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16 INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA EM GESTALT TERAPIA DE GOIÂNIA ITGT A CONFIRMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA PESSOA (Capítulo 10) The Healing Dialogue In Psychotherapy (Chapter 10 – 1985 0 New York: Aronson) - Friedman, Maurice A confirmação mútua é essencial para tornar-se um self - uma pessoa que realiza sua singularidade precisamente no meio de sua relação com outros selves, cuja distância dela se completa por sua distância deles. Não existimos à maneira de mônadas auto suficientes que só de maneira secundária entram em relação entre si, assim como não somos meras células num organismo social. Existimos enquanto pessoas que necessitam ser confirmadas em sua singularidade por pessoas que são essencialmente outras singularidades. A base da vida do homem com o homem é dupla e é una - o desejo de cada homem de ser confirmado como o que é, e mesmo como o que pode tornar-se, por parte dos homens; e a capacidade inata do homem de confirmar seus semelhantes desse modo. Que essa capacidade seja em tão grande medida deixada de lado constitui a verdadeira fraqueza e questionabilidade da raça humana; a verdadeira humanidade existe somente onde essa capacidade desabrocha. Tendo emanado do domínio natural das espécies para a aventura da categoria solitária, cercado pela atmosfera de um caos que nasceu com ele, o homem espera secreta e timidamente, um Sim que só pode vir-lhe de uma pessoa humana para a outra (Buber 1966, p. 67 e ss., p. 71). Vivemos num intercâmbio que flui continuamente. Se podemos confirmar a nós mesmos, é só porque fomos confirmados por outros, e, se os outros podem confirmar-nos, é somente porque podemos aceitar ser confirmados por eles. Para sermos confirmados, o outro tem de nos tornar presentes como as pessoas que somos. Essa confirmação não se dá nem por egoísmo - porque seja do interesse do outro fazê-lo - nem por altruísmo - porque o outro se dedica desinteressadamente a atender nossas necessidades - mas pela realidade fundamental do caráter de parceria da existência. Não temos de escolher entre o indivíduo e a sociedade, entre ficar só ou ficar junto. Mais exatamente, temos de manter a tensão entre estar no mesmo e único instante separados e juntos, de estar sempre de maneira mais profunda em diálogo e, exatamente como conseqüência disso, de ser sempre mais inteiramente únicos. Carl Rogers ilustra esse intercâmbio em fluxo contínuo e a inter-relação entre diálogo e singularidade em suas próprias declarações mais recentes sobre a confirmação: Quando não sou estimado e apreciado, não somente me sinto muito diminuído, como meu comportamento é afetado de fato por meus sentimentos. Quando sou valorizado, floresço e me expando, sou um indivíduo interessante. Num grupo hostil ou depreciativo sou apenas medíocre. As pessoas se perguntam, com toda razão, como é que ele adquiriu reputação? Desejaria ter força para ser mais parecido em ambos os tipos de grupo, mas de fato a pessoa que sou num grupo caloroso e interessado é diferente da pessoa que sou num grupo hostil ou frio. Desse modo, valorizar ou amar e ser valorizado ou amado são coisas que se experienciam como algo que intensifica muito o crescimento. Uma pessoa que é amada apreciativamente, não possessivamente, floresce e desenvolve seu próprio Self único. A pessoa que ama sem possessividade é também enriquecida. Esta pelo menos tem sido minha experiência. (Rogers, 1980, p. 23). Aquele que é compreendido de maneira minuciosamente afinada por outro indivíduo, adquire um senso de ser pessoa, de identidade. Laing (1965) disse que o senso de identidade exige a existência de um outro que nos conheça. Buber também falou sobre a necessidade de ter nossa existência confirmada por um outro. A empatia fornece a confirmação necessária de que existimos realmente como uma pessoa separada e valorizada, com uma identidade própria. (Rogers, l980, p.155 e ss.). Essa confirmação mútua dos seres humanos realiza-se de maneira mais total no que Martin Buber denomina “tornar presente”, um evento que acontece parcialmente onde quer que as pessoas se juntem, mas que em sua estrutura essencial só acontece raramente. Tornar o outro presente significa “ imaginar o real”, imaginar de maneira bastante concreta o que uma pessoa está desejando, sentindo, percebendo e pensando. Até certo ponto, deseja-se o que o outro está desejando, pensa-se o que o outro está pensando, sente-se o que o outro está sentindo. A dor específica que inflijo a um outro avoluma-se dentro de mim, até que paradoxalmente estamos incluídos numa situação comum. Esse evento não se completa até que ele se conheça enquanto aquele que eu tornei presente, e até que esse conhecimento induza o processo de sua profunda transformação em si próprio. “Pois o crescimento mais profundo do self não se realiza, como as pessoas gostariam de supor hoje em dia, na relação do homem com si mesmo, mas... no ato de tornar presente um outro self e no conhecimento de que o outro nos torna presentes em nosso próprio self”. A verdadeira confirmação significa que confirmo meu parceiro como sendo este ser que existe, mesmo enquanto me contraponho a ele como a pessoa que sou. Para confirmá-lo desse modo necessito da ajuda do ato de “imaginar o real”. Isto não é a percepção intuitiva, no sentido comum do termo, mas mais exatamente um deslocamento audacioso para dentro do outro que exige a atividade mais intensa do meu ser . Aqui o âmbito da minha ação é a pessoa concreta específica que se aproxima para me encontrar, a pessoa que procuro tornar presente em toda sua totalidade, unidade e singularidade. Só posso fazer isso como parceiro, situando-me numa posição comum com o outro, e, mesmo assim, nosso ato de dirigirmo- nos ao outro poderá ficar sem resposta e o diálogo poderá morrer na semente. Temos em comum com todas as coisas a habilidade de tornarmo-nos um objeto de observação, escreve Buber em “The Knowledge of Man”. Contudo, é privilégio do homem, por meio da ação oculta de seu ser, ser capaz de impor um limite insuperável à sua objetificação. Somente como parceiro um ser humano pode ser percebido como uma totalidade que existe. Tornar-se consciente de um ser humano significa perceber sua totalidade enquanto pessoa definida pelo espírito: perceber o centro dinâmico que imprime em todas as suas declarações, ações e atitudes o sinal tangível da singularidade. Semelhante percepção é impossível se (e enquanto que) o outro for para mim o objeto separado de minha observação; porque dessa maneira não entregará sua totalidade e seu centro. Ela só é possível quando ele se torna presente para mim. A problemática essencial da esfera do entre, escreve Buber, é a dualidade entre ser e parecer. A pessoa dominada pelo estado de ser se dá a outra pessoa espontaneamente, sem pensar a respeito da imagem de si própria que despertou no observador. O “Homem que parece” (seeming man), em contraste, está primordialmente preocupado com o que o outro pensa a seu respeito e exibe uma aparência planejada ao fazê-lo parecer “espontâneo”, “sincero” ou que quer que pense que granjeará a aprovação do outro. Essa aparência destrói a autenticidade da vida entre pessoa e pessoa e com ela a autenticidade da existência humana em geral. A tendência a aparentar origina-se na necessidade de confirmação do homem e em seu desejo de ser falsamente confirmado, em lugar de não ser confirmado em absoluto. “Ceder a esta tendência é a verdadeira covardia