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Casamento Putativo

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Capítulo XI
Plano de Validade do Casamento: Casamento
Putativo
Sumário: 1. Introdução. 2. Casamento putativo e princípio da boa-fé. 3. Conceito e tratamento
legal. 4. Reconhecimento da putatividade. 5. Efeitos jurídicos do casamento putativo. 5.1.
Casamento inválido (putativo) contraído de boa-fé por ambos os cônjuges. 5.2. Casamento inválido
(putativo) contraído de boa-fé por um dos cônjuges.
1. INTRODUÇÃO
A palavra “putare”, em latim, significa imaginar317.
Tal esclarecimento terminológico auxilia o entendimento do estudioso,
em situações jurídicas muito conhecidas, a exemplo da legítima defesa
putativa, importante causa excludente de culpabilidade no Direito Penal.
Como se sabe, o agente atua em legítima defesa putativa, quando, por
erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato
que, se existisse, tornaria a ação legítima (CP, art. 20, § 1.º). É a clássica
situação em que Caio encontra Tício318, seu desafeto, e supondo que este
retirava uma arma do bolso, dispara o tiro fatal, descobrindo depois que
não havia arma alguma, e sim, tão somente, um lenço de papel...
Perceba, o nosso leitor, que, nessa descriminante putativa, o agente
“imagina”, incorrendo em erro justificável, estar diante de agressão injusta,
atual ou iminente, que, em verdade, sob o ponto de vista fático, não se
fundamenta.
Nessa linha, por conta do seu estado subjetivo de inocência, gozará de
proteção jurídica, na medida em que o próprio legislador afasta a aplicação
de eventual sanção penal.
Em essência, ainda que em outra ambiência, o mesmo se dá no
casamento putativo.
Imaginando não concorrer causa obstativa, o cônjuge, justificado pela
sua boa-fé, contraiu vínculo aparentemente válido, ignorando por completo
a existência de causa de nulidade ou anulabilidade incidente no seu
casamento. O mesmo ocorre, inclusive, quando ambos os cônjuges unem-se
matrimonialmente desconhecendo a invalidade latente.
Note, pois, amigo leitor, que o casamento putativo traduz uma perfeita
aplicação da teoria da aparência, lastreando-se, em última ratio, no
superior princípio da eticidade.
2. CASAMENTO PUTATIVO E PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Antes de apresentarmos a sua definição e iniciarmos o estudo do
tratamento jurídico que lhe é dispensado, é imperioso que estabeleçamos a
conexão entre o casamento putativo e o princípio da boa-fé.
Isso porque é a dimensão ética do comportamento social dos cônjuges
que, em nível principiológico, justifica, veremos logo mais, a proteção que
se confere àquele(s) que atuou(aram) com correção e honestidade.
A noção de boa-fé (bona fides), ao que consta, foi cunhada
primeiramente no Direito Romano, embora a conotação que lhe foi dada
pelos juristas alemães, receptores da cultura romanista, não fosse
exatamente a mesma319.
Em Roma, partindo-se de uma acentuada amplitude semântica, pode-se
afirmar que:
“A fides seria antes um conceito ético do que propriamente uma expressão jurídica da técnica. Sua
‘juridicização’ só iria ocorrer com o incremento do comércio e o desenvolvimento do jus gentium,
complexo jurídico aplicável a romanos e a estrangeiros”
320
.
Já no Direito Alemão, a noção de boa-fé traduzia-se na fórmula do Treu
und Glauben (lealdade e confiança), regra objetiva, que deveria ser
observada nas relações jurídicas em geral:
§ 242. Leistung nach Treu und Glauben. Der Schuldner ist verpflichtet, die Leistung so zu bewirken,
wie Treu und Gauben mit Rücksicht auf die Verkehrssitte es erfordern”
321
.
