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EA D O Matrimônio II 7 1. OBJETIVOS • Compreender o consentimento matrimonial. • Analisar a forma da celebração do matrimônio. • Interpretar os matrimônios mistos. 2. CONTEÚDOS • O consentimento matrimonial (cânn. 1095-1107). • A forma da celebração do matrimônio (cânn. 1108-1123). • Os matrimônios mistos (cânn. 1124-1129). 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 252 1) Na unidade anterior você foi convidado a conhecer a te- oria geral do matrimônio canônico, pois ela, sem dúvida, nos oferece um conjunto de elementos fundamentais para a compreensão dos cânones que dele se ocupam. Você, também, pôde estudar as normas que regem o que antecede a celebração do matrimônio e aquelas vol- tadas para os impedimentos dirimentes, tanto em geral, quanto em especial. 2) Agora, nesta última unidade, convidamos você a prestar muita atenção nas normas que constituem "o coração" do direito matrimonial canônico, pois elas se ocupam do consentimento matrimonial. Isso porque não há a menor possibilidade de existir um verdadeiro matrimô- nio sem a presença de um verdadeiro consentimento. Sendo assim, nesta unidade você terá a oportunidade de aprofundar a compreensão do que se entende por consentimento, do que é necessário para que possa produzir um matrimônio válido e daquilo que o torna ineficaz. Outro tema de importância não secundária diz respeito à forma da celebração do matrimônio, pois não basta existir um consentimento, uma vez que é preciso que seja manifestado de modo legítimo. Portanto, você irá compreender o que se entende por "modo legítimo" e quais as consequências da falta de forma. 3) Por fim, a unidade se encerrará com uma breve abor- dagem a respeito dos matrimônios mistos o que, aliás, não é algo raro entre nós, tendo presente a pluralidade religiosa na qual vivemos no mundo atual. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Esta última unidade é uma continuação da anterior e nela nos ocuparemos dos temas relativos ao primeiro pólo que não pu- deram ser desenvolvidos até agora, mas, que, sem dúvida, pos- suem uma importância determinante para a compreensão do di- reito matrimonial da Igreja. 253© Nome da unidade No final você estará em condição de iluminar e discernir uma série de situações pastorais diretamente ligadas aos temas que se- rão aqui tratados. Bom estudo! 5. O CONSENTIMENTO MATRIMONIAL (CÂNN. 1095- 1107) O Capítulo IV do Livro IV do CIC trata do consentimento ma- trimonial que constitui o ponto central do tratado jurídico do ma- trimônio, pois o consentimento, como dito, é a sua causa eficiente. Outros requisitos e exigências, embora importantes e necessários, são apenas pressupostos prévios ou formalidades concomitan- tes para que o consentimento desenvolva a sua força constitutiva. Justamente a necessidade e a função jurídica essencial do con- sentimento matrimonial justificam a presença de um cânon bási- co (1057) entre os cânones preliminares (cânn. 1055-1062) como elemento imprescindível em uma teoria geral do matrimônio. Isto acaba por trazer uma espécie de prejuízo na sistemática deste ca- pítulo que em tese deveria ser iniciado com a afirmação positiva da necessidade do consentimento, do seu valor jurídico e do ob- jeto do mesmo. Mas, apesar desta mudança na sistemática que, como dissemos, possui uma razão de ser, não resta dúvida de que este capítulo foi o que mais sofreu a influência do Concílio Vatica- no II e nele incidiu com muita força o progresso das ciências an- tropológicas, cujos contributos foram aproveitados e reelaborados pela jurisprudência, sobretudo, da Rota Romana. Poderia parecer que o conteúdo deste capítulo, que não contém um cânon fundamental (seria o cân. 1057 que se encontra na parte dedicada à teoria geral), tenha um caráter negativo, pois fala de incapacidade, ignorância e da falta ou de vícios de consenti- mento. Todavia, na realidade, em todos estes cânones se pretende expor e declarar uma vertente positiva: clarifica-se o que supõe a capacidade de consentir (cân. 1095) e, em maior ou menor rela- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 254 ção com ela, a ciência mínima necessária (cân. 1096) e a influência do erro (cânn. 1097-1100). Em seguida, procura-se esclarecer os vícios: o que se opõe à sinceridade que se presume, no caso da simulação (cân. 1101); o que se opõe à liberdade exigida, no caso da violência ou medo (cân 1103). Depois, aborda-se a questão da condição (cân. 1102) e outras disposições de ordem formal rela- tivas à manifestação do consentimento por si ou por procurador (cânn. 1104-1106) que foram mantidas neste capítulo. Por fim, conclui-se o capítulo com a presunção de perseverança do con- sentimento (cân. 1107). As novidades são notáveis e as veremos de maneira global. A incapacidade para consentir (cân. 1095) O cânon é uma notável conquista, promovida em última ins- tância pelo Concílio Vaticano II, que ressaltou os aspectos perso- nalistas do matrimônio, e fruto de uma trabalhosa elaboração da jurisprudência rotal. Os pressupostos deste cânon são uma expli- citação de aspectos que não deixam de ter graves problemas de interpretação, em parte dependentes das vacilações das ciências psicológicas e das distintas correntes existentes nas mesmas. O di- reito, deixando de lado os problemas científicos de sistematização dos fenômenos psíquicos, tratou de formular com o seu próprio método a incapacidade de consentimento de uma maneira com- preensível, procurando abarcar todos os supostos que merecem especial consideração. Segundo o cânon devem-se distinguir três pressupostos fundamentais de incapacidade para o consentimen- to que, simplificando, se referem ao processo psicológico do ato humano, são eles: conhecer, decidir e realizar. Devido à unidade do ato e do sujeito operante podemos sus- tentar que todas as fases do processo estão inter-relacionadas, de modo que, na prática, nos encontramos diante de um só problema cuja real amplidão cabe às ciências psicológicas esclarecer. O cân. 1095, estabelecendo uma tríplice incapacidade para contrair o matrimônio, toma em consideração tanto o sujeito que 255© Nome da unidade consente (números 1 e 2) quanto o objeto do consentimento (nº3). No primeiro caso, o sujeito é considerado enquanto produz um ato psicológico inadequado. No segundo caso, o sujeito é considerado em relação ao objeto do consentimento do qual não pode dispor. Vejamos cada um dos números separadamente! Falta de suficiente uso de razão (cân. 1905, 1º) Neste primeiro número do cânon foi estabelecido que é in- capaz de contrair matrimônio aquele que não possui um suficiente uso de razão. O fundamento desta afirmação está na ideia de que um sujeito privado do uso de razão de um modo permanente ou transitório e contemporâneo ao matrimônio não é capaz de reali- zar aquele ato humano que é o consentimento matrimonial. Con- sequentemente, aquele que no momento de consentir não possui um suficiente uso da razão permanentemente ou transitoriamente é incapaz de contrair matrimônio, independentemente das causas desta carência. Não é necessário que exista uma doença ou qual- quer tipo de anomalia psíquica no sujeito. Basta que no momento do consentimento o sujeito não tenha tido um suficiente uso de razão, mesmo se a causa desta insuficiência seja externa, circuns- tancial e momentânea, como poderia seria o caso da ingestão de alguma droga ou álcool. Um segundo aspecto importante é que para caracterizar tal incapacidade não é necessário que falte por completo ao sujeito o uso de razão, mas, apenas, se exige que tal falta seja suficiente. O legislador, porém, não precisa em que consiste esta suficiência e não existe um critério definido a este respeito. É certo que o uso de razãoque se adquire aos sete anos não pode ser válido em relação ao matrimônio e que a idade da puberdade, embora seja um critério objetivo, não garante por si só tal sufici- ência. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 256 Cremos que deva ser adotado um critério de proporcionali- dade para não se pecar por falta ou por excesso, ou seja, a sufici- ência do uso de razão deve ser proporcionada ao ato específico de consentir em algo importante e que exige muito empenho, como é o caso do matrimônio. De fato, o matrimônio refere-se a uma pessoa determinada; empenha o íntimo da vida dos esposos em sua totalidade; compromete duas pessoas a viver as relações in- terpessoais; não é por uns dias, mas deve durar toda uma vida. Assim, se de um lado não se exige que a carência do uso de razão seja absoluta, por outro lado não é suficiente qualquer privação, mas aquela que seja proporcionada à importância que assume o consentimento matrimonial. A ninguém escapa, por exemplo, a diferença entre o grau de uso de razão necessário para comprar uma roupa e para consentir em se casar. Em todo caso, o sujeito no momento em que irá contrair matrimônio deverá ser capaz de se propor a uma finalidade e de ordenar e dirigir suas atividades para poder realizá-la. Um terceiro aspecto a destacar é que as causas da falta de suficiente uso de razão são muito variadas, sendo indiferente se a carência é habitual ou atual, total ou parcial. O fundamental é que exista esta falta no momento em que é dado o consentimento ma- trimonial e que seja suficiente para afetar o consentimento. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A jurisprudência nos oferece uma indicação das categorias de pessoas que po- dem sofrer desta carência, mas o elenco não é fechado ou taxativo, apenas indicativo: a) Os adultos que não chegaram ao uso de razão ou, então, a perderam grave- mente. No primeiro caso temos a oligofrenia. No segundo caso, a demência. b) Os adultos que possuem uma grave perturbação da razão como é o caso das psicoses. c) Os adultos que, mesmo possuindo habitualmente o uso de razão, transitoria- mente a perderam devido a uma perturbação da mente causada por agentes que podem perturbar ou eliminar o uso de razão, como é o caso de drogas, embriaguez, hipnotismo, grave perturbação de ânimo, etc. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 257© Nome da unidade Grave falta de discrição de juízo a respeito dos direitos e obrigações essenciais do matrimônio (cân. 1095, 2º) A discrição de juízo pode ser descrita como uma faculdade estimativa ou deliberativa que é expressa mediante um ato de ra- zão. Tal ato consiste em um juízo prático que opera mediante duas funções principais: a inquisitio ou investigatio e, particularmente, a aestimatio, que consiste em julgar ou avaliar os prós e os contras das diversas possibilidades que se apresentam diante do sujeito. No caso do matrimônio, a possibilidade a ser investigada e esti- mada diz respeito a um determinado matrimônio (concreto), com uma determinada pessoa (concreta) e com a qual será comparti- lhada a totalidade da vida conjugal e que deve durar para sempre. Assim, o cân. 1095, 2º quando menciona a discrição de juízo, nos faz ver que para emitir um consentimento matrimonial válido, não é suficiente um conhecimento teórico e abstrato do matrimônio com as suas propriedades e seus direitos e deveres, mas é neces- sário, também, que haja uma capacidade crítica ou estimativa, além, é claro, da volição. A capacidade crítica ou estimativa à qual nos referimos deve se dar em dois níveis: 1) prático-especulativo; 2) prático-prático. No primeiro nível, a pessoa avalia o que o matrimônio é, comparando-o com outras realidades e possibilidades. Procura considerar as vantagens e os inconvenientes de se casar. Reflete sobre os prós e os contras do casamento e, por fim, propõe à sua vontade a aceitação ou rejeição do próprio matrimônio considera- do, ainda, enquanto realidade geral e em abstrato. No segundo nível, é fundamental que a pessoa aplique esta capacidade crítica na avaliação do matrimônio concreto que aqui e agora se apresenta a ela como possibilidade real, tendo presente os prós e os contras de assumi-lo com uma determinada pessoa. Deve, portanto, avaliar os ônus e as dificuldades que se apresen- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 258 tam e os direitos e os deveres que terá, sendo necessário ponderá- -los e avaliá-los com a consciência de que deverão ser cumpridos em um futuro que implica toda uma vida. É esta capacidade crítica ou estimativa que torna o consentimento dado a um determinado matrimônio um ato pessoal e responsável. Mas isto não é tudo, pois, além do que dissemos, é fun- damental que a pessoa não apenas tenha a capacidade de fazer uma escolha criticamente fundada, mas o faça livremente. Con- tudo, podem existir condições psicológicas e/ou ambientais que, mesmo não interferindo diretamente na capacidade estimativa ou crítica da pessoa, acabam por comprometer a escolha feita. Tais condições psicológicas ou outras circunstâncias às vezes terminam por impor o matrimônio à pessoa, mesmo quando uma escolha feita de um modo crítico a teria levado a não se casar. Em outras palavras, pode ocorrer de a pessoa saber o que o matrimônio é, tendo consciência de todos os elementos necessários para fazer uma escolha criticamente fundada e, a partir daí, avaliando todos os elementos (prós e contras), concluir que realmente não deve se casar. Mas, apesar disso, surpreendentemente, acaba optando por se casar, pois existe uma circunstância (psicológica ou ambien- tal) que a leva a tomar tal decisão. Neste caso, o matrimônio não foi escolhido pela pessoa, mas pela circunstância, faltando, assim, uma suficiente liberdade. Esta falta de liberdade quando tem uma causa externa é tratada pelo cân. 1103 (violência ou medo grave), quando, ao contrário, possui uma causa interna, se insere no cân. 1095, 2º como parte do conceito de falta de discrição de juízo. Podemos sintetizar o que dissemos até aqui afirmando que o conceito de suficiente discrição de juízo aplicado ao matrimônio comporta os seguintes elementos: 1) uma suficiente consciência intelectiva; 2) uma suficiente avaliação crítica, seja do matrimônio em si, seja dos motivos para contraí-lo (que devem ser ade- quados), seja da incidência do mesmo sobre a pessoa do contraente; 259© Nome da unidade 3) uma suficiente liberdade interna, seja no avaliar os moti- vos, isto é, no deliberar, seja no dominar os condiciona- mentos internos e externos. Uma vez especificado, de um modo sintético, em que con- siste a discrição de juízo tal como apresentada no cân. 1095, 2º, convém fazer uma breve referência a outros dois aspectos impor- tantes contidos no mencionado cânon: a falta de discrição de juízo deve ser grave e proporcional ao objeto do consentimento matri- monial. Em relação à gravidade da falta de discrição de juízo, o le- gislador não quis precisar em que coisa consiste e nem mesmo fez qualquer referência às causas da grave falta de discrição de juízo, diferentemente do que ocorreu no número três do mesmo cânon. Isto significa duas coisas: de um lado, não é qualquer deficiência que comporta semelhante incapacidade, mas, de outro lado, não é necessário uma total ausência de discrição de juízo para que haja a nulidade do matrimônio. Estes dois critérios assim tão amplos deixam à doutrina e à jurisprudência, com a ajuda das ciências antropológicas, a tarefa de especificar e precisar em cada caso o conteúdo da expressão "grave", pois não há como ser diferente. Outro problema relativo ao cânon em questão diz respeito ao objeto do consentimento matrimonial com especial atenção ao conteúdo dos direitos e deveres matrimoniais. Também aqui o legislador não precisou tal conteúdo, mas, tendo presente os cânones 1055-1057,podemos afirmar que a essência do matri- mônio, da qual derivam os direitos e deveres essenciais aos quais a discrição de juízo deve se referir, é constituída pelos seguintes elementos: o consortium totius vitae (cân. 1055 §1 e 1057 §2), que engloba todas as faculdades (intelectivas, volitivas e afetivas), empenhando os cônjuges a uma comunicação mútua nos diversos níveis da personalidade; perpétuo e exclusivo (cân. 1055 §1; cân. 1056); ordenado ao bem dos cônjuges – bonum coniugum - (cân. 1055 §1), que requer dos mesmos uma capacidade de poder reali- zá-lo; geração e educação da prole (cân.1055 §1). © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 260 Incapacidade de assumir as obrigações essenciais do matrimônio por causas de natureza psíquica (cân. 1095, 3º) Segundo este número aqueles que por causas de natureza psíquica não podem assumir as obrigações essenciais do matrimô- nio são incapazes de contrair matrimônio. Aqui o legislador consi- dera a hipótese de o consentimento matrimonial ser nulo porque o contraente não está em condições de entregar e aceitar o objeto do próprio consentimento. Neste caso, não se verifica a exclusão do objeto (cân. 1101), mas, sim, um vício de objeto, uma vez que aquele que quer contrair matrimônio é incapaz de dar o que tor- na nupcial o consentimento. A razão da norma deriva do seguinte princípio de direito natural: ninguém pode se obrigar a algo que psiquicamente é incapaz de assumir, pois o consentimento dado estaria objetivamente vazio de conteúdo. Em outras palavras, quem é incapaz de efetuar uma determinada prestação é igual- mente incapaz de contraí-la sob a forma de obrigação jurídica, ou então, o desejo de fazer um negócio será ineficaz caso o objeto deste negócio não esteja disponível. Um primeiro ponto a ser levado em conta no estudo des- te cânon é que o texto fala de incapacidade para assumir que é definida pela doutrina e jurisprudência como um estado de im- possibilidade moral que incide no sujeito em relação à comple- xidade da vida matrimonial, ou seja, o matrimônio in facto esse. Aqui o matrimônio é considerado não apenas em sua natureza de pacto, mas, especialmente, como estado de vida. A incapacidade de assumir não deve em hipótese alguma ser confundida, de um lado, com uma simples dificuldade para cumprir, pois ela está pre- sente em toda existência humana e em qualquer realidade que exige empenho. De outro lado, também não é possível identificar a incapacidade de assumir com uma impossibilidade absoluta de cumprir as obrigações essenciais do matrimônio. Portanto, a incapacidade para assumir não é sinônimo nem de dificuldade para assumir e nem de impossibilidade absoluta para cumprir. Poder assumir significa estar em condições de reali- 261© Nome da unidade zar minimamente o conteúdo do matrimônio no momento em que o consentimento é dado. O não cumprimento de fato das obriga- ções matrimoniais não significa necessariamente que exista uma incapacidade para assumi-las. Pode ter como causa um problema surgido depois do casamento ou, então, um não desenvolvimento das capacidades pessoais das partes por negligência ou falta de empenho. A falência do casamento não é em si mesma uma pro- va de tal incapacidade, mas, sem dúvida, é o ponto de partida da investigação sobre a capacidade da pessoa, na medida em que os fatos relativos ao matrimônio falido podem indicar a existência ou não de uma incapacidade. Um segundo ponto a ser esclarecido é que o legislador co- locou em relevo, diferentemente do número anterior, os motivos que podem estar à base de tal incapacidade. O cânon faz referên- cia a causas de natureza psíquica. É jurisprudência constante que a causa de natureza psíquica não é necessariamente uma patologia, embora todos aceitem que deve se tratar de uma séria forma de anomalia referida ao univer- so psíquico da pessoa em relação. Evidentemente o legislador não definiu o que se entende por causas de natureza psíquica. Mas não existe dúvida que devem estar em íntima conexão com o objeto do consentimento matrimonial. Consequentemente, é possível afir- mar que por causa de natureza psíquica podemos entender aque- les aspectos da dinâmica espiritual da pessoa que a tornam inca- paz para emitir o consentimento matrimonial pela específica razão de não poder assumir as obrigações essenciais do matrimônio. Obviamente, não é possível fazer um elenco completo, exaus- tivo e definitivo das anomalias que tornam uma pessoa incapaz de assumir as obrigações do matrimônio. Em linhas gerais podemos afirmar que as anomalias no campo da sexualidade e da persona- lidade estão em íntima conexão com as obrigações essenciais do matrimônio. As primeiras, porque podem impedir que a pessoa en- contre no cônjuge os pressupostos para um mínimo grau que seja © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 262 de integração psico-sexual, mediante o exercício da sexualidade ge- nital, de forma respeitosa em relação à pessoa e à moral cristã. Entre esses desvios podemos mencionar, a título de exemplo, as formas conhecidas de super excitação sexual (satiríase e ninfoma- nia), algumas sérias situações de sadismo ou sadomasoquismo, alguns graus de homossexualidade, situações consolidadas de transexualismo e outras graves disfunções sexuais. Já as segundas podem comprometer gravemente a possibilidade da integração psico-afetiva, mesmo no que concerne à mútua aju- da, moral e material, que é lícito esperar de um cônjuge. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Podemos citar como exemplo as personalidades afetadas por gravíssimas for- mas de narcisismo, personalidades antissociais ou particularmente inclinadas à prática da violência, personalidades particularmente fracas que se deixam en- volver em grau elevado pela ingestão de substâncias tóxicas, como o álcool ou drogas, ou por hábitos dispendiosos e perigosos para a vida familiar, tais como os jogos de azar que podem pôr em risco os próprios meios de subsistência da família e levá-la a um perigoso contato com ambientes de malfeitores ou com pessoas de má índole. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Ignorância (cân. 1096) Não pode existir consentimento matrimonial válido sem um conhecimento mínimo daquilo que o matrimônio é. Em outras pa- lavras, ninguém pode consentir se ignora o objeto do seu consen- timento, isto é, em que deve consentir. Trata-se de um princípio de direito natural concretizado pelo legislador neste cânon. Contudo, não é qualquer ignorância que torna o consentimento matrimo- nial nulo, mas apenas a ignorância tal como descrita pelo legis- lador. Na verdade, a fixação da ciência mínima do que constitui a substância do matrimônio é o objetivo deste cânon. Esta mínima ciência possui um conteúdo perfeitamente determinado e se exige que os esposos ao menos não o ignorem. Os elementos que não podem ser ignorados de forma algu- ma são os seguintes: 263© Nome da unidade a) O matrimônio é um consórcio permanente – Com isto se quer afirmar que o matrimônio não é uma relação fugaz ou transitória, mas uma realidade estável e, portanto, permanente. O acento, portanto, não está tanto no ter- mo consórcio quanto no vocábulo permanente. b) De natureza heterossexual – A característica heterosse- xual é exigida pela mesma natureza do matrimônio, pois, como é sabido, este é ordenado ao bem dos cônjuges e à procriação (cân. 1055) e não pode ser confundido ou equiparado com qualquer outra forma de união civil. c) Ordenado à procriação e cooperação sexual – Mesmo que a prole não seja o que constitui a relação matrimonial, é, sem dúvida, um elemento que dá forma à mesma e, en- quanto elemento especificador da união conjugal frente a outros tipos de união, é, sem dúvida, um elemento consti- tutivo. Não é necessário que os cônjuges conheçam todo o processo gerativo, mas, sim, que saibam quena mútua entrega entra em jogo a dimensão sexual. Devem ter a percepção da diversidade sexual e de que esta está dire- tamente implicada na procriação, pois a mesma normal- mente se dá mediante um ato sexual. O parágrafo segundo do cânon retoma o conceito de puber- dade que não deve ser confundido com o da idade requerida para o matrimônio. O CIC atual não estabelece a idade da puberdade e à norma do cân. 21 é possível admitir a mesma idade do código anterior, ou seja, 12 anos para as mulheres e 14 para os homens. Afirma-se no cânon que a ignorância não se presume após a pu- berdade e, consequentemente, a existência da mesma deverá ser provada, tanto para impedir a realização de um matrimônio de um púbere quando para declará-lo nulo. O erro (cânn. 1097-1099) O cân. 1097 trata do erro seja de pessoa (§1), seja de qua- lidade da pessoa direta e principalmente visada (§2). O cân. 1098 ocupa-se do erro doloso a respeito de uma qualidade que possa perturbar gravemente a vida conjugal. Por fim, o cân. 1099 refere- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 264 -se ao erro em relação a algumas qualidades não da pessoa, mas do próprio matrimônio: as duas propriedades essenciais e a digni- dade sacramental do mesmo. Veremos, portanto, as diversas hipó- teses de erro contidas nos cânones anteriormente citados. Antes, porém, de passarmos para o estudo do erro como causa de nulidade do consentimento matrimonial é fundamental ter presente qual é a natureza do erro em si mesmo e do influxo que pode ter em qualquer negócio jurídico. O erro é, em primeiro lugar, um ato do intelecto que consiste em um juízo falso da inte- ligência a respeito de um objeto que tem como causa uma falsa apreensão do mesmo. A vontade humana, pois o consentimento é um ato de vontade, não se movimenta se o intelecto não apre- senta a ela algum objeto que a atraia. Contudo, o intelecto, exata- mente por causa de um juízo falso (erro) pode apresentar à von- tade um objeto falso, distorcido, um objeto que não corresponde à verdade. Consequentemente, a vontade poderá ser induzida er- roneamente a emitir um consentimento a respeito de um objeto que não existe e, por conseguinte, o consentimento também não existirá. Erro de pessoa (cân. 1097 §1) O cânon basicamente repete aqui a normativa já contida no CIC anterior. O erro de pessoa (cân. 1083 §1) era interpretado em um sentido estrito. Afirmava-se que a pessoa sobre a qual versa- va o erro era o indivíduo entendido única e exclusivamente em sua realidade física. Desde modo, se A desejasse se casar com B e na realidade se casasse com C, acreditando que, de fato, C é B o matrimônio seria nulo, pois, na verdade, C não é B. Faltaria o con- sentimento mútuo como causa eficiente do matrimônio (B está ausente e é para ele que se dirige o consentimento e é dele que se espera o consentimento) e, logo, não haveria matrimônio válido. Em outras palavras, faltando a pessoa com a qual se entrava em acordo sobre o objeto essencial do consentimento na verdade não há o acordo algum e muito menos o matrimônio. 265© Nome da unidade Após a promulgação do CIC atual, observou-se em parte da jurisprudência uma tendência em utilizar um conceito "amplia- do" de pessoa, ancorada nos documentos do Concílio Vaticano II e em algumas sentenças rotais do período intercodicial. Todavia, algumas intervenções do Papa João Paulo II, como, também, de alguns estudiosos, acabaram por desautorizar tal abordagem que, em nossa modesta opinião, tinha boa consistência. De qualquer forma, deixemo-la de lado, pois tomaria muito do nosso tempo e, portanto, fiquemos com a orientação tradicional. Erro de qualidade da pessoa direta e principalmente visada (cân. 1097 §2) O cânon 1097 §2, afrontando o tema do erro sobre a quali- dade pessoal, confirma, em primeiro lugar, a regra geral segundo a qual, ordinariamente, o erro sobre a qualidade de uma pessoa, mesmo que seja a causa do contrato, não torna o matrimônio nulo. O que isso significa? Na prática, se A quer se casar com B porque enxerga em B certas qualidades que na verdade não existem, nem por isso o matrimônio seria nulo. Todavia, o legislador estabeleceu exceções para esta regra geral. A primeira está contida neste cânon e é a seguinte: conside- ra-se relevante para viciar o consentimento o erro a respeito de uma qualidade pessoal, seja ela qual for, desde que visada de um modo direto e principal por aquele que erra. Portanto, o cânon estabelece a prevalência da avaliação de quem erra em relação ao conteúdo objetivo da qualidade desejada de um modo direto e principal que, portanto, poderia ser até acidental em si mesma, mas de grande relevância para a pessoa. A única condição para tornar o matrimônio nulo seria que tal qualidade deve necessaria- mente ser direta e principalmente visada. Mas como interpretar a expressão direta e principalmente visada? Em linhas gerais se afirma que "diretamente" significa que- rer uma determinada qualidade no outro não apenas como objeto © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 266 mediato ou genérico, ou seja, incluída na vontade geral de casar, mas como algo imediato do próprio querer, e, portanto, de uma vontade específica. "Principalmente" significa que dentre todas e possíveis qualidades que um sujeito pode querer em geral, uma é querida de modo prevalente. Um exemplo seria o seguinte: Maria quer se casar com um homem rico, ou, então, quer se casar com alguém que não goste de jogar (seja quem for) e, portanto, ao procurar um parceiro centralizará as suas atenções para a presença da qualidade desejada (um ho- mem rico) ou para a ausência da qualidade rejeitada (não goste de jogar). Contudo, acaba se casando na prática com alguém, imagi- nando que tal pessoa possui ou não, conforme o caso, aquela qua- lidade que visava direta e principalmente. Mas, após o casamento, descore que se enganou e, que, portanto, errou. Por fim, convém recordar a razão da nulidade do matrimô- nio. No caso de erro de qualidade falta ao ato de vontade, que é o consentimento, o objeto ao qual ele tende direta e principal- mente, isto é, a qualidade desejada ou recusada. Sem ela não há o consentimento e o matrimônio é nulo. Erro doloso (cân. 1098) O cân. 1098 afirma que quem contrai matrimônio, enganado por dolo perpetrado para obter o consentimento matrimonial, a respeito de alguma qualidade da outra parte, e essa qualidade, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal, contrai invalidamente. O primeiro ponto a considerar aqui é que um dos contraen- tes deve achar-se no momento do consentimento em um estado de erro, ou seja, de falso juízo acerca de uma determinada reali- dade, e que este erro tenha sido determinante para a emissão do próprio consentimento. Isso porque a nulidade do matrimônio não estaria no erro em si, mas no fato de o mesmo determinar a vontade da pessoa que não se casaria caso tivesse conhecimento da realidade do outro. 