do homem”, escreve Buber; “resistir a ela é sua verdadeira coragem”. A distinção entre “ser homem” e “parecer homem” permite a Buber substituir as noções mais antigas com relação ao homem ser bom ou mau por natureza, por uma concepção mais moderna: apesar de algumas pessoas parecerem estar inteiramente dominadas pelo aparentar, são somente as camadas sucessivas de impostura que dão a ilusão de que esse parecer seja a verdadeira natureza deles. “Nunca conheci uma pessoa jovem que me parecesse irrecuperavelmente má”, escreve Buber. “O homem é, enquantohomem, redimível”. Precisamos ser confirmados em nossa singularidade e, contudo, precisamos ser confirmados por outros que são diferentes de nós. Isto não será um paradoxo enquanto a inter-humanidade genuína se situar no centro da existência humana; porque nossa própria existência enquanto selves se origina e persiste por meio do inter-humano. Contudo, outras pessoas, inclusive nossos pais, nem sempre estão dispostos a nos confirmar em nossa singularidade. Não nos podemos tornar nós mesmos sem outras pessoas que nos exortem a realizar nossa singularidade criada em resposta às nossas tarefas de vida. Muitos de nós, infelizmente experienciaram uma “confirmação” de natureza muito diferente, uma confirmação condicional. A muitos de nós se oferece efetivamente um contrato que diz: “Nós lhe confirmaremos somente se você se conformar ao nosso modelo da criança boa, do bom freqüentador de igreja, do bom estudante, do bom cidadão, do bom soldado”. Assim que aceitamos esse pacto - e a maioria de nós mais ou menos o aceita - somos colocados num duplo vínculo (compromisso). Enquanto formos confirmados dessa maneira, sabemos em algum lugar no fundo do coração, mesmo que nos esqueçamos disso conscientemente, que não somos nós que estamos sendo confirmados, mas mais exatamente o papel que estamos desempenhando para agradar a outros que nos são significativos. Contudo, se tentarmos nos rebelar contra essa pseudo-confirmação e nos libertarmos dela, a outra metade do contrato passa a vigir. Sem o sabermos, internalizamos a proposição de que se não agirmos dessa maneira não podemos ser confirmados porque não somos dignos de amor. Como conseqüência, para fazer isto nos isolamos bem longe do poder dos outros que são significativos para nós. Este é o paradoxo que está no cerne de toda confirmação condicional. Agora somos capazes de ver porque a “inclusão” ou “imaginar o real” se situa no cerne da confirmação. Ninguém nos pode confirmar por meio da empatia - porque não se dão a nós mesmos deste modo - ou pela identificação - porque não nos encontram em nossa singularidade e filtram somente o que é parecido a eles. Eles nos podem confirmar somente se trouxerem a si próprios em sua singularidade para o diálogo conosco em nossa singularidade e nos confirmarem enquanto mantêm em tensão a “opositividade” e, se necessário, até a oposição que surge desse relacionamento singular entre duas pessoas singulares. Se, em lugar disso, oferecem-nos uma confirmação condicional, um “contrato” pelo qual somos confirmados só de acordo com o nosso bom comportamento, então, como vimos, a confirmação que recebermos se tornará, na melhor das hipóteses, problemática. DESCONFIRMAÇÃO E DOENÇA MENTAL Capítulo 11 A evolução sequencial da validação mútua se dá sob sua forma mais intensa na vida familiar. Quando o processo de validação descarrilha, temos perturbações emocionais e psicológicas. Então, temos um problema para a vida toda. Não podemos ser validados a não ser por alguém que validamos. Trata-se de um processo de escalada mútua. Saul L. Brown, doutor em medicina, Diretor de Psiquiatria, Cedars Sinai Medical Center, Los Angeles. Se a confirmação é fundamental à existência humana e inter-humana, então deduz-se que a desconfirmação, especialmente nas primeiras etapas da vida, deve ser um fator importante em psicopatologia, ou o que popularmente se denomina erroneamente “doença mental”. Em lugar de encontrar a gênese da neurose e da psicose na gratificação frustada dos drives, à la Freud, em situações de desconfirmação na família, que prejudicam a confiança básica da criança. “Podemos pressupor hipoteticamente que, se a criança perde prematuramente um dos pais como componente do solo delineador de identidade da criança”. Escreve Ivan Boszormenyi-Nagy, “Um desejo de confiança insaciável, fixado e sem fundo, torna-se seu traço permanente de caráter” (Boszormenyi-Nagy, l965, p. l20). A hipótese de Nagy é minuciosamente confirmada pelas teorias e prática clínica de Heinz Kohut, Harold Searles, Ronald Laing, Helm Stierlin e Carls Rogers. Harold Searles Harold Searles focaliza o mundo do esquizofrênico e tenta, por meio da compreensão deste, discernir um caminho que leva à cura. Searles, como Kohut, deriva a gênese da psicopatologia na desconfirmação . Contudo, Searles vê essa desconfirmação em termos do lugar da criança na família do que em termos da introprojeção de outros significativos, refletidos e/ou idealizados. Searles vê a identidade da criança como surgindo em resposta às pressões de outros membros da família e ao papel que designam para ela. Quando a criança não tem nenhuma identidade bem estabelecida e em desenvolvemento dentro da família, nenhum papel familiar único predominante e consistente a partir do qual possa ver a si própria e o mundo externo, então não sente mais que sua própria realidade íntima seja aquela de uma entidade humana viva , única e seu mundo familiar torna-se caótico e ambíguo. Essa ambiguidade estende-se às suas próprias percepções; “A criança não pode estabelecer percepções realistas a não ser na medida em que haja um clima emocional fidedigno e de confiança mútua, no qual sabe onde se situa com relação a cada um dos pais - sabe quem é para eles, sabe que é amada e aceita por eles”. Embora isto pudesse ser refinado mais ainda, transformando-se nos pais idealizados e que servem de espelho, de Kohut, é significativo que a linguagem de Searles seja interpessoal, enquanto que a de Kohut permanece intrapsíquica. Em Searles, é enfatizado o próprio relacionamento; em Kohut, o que é mais importante antes de tudo é o que cada pessoa é, com o relacionamento mais como um derivado secundário. Nas famílias de esquizofrênicos, há tão pouco compartilhamento confiante e relaxado do pensamento um do outro que a criança tem pouco tempo e pouca segurança emocional para examinar as percepções, antes que significados tenham de lhe ser impostos. A criança deve reagir rapidamente às percepções, confirmando os preconceitos emocionais e padrões de superego derivados de doutrinação dos pais. A criança não é livre para agir de outra maneira, pois é levada a sentir que a única alternativa à unidade com o pai ou a mãe é o isolamento total, a loucura. Ela freqüentemente tem de escolher entre a visão de mundo de um dos pais e seus próprios sentidos, que lhe apresentam dados contraditórios. Uma criança assim é colocada num dilema não só entre um dos pais, e ela mesma mas também na maneira pela qual outros membros da família a consideram: Seu papel familiar no que diz respeito à percepção é profundamente conflituoso, porque, por um lado, os outros membros da família, que estão eles próprios se esforçando para se tornarem indivíduos inteiros, integrados, reagem implicitamente com relação a ela como sendo o porta-voz dos seus próprios aspectos de personalidade dissociados e, por conseguinte, encorajam-na inconscientemente a ter consciência de traços de personalidade e processos interpessoais