A respeito do regramento alemão, pontifica JUDITH MARTINS-COSTA:
“A fórmula Treu und Glauben demarca o universo da boa-fé obrigacional proveniente da cultura
germânica, traduzindo conotações totalmente diversas daquelas que a marcaram no direito
romano: ao invés de denotar a ideia de fidelidade ao pactuado, como numa das acepções da fides
romana, a cultura germânica inseriu, na fórmula, as ideias de lealdade (Treu ou Treue) e crença
(Glauben ou Glaube), as quais se reportam a qualidades ou estados humanos objetivados”
322
.
Não nos surpreende, aliás, o desenvolvimento teórico e dogmático de
esse instituto ter-se dado entre os germânicos.
Por se tratar de conceito demasiadamente aberto, que exige do jurista
acentuada carga de abstração, a língua alemã, sem dúvida, dado o seu alto
grau de precisão semântica, facilita a concretização linguística dos mais
profundos pensamentos jurídicos. Não por outra razão, aliás, os maiores
filósofos da modernidade323 e psicanalistas exprimiam as suas ideias
também nessa língua324.
Também o direito canônico enfrentaria o tema, em termos semelhantes
aos do Direito alemão, embora introduzisse um poderoso polo de
significados: a boa-fé é vista como ausência de pecado, ou seja, como
estado contraposto à má-fé325.
Feito esse breve apanhado histórico, já podemos observar que a boa-fé
é, antes de tudo, uma diretriz principiológica de fundo ético e espectro
eficacial jurídico. Vale dizer, a boa-fé se traduz em um princípio de substrato
moral, que ganhou contornos e matiz de natureza jurídica cogente.
Contextualizando esse importante princípio em nossa ordem
constitucional, PAULO ROBERTO NALIN, pondera, com inteligência:
“... tendo o homem como centro necessário das atenções, oportuno de indagar da possibilidade de
localização da boa-fé enquanto princípio geral do Direito, no sistema constitucional, assim como os
demais princípios então ditos fundamentais inclusos na Carta, como o da dignidade do ser humano,
a vida, a integridade física, a liberdade, a propriedade privada, a livre manifestação do pensamento,
a intimidade e vida privada etc.”
326
.
Nesse contexto, analisando esse princípio em sua interface com o
casamento putativo, faz-se necessário que estabeleçamos uma diagnose
diferencial entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva.
Esta última consiste em uma situação psicológica, um estado de ânimo
ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou vivencia dada
situação, sem ter ciência do vício que a inquina.
Em geral, esse estado subjetivo deriva do reconhecimento da ignorância
do agente a respeito de determinada circunstância, como ocorre na
hipótese do possuidor de boa-fé que desconhece o vício que macula a sua
posse. Nesse caso, o próprio legislador, em vários dispositivos, cuida de
ampará-lo, não fazendo o mesmo, outrossim, quanto ao possuidor de má-fé
(CC, arts. 1.214, 1.216, 1.217, 1.218, 1.219, 1.220, 1.242).
Distingue-se, portanto, da boa-fé objetiva, a qual, tendo natureza de
princípio jurídico — delineado em um conceito jurídico indeterminado —,
consiste em uma verdadeira regra de comportamento, de fundo ético, e
exigibilidade jurídica.
No casamento putativo, avulta, sem sombra de dúvidas, o aspecto
subjetivo da boa-fé.
O cônjuge que contrai o matrimônio inválido o faz em absoluto estado
psicológico de inocência, ausente, portanto, qualquer desiderato ardiloso ou
má-fé.
No entanto, o realce dessa face da boa-fé, como verso e reverso da
mesma moeda, não neutraliza o seu aspecto objetivo, enquanto regra de
conduta, uma vez que, enquanto cláusula geral normativa, a sua incidência
também é sentida nas relações de família.
Aliás, quando se diz que o casamento putativo é tradução da teoria da
aparência — porquanto uma situação de suposta juridicidade é preservada
— está-se, em verdade, tutelando a boa-fé e a confiança manifestadas pelo
comportamento social do cônjuge que, embora inocente, se vê prejudicado.
Finalmente, vale mencionar que visualizamos, também, uma significativa
conexão desse tipo de matrimônio com o tu quoque, conceito desdobrado
da cláusula geral de boa-fé objetiva que, como já dissemos, também irradia
a sua luz no Direito de Família.
