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CONSIDERAÇÕES SOBRE A RECUPERAÇÃO JUDICIAL COM BASE NO PLANO ESPECIAL PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE CONSIDERATIONS ABOUT JUDICIAL RECOVERY BASED ON THE SPECIAL PLAN FOR MICRO ENTERPRISES AND SMALL COMPANIES Vinícius Miranda Rocha* Ana Cláudia Redecker** RESUMO A presente pesquisa teve por objetivo o exame, do ponto de vista doutrinário, da Lei Federal n. 11.101/2005, no que diz respeito à recuperação judicial especial voltada a microempresas e empresas de pequeno porte, iniciando-se por uma análise finalística do artigo 179 da Constituição Federal, passando por um estudo comparativo com a recuperação judicial ordinária e com a antiga concordata, para, por fim, discorrer acerca do atendimento do regime especial ao preceito constitucional de tratamento mais benéfico a empresas de menor potencial econômico. Palavras-chave: Recuperação de empresas. Recuperação judicial especial. Microempresas e empresas de pequeno porte. Princípio da preservação da empresa. Viabilidade econômica. ABSTRACT The present research aimed at examining, from a doctrinal point of view, the Brazillian Federal Law n. 11.101/2005, with regard to the special judicial recovery focused on micro-enterprises and small-sized companies, starting with a finalistic analysis of article 179 of the Federal Constitution, going through a comparative study with the ordinary judicial recovery and the old concordata, to finally expatiate about the compliance of the special regime to the constitutional precept of more beneficial treatment for companies with less economic potential. Keywords: Reorganization of companies. Special judicial reorganization (of companies). Micro and small-sized enterprise. Preservation of viable business principle. Economic viability. 1 INTRODUÇÃO No Brasil, o instituto da recuperação judicial surgiu com a vigência da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, substituindo o regime de concordata. Tal procedimento tem por objetivo preservar a subsistência da empresa que se encontrar em crise financeira, bem como a satisfação das obrigações perante seus credores, permitindo a manutenção de suas atividades como fonte geradora de renda e emprego. No ramo empresarial, atualmente, as micro e pequenas empresas representam o maior percentual de empresas no Brasil, as quais possuem grande importância na economia do país. A Constituição Federal, em seu art. 179, impõe que seja dado tratamento diferenciado a esse *Acadêmico da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: v.rocha@edu.pucrs.br. **Orientadora: Professora de Direito Empresarial na graduação e na pós-graduação lato sensu da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); e Advogada. E-mail: aredecker@pucrs.br. 2 grupo de empresas, para que consigam competir frente aos agentes econômicos de maior poder. Por esse motivo, originou-se o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar n. 123/2006), o qual prevê benefícios exclusivos para esta parcela do setor econômico, baseado no princípio da isonomia. Do mesmo modo, se fez necessário o surgimento de um regime de recuperação judicial diferenciado, o que a Lei n. 11.101/2005 (LREF), por sua vez, dispõe. Além dos procedimentos ordinário e extrajudicial, a norma que rege as recuperações judiciais traz uma modalidade especial para as microempresas e empresas de pequeno porte, com requisitos e condições de concessão diversos dos demais meios de recuperação contemplados na LREF. Desde logo, vale ressaltar que o regime especial de recuperação possui uma importância relevante, vez que as empresas de menor potencial econômico encontram inúmeros empecilhos no cumprimento de suas obrigações trabalhistas, tributárias e previdenciárias. Acontece, porém, que na prática os pequenos empresários acabam não aderindo ao plano especial. Assim, o objeto de estudo da presente pesquisa irá abordar assuntos acerca da consonância da Lei de Recuperações e Falências ao preceito constitucional de tratamento favorecido às micro e pequenas empresas. Para isso, é necessária uma análise finalística do artigo 179 da Constituição Brasileira, sob a ótica da ordem econômica e financeira, bem como pontuar os princípios da função social, da viabilidade e da preservação da empresa (os quais são imprescindíveis para determinar-se a dissolução ou manutenção da pessoa jurídica) e, ainda, comparar os procedimentos ordinário e especial de recuperação judicial, relacionando este último ao antigo instituto da concordata. 