267© Nome da unidade O segundo ponto é que a realidade a respeito da qual se erra deve ser uma qualidade da outra parte e, portanto, uma ca- racterística estável da pessoa e a ela inerente e não uma mera circunstância. Por exemplo, uma doença crônica é uma qualidade, mas estar desempregado em um determinado momento é uma circunstância. Além disso, tal qualidade deve concernir especifi- camente à pessoa do outro e não de terceiros. Por exemplo, uma qualidade da futura sogra que possa perturbar a vida conjugal e que é omitida ou negada para se obter o consentimento não inva- lidaria o matrimônio. O terceiro elemento a considerar é que não deve se tratar de uma qualidade qualquer, mas a qualidade acerca da qual se incide em erro deve ser, por sua própria natureza, apta a perturbar gra- vemente o consórcio da vida conjugal. Informação Complementar –––––––––––––––––––––––––––––O problema aqui é que não é possível estabelecer uma medida precisa que pos- sa indicar com exatidão quando e como uma qualidade pode por sua própria natureza perturbar gravemente a vida conjugal, pois uma qualidade que para um sujeito não é suficiente para provocar tal perturbação, para outro pode o ser. Apesar disso, de um modo genérico, podemos sustentar que, considerando aquilo que o matrimônio é, suas finalidades e propriedades essenciais, é possível formular a hipótese segundo a qual as qualidades que poderiam perturbar grave- mente o matrimônio seriam aquelas que levariam a pessoa a agir em prejuízo da sua unidade/fidelidade (por exemplo, propensão invencível para a infidelidade); da sua indissolubilidade; de sua predisposição à geração e educação da prole (por exemplo, a esterilidade, a prodigalidade que coloca em risco o sustento da prole, a propensão a jogos de azar que também coloca em risco o susten- to da prole, a propensão a hábitos gravemente viciosos que tornem a pessoa inadequada para exercer um papel educativo etc.); do bem dos cônjuges (por exemplo, doenças contagiosas, dependência de álcool, drogas que destroem a relação de confiança ou repercutem na ordem sexual). Poderíamos acrescentar, ainda, outras qualidades, como, por exemplo, a gravidez de outra pessoa, prece- dentes penais graves etc. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Convém observar, ainda, que não se exige a perturbação de fato da vida conjugal, mas é suficiente que tal qualidade que cons- titui o objeto do engano possa ser considerada potencialmente capaz de causá-la. Observe que o legislador não precisou o que se entende por perturbação grave e, portanto, caberá à jurispru- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 268 dência determinar no caso concreto tal gravidade. Contudo, uma coisa é certa: na avaliação de tal gravidade é fundamental consi- derar não apenas a gravidade objetiva, mas, também, a gravidade subjetiva. De fato, a importância que a parte enganada atribui à qualidade-objeto do engano é que irá movê-la a consentir ou não. Um quarto e último elemento importante é que a indução ao erro deve ter sido efetuada dolosamente, isto é, deliberadamen- te e com o conhecimento do significado da própria ação. Deve-se esclarecer que a ação dolosa poderia, em princípio, ser praticada por um terceiro. Além disso, a ação dolosa deve ser efetuada com o objetivo de obter a prestação do consentimento matrimonial da outra parte. Portanto, trata-se de um dolo específico, ou seja, fi- nalizado a obter o consentimento matrimonial e não por outras razões. Erro de direito (cân. 1099) O cân. 1097 ocupa-se do erro de fato, ou seja, a respeito da pessoa do contraente ou de uma qualidade da mesma. Já o cân. 1099, por sua vez, ocupa-se do erro de direito, na medida em que não diz respeito à pessoa do contraente, mas, sim, ao instituto ma- trimonial enquanto tal. O legislador afirma que o erro a respeito da unidade, da indissolubilidade ou da dignidade sacramental do matrimônio, contando que não determine a vontade, não vicia o consentimento. O primeiro ponto a considerar é a necessidade da existência de um erro, entendido como um juízo falso da inteligência a res- peito de um determinado objeto, no caso, a unidade, indissolubili- dade e sacramentalidade do matrimônio. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Quanto ao significado desses termos basta que tenhamos presente o que já foi explicado na teoria geral do matrimônio ao início deste curso. Um aspecto que aqui nos chama a atenção é que o legislador não considerou a hipótese do erro a respeito da substância do matrimônio em sua totalidade, cujos elementos se encontram presentes nos cânones 1055-1057. A preocupação voltou-se para a unidade, indissolubilidade e sacramentalidade do mesmo. Contudo, a nulidade 269© Nome da unidade do matrimônio não pode ser descartada em caso de erro sobre aquilo que o matrimônio é em sua essência, pois, conforme o cân. 126, o ato praticado por ignorância ou erro, que verse sobre o que constitui a substância de um ato jurí- dico é nulo. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O segundo elemento a considerar é que se o erro perma- necer no âmbito do intelecto, sem, portanto, determinar a vonta- de, não vicia o consentimento matrimonial e o matrimônio con- sequentemente será válido. Se, ao contrário, o erro determinar a vontade, o consentimento é viciado e, portanto, o matrimônio será inválido. Deste modo, podemos afirmar que o erro por si só não é capaz de viciar o consentimento matrimonial a não ser que determine a vontade, pois a causa da nulidade é a vontade en- quanto determinada pelo erro e não o erro em si. Mas o que se entende por erro que determina a vontade? Determinar a vontade significa que o erro passa do âmbito da razão para o âmbito da vontade e a empurra para uma precisa direção. Trata-se sempre de um erro que fixa o conteúdo real e verdadeiro do consentimento do contraente o qual, exatamente pelo influxo radical operado pelo erro, quer um matrimônio priva- do voluntariamente da unidade, indissolubilidade e sacramentali- dade. Não se trata de um erro simples, mas de um erro que deter- mina o conteúdo do ato interno de vontade, provocando nela uma ausência objetiva da unidade, indissolubilidade ou sacramentali- dade que são qualidades necessárias para um verdadeiro e válido matrimônio. O conhecimento da nulidade e o consentimento (cân. 1100) Este cânon repete uma regra anterior de prudência na dispu- ta a respeito de se era possível ou não ter um verdadeiro consenti- mento matrimonial na presença de uma certeza ou opinião de que o matrimônio a ser contraído seria inválido desde o início. Teoricamente o problema não é simples: é difícil pensar que seja possível querer um matrimônio que, na verdade, não pode existir e que o consentimento prestado, em tal caso, não seja uma © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 270 leviandade ou um mero desejo. Contudo, se formos avaliar bem, se pode querer o que juridicamente é impossível. Apesar de no âmbito do entendimento se saiba que o consentimento a ser pres- tado será juridicamente ineficaz, isto não impede necessariamen- te a vontade de querer aquele matrimônio, considerando apenas o ato de querê-lo enquanto dela depende. A coexistência destes dois extremos é hipotizável quando a nulidade não depende da vontade das partes, pois a contradição da própria vontade seria impensável. Portanto, o fato, pois, de saber ou achar que o matri- mônio é nulo não exclui necessariamente o consentimento, como, também, o simples fato de contrair o matrimônio não é por si só garantia de consentimento, embora o mesmo se presuma. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Este cânon é importante para os casos de matrimônios nulos por falta de forma ou pela presença de impedimentos dirimentes, tendo em vista a sanação radical (cânn. 1161-1165), já que ela supõe a perseverança do consentimento, perseve- rança esta que, a norma do cân. 1107, se presume e é absolutamente exigida pelo direito natural para que possa ser feita a sanatio in radice. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A simulação ou exclusão (cân. 1101) Vimos que o consentimento das partes cria o matrimônio e é definido pelo cân. 1057 §2 como um ato de vontade mediante o qual os contraentes efetuam a doação de si mesmos com o fim de constituir entre ambos a relação conjugal. Convém recordar breve- mente os elementos principais desta noção, pois serão fundamen- tais na consideração da simulação. Definindo o consentimento como uma ação da vontade, o CIC estabelece primeiramente que o ordenamento jurídico canô- nico requer, para contrair matrimônio, o cumprimento de um ato humano, isto é, de um ato baseado num suficiente uso das facul- dades naturais da inteligência e da vontade. Por esta razão, para casar é absolutamentenecessário por parte do intelecto o sufi- ciente uso de razão (cân. 1095, 1º); o conhecimento mínimo da- quilo que o matrimônio é (cân. 1096); como, também, a suficiente 271© Nome da unidade capacidade de avaliar concretamente as obrigações decorrentes do próprio matrimônio (cân. 1095, 2º). Da parte da vontade, se requer a suficiente liberdade, tanto interna (cân. 1095, 2º), quanto externa (cân. 1103). A vontade dirige-se para um determinado objeto e sendo o con- sentimento um ato de vontade é fundamental que se estabeleça qual é o objeto desta vontade. O CIC afirma que o objeto direto do consentimento matrimonial é o dom de si, enquanto realidade ma- terial, pois o que se entrega e recebe são as pessoas mesmas dos cônjuges. Contudo, tal doação possui um objetivo que seria o ob- jeto formal do consentimento: a constituição do matrimônio. Esta especificação é de fundamental importância, pois se torna claro que a intenção matrimonial deve estar voltada para a constituição do matrimônio e que os elementos que o ordenamento canônico considera como essenciais não podem de forma alguma ficar fora de tal intenção. Em outras palavras, ao realizarem o matrimônio os contraentes devem assumir (ao menos implicitamente), e de maneira alguma podem rejeitar os fundamentos do conceito de matrimônio tal como estão definidos pelo próprio ordenamento: a constituição de um consórcio de vida, perpétuo e exclusivo, desti- nado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole e que, para os batizados, possui a dignidade de sacramento. Tendo presente o que dissemos, podemos nos ater ao parágrafo primeiro do cân. 1101, que codifica uma regra geral, elevada à con- dição de princípio jurídico para a interpretação dos fatos e de ga- rantia da certeza nas relações jurídicas. Afirma-se que aquilo que uma pessoa diz corresponde em verdade àquilo que ela realmente quer. No caso do matrimônio, afirma-se que quando uma pessoa diz querer o matrimônio canônico, deve-se pressupor que ela, de fato, realmente deseja casar e fazer seus todos os elementos e as propriedades essenciais que caracterizam o matrimônio. Trata-se de uma presunção da adequação da vontade declarada à vonta- de real. Em outras palavras, se presume que o consentimento ex- presso corresponde em seu conteúdo ao consentimento exigido pelo ordenamento jurídico. Deste modo, o ordenamento canônico presume que o comportamento normal de uma pessoa esteja em conformidade com a verdade, e a falsidade, portanto, deve ser de- monstrada. Consequentemente, aquele que afirmar a existência de uma discrepância do consentimento interno e a sua expressão terá que apresentar provas que a demonstrem. O parágrafo segundo admite que a presunção da conformi- dade entre consentimento interno e externo, por mais justificada que seja, não garante, por si só, que as coisas sempre ocorram em © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 272 conformidade com ela, especialmente quando se trata de decisões da vontade humana. Admite-se, aqui, a possibilidade de uma dis- crepância entre a realidade e a presunção. Assim, encontramo-nos diante de uma presunção simples, pois admite a prova em contrário. Segundo texto, é possível provar que, não obstante as de- clarações feitas durante o matrimônio, naquele mesmo momento e mediante um ato positivo de vontade, ao menos um dos con- traentes pode rejeitar o próprio matrimonio em sua totalidade, um de seus elementos essenciais (o bem dos cônjuges e a prole), ou, ainda, uma de suas propriedades essenciais (unidade e indis- solubilidade), como, também, o seu caráter sacramental (entre batizados). Quando, portanto, existir uma vontade positivamente contrária a um destes aspectos essenciais do instituto matrimonial o próprio pacto matrimonial seria nulo, pois seria finalizado a algo essencialmente distinto daquilo que o matrimônio é. Esta possível razão de nulidade apenas descrita é generica- mente chamada pela doutrina e jurisprudência de simulação ou exclusão. A diferença entre uma simulação total e uma exclusão parcial está na atitude da pessoa que, no primeiro caso, rechaça o matrimônio enquanto tal e, no segundo caso, aceita o matrimônio, embora o matrimônio que ela aceite não seja o verdadeiro matri- mônio, pois exclui algum elemento essencial do mesmo. O termo simulação ou exclusão é usado não para indicar a "má fé" da parte de quem torna nulo o seu próprio matrimônio, pois a pessoa pode agir em boa fé, mas, sim, para indicar a objetiva e substancial discrepância entre o que vem externamente declarado (a aceitação do matrimônio canônico) e a vontade real da pessoa (rejeitá-lo em sua totalidade ou em algum de seus aspectos es- senciais). De um ponto de vista sistemático a simulação ou exclusão é classificada como um vício de consentimento para se indicar o caráter não conjugal daquele ato de vontade realizado. Deve tra- tar-se, como diz o texto, de um ato positivo de vontade, ou seja, 273© Nome da unidade o ato simulatório deve constituir uma verdadeira decisão, por as- sim dizer, um "contra-consentimento", isto é, um ato voluntário de uma força igual à do consentimento. Em outras palavras, o ato positivo de vontade não pode ser considerado como uma simples falta de vontade, ou mesmo apenas uma vontade negativa. Por exemplo, "não quero me casar", "não quero ter filhos". O ato po- sitivo de vontade deve significar uma intenção positiva, ou seja, "quero não me casar", "quero não ter filhos", etc. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A exigência de um ato positivo de vontade é importante, pois quem não é capaz de fazer um ato positivo de vontade, não é capaz de simular total ou parcialmente o matrimônio. Porém, não é possível pretender com um ato positivo de vontade algo que previamente não se conhece. Por isso, não é possível que um contra- ente simule com um ato positivo de vontade o matrimônio, total ou parcialmente, sem que saiba que irá fazer uma simulação e que há feito tal simulação. Não é preciso, contudo, que saiba que o matrimônio será nulo por causa disso. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Enfim, observando atentamente o texto do cânon se perce- be que existem alguns tipos de simulação, pois a norma indica di- versos objetos possíveis de um ato de vontade simulatório. Assim, temos: a simulação ou exclusão do próprio matrimônio; a exclusão de um elemento essencial do matrimônio e a exclusão de alguma propriedade essencial do matrimônio. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Para um aprofundamento dos diversos tipos de simulação previstos pelo CIC atual, sugerimos que você leia os seguintes textos: BIANCHI, P. Quando o matrimônio é nulo? Guia para sacerdotes, líderes de movimentos familiares e fiéis interessados. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 89-199; CAPPARELLI, J. C. Manual sobre o matrimônio no direito canônico. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 111-123; LLANO CIFUENTES, R. Novo direito matrimonial canôni- co. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1988, p. 370-390; HORTAL, J. O que Deus uniu. São Paulo: Loyola, 1986, p. 114-119. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O matrimônio condicionado (cân. 1102) Celebra o matrimônio sob condição o contraente que subor- dina a eficácia jurídica do consentimento que presta (a sua decisão © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 274 de se vincular a alguém com o matrimônio) à existência ou à não existência de um fato futuro e incerto, de um fato passado ou de um fato presente. O aspecto mais típico do fenômeno da condição, do ponto de vista da eficácia, é o nexo instituído (pela pessoa que a impõe) entre o objeto dessa condição (a circunstância específica que se deseja ou não) e o consentimento matrimonial. A pessoa faz de- pender a origem do laço matrimonial (que é o efeito próprio do consentimento, mesmo já prestado), ou o fato de permanecervin- culada a esse laço, de uma circunstância que é objeto da condição. O cânon 1102 toma em consideração os três tipos de con- dição: de futuro, de passado e de presente. Vejamos cada uma delas... A condição de futuro é constituída por um fato futuro e in- certo. Este tipo de condição tem um efeito suspensivo em relação aos efeitos do consentimento, pois a pessoa embora preste o seu "sim", acaba por manter em suspenso sua obrigação efetiva em relação ao vínculo matrimonial até que tenha sido cumprido o fato colocado como condição para o próprio matrimônio. Por exemplo, Maria diz para João que somente se sentirá unida de fato a ele quando ele arrumar um emprego fixo e estável. Neste caso, o con- sentimento dado ficará suspenso até a realização de tal condição e, portanto, inacabado. O CIC atual acertadamente estabelece que o matrimônio celebrado sob condição de futuro é nulo, pois, na verdade, não há um verdadeiro consentimento. A condição de passado e de presente distingue-se da con- dição de futuro no sentido que esta última deixa em suspenso o consentimento até que o fato condicionante se cumpra no futu- ro, sendo, portanto, um fato incerto. Isso não ocorre na condição de passado e de presente, pois, neste caso, o fato já é certo no momento em que o consentimento é prestado, embora escape ao conhecimento da pessoa que estabelece uma condição a esse respeito. Por exemplo: se Paula falasse a João: "Só me caso com 275© Nome da unidade você se não tiver antecedentes criminais" ou, então, "Só me caso com você se não tiver uma doença contagiosa" estaria sujeitando o próprio consentimento matrimonial a uma condição de passado ou de presente, respectivamente. Ora, ter ou não antecedentes criminais ou ter ou não ter saúde constituem fatos certos e obje- tivos a partir do momento em que a condição referente a isso é colocada. Então, a eficácia que se pretende dar ao próprio consen- timento e, portanto, à validade do vínculo matrimonial, deriva de fatos certos e objetivos no momento em que o consentimento é prestado, o que