na família que eles estão dissociando; mas, por outro lado, eles reagem com relação a ela como se fosse louca, na medida em que funciona como um indivíduo que tem consciência desses aspectos da realidade do mundo familiar ao seu redor (Searles, l967, p.122 e ss.) Esses dilemas levam a distorções graves nos quais o esquizofrênico ou se sente desconectado de forma sem sentido dos componentes do mundo a seu redor ou tão almagamado e mesclado a eles que, de novo, não conquista a percepção nem o significado. Em casos extremos, o que são essencialmente mudanças internas, emocionais, são experienciadas como mudanças de percepção no mundo circundante. Searles dá um exemplo de uma mulher com quem lidou durante muitos anos que sentia sua própria existência como altamente descontínua; dissociava (expulsava da percepção consciente) muito do que fazia e tinha a ilusão de ter muitos “duplos” que faziam o que as pessoas lhe atribuíam. Ela também via os outros como duplos : “ela não conseguia perceber que eu era a mesmapessoa, só que com uma disposição de ânimo diferente, com uma combinação de sentimentos diferente do que as que me tinham visto ter até então, ou a mesma pessoa, mas uma pessoa com relação a qual ela estava tendo uma nova combinação de sentimentos”. Confrontado com uma semelhante experiência perceptiva caótica, o paranóico tenta organizá-la de acordo com alguma ordem artificialmente imposta e enganadora, tal como um complô comunista ou da Máfia. O fato de experienciar o complô como estando centrado nele é uma reação ao fato de estar ameaçado de maneira muito profunda ; do contrário, ele será tão insignificante quanto os outros são para ele, estará tão fora da percepção de todos os outros como estes estão para ele. A desconfirmação que o indivíduo esquizofrênico experiencia deixa-o com sentimentos muito mais intensos, intensamente conflituosos, fora de sua percepção, do que a pessoa saudável, enquanto que, ao mesmo tempo, tem muito menos capacidade de enfrentar e integrar semelhantes sentimentos. (Searles, l967, p. 123-125 ). Em seu ensaio, “O Cliente como Terapeuta do seu Analista”, Searles estende a desconfirmação como gênese da doença mental para a desconfirmação ou perversão específica da necessidade que a criança pequena sente de ser um terapeuta para a mãe. Em determinadas circunstâncias trágicas, a criança não consegue tornar-se um “indivíduo verdadeiramente humano”. Em lugar disso, torna-se um “terapeuta simbiótico”, cuja integridade do próprio ego é sacrificada durante a vida toda em uma devoção verdadeiramente altruísta, para complementar a deficiência de ego da pessoa que serve de mãe e das pessoas subsequentes em sua vida, que em seu subconsciente, tem o significado emocional de mães “similarmente incompletas”. Ironicamente, é a capacidade nascente do cliente para o amor e o desenvolvimento de responsabilidade humana madura que o impele para esse papel parecido ao de um mártir. Não importa se esse esforço seja considerado “egoísta” ou “altruísta”, já que estamos lidando aqui com a tentativa vã de transformar um círculo vicioso de relacionamento num círculo bom: O esforço terapêutico do cliente é no sentido de funcionar como mãe para sua mãe biológica (O desenvolvimento de ego desta com relação ao seu próprio empenho em ser mãe, tendo-se fixado num nível infantil, ou regredido a este nível) de modo a capacitá-la a se tornar suficientemente madura e integrada, de modo que se torne capaz de funcionar verdadeiramente como mãe para o cliente (Searles, l975, p. 137) Searles vê a distorção dos esforços terapêuticos da criança causada pelo ambiente familiar como uma fonte principal de toda psicopatologia. O fracasso do psicótico de tornar-se um self humano individual, em particular, é explicável primordialmente pelo fato de que sua própria individuação é postergada a serviço de seu funcionamento simbiótico como um terapeuta para um ou outro dos membros da sua família, ou para todos coletivamente numa simbiose de família. Ou ele pode carregar uma culpa inconsciente pela vida toda, por ter fracassado em seu esforço terapêutico para capacitar sua mãe de ego fragmentado a se tornar uma mãe integral e satisfeita para ele. Poderíamos dizer que um ou outro membro da família teve necessidade dele e usou-o, mas de maneira tal a desconfirmá-lo como pessoa que tem seus próprios méritos. A desconfirmação pode surgir igualmente do fato de não se ter permissão de ajudar os outros. “A falta de oportunidade para atividades reparadoras e a falta de reconhecimento destas podem encorajar muitos estados mentais psicóticos”. Searles cita M. Milner, e de modo geral, nesse mesmo sentido, E. Singer: “Aqueles que se preocupam com as origens da psicopatologia e com os esforços para reacender o crescimento emocional devem prestar seriamente atenção à possibilidade de que a mais devastadora das experiências humanas seja a sensação de inutilidade” (Searles, 1975, pp.149, 98 e ss. 145, l48). Ronald D. Laing Ronald Laing também vê a psicopatologia como originando-se da desconfirmação dentro da família, mas Laing, como Farber e Jourard, lida com a confirmação explicitamente nos termos de Buber. Laing vê o fracasso da mãe em responder como ameaçando o indivíduo com a perda de seu self, pois “um componente necessário no desenvolvimento do self é a experiência de si próprio como uma pessoa sob o olhar amoroso da mãe”. Laing, que está bastante consciente do “contrato” com condições que mencionamos no último capítulo, cita uma cliente esquizofrênica, Joan, que diz : Todos deveriam ser capazes de olhar para trás na memória e ter certeza de que tiveram uma mãe que os amava, amava-os em sua totalidade; mesmo o seu xixi e o seu cocô. Eles deveriam ter certeza de que suas mães os amavam só por eles serem eles mesmos; não pelo que eles poderiam fazer. De outro modo eles sentem que não tem direito a existir. Sentem que nunca deveriam ter nascido (Laing, 1965, p.172). Embora a mãe sirva de mediadora com o mundo para a criança em primeiro lugar, Laing não pensa exclusivamente em mães esquizofrênicas, mas mais exatamente em famílias esquizofrênicas. Famílias assim podem desconfirmar a pessoa precisamente confirmando um sistema de self falso. Julie queixou-se de ser sufocada e de não lhe permitirem viver como uma pessoa, quando ela era de fato a favorita da família, davam-lhe tudo e lhe encorajavam a crescer. Só que era seu falso self e não o seu verdadeiro self que era confirmado. Embora o marido e a mulher não pudessem concordar a respeito de mais nada, mantiveram-se em concluio no que diz respeito a aceitar o falso self de Julie como bom e a rejeitar todo outro aspecto dela como sendo mau. O que Laing nos descreve em linhas gerais eqüivale a uma negação genuína da pedra de toque de realidade do outro, e com isso de qualquer possibilidade de um “diálogo entre pedras de toque”: O fator mais esquizofrênico dessa época foi... a ausência total de qualquer um em seu mundo que pudesse ou quisesse ver algum sentido no ponto de vista dela, quer este fosse certo ou errado... Julie não estava tentando preservar sua existência, estava tentando alcançar a existência... Os sensos comuns da família não lhe outorgavam nenhuma existência. Sua mãe tinha de estar certa, totalmente certa. Quando sua mãe lhe disse que ela era má, Julie sentiu isto como um assassinato. Era a negação de qualquer ponto de vista autônomo da parte dela... A verdade existencial nas ilusões de Julie era que suas próprias possibilidades genuínas estavam sendo