2 DA MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE Inicialmente, adotamos como conceito de empresário o preconizado no art. 966 do Código Civil Brasileiro de 2002, cuja definição se dá por aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada, de modo que implique na circulação de bens e serviços e que tenha por finalidade o lucro. Ocorre que, além das grandes empresas, existe um grupo de menor expressividade, mas não menos importante, que carece de proteção do Estado para garantir sua participação no mercado, diante das medidas abusivas dos agentes de maior poder econômico. Esta parcela é 3 integrada por microempresas e empresas de pequeno porte, cuja relevância se consolida no fato de serem “entidades concorrências empregadoras e geradoras de renda”, segundo Figueiredo1. No Brasil, há quase 9 milhões de micro e pequenas empresas, as quais são responsáveis por promover 27% do produto interno bruto do país, bem como 52% da mão de obra formal no Brasil, correspondendo por 40% da massa salarial, conforme pesquisa desenvolvida pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas2 (SEBRAE). Nesse viés, Ramos3 ressalta: Não há dúvidas de que os pequenos empreendimentos sofrem bastante para se firmarem no mercado atual, dadas a extrema competitividade e a incrível dinâmica da atividade empresarial. É muito comum, pois, que esses pequenos empreendimentos venham a sucumbir diante das dificuldades inerentes ao exercício da empresa. Por essa razão, justifica-se a redação dada pelo constituinte ao artigo 1794 da Carta Magna, que determina expressamente um tratamento diversificado a esta classe de empresas, demonstrando a preocupação do Estado em oferecer as condições necessárias à sua sobrevivência econômica e ao seu desenvolvimento empresarial. Isso ocorre, pois, pela infringência dos princípios da ordem econômica, dispostos no art. 170 da Constituição, em especial, o inciso IX5. Assim, incontestável se mostra o entendimento de que as microempresas e as empresas de pequeno porte merecem um tratamento jurídico mais simplificado, pautado no princípio da igualdade, incentivando sua entidade, preservação e crescimento. Por essa lógica, Tavares6 salienta: 1 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 103. 2 SEBRAE (Brasil). Micro e pequenas empresas geram 27% do PIB do Brasil. [s.d.]. Disponível em: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/mt/noticias/micro-e-pequenas-empresas-geram- 27-do-pib-do-brasil,ad0fc70646467410VgnVCM2000003c74010aRCRD. Acesso em: 26 abr. 2020. 3 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2017, [s.n.]. Disponível em: https://www.academia.edu/36392693/_Direito_Empresarial_2017_- _Andr%C3%A9_Luiz_Santa_Cruz_Ramos_1_. Acesso em: 10 jun. 2020. 4 Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. (BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 mai. 2020.) 5 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Idem.) 6 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 211. 4 O tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela, contudo, a necessidade de proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa forma efetivamente ocorra liberdade de concorrência (e de iniciativa). É uma medida tendente a assegurar a concorrência em condições justas entre micro e pequenos empresários, de uma parte, e de outra, os grandes empresários. Todavia, verifica-se que não há na Constituição da República a definição do que venha a ser uma microempresa ou empresa de pequeno porte. Portanto, é notória a intenção do Poder Constituinte em deixar a determinação deste conceito para a atribuição do legislador infraconstitucional, que assim o fez. A fim de assegurar o princípio da isonomia para os pequenos empresários, desenvolveu-se a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, estabelecendo o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, o qual confere uma abordagem atípica a esta parcela do ramo comercial, em face da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Como prevê o art. 3º do mencionado Estatuto7, serão consideradas microempresas ou empresas de pequeno porte aquelas pessoas jurídicas que exerçam atividade empresária de natureza jurídica dos empresários individuais, dos microempreendedores individuais e das empresas individuais de responsabilidade limitada, assim como das sociedades empresárias. Cabe destacar que, embora o aludido artigo também enquadre nessa categoria as sociedades simples, neste trabalho serão enfocadas apenas aquelas enquadradas como empresárias. Além disso, este dispositivo apresenta a classificação de cada agente econômico de acordo com seu respectivo rendimento anual, nos seguintes termos: Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). 7 BRASIL. Lei Complementar Nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Brasília, DF: Presidência da República, 2006. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm. Acesso em: 05 mai. 2020. 5 Conforme leciona Zanini8: Ambas encontram-se objetivamente conceituadas na Lei Complementar n. 123/2006, [...]. A mesma Lei que as define arrola, ainda, uma série de circunstâncias impeditivas de sua caracterização como microempresa ou empresa de pequeno porte, dentre as quais figura a participação no capital de sócio domiciliado no exterior ou de pessoa jurídica, ou de pessoa física sócia de empresa já beneficiada pela mesma Lei (art. 3.º, § 4.º). Considerando que o levantamento do faturamento deve ser feito de forma anual, podem essas empresas escolherem pelo Simples Nacional, também abrangido pela Lei Complementar n. 123/2006, como um procedimento excepcional de arrecadamento de impostos e regimento de obrigações acessórias, voltadas unicamente para micro e pequenas empresas. Tomazette9, assim afirma: [...]