Essa antiga expressão de origem latina (“Tu quoque, Brutus fili mi?” —
Até Tu, Brutus, meu filho?), atribuída a Julio Cesar, no momento em que era
apunhalado, traduz, segundo a doutrina, em um panorama de respeito à
dimensão ética exigida de toda e qualquer relação jurídica, a vedação ao
comportamentodesleal que surpreenda a outra parte em evidente quebra
do princípio da confiança327.
Nesse diapasão, temos que o casamento putativo, na hipótese em que
um dos cônjuges tem ciência do vício que o inquina, resulta em uma
situação desleal inesperada ao inocente, em franca violação ao conceito
ético do tu quoque.
Em reação, o ordenamento jurídico, pois, a par de fulminar de invalidade
o matrimônio, preserva os seus efeitos jurídicos em favor apenas daquele
que atuou com probidade e boa-fé, sancionando o culpado, conforme
veremos no decorrer deste capítulo.
3. CONCEITO E TRATAMENTO LEGAL
Na perspectiva histórica, lembra-nos DÉBORA BRANDÃO:
“o casamento putativo existe desde o remoto direito romano e exigia a conjugação de três
requisitos: boa-fé, escusabilidade do erro e celebração do casamento. Mas parece-nos que a
origem do casamento putativo é mesmo canônica. Assim preconiza a maioria dos monografistas,
que noticiam sua consagração entre o século XI e o XV. Como o casamento passou a sacramento,
a Igreja não podia deixar desprotegida a pessoa que o convolasse de boa-fé. Diante desta situação
surge a teoria do casamento putativo para solucionar o infortúnio dos casados debaixo de
impedimento, que naquela época eram mais numerosos”
328
.
Chegando aos nossos dias, e respeitada, sobretudo, a sua dimensão
ética, podemos conceituar o casamento putativo como sendo o matrimônio
que, contraído de boa-fé por um ou ambos os consortes, posto padeça de
nulidade absoluta ou relativa, tem os seus efeitos jurídicos resguardados
em favor do cônjuge inocente.
A tutela dos seus efeitos em face dos filhos, outrossim, dispensa maior
consideração, pois, pouco importando se o casamento é aparente ou não,
os direitos da prole sempre, e em qualquer circunstância, serão
resguardados, como garantidos pelo § 6.º do art. 227 da Constituição
Federal de 1988329.
A sua disciplina, no Código Civil, é feita pelo art. 1561, que merece
integral transcrição:
“Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença
anulatória.
§ 1.º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele
e aos filhos aproveitarão.
§ 2.º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só
aos filhos aproveitarão”.
Note-se, pois, que esse instituto, no direito positivo brasileiro, encontra-
se adstrito à teoria da invalidade, e não à da inexistência.
Em síntese, casamento putativo é aquele nulo ou anulável, contraído de
boa-fé, e que tem os seus efeitos preservados em face de quem atuou
segundo o princípio da confiança.
Tome-se, por exemplo, a situação em que um cidadão, casado em
Salvador, em uma das suas muitas viagens, conhece uma linda moça em
Belo Horizonte e, ocultando o seu estado civil, contrai novo matrimônio,
sem que a segunda mulher de nada saiba. Além da prática do crime de
bigamia, esse casamento é, inequivocamente, nulo por violação de
impedimento (art. 1.521, VI, CC/2002), embora, por haver sido contraído de
boa-fé pela inocente esposa, terá os seus efeitos resguardados em face
dela, como se válida fosse a união.
Pode também ocorrer, nessa mesma linha, que nenhum dos cônjuges
tenha ciência da causa invalidante, como na hipótese em que duas pessoas
maiores, capazes, apaixonam-se, convolam núpcias, sem sequer imaginar
que são irmãos330. Nesse caso, dada a boa-fé de ambos, os efeitos do
matrimônio são preservados em favor tanto do marido quanto da mulher.