asfixiadas, estranguladas, assassinadas (Laing, 1965, p. 192 e ss). Em Self and Others, Laing assinala que mesmo quando uma pessoa se dedica a seus atos e estes parecem ter algum sentido, a pessoa poderá experienciar uma sensação de vazio e futilidade se o outro não lhe outorgar algum reconhecimento e se sentir que não é capaz de ser nem um pouco importante para ninguém. Laing, como Buber, reconhece que a rejeição pode ser confirmatória se for direta, e não tangencial, e confere importância e validade à ação que a evoca. Como Lyman Wynne, Laing encontra muitas famílias nas quais há pouca confirmação genuína e a pseudo-confirmação prevalece. Não se trata de um descaso cabal, mas mais exatamente da desconfirmação inconsciente, sutil e persistente ou da ativa confirmação de um falso self que leva à esquizofrenia. “Alguém em uma posição falsa sente culpa, vergonha ou ansiedade quando não está sendo falso”. A mãe de Julie considera a “coisa”- Julie - passiva e indiferente como normal, enquanto que reagia à espontaneidade com ansiedade e atribuições de maldade ou loucura (Laing, l971 p. 83, 99-l02). Laing analisa o “conluio” em termos da interpretação de Buber da pessoa centrada no “parecer”(seeming) que faz uma proposta falsa para obter confirmação e desse modo torna inautêntico o interhumano: Duas pessoas em relação podem confirmar-se mutuamente ou complementar-se genuinamente. Contudo, descobrir-se para o outro é difícil sem confiança em si próprio e confiança no outro. O desejo de confirmaçãopor parte do outro está presente em ambos, mas cada um se encontra preso entre a confiança e a desconfiança, a segurança e o desespero, e ambos se contentam com atos simulados de confirmação baseados no fingimento. Para fazer isso ambos tem de jogar o jogo do conluio (Laing, 1971, p.108 e ss.) As pessoas que “parecem”(seeming) e que estão em conluio, não estão ocultando o seu self “verdadeiro”, pois nenhuma delas alcançou realização genuína de si própria ou do outro. Semelhante pseudo-confirmação mútua também pode naturalmente levar ao conflito, quando os desejos das pessoas não combinam. Cada um deseja que o outro lhe sirva de “mãe” e desconsidera o outro por não fazê-lo. Um não projeta, usando o outro como um gancho para pendurar as projeções; mais exatamente, esforça- se em induzir o outro a tornar-se a própria encarnação da projeção. O outro sente-se culpado de não concordar com este conluio. Contudo, se ele realmente concordar se alienará de seu próprio self. Quando duas pessoas estão em conluio, cada uma encarna uma ficção daquilo que a outra deseja, confirmando assim o outro no falso self que está tentando tornar real. “Estão sendo lançadas as bases para uma evasão mútua prolongada da verdade e da satisfação genuína”. (Laing, 197l, p. l09-lll). O paranóico ocupa em comparação uma posição muito mais solitária. Embora ele seja o centro do mundo de todas as outras pessoas em seus delírios de perseguição, o pensamento de que ele nunca ocupa o primeiro lugar na afeição de ninguém o atormenta e preocupa. O outro está lá, mas ele não está lá para o outro. Ele não vive tanto em seu próprio mundo como mais exatamente no espaço vazio que supõe que ele não ocupa no mundo do outro. “Incapaz de experienciar a si mesmo como importante para uma pessoa, ele desenvolve um lugar ilusoriamente importante para si próprio no mundo dos outros”. (Laing, l97l, pp. 136-138). Muito do que Laing descreve sobre a “mistificação” em “The Politics of Experience” é uma ampliação dessa compreensão da desconfirmação sob suas várias formas . Laing vê a família como “um negócio escuso que visa à proteção”: onde por trás de todo apoio mútuo de todos os atos de dar e receber estima, status, apoio, proteção e segurança, oculta-se o pavor de não ser confirmado. O resultado final é um “homem unidimensional” de Marcuse; porque a função da família de reprimir o Eros induz uma falsa consciência de segurança, nega a morte pela evitação da vida, promove o respeito, a conformidade e a obediência, e induz um medo do fracasso e um respeito pelo trabalho e pela “respeitabilidade”. Laing ilustra minuciosamente de que maneira funciona esse induzimento por meio de suas discussões das atribuições em “The Politics of the Family”. Quer a atribuição seja maldade ou lindeza, a estrutura é a mesma: os pais impõem seus pontos de vista à criança, e fazem com que esta se sinta culpada por ter pensado de outra maneira (Laing 1967, p.64; Laing, l972, p.22). Helm Stierlin O psiquiatra familiar alemão Helm Stierlin enriqueceu nossa compreensão do que denominamos de “contrato” e do que Laing denomina de sistema de falso self, por meio de sua distinção entre três tipos de desconfirmação que levam à patologia e à delinqüência : A “criança presa”, a “criança delegada” e a “criança expulsa”. A “criança” presa recebe a mensagem implícita de não se atrever a sair do sistema de família. Os pais, confrontados com sua própria crise de desenvolvimento, tentam amarrar seus filhos a si próprios e ao “gueto familiar” sempre de maneira mais restrita, e tentam atrasar ou impedir a separação dos filhos a todo custo. Em sua discussão sobre a vinculação do “ego” ou a vinculação “cognitiva” Stierlin resume alguns dos temas de duplo vínculo das atribuições e mistificações que vemos na obra de Wynne e Laing e , implicitamente, na de Searles: O vínculo cognitivo, ou do “ego”, envolve comunicações tortuosas que mistificam, interferem com o compartilhamento de um foco comum de atenção, e desafirmam nossas próprias mensagens e as do outro. Semelhantes comunicações tortuosas fatigam e perturbam o parceiro no diálogo, e descarrilam esse diálogo... Violam a “integridade cognitiva” dele ou dela; ferem-no, fazem com que perca confiança em seus postes sinalizadores interiores, em suas percepções de si próprio e dos outros, e em seus sentimentos mais básicos. Tais sentimentos, por exemplo, sentimentos relacionados a amarmos ou sermos dignos de amor - estão sempre vulneráveis a atribuições contrárias - isto é, as afirmações de que a pessoa “realmente” não se sente desta maneira, ou que ela está só encobrindo, enganando a si própria, etc... Pois essas experiências não podem ser confirmadas pela lógica comum, por simples provas a favor ou contra, ou pelo recurso a um árbitro imparcial. Para serem validadas, tem que ser afirmadas subjetivamente, e ainda tem que ser também compartilhadas e expostas. Não obstante, semelhante compartilhamento e exposição implicam em vulnerabilidade, à violência de um vínculo cognitivo (Stierlin 1974, p.42 e ss.). Se substituirmos as palavras “confirmar” e “desconfirmar” por “validar” e “invalidar” no parágrafo acima (o que o próprio Stierlin faz em determinado momento), reconheceremos como semelhante vínculo cognitivo uma ilustração vívida da desconfirmação como raiz da psicopatologia. Stierlin relaciona o modo delegativo de interação entre pais e filhos à ambivalência e ao conflito não resolvido dos pais em sua própria crise de desenvolvimento. Eles mesmos alternam entre consolidar relações e empregos existentes e criar novos pontos de partida que os tirem da órbita familiar. Voltam-se para seus filhos com expectativas conflitantes, amarrando-os e mandando-os embora. A criança delegada tem de assumir a tarefa de lidar com a ambivalência dos pais, e torna-se o agente reconciliador destes, sempre às custas do seu próprio crescimento e separação genuínos. Os próprios adolescentes que parecem alardear sua rebelião tomando drogas, desafiando autoridades e convenções, sendo