. Esse tratamento diferenciado abrange uma tributação diferenciada, um tratamento tributário diferenciado, bem como regras diferenciadas sobre registro, protesto, acesso ao mercado e acesso aos juizados especiais. [...] Provavelmente, o aspecto mais relevante para o enquadramento como microempresa e empresa de pequeno porte é o tratamento tributário diferenciado, que envolve fundamentalmente um regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições devidas pelos que se enquadrem como microempresa e empresa de pequeno porte. A ideia é simplificar o recolhimento tributário, fazendo-o de forma centralizada, e não de forma dividida entre os vários tributos. Essa ideia de simplificação é clara no próprio nome adotado pelo sistema, SIMPLES Nacional. Resumidamente, em atenção ao preceito constitucional, o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte dispõe benefícios para estas classes, os quais poderão ter aplicação em diversas situações, dentre elas: nas áreas tributárias e fiscais, em contratações, desempates em licitações públicas, fiscalização orientadora. Também se pode afirmar que o procedimento de abertura (criação), alteração e baixa dessas empresas possuem menos complexidade. Tais privilégios existem em razão da necessidade de esses empresários trabalharem e se desenvolverem como as demais empresas, ao passo que cumprem com sua função social. In verbis, Alcantara10: 8 ZANINI, Carlos Klein et al. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 322. 9 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas. v. 1. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 656. 10 ALCANTARA, Silvano Alves. Direito empresarial e direito do consumidor. Curitiba: InterSaberes, 2017, p. 40. 6 E, sim, garante-se um tratamento diferenciado e favorecido a algumas empresas em detrimento de outras. Isso ocorre porque as micro e pequenas empresas, as quais são definidas por lei com base em seu faturamento bruto anual, necessitam de amparo do Poder Público – desde sua criação, durante toda a sua vigência e, até mesmo, no momento de seu encerramento – em todas as esferas (administrativas, tributárias, trabalhistas ou sociais), incluindo-se benefícios e incentivos, e assim, competir livremente no mercado. Cabe esclarecer que, muito embora haja diversos benefícios para este grupo, os micro e pequenos empresários continuam se deparando com inúmeras dificuldades ao executarem suas atividades (encargos fiscais e trabalhistas, empecilhos na obtenção de crédito para investimento, entre outras), o que, na maioria das vezes, acarreta fragilidade financeira dessa categoria.11 3 DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL O princípio da função social da empresa, eternizado no art. 5º, inc. XXIII, no art. 182, § 2º, e no art. 186, todos da Constituição da República, determina que os atos empresarias não devam visar somente o lucro, mas também o “bem-estar” da pessoa jurídica, por meio da tomada de decisões justas. Chagas12, assevera: A função social da empresa não protege somente a pessoa jurídica contra atos ruinosos de seus sócios (impondo-se como poder-dever uma condução dos objetivos sociais compatível com o interesse da coletividade), senão também impondo ao poder público a preservação da atividade empresarial, tão necessária ao desenvolvimentoeconômico. A função social da empresa busca assegurar ainda a utilização dos bens de produção segundo sua função social, de modo que deverá haver, sob pena de violação a esse princípio, responsabilidade social na atividade empresarial. Juntamente a esse princípio, deve ser observado o princípio da solidariedade, pois, uma empresa, ao cumprir com sua função social, presenteia o mercado com frutos – produtos ou serviços – qualificados, o que, por consequência, resulta em novas relações de emprego e movimenta a economia. Ainda que uma determinada empresa esteja em situação de crise, a atenção a estes princípios se faz imprescindível, sob pena de ocorrer sua extinção e/ou liquidação. 11 SERASA EXPERIAN. 45% dos microempreendedores sentem dificuldades em controlar a saúde financeira dos negócios, revela pesquisa da Serasa. [s.l.], 2019. Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/45-dos-microempreendedores-sentem-dificuldades-em- controlar-a-saude-financeira-dos-negocios-revela-pesquisa-da-serasa. Acesso em: 20 mai. 2020. 12 CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito empresarial esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 53. 7 Por essa razão, mostra-se necessária a recuperação judicial, a fim de que empresas em situação econômico-financeira frágil possam continuar exercendo sua função social. 