Sem pretendermos esgotar a casuística, eis que diversas são as
situações de invalidade, salientamos a hipótese, especialmente tratada na
doutrina, de casamento putativo decorrente da coação.
Poder-se-ia argumentar que, em favor do coacto (o noivo que fora
seriamente ameaçado para casar), não militaria a preservação dos efeitos
matrimoniais, porquanto a sua boa-fé subjetiva não restaria plenamente
configurada: por ter sido moralmente coagido, tem ciência do vício que
inquina o ato, de maneira que não se poderia alegar inocência.
Todavia, essa conclusão é equivocada.
A violência psicológica sofrida pelo paciente, oprimindo a sua liberdade
de escolha e obstaculizando sua capacidade de reação e defesa, poderá
traduzir, sim, justificativa juridicamente razoável para preservação dos
efeitos decorrentes da putatividade.
E não se diga estar prejudicada a aferição do seu estado de inocência,
uma vez que, conforme dissemos acima, o aspecto subjetivo da boa-fé não
pode ser analisado isoladamente, mas, sim, em conexão com a sua face
objetiva, determinante de um padrão ético esperado e exigido em toda e
qualquer relação jurídica de Direito Privado.
É também o posicionamento de GUILLERMO BORDA:
“La buena fe existe no solo cuando si ignora la existencia del impedimento, sino también cuando,
conociéndolo, ha sido imposible evitar la celebración del acto: tal es lo que ocurre en el caso de
violencia. En realidad, lo que configura la buena fe, más que el error, es la honestidad y rectitud del
propósito y conducta”
331
.
Ao coacto, pois, vítima de circunstâncias de violência vedadas pelo
sistema jurídico, devem ser preservados os efeitos jurídicos do casamento,
como decorrência do princípio da eticidade, para favorecê-lo.
4. RECONHECIMENTO DA PUTATIVIDADE
Entendemos que, dada a dimensão ético-social do instituto sob análise,
o juiz, no bojo de um processo de nulidade ou anulação de casamento, não
depende de provocação da parte interessada para o reconhecimento da
putatividade.
Pode, pois, fazê-lo de ofício, preservando os efeitos do matrimônio
inválido.
Assim, no dispositivo da sentença, poderá, acolhendo o pedido, declarar
nulo ou anular o casamento impugnado, preservando os seus efeitos em
favor do cônjuge(s) inocente(s), independentemente de requerimento
específico nesse sentido.
O provimento jurisdicional no que tange ao reconhecimento da
putatividade é, quanto à sua natureza jurídica, eminentemente declaratório.
O Direito Civil, hoje, sob o influxo da principiologia constitucional,
abandona o seu estado de dormência — justificado por uma exacerbada
proteção da autonomia privada — e se reconstrói segundo uma perspectiva
social e ética que, sem menoscabar a livre iniciativa, garante valores
essenciais à preservação do equilíbrio entre o público e o privado.
Essa é a razão pela qual o juiz, ao aplicar o moderno Direito Privado,
não precisa mais aguardar, inerte, em toda e qualquer circunstância, a
provocação do interessado, uma vez que o próprio interesse social poderá
justificar a sua atuação332.
5. EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO PUTATIVO
Como dissemos ao longo deste capítulo, o reconhecimento da
putatividade resulta na preservação dos efeitos jurídicos do casamento,
segundo a boa-fé de cada cônjuge.
De logo, reputamos dispensável a previsão do § 2.º do art. 1.561,
CC/2002, no sentido de que se ambos os cônjuges estavam de má-fé
somente aos filhos os efeitos do casamento aproveitarão.
Ora, como temos constantemente afirmado, pouco importando se
atuaram de boa ou má-fé, os efeitos do casamento sempre, e em qualquer
circunstância, deverão beneficiar os filhos!
Trata-se, pois, de referência desnecessária.
No entanto, no que tange aos consortes, a situação é diversa, pois essa
preservação eficacial dependerá da demonstração, no bojo do processo de
invalidade, da sua correção e probidade.