não ocorre com a condição de futuro que, por isso, deixa o consentimento em suspenso. Diante do exposto fica claro que existindo uma condição de passado ou de presente o matrimônio que tenha correlação com tais condições será válido ou não à medida que exista ou não o fato que é objeto da condição no momento em que o consentimento é prestado. Para se obter o conhecimento da invalidade do ma- trimônio será fundamental que fique demonstrado com absoluta certeza a situação de fato da qual dependerá a eventual nulidade originária. Convém observar que a condição de passado e de presente para invalidar um matrimônio deve ser colocada mediante um ato positivo de vontade que no momento da prestação do consenti- mento deve estar presente como atual ou virtual (colocado ante- riormente e não retratado pela pessoa, persistindo, portanto, no presente). Tendo esclarecido o significado da condição podemos nos perguntar qual seria a ratio da norma, pois muitos ordenamentos civis não atribuem valor às condições eventualmente estabeleci- das para o consentimento matrimonial. Na legislação latina a única causa eficiente do matrimônio é o consentimento e, portanto, não é possível negligenciar uma con- dição eventualmente estabelecida ao próprio consentimento. Em outras palavras, o legislador, que considera que o matrimônio se ori- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 276 gina do consentimento das partes, tem, coerentemente, interesse em confirmar o que as partes realmente quiseram. Se uma das par- tes no pacto conjugal pretendeu privar substancialmente de eficácia o próprio consentimento exterior, condicionando-o à existência ou não de um determinado fato, o ordenamento só pode tomar conhe- cimento disso e não pode presumir que isso não seja válido nem que essa substancial falta de intenção matrimonial seja suprida, pois o consentimento não pode ser suprido por ninguém. No parágrafo terceiro do cânon temos uma norma de índole pastoral e de prudência que não toca na validade do matrimônio e que consiste em exigir uma licença escrita do Ordinário do lugar para a celebração de matrimônios sob condição de passado ou de presente. Trata-se de uma exigência de pouco resultado prático. Se uma pessoa quer colocar uma condição para prestar o consen- timento matrimonial, condição esta que muitas vezes não é nobre, dificilmente manifestará isso à Igreja para obter uma licença escri- ta, correndo o risco de ter o seu pedido negado. A violência ou o medo (cân. 1103) O cân. 219 afirma que todos os fiéis têm o direito de ser imu- nes de qualquer coação na escolha do estado de vida. Aplicando este princípio geral o cân. 125 §2 afirma que o ato jurídico realiza- do por medo grave, incutido injustamente ou é inválido, se assim o diz o direito, ou é válido, se o direito não diz que é inválido, mas pode ser rescindido por sentença judicial. O cân. 1103, em consonância com os cânones anteriormente citados, afirma que é inválido o matrimônio contraído por violên- cia ou medo grave proveniente de causa externa, ainda que incuti- do não propositalmente, para se livrar do qual alguém seja forçado a escolher o matrimônio. A violência física é aquela ação efetivamente tomada por al- guém que materialmente constrange o outro a fazer algo que não deseja, não tendo a pessoa constrangida nenhuma possibilidade 277© Nome da unidade de se opor à ação violenta, o que representaria, sem dúvida, um defeito completo de consentimento, provocando um matrimônio nulo. Hoje em dia este tipo de violência no caso do matrimônio é um pouco mais raro, embora existente. Já o medo é uma realidade bem mais frequente. O medo é uma perturbação psíquica, ou, mais concreta- mente, é uma perturbação da mente causada pelo conhecimento de um mal presente ou pela previsão de um mal futuro. Assim, o medo é sempre algo subjetivo ou interno a quem o padece. Contu- do, a fonte do medo pode ser interna ou externa a quem o padece. E é exatamente em relação à sua procedência que o medo é classi- ficado como "ab intrinseco" e "ab extrinseco". Por medo ab intrinseco entende-se aquele proveniente de uma causa interna ao paciente (como um remorso de consciência, sentimento de culpa, uma obsessão, uma autossugestão etc.) ou mesmo de uma causa "externa" ao paciente que não provém de uma ação livre ou voluntária (como um terremoto, uma tempesta- de). Já por medo ab extrínseco, entende-se aquele proveniente de uma causa externa ao paciente, livre ou voluntária. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Em base à distinção entre medo ab intrínseco e medo ab extrinseco podemos afirmar que normalmente a fonte do medo ab intrinseco é interna, ou seja, se encontra no próprio paciente, mesmo que dela se sirva outra pessoa para forçá- -lo a um matrimônio que não deseja. Seria o caso, por exemplo, do diretor espi- ritual que, valendo-se da religiosidade e do escrúpulo de seu dirigido, insistisse nas consequências perniciosas de ordem espiritual que o mesmo teria caso se negasse a casar. Neste caso, o mal temido pelo paciente possui uma nature- za intrínseca a ele, em razão de ser religioso e escrupuloso e, portanto, não é causado pelo diretor espiritual que apenas se vale do que já existe para forçá-lo a escolher o que não gostaria. Já o medo ab extrínseco, normalmente possui uma fonte externa, ou seja, se encontra fora do paciente e, portanto, é causado por uma ou mais pessoas mediante um comportamento positivo, ainda que não direta e intencionalmente voltado para extorquir o consentimento matrimonial. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O legislador, ao considerar o medo ab extrínseco como cau- sa de nulidade do matrimônio, não faz qualquer distinção entre medo direto (inferido com a intenção de arrancar o consentimento © Direito Canônico II Centro UniversitárioClaretiano 278 matrimonial da pessoa) e medo indireto (inferido para conseguir da pessoa algo distinto da decisão de casar, mas que, de fato, a levou a tomar esta decisão). Outro ponto importante é que o medo deve ser grave. Aqui nos perguntamos: o que deve ser grave? O medo sofrido pela pes- soa? A coação que nela produziu o medo? A coação e o medo si- multaneamente? Na consideração desta gravidade se fazem presentes aspec- tos objetivos e subjetivos. A justificativa desta gravidade origina- riamente deve ser buscada na coação que, por sua vez, irá gerar o medo, embora tal coação produza efeitos diferentes dependen- do de quem padece o medo. Atualmente, a jurisprudência serve- -se, para efeito de avaliar a gravidade do medo, de uma medida subjetiva: é considerado grave o medo que, num caso concreto, tenha efetivamente constituído a razão pela qual determinada pessoa celebrou um matrimônio não desejado. Desse modo, são levadas em consideração as circunstâncias ambientais (a cultura, por exemplo) e pessoais dos protagonistas dos acontecimentos, como, por exemplo, o caráter de quem coage e o de quem sofre a coação, seu mútuo relacionamento, como, também, a natureza da ameaça feita. Portanto, será grave a coação quando esta constituir a efetiva causa do consentimento. Convém ter presente que entre o medo e a eleição do matri- mônio deve haver uma relação de causa e efeito no sentido de que o medo tem que ser a causa determinante da eleição do matrimô- nio que sem esta causa não teria sido se realizado. Para isso, não se requer que o sujeito que padece o medo julgue que a eleição do matrimônio seja, de fato, o único modo para evitar o mal que teme; basta que a pessoa julgue que, em suas concretas circunstâncias, a eleição do matrimônio é o único meio moralmente possível e efi- caz para evitar esse mal. Em outras palavras, não é necessário que a única saída seja o matrimônio, mas basta que a pessoa julgue que a eleição do matrimônio é para ela um meio moralmente pos- 279© Nome da unidade sível e eficaz para evitar o mal que teme, mesmo estimando que existam outros meios para evitar o mal temido, mas que, porém, ou não são humanos (como seria o caso de levar a seus pais ao tribunal) ou são moralmente ilícitos (como, por exemplo, fazer um aborto e se livrar da gravidez para não ter que se casar). 6. A FORMA DA CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO (CÂNN. 1108-1123) A eficácia jurídica de um consentimento nupcial intrinseca- mente íntegro depende não apenas da habilidade jurídica dos con- traentes (ausência de impedimentos e capacidade de consentir), mas, também, de uma correta aplicação das regras inerentes à sua manifestação externa e que é chamada de forma canônica. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A origem histórica da exigência de uma forma celebrativa para a validade do matrimônio se encontra no Concílio de Trento (Decreto Tametsi de 11 de novem- bro 1563) que com isso procurava garantir a publicidade jurídica do casamento, evitando, desta forma, os matrimônios clandestinos. Antes do Concílio de Trento não havia tal exigência para a validade do matrimônio, embora a Igreja sempre tenha proibido a celebração privada do matrimônio. Este decreto não foi promul- gado para a Igreja universal, mas, apenas, para alguns territórios ((Espanha, França) e trouxe algumas dificuldades práticas que não é o caso de mencionar. Posteriormente, em 1907, o Decreto Ne temere, reordenou toda a matéria rela- tiva à forma canônica e, finalmente, o CIC de 1917 deu a ela uma redação final que permaneceu em vigor até o CIC de 1983. Hoje tal publicidade poderia ser garantida mediante outras formas previstas pelo ordenamento civil. Contudo, a Igreja optou por manter em sua legislação a obrigação da forma canônica para a validade do casamento, seja para assegurar a evidência do significado religioso das núpcias, pois vivemos em um contexto social e cultural no qual se verificam tendências de legitimação de uniões informais e de uniões similares às matrimo- niais, reconhecendo-se a estas os mesmos efeitos que se reconhecem às uniões formais e matrimoniais, seja para oferecer aos nubentes um acompanhamento pastoral, exercitando um discernimento sobre a autenticidade e liberdade da de- cisão nupcial. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– É necessário operar, logo de início, uma distinção entre a di- mensão propriamente jurídica da forma que podemos chamar de forma canônica e a sua dimensão celebrativa que podemos cha- mar de forma litúrgica. Esta última se refere aos ritos e cerimônias © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 280 estabelecidos nos livros litúrgicos que regulam a celebração litúr- gica do sacramento. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Coerentemente com o princípio exposto no cân. 2, o CIC não se ocupa direta- mente da forma litúrgica, dando apenas algumas indicações muito sumárias e de caráter geral relativas ao lugar da celebração e ao rito a ser observado. Quanto ao lugar da celebração, por exemplo, a orientação é que se realize em um edifí- cio sacro, com uma gradual possibilidade de exceções, em alguns casos sujeitas a uma autorização (para os matrimônios sacramentais) e em outros casos permi- tidas pela própria lei (para os matrimônios não sacramentais). Quanto ao ritual a ser utilizado, o CIC nos remete para os livros litúrgicos aprovados. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Já a forma canônica compreende aqueles elementos jurí- dicos que estabelecem diretamente as circunstâncias ou exigên- cias externas em que se deve dar a expressão do consentimento. As duas dimensões não se contrapõem, muito pelo contrário, se compenetram, pois a forma litúrgica é o contexto interno no qual a forma canônica se coloca e explicita a sua peculiar função de garantir a publicidade da manifestação do consentimento. De fato, o objetivo, tanto da forma litúrgica, quanto da forma canônica, é rigorosamente o mesmo: a constituição do vínculo conjugal. Por esta razão, é importante ter presente a profunda unidade que liga a forma canônica e a forma litúrgica. A forma canônica ordinária (cân. 1108) No primeiro parágrafo é descrita a forma canônica ordinária em sua natureza jurídica, ao passo que no segundo parágrafo o legislador esclarece o significado técnico da figura do assistente. Na descrição da forma canônica (§1), encontramos os seus três elementos essenciais: 1) os contraentes; 2) o assistente; 3) as testemunhas. O primeiro elemento são os contraentes, ou seja, aqueles que devem consentir e, portanto, celebram realmente o próprio 281© Nome da unidade matrimônio, pois são os verdadeiros ministros do sacramento do matrimônio. Os contraentes devem ter a capacidade de consentir, estar livres de qualquer impedimento e estar presentes pessoal- mente ou através de um procurador. O segundo elemento é o assistente legítimo, figura central da forma canônica, que é quem possui a faculdade para assistir ao matrimônio em nome da Igreja. Segundo a doutrina mais comum se considera o "assistente" como uma testemunha qualificada ou pública, representante oficial da Igreja, que atua em seu nome, não exercendo aqui um ato de potestade sagrada, nem adminis- trando um sacramento, pois, na verdade, os ministros do matrimô- nio são os próprios contraentes. Os cânones seguintes especificam distintos aspectos deste segundo elemento. O terceiro elemento da forma canônica são as testemunhas. Esta exigência não é necessária nem pela natureza do ato e nem pela sua publicidade, mas o é pela vontade da Igreja que assume um modo usual de garantir esta última. Nada indica, contudo, que se trate de uma participação ministerial, mas sim de testemunhas comuns. O cânon não exige nas testemunhas qualidades especiais (idade, sexo, religião, situação moral etc.), nem que atuem ou as- sistam à celebração com esta intenção. Será necessário,apenas, que sejam capazes de testemunhar, ou seja, que tenham uso de razão e que possam se dar conta e constatar o que devem teste- munhar. Não é nem mesmo necessário que as testemunhas te- nham sido chamadas e encarregadas de assumir tal função, basta, apenas, que estejam presentes por qualquer motivo e que per- cebam o que está acontecendo para poder, então, testemunhar sobre o ocorrido. As exceções da forma, mencionadas neste parágrafo, não se referem à forma em si, mas sim a particularidades, a uma possível dispensa ou mudança de algum de seus elementos. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 282 Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Em relação a aquisição, por suplência, da faculdade para assistir ao matrimônio em caso de erro comum ou dúvida positiva e provável sobre sua existência, aplica-se ao caso o cân. 144; em relação à possibilidade de delegação também a leigos, aplica-se o cân. 1112; em relação à forma extraordinária com apenas duas testemunhas, aplica-se o cân. 1116; em relação aos matrimônios mistos, aplica-se o cân. 1127 §§ 1 e 2. Convém chamar a atenção para o fato de a lei prever a possibilidade que uma eventual falta de faculdade (ordinária ou delega- da) seja supressa pelo próprio ordenamento em situações particulares, como é o caso do erro comum e da dúvida positiva e provável a respeito da faculdade de assistir. A ratio de tais disposições é a de garantir a conservação e a eficácia de um ato jurídico tão importante como o é o matrimônio, nos casos em que o defei- to de caráter formal não fosse imputável às partes. Tal suplência da faculdade de assistência pode ser atuada tanto no caso de um matrimônio singular, quanto no caso de muitos matrimônios, celebrados por pessoas hábeis e com um íntegro consentimento, mas marcados por uma irregularidade de caráter formal. O erro comum concerne aos fiéis que são induzidos por elementos concretos a emitir um juízo falso a respeito da competência do ministro sacro assistente (a titulari- dade do ofício, a delegação recebida, a extensão territorial da competência). A dúvida positiva e provável afeta o assistente que está incerto em relação à sua competência. Tal dúvida para que possa se beneficiar da suplência deve se ba- sear em razões positivas (não entra a ignorância ou a negligência) e prováveis, ou seja, orienta a pessoa na direção de achar que possui a faculdade. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O parágrafo segundo do cânon esclarece que "assistir" sig- nifica uma presença não só legítima, mas ativa. Não basta escu- tar a manifestação do consentimento dos contraentes feita por iniciativa deles. Para a validade é preciso que o assistente solicite e receba o consentimento em nome da Igreja. Uma atuação do assistente compelida pela força ou por medo grave invalidaria o matrimônio. A presença do assistente é por esta razão de natureza distinta da presença das testemunhas, embora a presença de to- dos deva ser física e simultânea. Geralmente não se pode dispen- sar desta forma. Na verdade a dispensa somente é só dada em casos excepcionais: em perigo de morte, por todo sacerdote ou diácono (cân. 1079); nos matrimônios mistos, pelo Ordinário local (cân. 1127 §2); na sanatio in radice, o mesmo Ordinário local (cân. 1163 §1 e 1165). 283© Nome da unidade A faculdade de assistir "ex officio" (cân. 1109-1110) O cân. 1109 trata da faculdade ordinária para assistir vali- damente ao matrimônio que deriva daqueles ofícios eclesiásti- cos com base territorial. Por ofício possui tal faculdade, além do Papa, o Ordinário local (cf. cân. 134 §1) e o pároco do lugar, como, também, o quase pároco (cân. 516 §1), o administrador paroquial (cân. 540 §1), os presbíteros aos quais é confiada uma paróquia in solidum (cân. 517 §1 e 543 §1) e o vigário paroquial seja da paró- quia vacante (cân. 541 §1) seja na ausência do pároco (cân. 549). Como veremos, por delegação destes, a pode ter ordinariamente um sacerdote ou diácono (cân. 1111§1). Em determinadas condi- ções a pode ter um leigo. Convém ter presente, ainda, que todos os sujeitos que possuem por lei a faculdade de assistir ao matrimô- nio o fazem mediante a presença das seguintes condições: a) que sejam efetivamente titulares do ofício e tenham to- mado posse; b) que não tenham incorrido em uma censura canônica; c) que atuem dentro dos limites territoriais de sua jurisdi- ção; d) que, ao menos, um dos nubentes seja católico e de rito latino. O cân. 1110 trata do caso do Ordinário ou pároco pessoal, afirmando que, também, possuem competência para assistir "ex officio" ao matrimônio desde que, ao menos, um dos nubentes seja "súdito", pois se a razão da competência é pessoal e não ter- ritorial, não existiria qualquer competência se, ao menos, um dos contraentes não fosse súdito (basta um, pois o matrimônio é indi- visível!) do Ordinário ou pároco pessoal. A faculdade de delegar (cân. 1111) O presente cânon disciplina a delegação da faculdade para assistir ao matrimônio. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 284 O parágrafo primeiro quem pode delegar e quem pode rece- ber tal delegação. Pode delegar aquele que possui a faculdade ordinária para assistir ao matrimônio, enquanto exerce validamente o seu ofício e dentro dos limites de seu território. Pode receber a delegação o sacerdote e o diácono, como, também, o leigo, observadas, neste último caso, as condições fixadas pelo cân. 1112. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O sacerdote e o diácono não apenas são hábeis, mas não há qualquer prefe- rência para a concessão da delegação, pois ambos são figuras "normais" para receber tal faculdade. Assim, podem receber a delegação mesmo quando o Or- dinário local e o pároco estejam presentes e poderiam assistir normalmente o matrimônio. Já em relação ao leigo a situação é bem diferente, pois se trata de um caso excepcional do qual se ocupara o cân. 1112. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O parágrafo segundo estabelece os requisitos para a valida- de da delegação em suas distintas modalidades. A delegação pode ser geral (para a universalidade dos ca- sos: todos os matrimônios; para determinadas pessoas, para um determinado tempo, para determinadas circunstâncias) ou espe- cial (para casos singulares). Em qualquer um dos casos deve ser dada expressamente e a pessoas determinadas (nominalmente, de preferência, ou, então, mediante a referência ao cargo ou qua- lidade). Se a delegação for geral, deve ser dada por escrito e pode ser subdelegada para casos singulares (cânn. 132§1 e 137 §3). Já a delegação especial não exige uma forma escrita, mas deve ser dada para um matrimônio determinado e somente pode ser sub- delegada se o delegante o permitir (cân. 137 §3). A faculdade delegada cessa pelas mesmas causas e nas mesmas circunstâncias que a potestade delegada à norma do cân. 142. A delegação da faculdade é um fato jurídico objetivo e não requer o conhecimento do delegado ou a sua aceitação. 285© Nome da unidade A delegação a leigos (cân. 1112) O cânon introduziu no direito comum uma notável novida- de: se permite ao Bispo diocesano, embora em um âmbito condi- cionado e restrito, delegar a faculdade de assistir ao matrimônio a leigos (homens e mulheres). Tal faculdade não está prevista pelo direito oriental, pois na tradição oriental a presença do sacerdote é fundamental. Trata-se, normalmente, de delegação geral. Em primeiro lugar é importante ter presente que a delega- ção concedida ao leigo é um caso excepcional. As normas para a delegação dos leigos são as seguintes: a) Não é o Ordinário do lugar ou o pároco que concede tal faculdade ao leigo, mas, apenas, o Bispo diocesano. b) A delegação da faculdade ao leigo pode ser concedida somente na falta de sacerdotes ou diáconos que possam ser delegados. c) O Bispo diocesano, antes de conceder adelegação ao leigo, deve obter o voto favorável da Conferência Episco- pal e a licença da Santa Sé. Por fim, convém recordar que o leigo, mesmo se recebeu a delegação para assistir ao matrimônio, não pode dispensar dos im- pedimentos e nem da forma canônica à norma dos cânn. 1079 §2 e 1080 §1. Questões a respeito do estado livre dos contraentes (cânn. 1113- 1114) Os cânn. 1113 e 1114 contêm duas normas de prudência em relação ao estado livre dos contraentes. O primeiro considera a autoridade que concede a delegação e o segundo considera a pessoa do assistente. A delegação especial para assistir ao matrimônio nem sem- pre a concede o pároco que realizou a preparação para o matri- mônio. Será assim quando o matrimônio for celebrado na própria paróquia e o pároco o delegue. Não o será quando o matrimônio © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 286 for celebrado em uma paróquia distinta daquele em que a habilita- ção matrimonial foi realizada. Neste caso, caberá ao pároco desta última conceder a delegação. Contudo, este pároco não poderá delegar licitamente a faculdade de assistir ao matrimônio sem an- tes ter recebido a correspondente documentação da paróquia de origem em que conste que nada se opõe à celebração. Tal certifi- cação não é a delegação para assistir, mas, sim, o testemunho de que nada se opõe à celebração do matrimônio em sua paróquia. O cân. 1113 estabelece, portanto, que quem concede a dele- gação especial deve estar atento para que sejam cumpridos todos os requisitos impostos pelo direito para atestar o estado livre dos contraentes, embora não considere ilícita ou inválida a delegação sem tal comprovação. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Trata-se, aqui, de uma norma de prudência que não afeta a concessão da dele- gação. Note-se, que a norma se limita à delegação especial e a razão é obvia: a delegação especial, pela própria natureza, diz respeito a um delegante de- terminado e a um matrimônio determinado para a validade da delegação (cân. 1111§2). Como se trata, portanto, de um matrimônio determinado e se conhece com precisão quem são os contraentes, se exige que, antes da concessão da de- legação, se observe o que o direito estabelece para comprovar o estado livre dos contraentes. Isto, não seria possível no caso da delegação geral, porque no mo- mento de concedê-la os contraentes não são conhecidos. O modo concreto de comprovar o estado livre dos contraentes está fixado pelos cânn. 1066 e 1067. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Se para delegar a faculdade de assistir é necessário consta- tar o estado livre dos contraentes, tanto mais o deverá ser para assistir. Por isso, o cân. 1114 estabelece que o assistente atua ilici- tamente se não constar o estado livre dos contraentes. Informaçao –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Embora o cânon não o diga, trata-se, aqui, daquele que recebeu a delegação es- pecial, pois embora na última parte do texto se faça referência à delegação geral, se trata, ali, de outra questão: da licença do pároco que veremos em seguida. A delegação especial é a garantia para o delegado do estado livre dos contraentes, pois se presume que quem delegou observou o cân. 1113. Somente no caso de graves indícios contrários é que o delegado deverá iniciar junto ao pároco que o delegou uma ação de comprovação do estado livre dos nubentes. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 287© Nome da unidade A licença do Ordinário do lugar ou do pároco (cân. 1115) A paróquia onde se deve celebrar o matrimônio e onde o pároco é competente para a celebração e assistência é aquela em que os contraentes, ou, ao menos, um dos contraentes possua do- micílio ou quase domicílio, ou residência há um mês, ou, tratando- -se de vagantes, na paróquia onde na ocasião se encontram. Desta forma, o pároco competente poderá ser um ou vários. A respon- sabilidade concreta cairá sobre aquele que for escolhido pelos nu- bentes, pois o CIC atual não estabelece qualquer preferência e, portanto, o pároco escolhido não poderá se recusar a ser o es- colhido. Contudo, o matrimônio também pode ser celebrado em qualquer outro lugar, pois o CIC ao determinar a competência para a celebração e assistência do matrimônio não pretende impor aos nubentes que se esposem em uma destas paróquias e, muito me- nos, pretende proibir a escolha de outra. A indicação de uma paróquia tem por finalidade garantir a preparação ao sacramento, o direito de atenção aos contraentes, facilitar a vivência comunitária da fé, assegurar o correto registro do matrimônio e o conhecimento da situação por parte da paró- quia. Para a liceidade da mudança se exige uma licença do Ordi- nário ou do (s) pároco (s) competente, licença esta que não exige causa alguma. A forma para casos extraordinários (cân. 1116) Para certas situações em que não é possível aceder a quem possui a faculdade para assistir ao matrimônio este cânon estabe- lece, de um modo geral, a possibilidade de celebrar o matrimônio válida e licitamente diante, apenas, de duas testemunhas. Desse modo, o legislador canônico procura evitar a privação do direito natural ao matrimônio por causa de uma disposição de ordem for- mal do direito eclesiástico. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 288 As palavras do cân. 1116 são claras: Além da forma canônica ordinária prevista pelo cân. 1108, existe, também, a possibilidade de celebrar válida e licitamente o matri- mônio apenas diante de duas testemunhas e, portanto, sem a pre- sença do representante oficial da Igreja. Contudo, o texto estabelece que os contraentes devam ter a intenção de contrair um verdadeiro matrimônio. Com a expressão "verdadeiro matrimônio" o legislador quer precisar que para a va- lidade e liceidade da forma "extraordinária", independentemente da cerimônia seguida (religiosa, civil, consuetudinária), é funda- mental que haja um verdadeiro consentimento conjugal tal como exigido para a forma ordinária. O objetivo desta premissa é o de recordar que ao estabelecer ou presumir a validade ou invalidade do matrimônio, não basta considerar se exista ou não as circuns- tâncias externas objetivas para o uso da forma extraordinária, mas, também, se existe ou não uma circunstância interna subjetiva, ou seja, se as partes querem ou não contrair um verdadeiro matri- mônio. Faltando esta circunstância interna subjetiva o matrimônio seria nulo, não por defeito de forma, mas, sim, de consentimento. Uma vez afirmada a presença de um verdadeiro consenti- mento conjugal, a situação exigida pelo cânon para o uso da forma "extraordinária" é a seguinte: 1) Não é possível, sem grave incômodo, ter o assistente competente (ex officio ou delegado) ou não é possível ir até ele. 2) A falta do assistente competente de per si não é suficien- te para se celebrar válida e licitamente o matrimônio apenas perante as testemunhas. É preciso, ainda, que se verifiquem duas circunstâncias: a) perigo de morte; b) fora do perigo de morte, contanto que se preve- ja que esse estado de coisas, ou seja, a falta de se ter o assistente competente ou de não poder ir até ele sem grave incômodo, durará por um mês. Não se exige que tal situação permaneça de fato por um mês, basta que prudentemente se preveja isso. Não 289© Nome da unidade se exige, também, que tal situação seja comum, bas- ta que seja pessoal. Esta situação de impossibilidade poderia se dar, por exemplo, em caso de guerra, de revolução civil, de perseguição, de grande distância do lugar onde se encontra o assistente etc. 3) Se em algum dos dois casos considerados pelo cânon não é possível ter ou andar ao assistente competente, para a válida e lícita celebração do matrimônio é sufi- ciente a troca do consentimento entre as partes diante de testemunhas (ao menos duas). O parágrafo segundo estabelece
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