4 DA VIABILIDADE E PRESERVAÇÃO DA EMPRESA O empresário que se encontra em situação de crise, possui a faculdade de recorrer ao instituto da Recuperação Judicial, o qual é regulado pela Lei n. 11.101/2005. Todavia, é ruim para a imagem de uma empresa admitir que sua situação financeira está abalada e, em vista disso, acaba por retardar ao máximo o pedido de recuperação judicial. Na maioria das vezes, opta por não pagar impostos – haja vista que créditos dessa natureza demoram para serem executados -, fornecedores e até empregados. Para postular a recuperação judicial em juízo, não se faz necessário que o autor do pedido esteja inadimplente perante seus credores, bastando apenas que se encontre em situação de crise econômico-financeira, isto é, com ausência de lucratividade. Essa ausência, no entanto, deve ser limitada, uma vez que só se concederá o benefício da recuperação para aqueles que se mostrarem viáveis, isso porque empresas inviáveis devem se submeter à falência. Segundo Márcia Blanes13, Juíza de Direito do Estado de São Paulo, a Lei n. 11.101/2005 não define o que é uma empresa em crise, vez que o termo é empregado tanto às pessoas jurídicas em recuperação, quanto àquelas que devem se subordinar ao processo de falência. Além do mais, a magistrada aponta que a expressão “em crise” é sinônimo de “devedora”, a exemplo do contido nos artigos 47 e 122 da LREF, ressaltando que o critério legal, utilizado para classificar uma empresa como viável ou não, mostra-se ineficiente: [...] a crise de uma empresa não decorre necessariamente da impontualidade, e nem a impontualidade necessariamente gera a crise. Um endividamento momentâneo pode decorrer do investimento da empresa com máquinas ou aquisição de novas fábricas, ou também pode decorrer da desorganização do setor de contabilidade. E não se pretende dizer, com isso, que a lei não deve ser aplicada, nem que o juiz não deve deixar de decretar a falência daquele que não paga a dívida, ainda que citado em um processo de falência. Mas não há como notar que o diagnóstico legal é consequência histórica e que nos parece arraigada, de que a sociedade inadimplente precisa ser suprimida do sistema, em prol da proteção da sociedade e do crédito. Por isso, a etapa de constatação da viabilidade de uma empresa tem por objetivo evitar frustrações judiciais, uma vez que, sendo a sociedade inviável, deverá ocorrer a falência, 13 BLANES, Márcia. Aspectos legais da crise da empresa e sua viabilidade na lei de recuperação judicial. Cadernos Jurídicos da Escola Paulistana de Magistratura, São Paulo, ano 16, nº.39, p 79-90, jan./mar. 2015. 8 homenageando, inclusive, aqueles que seguem o melhor caminho no intuito de superar as dificuldades. Neste sentido, Coelho14 esclarece: Em outros termos, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação judicial (ou mesmo a extrajudicial). Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em maior ou menor extensão, em qualquer recuperação de empresa não derivada de solução de mercado, o empresário que a postula deve se mostrar digno do benefício. Deve mostrar, em outras palavras, que tem condições de devolver à sociedade brasileira, se e quando recuperado, pelo menos em parte o sacrifício feito para salvá-la. O exame da viabilidade deve ser feito em função de vetores como a importância social, a mão de obra e tecnologia empregadas, o volume do ativo e passivo, o tempo de existência da empresa e seu porte econômico. Na mesma concepção, Fázzio Junior15 aduz: A atividade empresarial afeta o mercado e a sociedade. O modo de produção econômica, no sistema capitalista, é determinante das demais instâncias sociais. Por isso, o interesse de agir nos processos regidos pela LRE reside na necessidade de um provimento judiciário para deslindar não só a crise econômico-financeira de um empresário, mas toda a espécie de relação daí decorrentes e suas repercussões sociais. A preservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico de insolvência. Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquela que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate. Em suma, é sempre árduo para um empresário estar em uma recuperação ou numa falência. Na primeira, acredita-se que a empresa, embora esteja em crise, possa ser salva. Ao passo que na segunda, entende-se que a pessoa jurídica não mais possui condições de cumprir com sua função social, sendo, portanto, inviável. Comprovada a viabilidade de uma empresa, essa deverá instruir o pedido de recuperação acompanhado da exposição dos motivos que fundamentam o pleito (causas que originaram a crise e vantagens que surgirão com a aprovação do plano). Para isso, observa-se o disposto no art. 5116 da Lei n. 11.101/2005, cuja avaliação não deve ser feita de forma superficial, mas sim rigorosa. Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; 14 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 28. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 319. 15 FÁZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2020, [s.n.]. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br. Acesso em: 15 jun. 2020. 16 BRASIL. Lei Nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da República, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 07 mai. 2020. 