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Sobre o pretenso complexo de dependência do colonizado FANON, F. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EdUFBA, 2008. CAPÍTULO 4 RESGATE HISTÓRICO Octave Manonni: Nascido no final do séc. XIX, é um psicanalista Francês que passou 20 anos em Madagascar retornando à França no Pós- II Guerra.; Influenciado pelas ideias de Lacan e pelo essencialismo, publica vários livros nesta linha de pensamento. Entre suas obras, a mais conhecida é “A Psicologia da Colonização” (1950) no qual se propõe a estudar a questão da colonização pela perspectiva da psicanálise ao analisar a psicologia do colonizador e do colonizado. Frantz Fanon: Nascido na Martinica na década de 1920, por ter descendência martiniquense e francesa, completou seus estudos na França se formando em psiquiatria na década 50. Sua obra prima “Pele Negra Máscaras Brancas” (1952) é fruto do ensaio de TFG que foi rejeitado pelo orientador mas que anos mais tarde veio a ser publicado sob o referido título. Ingressa como médico nas forças armadas francesas na Guerra civil da Argélia* e posteriormente deserta para se juntar a FNL**; Manteve contato com Jean-Paul Sartre, marxista e de influência existencialista. A aproximação de Fanon com Sartre foi fundamental para Fanon na construção de seu pensamento decolonial e para demarcar em suas obras a luta por uma psicologia social antirracista. * Argélia é um país que se situa no norte do continente africano e é um país multiétnico. Sofreu um forte e violento processo de colonização pelo império Otomano e Francês. ** Frente de Libertação Nacional (Argélia), criado em 1954 como uma fusão de pequenos partidos, com o objetivo de obter a independência da Argélia frente à França. ESSENCIALISMO X EXISTENCIALISMO É um dos capítulos mais importantes deste livro do Fanon pois além de demarcar de fato seu posicionamento, é uma resposta crítica a obra de Manonni que se propôs a discutir sobre o mesmo tema anos antes em seu livro “A Psicologia da Colonização (1950); Neste capítulo Fanon contrargumenta a ideia de Manonni de que a relação entre colonizador e colonizado seria uma relação de sujeitos que em seu seres respectivamente carregavam um “complexo paterno” (complexo de superioridade) e um “complexo de dependência” (complexo de inferioridade). Fanon afirma que Mannoni parece tentar desenvolver uma proposta de pensar a questão da colonização pelo viés da psicanálise, sem considerar que a forma de pensar do ser humano está sempre inserida dentro de um contexto social que viabiliza a existência do ser; Para Fanon, Manonni ao investigar a questão do complexo de superioridade x inferioridade apenas pelo viés do essencialismo deixa de lado as condições materiais que o colonialismo promoveu para que o racismo se perpetuasse na mentalidade da sociedade. COMPLEXO DE SUPERIORIDADE E DE DEPENDÊNCIA Para Fanon, todas as relações sociais em nossa sociedade acabaram sendo pautadas por essa relação inferioridade x superioridade. Porém, ela não é exatamente ontológica. Para ele essa relação foi socialmente construída pela sociedade moderna legitimada através da colonização. Isto fica evidente através da crítica mais forte de Fanon a Manonni quando este diz que o “complexo de dependência” é ontológico ao ser da população negra (ex. malgaxes). Como isso foi amplamente difundido no senso comum, ignora-se que no encontro entre culturas, a inferiorização foi um mecanismo de dominação que esteve no torno do processo de colonização e que produziu produzir esses complexos de “superioridade” e de “dependência”. Fanon critica também a afirmação de Manonni que o racismo seria um fenômeno de seres subalternos e não da elite francesa, e que existem populações brancas que eram mais racistas que outras devido seu baixo grau de inteligência. Para Fanon, o racismo tem sua origem em uma relação de poder, e quem detém o poder manipula também o pensar e o agir. Portanto, para Fanon, não é possível que uma parcela da população apenas seja racista sem que haja uma elite legitimando tais práticas. A FALSA IDEIA DE UNIVERSALIZAÇÃO DO SER HUMANO Fanon também questiona o humanismo argumentando que a ideia “homem universal” foi pautada a partir da perspectiva do homem branco e que por isso, padrões comportamentais da sociedade moderna foram guiados por esse ideal. Fanon compreende que o negro e o branco seriam categorias dialéticas de um mesmo sistema que foi criado pela modernidade burguesa, e que tanto o branco como o negro seriam construções dessa relação de poder colonial. O negro se projeta no branco por que o ser negro foi posto ideologicamente em uma posição de inferior dentro dessa hierarquia. Neste ponto, Fanon ainda cita que dentro dessa visão do “homem universal” a partir do homem branco, além do negro outros povos foram colocados nesta posição de inferiorização (ex: judeus, árabes, indígenas, etc.) e para ele seria muito difícil separar as lutas destes povos sendo que todas elas vieram de uma mesma estrutura de opressão. POR UM NOVO HUMANISMO Para Fanon a união entre as diferentes lutas anti-opressoras é essencial para combater o racismo, e em uma perspectiva radical, o horizonte seria destruir essa falsa ideia de universalização do ser humano que toma como referencia o homem branco, destruindo também as estruturas, político, econômico, social que pautam a hierarquia entre os diferentes povos. Talvez esta seja a parte mais polêmica de seu texto, mas Fanon pauta a defesa de um humanismo radical/revolucionário não exatamente pela igualdade racial como horizonte de luta, mas sim pela desrracialização das relações sociais. Então aqui fica claro que Fanon se preocupa em tentar distinguir o essencialismo estratégico e o humanismo revolucionário do pois ele não enxerga o “ser negro” e o “ser branco” (da concepção moderna) como categorias ontológicas, e sim como fruto de um processo histórico-social-econômico.
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