sexualmente promíscuos e fugindo de casa são na realidade as crianças mais leais e obedientes. Estão respondendo às expectativas veladas dos pais, e seus conflitos são conflitos de lealdade e de missões com as quais seus pais os sobrecarregaram, quer essas missões sejam atuar (act out) os desejos libidinosos dos pais ou compensar a má consciência destes. Entre as “missões impossíveis” que Stierlin cita, estão a encarnação e atualização do ideal de ego grandioso de um dos pais, de realização, fama, beleza ou vitalidade, e encarnação e externalização da maldade e da demência que um dos pais, em seu self mais intimo, sente e teme que seja seu destino. Esta última missão origina-se freqüentemente de pais que, acossados pela sombra de parentes loucos, comissionam um filho para tornar-se o membro louco da família, em uma tentativa de controlar, conter e neutralizar essa loucura temida e sempre presente neles próprios (Stierlin, 1974, p. 51 e ss. 132 e ss. 182). Helm Stierlin escreveu uma psicobiografia de Hitler como uma criança delegada que estava satisfazendo os desejos de sua mãe de escapar da posição dela de criada que se tornou a segunda mulher do pai, mas que é ainda essencialmente tratada como criada. Um outro exemplo bem conhecido da criança delegada encontra-se no livro de Bud Schulberg, What Makes Sammy Run (1941), que retrata o magnata do cinema, Samuel Goldwyn. Os pais de Goldwyn eram ambos imigrantes, e o pai foi incapaz de obter uma posição bem sucedida na economia e na cultura de seu novo país. A mãe em conseqüência transferiu seu interesse para o filho, que foi capaz de compensá-la pela deficiência do pai. Se perguntássemos a Samuel Goldwyn porque trabalhou com afinco toda sua vida, ele diria que o fez estritamente para si próprio, ou talvez para sua esposa e filhos. Na realidade, ele estava trabalhando para a mãe. O elemento crucial no terceiro modo de interação , a expulsão, é que os pais, ao tentar resolver suas crises, e ao buscar novos pontos departida na vida via parceiros, empregos ou investimentos emocionais, passam a encarar seus filhos adolescentes como empecilhos. Rejeitam e negligenciam seus filhos, permitindo que escapem ao seu controle e deixando-os por conta própria, de maneira a que recebam constantemente a mensagem: “Você é sacrificável, quanto mais cedo você sair de casa melhor”. Está é a criança que se torna fugitivo ocasional e, em muitos casos um suicida. Há também casos mistos, tais como os assim chamados esquizofrênicos crônicos que são enviados para hospitais para doentes mentais e estão alienados em maior grau de seus pais, mas ainda assim permanecem ao mesmo tempo em maior grau ligados a eles. Stierlin também agrupa as observações de Kohut sobre o narcisismo em The Analysis of the Self (1941) dentro do modo expulsivo. Os pais de crianças assim são frios e excludentes, e como conseqüência disso as crianças crescem num vácuo interpessoal desprovido de pais, de simpatia, cuidado e interesse. Embora se dê às crianças um lar estável e conforto material, elas não tem nenhum senso de auto- importância. Seu pavor exagerado de que as achem insignificantes transforma todos os seus esforços numa única busca implacável pela confirmação de sua importância (da qual duvidam interiormente). Freqüentemente exibem uma autonomia e criatividade que lhes permitem recrutar sempre novos admiradores para confirmar sua importância. E contudo ninguém ilustra tanto quanto eles a problemática da confirmação, já que cada novo êxito e cada novo admirador lhes oferecem somente um alívio temporário de sua próprias dúvidas interiores com respeito a sua importância. Sua grandiosidade aparente apenas encobre um vácuo íntimo (Stierlin, 1974, p. 66 e ss. 136 e ss. 154 e ss.). Carl Rogers A discussão de Carl Rogers, “Ellen West - e a Solidão”, nos proporciona um resumo excelente da correlação entre a desconfirmação e a “doença mental”: Em alguns dos momentos mais significativos de vida, faziam com que ela (Ellen West) sentisse que sua própria experiência era falsa, errada e infundada e o que deveria estar sentindo era algo completamente diferente. Infelizmente para ela, seu amor por seus pais, especialmente por seu pai, era tão forte que ela renunciou a sua própria capacidade de confiar em sua experiência, e a substituiu pela capacidade deles, ou dele. Desistiu de ser ela mesma... “Grito mas eles não me ouvem”. As palavras de Ellen ressoam no meu ouvido. Ninguém realmente a ouviu enquanto pessoa. A não ser em seus anos de infância, e talvez nem mesmo então, nem seus pais, nem seus dois analistas, nem seus médicos parecem tê-la respeitado alguma vez o suficiente para escutá-la plenamente. Não lidaram com ela como uma pessoa que era capaz de enfrentar a vida, uma pessoa cujo processo de experienciação é digno de confiança, cujos sentimentos íntimos são dignos de aceitação. Como ela poderia então escutar a si própria ou respeitar o processo de experienciação que acontecia dentro dela? “Estou isolada. Sinto-me dentro de uma bola de vidro, contemplo as pessoas através de uma parede de vidro. Grito, mas não me ouvem”. Que apelo desesperado por um relacionamento entre duas pessoas. Ela nunca experienciou o que Buber denominou de “cura pelo encontro”. Não havia ninguém que pudesse encontrá-la, aceitá-la como ela era. (Rogers,1980, p. l73- 175 ). A CONFIRMAÇÃO DA TERAPIA Capítulo 12 Se a desconfirmação ou a ausência de confirmação está na raiz de muita psicopatologia, então a confirmação está no cerne da cura pelo encontro. A cura pelo encontro nos termos de Buber, é aquela terapia que vai além do trabalho de restauração que ajuda “uma alma que está difusa e deficiente de estrutura a recompor-se e ordenar-se” e faz a tarefa essencial - “a regeneração de um centro pessoal atrofiado”. Isto é particularmente evidente na “luta amorosa”, pela qual Stierlin sustenta, a liberação mútua pode ocorrer no conflito entre as gerações. Semelhante “luta amorosa” caracteriza-se, em primeiro lugar, pelo fato dos dois lados esforçarem-se por diferenciar e articular suas necessidades e interesse distintos e incorporá-los numa comunicação e relação contínuas. Em segundo lugar, caracteriza-se por uma consciência que se intensifica da interdependência dos dois lados e das obrigações mútuas e, em terceiro lugar pelo fato de que cada lado promove o mútuo trabalho de reparação. Isto possibilita uma liberação tridimensional que, idealmente, pode incluir os pais dos pais e os filhos ainda não nascidos dos filhos. (Stierlin, 1974, p. 181 e ss.). Muito do que teremos a dizer a respeito da abordagem de Harold Searles da confirmação em terapia reservaremos para o capítulo “O Diálogo de Pedras de Toque”, para cujo assunto ele deu uma contribuição especialmente significativa. Aqui veremos apenas as conclusões que tira de sua tese de que o cliente é , e precisa ser reconhecido como sendo, um terapeuta para seu analista. “Quanto mais doente está um cliente”, escreve Searles, “mais o tratamento bem-sucedido exige que ele se torne, e seja reconhecido de maneira implícita como tendo-se tornado, um terapeuta para seu terapeuta oficialmente designado, o analista”. É somente na medida em que o cliente consegue ser bem sucedido em seu esforço terapêutico dirigido ao terapeuta que ele pode tornar-se suficientemente livre de culpa e suficientemente seguro de seu valor, e que pode tornar-se mais profundamente um indivíduo humano integral. “A individuação tornou-se livre de sua conotação de desmembramento assassino, ou abandono letal da