódio no qual foi vítima das injustiças cometidas pelo proprietário da terra, a autoridade local, um coronel. É percebida em cada fala o tom de insatisfação, rebeldia ao recordar a punição recebida dos policiais, devido a fato de ter cometido um ato contra o do dono da propriedade,
AMBIENTE
A narrativa de João Bocó reproduz um período da História brasileira,em que o poder de mando estava nas mãos do grande proprietário de terra,também chamado de coronel. O poder do coronel se dava entre o povo de baixa renda, os trabalhadores pobres, em sua maioria os analfabetos, como é o caso do personagem João Bocó. O coronel tinha uma autoridade que ninguém poderia questionar, e essa autoridade lhe dava autonomia para terem seu lado a própria polícia que lhe protegia e lhe respeitava. Era uma relação de poder desigual no qual o trabalhador pobre encontrava-se numa posição de dependência, de submissão, de sujeição aos mandos e caprichos do patrão. Um ambiente, marcado pelos conflitos sociais, pelas injustiças e violências contra o homem pobre do meio rural, no caso do Amazonas, pelo ribeirinho, morador abandonado e excluído da assistência governamental,pois assim é reportado por João Bocó quando ele menciona os políticos que aparecem com suas promessas irrealizáveis em ano eleitoral somente com intento de angariar votos.
Fortuna crítica
O autor Artur Engrácio nasceu em Manicoré, município do Amazonas foi membro do clube do Clube da madrugada (CM) importante movimento de renovação de literatura no Amazonas. O clube reunia jovens artistas, poetas, escritores, intelectuais e artistas plásticos preocupados com o isolamento cultural, proporcionado pelas dificuldades econômicas e geográficas da região Se reuniam ao céu aberto nos bancos de uma praça para discutirem sobre literatura e arte. A tarefa inicial de fazer o movimento ser conhecido coube ao autor e o momento é marcado quando a publicação da obra História de submundo de 1960, retrata ficcionalmente o homem ribeirinho. Um estudo sobre o contista foi realizado na dissertação de mestrado na UFAM com o título- A ficcionalização da vida ribeirinha na constística de Artur Engrácio ,também foi escrito artigos científicos: O fantástico em contos do mato,de Artur Engrácio. Letras,suor e cerveja: o literato na prova de Arthur Engrácio. Artur Engrácio é apontado como autor de vários gêneros, mas é no conto ficcional que ele ganha maior expressão e relevância. Em suas obras o autor procura ficcionalizar o universo ribeirinho, passando então dar voz ao homem do interior amazônico evidenciando-lhe os sofrimentos, a miséria e o abandono do caboclo amazonense. O conto “A vingança do boto” foi traduzido para o inglês,e ainda foi adaptado para a série Brava Gente, da Rede Globo de Televisão com o Título As aventuras de Chico Honorato contra o boto vingativo em 2001.O autor recebeu seis prêmios literários:Prêmio Jaraqui-(1968) com o livro Restinga, Prêmio Prefeitura do Amazonas-(1976),com a Berlinda Literária, Prêmio Fernando Chinaglia (1976)da União Brasileira de Escritores, seção Rio de janeiro com Contos do Mato, PrêmioGoverno do Estado do Amazonas(1982), Prêmio Suframa de Literatura(1983) com Estórias do rio e Prêmio Suframa de Literatura(1985),com Áspero de Santa Rita. Suas obras são: Histórias de Submundo (1960), Antologia do Novo Conto Amazonense (1971), Restinga (1976) ,A berlinda literária(1976), Ajuste de Contos (1978),Contos do Mato(1981) Um olho no prato e outro no gato(1981), Os pingos nos ii (1983),20 Contos Amazônicos (1986), Áspero chão de Santa Rita (1986),Outras histórias de submundo (1988),Afrânio Castro,retrato sem retoque (1992),Poetas e prosadores contemporâneos do Amazonas - súmula biobibliográfica (1995),Os Tristes(1997).Essas são as obras em que o contista procurou dar voz ao homem ribeirinho.
CONTRIBUIÇÃO DO CONTO
O conto em análise, tem a virtude de causar inquietude no leitor, pois aglutina uma realidade infinitamente mais vasta que a do seu argumento, levando-nos à identificar amarras seculares de opressão ao povo amazonense, a partir de uma voz regional, possibilitando-nos a compreensão do lugar onde vivemos ou nascemos e do amazonense em sua dimensão humana, descortinando uma nova forma de ver a Amazônia, através da literatura.

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