9 II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV – a relação integral dos empregados,em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. Ressalta-se, outrossim, quanto à legitimidade para ajuizar este tipo de ação. Nos termos do art. 48 da LREF, poderá requerer recuperação judicial o devedor que exerce regularmente suas atividades há mais de 2 anos, bem como atenda todos os requisitos a seguir: a) não ser falido ou, caso tenha sido, estejam declaradas judicialmente extintas as responsabilidades daí decorrentes; b) não tenha gozado de recuperação judicial (tanto a ordinária, quanto a especial) há menos de 5 anos; e c) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por crime falimentar. Além disso, para que se tenha êxito ao pleitear uma recuperação judicial, é preciso atentar-se à relevância da atividade para a economia da região (localidade), ao ativo e ao passivo do agente empresarial, ao seu faturamento e, essencialmente, às suas dívidas. Assim, o princípio da preservação da empresa, implícito no inciso II do art. 52 da Lei n. 11.101/2005, visa preservar a atividade econômica, em razão da função social, do interesse dos credores e da maximização econômica. Dado início ao processo de recuperação, deve-se suspender o curso das ações de execução, o que consiste no chamado stay period. De acordo com o art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005, o prazo dessa suspensão é de 180 (cento e oitenta) dias, não podendo ser prorrogado. Todavia, a jurisprudência tem relativizado o texto legislativo em razão do princípio da preservação da empresa, senão vejamos: SUSPENSÃO. PRAZO. 180 (CENTO E OITENTA) DIAS. PLANO. APROVAÇÃO. IMPROVIMENTO. I. Salvo exceções legais, o deferimento do pedido de recuperação judicial suspende as execuções individuais, ainda que 10 manejadas anteriormente ao advento da Lei 11.101/05. II. Em homenagem ao princípio da continuidade da sociedade empresarial, o simples decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias entre o deferimento e a aprovação do plano de recuperação judicial não enseja retomada das execuções individuais quando à pessoa jurídica, ou seus sócios e administradores, não se atribui a causa da demora. III. Recurso especial improvido.17 (grifos do autor) PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DE DIREITO E JUÍZO DO TRABALHO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO DEFERIDO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DE DIREITO E JUÍZO DO TRABALHO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO DEFERIDO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, ao Juízo Laboral compete tão-somente a análise da matéria referente à relação de trabalho, vedada a alienação ou disponibilização do ativo em ação cautelar ou reclamação trabalhista. 2. É que são dois valores a serem ponderados, a manutenção ou tentativa de soerguimento da empresa em recuperação, com todas as conseqüências sociais e econômicas dai decorrentes - como, por exemplo, a preservação de empregos, o giro comercial da recuperanda e o tratamento igual aos credores da mesma classe, na busca da "melhor solução para todos" -, e, de outro lado, o pagamento dos créditos trabalhistas reconhecidos perante a justiça laboral. 3. Em regra, uma vez deferido o processamento ou, a fortiori, aprovado o plano de recuperação judicial, revela-se incabível o prosseguimento automático das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4, da Lei 11.101/2005. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal.18 (grifos do autor) PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. JUÍZO DE DIREITO E JUÍZO DO TRABALHO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. ATOS DE EXECUÇÃO. MONTANTE APURADO. SUJEIÇÃO AO JUÍZO RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/05. RETOMADA DAS EXECUÇÕES INDIVIDUAIS. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. Com a edição da Lei n. 11.101, de 2005, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o respectivo Juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor. 2. Se, de um lado, há de se respeitar a exclusiva competência da Justiça laboral para solucionar questões atinentes à relação do trabalho (art. 114 da CF); por outro, não se pode perder de vista que, após a apuração do montante devido ao reclamante, processar-se-á no juízo da recuperação judicial a correspondente habilitação, ex vi dos princípios e normas legais que regem o plano de reorganização da empresa recuperanda. 3. A Segunda Seção do STJ tem entendimento jurisprudencial firmado no sentido de que, no estágio de recuperação judicial, não é razoável a retomada das execuções individuais após o simples decurso do prazo legal de 180 dias de que trata o art. 6º, § 4º, da Lei n. 17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.193.480/SP. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. DJe: 18 out. 2010. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201000853991.REG. Acesso em: 07 mai. 2020. 18 Id. Conflito de Competência nº 112.799/DF. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. DJe: 22 mar. 2011. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201001179288.REG. Acesso em: 07 mai. 2020. 11 11.101/05. 4. Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido.19 (grifos do autor) Cumpre referir que, no entendimento de Chagas20, o princípio da preservação consiste, inclusive, na primazia da empresa sobre o empresário, in verbis: Cabe, porém, ressaltar que a preservação da atividade empresarial não se confunde com a preservação da sociedade empresária. É que a teoria da empresa consagrou a distinção estanque entre empresa e empresário. E é a atividade desenvolvida (empresa) que merece proteção especial do Estado em razão de todos os benefícios que produz. Logo, há inequívoca primazia da empresa sobre o empresário, que poderá, inclusive, ser afastado se restarem provados malversação, fraude ou desvio patrimonial. [...] A extinção da empresa deve ser vista como última ratio [...]