mãe por quem não só o cliente foi levado a se sentir responsável, como também a quem o cliente amou genuinamente, querendo de alguma maneira torná-la curada e satisfeita. “Inversamente, o fracasso do terapeuta em reconhecer o esforço terapêutico reprimido há tanto tempo no cliente explica, mais que qualquer outro elemento interpessoal no tratamento, a resistência inconsciente do cliente ao processo analítico” (Searles, 1975, p. 96, 99, 149). Ronald Laing concentra-se numa análise e diagnóstico brilhantes, e tem pouco a dizer a respeito da confirmação concreta e da cura pelo encontro. Contudo, ele proporciona na verdade alguns poucos exemplos comoventes em um capítulo, “Confirmação e Desconfirmação”, de Self and Others. Numa sessão com uma mulher esquizofrênica de 25 anos, que se sentava longe dele sem se mover ou falar, sua mente divagou em pensamentos dele mesmo. Em meio a estes, ele ouviu-a dizer numa voz muito baixa, “Ah, por favor, não se afaste tanto de mim”. Ficou evidente para Laing que a coisa mais importante para ele fazer no momento era confirmar o fato de que ela tinha registrado corretamente o retraimento concreto da “presença” dele. Há muitos clientes que são muito sensíveis à deserção, mas não estão certos da fidedignidade, e muito menos da validade de sua própria sensitividade. Não confiam nas outras pessoas, e não podem confiar tampouco em sua própria desconfiança. (Laing, 1971, p. 104 e ss.) O outro exemplo que Laing proporciona é aquel de uma enfermeira que deu uma xícara de chá a “um paciente um tanto catatônico, hebefrênico e esquizofrênico”. Ao receber o chá, esse paciente cronicamente psicótico disse à enfermeira: “esta é a primeira vez na minha vida que alguém já me deu uma xícara de chá”. Para Laing, isto tornar-se o próprio símbolo da confirmação em terapia. O “esquizofrênico” é frequentemente rotulado assim porque é muito sensível ao fato de não ser reconhecido como ser humano, porque tem uma grande necessidade de dar e receber amor. Para semelhante pessoa, o ato concreto de dar uma xícara de chá pode ser a confiirmação de sua existência como ser humando. Como uma pessoa de imprtânia e valor. Com demasiada frequência, se orferecem xícaras de chá porque queremos nos mostrar ou queremos obter algo de alguém. Trata-se da coisa mais simples e mais difícil do mundo para uma pessoa, sendo genuinamente ela mesma, dar, de fato e não só em aparência, a uma outra pessoa, percebida em seu próprio ser por aqueleque dá, uma xícara de chá, realmente e não em aparência (Laing, 1971, p. 106 e ss). Praticamente tudo que Carls Rogers escreveu sobre a terapia pode ser visto como uma confirmação do self desconfirmado ou inconfirmado do cliente. Sidney Jourard, que em muitos aspectos segue Rogers, é até mais explicito sobre a centralidade para a terapia da confirmação e da cura pelo encontro. Jourard vê a si próprio como confirmando seu cliente pela sua intenção - “o desejo de que aquele que é o outro para o terapeuta experiencie sua liberdade, seja ou torne-se ele próprio”. Esse compromisso transcende a lealdade do terapeuta a qualquer técnica automatizada ou orientação teórica. Ao mesmo tempo, deixa espaço para a técnica enquanto arte a ser aprendida de um professor, “uma língua na qual expressamos um intento terapêutico inicial”. O foco de Jourard, quando encontra um cliente que sofre dos efeitos limitantes e aleijantes de traumas e privações de infância, não é ir ao encalço das raízes da “patologia” junto com o cliente, mas de preferência se perguntar como seria possível mobilizar seu ânimo desesperançado, de maneira que transcenda as circunstâncias atuais que ele permitiu que o esmagassem. Para Jourard, o fator central do “estado de bem estar iatrogênico” é a “força da fé do curador no potencial do sofredor de transcender as condições limitantes de sua existência”. Dessa perspectiva, a confiança e a esperança não são contribuidoras da cura, mas mais exatamente são elas mesmas a indicação de que uma cura organísmica total, ou processo de reintegração, foi posto em movimento (Jourard, 1968, p. 57-59, 68 ). Para Jourard, a confirmação é um ato de amor pelo qual reconhecemos o outro como alguém que existe em sua forma peculiar e tem o direito de fazê-lo. Tal reconhecimento transcende tanto o conceito que o terapeuta tem do ser do cliente quanto os próprios conceitos anteriores do cliente e suas representações de si mesmo. Desse modo a confirmação do terapeuta permite ao cliente crescer: Minha suspensão de minhas preconcepções de seu ser convida-o a soltar-se no momento em que está em minha presença. Ele pode abandonar as auto- representações, os compromissos, os interesses e metas de ontem, e explorar as possibilidades de novas auto representações, compromissos, etc. Pode chorar, regredir, penetrar em si próprio enquanto está comigo e sentir-se seguro de que estou esperando, talvez com uma mão segurando a sua, até que ele emerja para me dizer quem é. E eu o confirmo, a cada instante da jornada, como sendo aquele que ele é - o João que procura; o João desesperado; o João que emergiu, com novas metas e valores. (Jourard, 1968, p. 123 e ss.). Durante seus seminários na Washington School of Psychiatry, Martin Buber lançou algumas indicações com respeito à confirmação em terapia, e sua relação com a cura pelo encontro. No momento da transferência mais aguda, o cliente precisa, em seu inconsciente, abandonar-se nas mãos do terapeuta para que o contato aconteça. A abertura e disposição do terapeuta em receber o que quer que venha é necessária para que o cliente confie existencialmente. Um determinado tipo muito importante de cura - a cura existencial - se dá pelo encontro, em lugar de se dar pelo entendimento ou pela análise. Isto significa a cura não só de determinada parte do cliente, mas também das próprias raízes do ser do cliente. A confiança existencial de uma pessoa no seu todo em uma outra tem uma representação específica no domínio da cura. Enquanto essa confiança não estiver lá, não haverá a percepção dessa necessidade de entregar nas mãos do terapeuta aquilo que é reprimido. Sem semelhante confiança, nem mesmo os mestres em método podem efetuar cura existencial. A confiança existencial entre terapeuta e cliente, que torna o relacionamento num relacionamento de cura no sentido mais pleno do termo, envolve a confirmação, mas de um tipo muito especial. Semelhante confirmação não substitui a transferência. Contudo, quando o encontro é o fator decisivo, a confirmação muda seu significado e sua dinâmica. Tudo é mudado no encontro verdadeiro. A confirmação pode ser compreendida erroneamente como sendo estática. Encontro um outro - aceito-o e confirmo-o como é agora. Contudo, confirmar uma pessoa como ela é é só o primeiro passo. A confirmação não significa que eu tome sua aparência neste momento como sendo a pessoa que quero confirmar. Devo considerar a outra pessoa em sua existência dinâmica, em sua potencialidade específica. No presente jaz oculto o que pode tornar-se. Essa potencialidade, esse sentimento de seu rumo inigualável enquanto pessoa, pode-se fazer sentir para mim dentro do nosso relacionamento, e é isto que mais quero confirmar. Na terapia, esse rumo pessoal torna-se perceptível ao terapeuta de maneira muito especial. Na pior doença de uma pessoa, a mais alta potencialidade dessa pessoa pode estar se manifestando sob forma negativa. O terapeuta pode influenciar diretamente o desenvolvimento dessa potencialidade. A cura não significa trazer a baila o antigo, mas de