Nessa linha, para facilitar o entendimento, estudaremos, em separado,
as duas situações possíveis333:
a) se ambos os cônjuges atuaram de boa-fé;
b) se apenas um dos cônjuges atuou de boa-fé.
Vamos lá, então.
5.1. Casamento inválido (putativo) contraído de boa-fé por ambos os cônjuges
Invalidado o matrimônio, os direitos e deveres conjugais, como
fidelidade recíproca e coabitação deverão cessar para os dois consortes.
No que tange aos alimentos334, outrossim, por princípio de solidariedade
aliado à eticidadeimanente ao casamento contraído, é justo que sejam
fixados, segundo a necessidade dos cônjuges, observado o critério da
proporcionalidade, mesmo após a sentença que invalida o matrimônio.
O direito à herança, por sua vez, quedar-se-á extinto, a partir da
prolação da sentença de nulidade (ou anulação), porquanto, a par da boa-fé
presente na situação concreta, direitos de outros herdeiros entram em linha
de colidência com o interesse da viúva ou viúvo, que teve desfeito o
casamento com o autor da herança. No entanto, se a morte ocorre quando
ainda em curso a ação de invalidade, o direito sucessório do cônjuge
sobrevivente é mantido.
No que se refere aos bens, afora a situação sucessória, a solução
afigura-se-nos bastante simples.
Considerando-se a boa-fé de ambos os cônjuges, a partilha deverá ser
feita, segundo o regime de bens escolhido, como se o juiz estivesse
conduzindo um simples divórcio. Com isso, adota-se uma solução justa,
segundo a projeção que os próprios cônjuges fizeram antes de convolarem
o matrimônio inválido, evitando-se, ainda, o enriquecimento sem causa de
qualquer dos dois.
Ainda no âmbito patrimonial, as doações feitas em contemplação de
casamento futuro335 merecem a nossa atenção.
Dispondo sobre essa espécie, o já analisado art. 546 do Código Civil é
extremamente claro e elucidativo:
“Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa,
quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro,
houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se
o casamento não se realizar”
336
.
Ora, no casamento putativo, em que os dois consortes figurem de boa-
fé, entendemos que a doação deve ser mantida, pois a sua eficácia deriva e
se justifica pela eticidade intrínseca ao comportamento de ambos, segundo
a projeção de vontade do próprio doador.
Quanto ao nome, pensamos que, em regra, por conta da invalidade
declarada, o cônjuge que adotara o sobrenome do outro deverá perdê-lo,
salvo excepcional e justificada situação de grave dano pessoal, aferida pelo
juiz no caso concreto.
Finalmente, no que tange à emancipação havida por conta do
casamento, deverá a mesma ser preservada em virtude da boa-fé dos
cônjuges, não havendo, pois, retorno à situação de incapacidade.
5.2. Casamento inválido (putativo) contraído de boa-fé por um dos cônjuges
Na mesma linha exposta anteriormente, anulado ou declarado nulo o
matrimônio, os deveres conjugais, em regra geral, deverão cessar.
Persiste, no entanto, o dever de alimentar em favor, tão somente, do
cônjuge de boa-fé.
Vale dizer, ainda que o outro necessite da pensão, essa não será devida,
uma vez que tinha ciência da impossibilidade jurídica na celebração do
matrimônio.
Raciocínio contrário, sem sombra de dúvidas, coroaria a malícia, o que
não se pode admitir.
O direito à herança, por sua vez, também restará extinto, a partir da
prolação da sentença de nulidade (ou anulação), e, se a morte ocorrer
quando ainda em curso a ação de invalidade, o direito sucessório do
cônjuge de boa-fé sobrevivente é mantido.
Questão delicadíssima, na seara sucessória, verifica-se quando há
conflito de direitos entre o cônjuge inocente, favorecido pelos efeitos da
putatividade, e o primeiro cônjuge do bígamo.
Imagine-se, por exemplo, que Bomfim, casado, ainda convivendo com a
sua esposa, em uma de suas muitas viagens — eis que é caixeiro-viajante
— enamora-se por Jurema, casando-se com ela.