. Portanto, no âmbito de uma recuperação judicial, o fim das atividades da pessoa jurídica é considerado como última alternativa, tendo em vista que a recuperação tem por objeto auxiliar empresas a superarem o período de crise em que se encontram, evitando, assim, maiores prejuízos à economia. 5 DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ORDINÁRIA Em substituição a antiga concordata, criou-se o institutoda Recuperação Judicial, o qual trata-se de ferramenta utilizada para proteção do crédito do devedor empresário e a recuperação da situação econômica em que se encontra temporariamente. Desta forma, podemos dizer que consiste num instrumento processual que visa auxiliar a recuperação econômico-financeira do agente. Para tanto, a Lei n. 11.101/2005, assim dispõe: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Conflito de Competência nº 110.287/SP. Relator: Min. João Otávio de Noronha. DJe: 29 mar. 2010. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28%22JO%C3O+OT%C1VIO+DE+NORONHA%2 2%29.MIN.&processo=2010%2F0018634-9+OU+201000186349&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=tru>. Acesso em: 07 mai. 2020. 20 CHAGAS, 2019, p. 55. 12 Dentre as perspectivas de uma recuperação judicial, a recuperanda, para prevalecer à crise, deve manter sua produção, aliada à sua função social, conforme Chagas21: Pode-se dizer, então, que são sete os objetivos, pois todos os comandos do art. 47 estão relacionados à oportunidade que se confere ao empresário de manter-se no mercado, superando a crise econômico-financeira pela qual está passando. Todavia, existem etapas do procedimento necessárias à superação da crise. Por isso, a análise em três grupos: primeiro, o objetivo genérico (superar a crise); depois, os objetivos específicos (manter produção, empregos e interesses dos credores); por último, os resultados desejados (preservar: empresa, função social e estímulo à economia) Além disso, a Lei de Recuperação Judicial e Falências prevê uma série de condições e prazos a serem cumpridos para que a empresa se mantenha ativa, isto é, exercendo a produção de seus serviços. Em suma, a recuperação judicial, bem como a extrajudicial, tem por principal objetivo evitar a falência do devedor. Desse modo, a matéria em questão, na visão de Tomazette22, tem sido interpretada: Pelos contornos da recuperação judicial, fica claro que seu objetivo final é a superação da crise econômico financeira pela qual passa o devedor empresário. A finalidade imediata é, portanto, afastar a crise, contudo, nada impede que o instituto seja utilizado para prevenir uma crise que se mostre iminente. Embora o texto da Lei não pareça ter esse objetivo, a lógica impõe que se reconheça essa possibilidade, pois não há dúvida de que se a crise é evitável, é muito melhor impedi-la de começar do que deixá-la acontecer, para só então solucioná-la. Portanto, o objetivo mais amplo da recuperação é a superação ou a prevenção das crises da empresa. Dentro desse objetivo mais amplo, se inserem os objetivos mais específicos indicados no artigo 47 da Lei n o 11.101/2005, quais sejam: (a) a manutenção da fonte produtora; (b) a manutenção dos empregos dos trabalhadores; e (c) a preservação dos interesses dos credores. [...]. Para requerer a recuperação judicial de uma determinada sociedade, destaca-se a legitimidade do próprio empresário, do cônjuge sobrevivente, dos herdeiros, do inventariante e do sócio remanescente em caso de falecimento do empresário. Contudo, o art. 2º da Lei n. 11.101/2005 preconiza que não poderão optar por esse instituto as empresas públicas, as sociedades de economia mista, instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de crédito, consórcios, entidades de previdência complementar, operadoras de planos de assistência à saúde, sociedades seguradoras, de capitalização e equiparadas. O empresário que se encontra em recuperação almeja o menor prejuízo para seus credores, uma vez que conclui que seu estado econômico frágil é passageiro, pedindo, assim, 21 CHAGAS, 2019, p. 1095. 22 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas. v. 3. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 91. 