preferência moldar o novo : não é confirmar o negativo, mas de preferência contrabalançá- lo com o positivo (Friedman, 1966, p. 38 e ss; Buber, 1969, p. 169-173). A insistência de Buber de que a confirmação não é estática, mas é mais exatamente uma confirmação das potencialidades ocultas na pior doença do cliente, toca na questão que surgiu no diálogo entre Buber e Rogers concernente à diferença entre aceitar e confirmar. Carl Rogers, como vimos, tende a equiparar a aceitação e a confirmação. Ele sustenta que a verdadeira aceitação significa a aceitação das potencialidades desta pessoa assim como do que ela é neste momento. Se não formos capazes de reconhecer sua potencialidade, diz Rogers, é de se perguntar se poderíamos aceitá-lo. Se for aceito exatamente como sou, acrescenta, não posso deixar de mudar. Quando não há mais necessidade de barreiras defensivas, os processos de vida progressistas tomam conta. Ë precisamente esta suposição - de que os processos de vida serão sempre progressistas - que Buber questiona, e isto o leva a uma distinção entre a afirmação e a confirmação que Rogers não faz : Todo relacionamento existencial verdadeiro entre duas pessoas começa pela aceitação... Eu o acolho exatamente como você é ... neste momento, nesta realidade...Confirmar significa... aceitar a potencialidade total... Posso reconhecer nele, saber nele, mais ou menos, a pessoa que foi...criada para se tornar ... e agora não somente aceito o outro como ele é, mas o confirmo, em mim e em seguida nele, com relação a essa potencialidade que... pode ser agora desenvolvida... pode evoluir...pode responder à realidade da vida... “Eu o aceito como você é”...não significa que “Não quero que mude”, mas sim... “descubro em você exatamente por meio de meu amor acolhedor... o que você está destinado a tonar-se” (Buber, 1966, p. 181, e ss.) Buber prossegue dizendo que ao trabalhar com um homem problemático tem-se às vezes de ajudá- lo contra ele mesmo, porque devido a essa problemática a vida se tornou sem fundamento para ele. O que ele quer é um ser em quem possa não somente confiar, como um homem confia noutro, mas um ser que lhe dê agora a certeza de que “há um chão, há uma existência. O mundo não está condenado à privação, à degeneração, à destruição. O mundo pode ser redimido. Eu posso ser redimido porque existe essa confiança”. E se chegarmos a isso, agora poderei ajudar esse homem mesmo em sua luta contra si próprio. E isto só posso fazer se distinguir entre aceitar e confirmar (Buber, 1966, p. 183 ). Rogers, como vimos, vai um pouco pelo lado dessa distinção ao colocar a “congruência” acima do “entendimento empático” e da “consideração positiva incondicional” em sua lista do que é essencial para a boa terapia. Contudo, a congruência é apenas metade da questão. Significa que devo confirmar você como aquilo que sou e não aquilo que você ou eu esperaríamos ou desejaríamos que eu me tornasse. Não significa contudoque eu lute com você e me oponha a você precisamente para confirmá-lo. Sidney Jourard sugere que o próprio Rogers, que fala da atmosfera na qual uma pessoa possa crescer, descobriu que não é suficiente ser somente um ser maravilhosamente permissivo e “espelhativo”. Confirmar o outro como aquele que ele é , e convidá-lo a permitir-se a liberdade de revelar e ser quem quer ou o que quer que seja, significa que o terapeuta também tem de conceder a si próprio a mesma liberdade de ser e de responder como a própria pessoa que é. Significa também que mesmo no momento em que nos retraímos e deixamos o ser do outro “acontecer” e desvelar-se em sua realidade e autenticidade, nós o encontramos como nós mesmos, reconhecendo que “freqüentemente a confirmação mais direta é tomar uma posição em oposição ao outro que ele é aquele que é. Permite-lhe saber que existe”(Jourard, 1968, p. 74, 122 e ss.). O terapeuta também pode ajudar o cliente a crescer, Jourard afirma, desafiando-o e encorajando- o a tentar novos projetos. Se o conceito do terapeuta do ser do paciente é um que engloba mais possibilidades em seu comportamento do que o próprio cliente reconheceu, se seu conceito do ser do cliente é mais inclusivo e acurado do que o conceito do cliente de seu próprio ser, e se o terapeuta informa o cliente a cada instante como verdadeiramente o experiencia, então o cliente poderá comparar isto à sua própria experiência de si mesmo e seu próprio auto-conceito. O terapeuta “pode assim inserir uma fina aresta de dúvida na crosta” do auto-conceito do cliente, ajudando a ocasionar seu colapso de modo que ele o reforme. “Em realidade, isto é o que um amigo amoroso, ou um bom psicoterapeuta faz”(Jourard, 1968, p. 122). Viktor Frankl parece sugerir uma distinção semelhante entre aceitação e confirmação quando diz que a pessoa amorosa não somente vê os traços e características essenciais da pessoa amada, como também vê o que está em potencial nele, o que não se concretizou ainda, mas que contudo deveria ser concretizado. Ao tornar a pessoa amada consciente do que pode ser e do que deveria se tornar, a pessoa amorosa faz com que essas potencialidades de concretizem (Frankl, 1970, p.113 e ss.). O Gestalt- terapeuta Vincent O’Connell aproxima-se dessa compreensão da confirmação quando escreve; “Também aprendi que, para mim pelo menos, a resposta adequada é de raiva honesta e amorosa (quando ela vem), já que nessa raiva há um envolvimento íntimo e um apelo à pessoa” (Fagan e Shepherd, org., 1970, p. 251 e ss.). O início de todos os relacionamentos humanos e, portanto, de todos os relacionamentos terapêuticos, de cura e de ajuda é “Aceito-o como você é”. Contudo, isto não significa que confirmo tudo que você faz só porque você o faz. Isto seria deixar de lado a realidade do relacionamento, a realidade de mim mesmo enquanto pessoa que o está confrontando. Não se trata de que eu o julgo de cima ou lhe passo sermões morais. E contudo, nosso próprio relacionamento exige de você assim como de mim. Tenho de chegar até você de onde estou em minha singularidade. Não posso me tornar um zero para lhe ajudar. Confirmar o outro só é possível dentro do próprio relacionamento, na medida em que o outro pode comunicar o self dele ou dela para você, e você pode experienciar tanto o seu próprio lado do relacionamento como o dele. O terapeuta pode ter de entender com o cliente, pelo cliente e contra o cliente. Ele não está preocupado somente com a pessoa que o cliente é naquele momento, mas também com o que ele ou ela se tornam o que são chamados a ser. O terapeuta pode ter uma “consideração positiva incondicional” pelo cliente, se isto for congruente com seu relacionamento com ele, no sentido de que não oferece confirmação condicional: “Você tem de se tornar o tipo de pessoa que eu quero que você se torne, se você quiser que eu o ajude”. Contudo, isto não pode significar que o terapeuta considerará positivamente o que quer que o cliente faça. Ele não pode fazer isso e ser uma pessoa, e não pode fazer isso e ser alguém que cura ou ajuda o cliente. Eu tinha uma aluna no primeiro ano que ensinei no Sarah Lawrence College que não podia entender como a mantinham na escola. Ela vinha à minha sala toda semana para uma entrevista individual, sentava-se na minha cadeira com os pés sobre a minha escrivaninha, ficava vermelha e nunca dizia uma palavra. Perto do final daquele ano - era seu segundo ano na faculdade - decidiu que queria fazer algo para mim, e escreveu um trabalho de filosofia sobre Kant e Hume que eu considerei sinceramente como sendo de nível de