A pobre Juju, doce alcunha criada por ele, incauta, de nada sabia,
configurando típica situação de matrimônio putativo.
Pois bem.
Três meses depois, Bomfim morre, deixando vultoso patrimônio, antes
mesmo de se invalidar o casamento contraído.
Como ficará, pois, a concorrência dos direitos sucessórios entre a
primeira e a segunda mulher?
Por imperativo de equidade, recomenda-se a divisão do patrimônio
deixado por ele (herança), resguardando-se, por óbvio, o direito próprio de
meação de cada uma delas em face dos bens amealhados em conjunto com
o falecido.
A herança, no entanto, deixada por ele, como dito, deverá ser
dividida!...337
Este é o pensamento do Professor YUSSEF SAID CAHALI, em sua clássica
obra O Casamento Putativo, marco no estudo da matéria no Direito
Brasileiro:
“Falecendo o bígamo, tendo estado de boa-fé o segundo cônjuge, em relação ao qual, portanto,
decorrem efeitos civis de casamento válido, e não havendo ascendentes ou descendentes
sucessíveis, instaura-se conflito entre o direito dos cônjuges supérstites na sucessão do cônjuge
comum falecido. Se o bígamo faleceu depois de anulado o segundo casamento, o conflito se exclui
desde logo, pois a condição de cônjuge do segundo não mais existe, falho assim requisito essencial
para este concorrer à sucessão. Porém, instaurada a sucessão antes da sentença anulatória,
existirá o direito sucessório do cônjuge legítimo, cuja condição jurídica não se prejudica pelo ato ilícito
de seu cônjuge; mas não se nega o direito sucessório do cônjuge putativo; daí a dúvida. Omisso o
código, a doutrina tenta solução. Para a maioria dos autores, a herança, no caso, se dividirá em
partes iguais entre o cônjuge legítimo e o cônjuge (ou cônjuges) putativo; fundam-se no fato de
que a primeira mulher não pode alegar direito exclusivo à totalidade da herança, porque só tinha ela
uma expectativa, a qual, quando aberta a sucessão, encontrou-a diminuída por efeito da boa-fé da
segunda mulher; apresentam, assim, os cônjuges sobrevivos, a mesma condição que lhes
assegura o direito sucessório”
338
.
Ainda quanto aos bens, afora a situação sucessória já vista, o consorte
inocente terá o direito de haver de volta tudo o que concorreu para a
formação do patrimônio comum, inclusive as doações feitas ao outro,
podendo, inclusive, segundo o escolhido regime de bens, fazer jus à meação
do patrimônio trazido pelo culpado.
No que tange, todavia, especificamente aos bens adquiridos pelo esforço
comum, deverão ser partilhados, segundo o princípio que veda o
enriquecimento sem causa339.
Já as doações feitas em contemplação a casamento futuro, estudadas
linhas atrás, observa SÍLVIO VENOSA:
“caducam com relação ao culpado, porque há que se entender não ter havido o implemento da
condição imposta, qual seja, a realização do casamento. O cônjuge inocente, porém, deverá
beneficiar-se da doação, como consequência da putatividade”
340
.
Quanto ao nome, o cônjuge culpado perderá o direito de usá-lo,
podendo o inocente, em nosso pensar, mantê-lo apenas se houver fundada
justificativa, a exemplo de grave risco de lesão a direito da personalidade.
Em conclusão, no que toca aos efeitos da emancipação decorrente do
casamento, deverão eles ser mantidos apenas em favor do cônjuge
inocente. O culpado, outrossim, em tendo alcançado a capacidade plena por
força do matrimônio, com a invalidação deste, retornará à situação de
incapacidade.
Finalmente, vale lembrar que o cônjuge de boa-fé ainda poderá,
segundo as regras gerais da responsabilidade civil, pleitear reparação por
danos morais em virtude de haver sido induzido (ou coagido) a contrair um
casamento que imaginava ser perfeitamente válido e eficaz, mas que
padecia de indesejável vício invalidante341, sem prejuízo da indenização
pelos danos materiais também verificados.

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