13 auxílio para continuar com seu negócio. Para isto, se faz necessário a apresentação de um plano de recuperação judicial que, havendo a apresentação de objeção(ões) (discordância) de um ou mais credores, deverá ser submetido à aprovação em assembleia geral de credores. Somado aos supracitados requisitos, a lei também exige que a empresa esteja em regularidade há mais de dois anos e que não tenha se beneficiado de recuperação judicial nos últimos 5 anos, bem como que não possua, no seu quadro social, membro falido. Também não é possível efetuar o pedido a pessoa jurídica condenada por crime falimentar, sendo essa restrição estendida aos seus sócios e administradores. Conforme preceitua o art. 49 da Lei n. 11.101/2005, estão incluídos na recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os formulados em período posterior ao protocolo da ação, assim como adiantamento de contrato de câmbio para exportação e créditos tributários, contratos com cláusulas de irrevogabilidade ou irretratabilidade em incorporações imobiliárias, contratos de arrendamento mercantil e créditos tributários. O art. 50 contempla os meios exemplificativos, e não taxativos, que o devedor pode inserir no plano de recuperação (art. 53, LREF) que pretende implementar para sair da crise econômico-financeira. O instituto em comento, por trata-se de rito especial previsto em lei própria, divide-se em: processamento da recuperação judicial; apresentação do plano; e aprovação do mesmo pelos credores com a ulterior execução. No que diz respeito à apresentação do plano, a lei prevê que deverá ser efetuada no período máximo de 60 dias a contar da publicação do despacho de processamento (art. 52, LREF). Os credores, por sua vez, terão o prazo de 30 dias para manifestar objeção, contado da publicação da relação de credores, nos termos do art. 55 da LREF: “Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2º do art. 7º desta Lei.” Havendo uma ou mais objeções, será aprazada a realização de assembleia geral de credores, na qual serão discutidas eventuais alterações ao plano, bem como será feita a deliberação para aprovação ou não do mesmo. Eventuais modificações, conquanto, só serão válidas mediante expressa anuência do devedor, consoante § 3º do art. 56 do mencionado diploma legal. Em atenção ao princípio da publicidade, surge a necessidade de que seja noticiada a atual situação econômica da sociedade empresária para aqueles que futuramente negociem com 14 ela. Na visão de Coelho23, é imprescindível a inserção da expressão “em recuperação judicial” no nome da empresa: Durante toda a fase de execução, a sociedade empresária agregará ao seu nome a expressão “em recuperação judicial”, para conhecimento de todos que com ela se relacionam negocial e juridicamente. A omissão dessas expressões implica responsabilidade civil direta e pessoal do administrador que tiver representado a sociedade em recuperação no ato em que ela se verificou. Será, outrossim, levado à inscrição na Junta Comercial o deferimento do benefício. (grifos do autor) Aprovado o plano e concedida a recuperação judicial, se houver o descumprimento de alguma obrigação, o juiz poderá, ex officio, convolar a recuperação em falência, nos termos do § 1º do art. 61 da Lei n. 11.101/2005. Entretanto, devidamente cumpridas as obrigações constantes no plano, e transcorrido mais de dois anos da concessão, se encerrará a recuperação judicial, com a consequente supressão da expressão “em recuperação” do nome da empresa, consoante art. 6324 da lei.6 A FIGURA DO ADMINISTRADOR JUDICIAL Dentre os agentes da recuperação judicial abrangidos pelas LREF, se encontra presente o chamado administrador judicial. Conforme disposto no art. 21, o administrador será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas, contador, ou pessoa jurídica especializada. No mais, Tomazette25 complementa: Para garantir o bom exercício das suas funções, a lei impõe certo grau de imparcialidade na sua escolha, isto é, proíbe também a nomeação como administrador judicial de pessoas que tenham relação de parentesco ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. Também se trata de impedimento similar ao que havia na Lei anterior, contudo, melhor detalhado, na medida em que agora se 23 COELHO, 2016, p. 328. 24 Art. 63. Cumpridas as obrigações vencidas no prazo previsto no caput do art. 61 desta Lei, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará: I – o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente podendo efetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta) dias, e aprovação do relatório previsto no inciso III do caput deste artigo; II – a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas; III – a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor; IV – a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial; V – a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis. (BRASIL. Lei Nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da República, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 07 mai. 2020.) 25 TOMAZETTE, v. 3, 2017, p. 170. 15 refere expressamente também aos administradores e controladores da sociedade, além do próprio devedor e dos seus representantes legais. [...]