pós-graduação. A Faculdade inteira , do reitor ao decano mais baixo, riu de mim. Não tinham lido o trabalho, e a maioria deles não tinha sido treinado como filósofos, mas pensavam que tinham identificado essa aluna como sendo incapaz de fazer um trabalho sério. Nessa mesma noite essa aluna tomou uma overdose de pílulas para dormir, e teria morrido se algum outro instinto não a tivesse levado a alertar alguém, de modo que seu estômago foi lavado. A reação de meus colegas foi a de que deveriam expulsá-la da escola. “Como vocês podem fazer isso agora, protestei, quando vocês a mantiveram o ano todo sem um bom motivo?” Insisti para que ficasse e ganhei a batalha. No outono seguinte, essa mesma aluna fez uma matéria de estudo individual comigo. Na metade do curso ela disse: “Eu realmente não quero fazer o que ia fazer. Quero transformá-lo em outra coisa”. “Tudo bem”, eu disse . No final do trimestre ela me disse: “Não tenho nenhum trabalho para você, mas lhe escreverei uma carta contando do trabalho que escreverei”. De novo eu disse: “Tudo bem”, e lhe dei o crédito pelo trabalho do trimestre. Depois que tinha recebido o crédito anunciou que agora queria mudar para a minha colega Helen Merrell Lynd e estudar com ela. A isso, respondi também “tudo bem”, mas acrescentei : “Você tem de escrever o trabalho para mim”. Não somente essa aluna, como também alguns membros do corpo docente, começaram a me pressionar, inclusive o “lente” dela, uma mulher membro da faculdade de psicologia, cujos gêmeos recém nascidos essa aluna ameaçava afogar na banheira. “Estou cada vez mais perto dos trens do metrô da cidade de Nova York”, essa aluna me disse. “O que é mais importante para você, aquele trabalho ou a minha vida?” É você que quer o crédito”, respondi. “O que é mais importante para você, o crédito ou sua vida?”. Ela finalmente escreveu o trabalho para mim, como sendo segunda parte de um trabalho que fez para outro membro da Faculdade. E o que é mais, fui o único membro da Faculdade com quem ela permaneceu em contato por alguns anos depois da formatura, quando foi fazer pós-graduação em psicologia com uma bolsa de estudos e tornou-se psicóloga clínica. Se eu tivesse permitido que fizesse a chantagem impunemente, não a estaria confirmando enquanto pessoa ou mesmo, caso eu pensasse nesses termos, como uma pessoa “doente” que precisava de terapia. Só pude ajudá-la a sarar mantendo-me firme e fiel ao meu lado do diálogo, ao mesmo tempo em que tentava entender o lado dela a partir de dentro. Mesmo que o outro esteja “completamente errado”, ele ainda assim tem seu ponto de vista, sua própria existência, que não lhe pode ser tirada. A verdadeira confirmação importa-se o bastante com a outra pessoa para lutar com ela, por ela - confirmando-a mesmo enquanto se opõe a ela. Não age presunçosamente, mas se interessa, esse interesse implica com freqüência uma contenda dentro do diálogo com ela. Hans Trub nos ajuda a entender o significado da confirmação em terapia através de sua concepção das duas etapas. Na primeira etapa, como vimos, a pessoa que se apresenta ao terapeuta é a pessoa que foi inconfirmada, desconfirmada pelo mundo. Essa pessoa precisa de um confidente, de um irmão ou irmã maior, alguém que entenderá não com categorias analíticas, mas pelos seus olhos, alguém que realmente ouça e que “imagine o real”, enquanto está escutando. Essa é uma parte importante do processo de cura, mas só issonão pode curar. Esta é talvez uma das limitações de “ouvir receptivamente” e da “consideração positiva incondicional”. Parte da doença está no fato de que, devido a essa não- confirmação, a pessoa se afastou do diálogo ativo com a família, os amigos e a comunidade. Em algum momento, portanto, o terapeuta tem de entrar numa segunda etapa, na qual auxilia o cliente a reencetar o diálogo interrompido com a comunidade. Ele o faz pondo sobre o cliente a exigência da comunidade - não a partir de cima, mas de preferência mantendo-se realmente firme como a pessoa que é e representando e mantendo os valores comunitários que personifica. Sem essa segunda etapa - que não substitui, mas se combina com a primeira - não pode haver uma cura real. O mesmo vale com relação a abordagem da culpa real ou existencial. Não basta que o terapeuta ajude a chamar as pessoas a prestar contas em termos de sua auto-traição, ou mesmo de sua culpa em relação à família ou ao próprio terapeuta. O chamado para prestar contas deve ao mesmo tempo ser um chamado para voltar ao diálogo interrompido com a comunidade. Isto não é uma questão de chafurdar na culpa, mas mais exatamente, de uma resposta criativa, uma espontaneidade que, no fim, esquece de se preocupar com nós mesmos e diz : “posso avançar para uma nova situação e realmente enfrentá-la, realmente estar presente a ela, mesmo que eu não o fizesse no passado”. Naturalmente o problema permanece no que diz respeito a qual é a mistura correta em qualquer momento das duas etapas - o terapeuta como confidente e o terapeuta como portador da exigência genuína da sociedade que ajuda o cliente a retomar o diálogo com a comunidade. Não existe uma fórmula que diga ao terapeuta quanto tempo gastar numa etapa e quanto na outra. Ambas as etapas provavelmente tem de estar lá a todo momento, mas a proporção correta entre as duas em qualquer momento é uma questão de tato, arte e de escutar realmente. É também uma questão de “graça” - de permitir que algo venha a nós, e permitirmo-nos responder e descobrir o que é exigido em cada situação exatamente por meio dessa abertura e resposta. Há pessoas que poderiam ser seriamente prejudicadas ao se colocar para elas prematuramente a exigência da comunidade, assim como há pessoas que poderiam ser seriamente prejudicadas se o terapeuta nunca chegasse a essa etapa. As duas etapas que Trüb indica como parte essencial da cura pelo encontro podem nos auxiliar a entender muitas coisas a respeito da problemática da confirmação. Essa problemática inclui o fato de que o terapeuta valoriza o outro o suficiente para tratá-lo ou tratá-la como um ser humano, e não somente como uma pessoa doente. Esse cuidado implica em ajudar o outro a chegar à posição de onde ele ou ela possam entrar em diálogo, primeiro com o terapeuta e em seguida com as outras pessoas na vida dele ou dela. Implica também em permitir que o outro vá para frente e para trás - não colocando para o outro alguma exigência moral abstrata que não lhe permitirá regredir , quando ele ou ela tem de fazê-lo, para uma etapa onde o que necessita é conforto, consolação e compreensão. A verdadeira confirmação não é a “compreensão empática” sozinha ou mesmo a “inclusão” sozinha; é também a luta e a exigência. No final, além disso, não é algo que o terapeuta faz ao cliente, mas mais exatamente um evento que acontece entre eles, um evento que auxilia o cliente a voltar ao mundo para dar e receber confirmação na interação mútua com outros. Uma vinculação importante entre as duas etapas de Trüb, como entre a confirmação e a cura pelo encontro, é o “diálogo de pedra do toque”, que discutiremos no capítulo 18. Nosso entendimento da confirmação e do diálogo de pedras de toque se aprofundará se dermos primeiro uma olhada mais minuciosa e sistemática em alguns dos aspectos da cura pelo encontro, todos os quais já foram mencionados: o inconsciente, os sonhos, a culpa, a mutualidade, a empatia e a inclusão. Rua 1.128 Nº 165 St. Marista / Telefax: (0XX62)3941-9798 CEP: 74.175-130 Goiânia - GO
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