. Tanto no processo de recuperação judicial quanto no processo de falência, cabe ao juiz a escolha desse profissional, pois o administrador atuará como seu auxiliar nas questões procedimentais da ação, agindo de forma imparcial, sem favorecimento ou prejuízo às partes. Outrossim, prevê o art. 6426 da Lei 11.101/2005 que o administrador judicial possui a função de fiscalizar a execução do plano de recuperação, bem como os administradores da pessoa jurídica, que continuarão gerenciando o negócio. Assim, entende Negrão27: O magistrado, ao determinar o processamento da recuperação judicial (art. 52, I) ou ao decretar a falência (art. 99, IX) deve nomear um administrador judicial, fazendo recair sua escolha em um dos seguintes profissionais: advogado, economista, administrador de empresas ou contador, encontrados, de preferência, na comarca ou proximidades, tendo em vista a extensão dos trabalhos e a necessidade de intensa fiscalização sobre os atos do devedor. Nas comarcas com mais recursos, o juiz pode preferir a nomeação de pessoa jurídica especializada, isto é, sociedades que prestam serviços de auditoria ou contabilidade e que, ao assumirem o encargo, deverão indicar o nome de um dos profissionais de seu quadro para a função de responsável pela condução dos trabalhos em Juízo, não podendo ser substituído sem autorização judicial (art. 21). Percebe-se aqui o cuidado do legislador em profissionalizar as funções, determinando que a escolha se faça por critério de competência técnica, segundo as circunstâncias que o processo em Juízo exigir. De acordo com o art. 30, caput, da LREF, não poderá exercer o cargo de administrador judicial quem, nos últimos cinco anos, “no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada”. Do mesmo modo, conforme § 1º desse dispositivo, fica impedido de assumir tal função aquele que tiver 26 Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles: I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente; II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei; III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores; IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas: a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial; b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas; c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular; d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial; V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê; VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial. (BRASIL. Lei Nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da República, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 07 mai. 2020.) 27 NEGRÃO, Ricardo. Curso de direito comercial e de empresa: recuperação judicial de empresa, falência e procedimentos concursais administrativos. v. 3. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 111. 16 parentesco ou afinidade até o terceiro grau com o devedor, seus administradores, controladores e/ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. Salienta-se, então, que o Ministério Público poderá intervir na escolha do administrador judicial, caso haja alguma irregularidade ou ilegalidade (art. 30, § 2º), o que deverá ser julgado pelo magistrado em até 24 horas (art. 30, § 3º). 7 DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ESPECIAL PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE Como anteriormente mencionado, a recuperação judicial é um conjunto de procedimentos que visam reestabelecer a saúde financeira de uma empresa. Esse conjunto, no entanto, acarreta num elevado custo processual que, não raras vezes, acaba por prejudicar o reestabelecimento do pequeno empreendedor. Diante disso, a Lei 11.101/2005 prevê uma recuperação judicial baseada em um plano especial voltado às pessoas jurídicas mais frágeis do mercado, quais sejam, as microempresas e empresas de pequeno porte. Esta modalidade de recuperação possui o mesmo propósito do regime ordinário, porém, contém procedimento mais simplificado. Chagas28, assim afirma: Considerando essas dificuldades dos pequenos empresários, a Lei n. 11.101/2005, em seus arts. 70, 71 e 72, criou uma forma especial de recuperação judicial. A recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte visa dar aos pequenos empresários uma alternativa mais viável para o resgate do pequeno negócio. Como dito, a finalidade é promover a recuperação judicial dos pequenos, com base em uma fórmula menos burocrática, incondicionada e preestabelecida. De certo, a ação deve ser ajuizada no local em que seencontra o principal estabelecimento do devedor, consoante art. 3º da Lei n. 11.101/2005. No entanto, para alguns doutrinadores, entende-se como principal estabelecimento aquele com maior volume de negócios, ou seja, que detém maior faturamento e o maior número de funcionários. Em contrapartida, o Conselho de Justiça Federal, no Enunciado n. 466, compreende: “[...] para fins do Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro público.” Ainda, a matéria quanto à competência para ajuizamento da ação, tem sido interpretada pela jurisprudência da seguinte forma: 28 CHAGAS, 2019, p. 1153. 17 AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA. FIXAÇÃO DO JUÍZO UNIVERSAL. PRINCIPAL ESTABELECIMENTO. DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA. DECLARADA A INCOMPETÊNCIA DESTE JUÍZO. RECURSO PREJUDICADO. 1. A parte agravante suscitou conflito de competência perante o Superior Tribunal de Justiça, tombado sob o nº 154.788/RJ, a fim de que fosse determinado o principal estabelecimento da empresa para estabelecer o Juízo competente para processual a Recuperação Judicial, tendo aquela Corte fixado a competência da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro para apreciar as questões atinentes a reestruturação judicial e, consequentemente, a matéria tratada no presente feito. 2. O Princípio da indivisibilidade do Juízo concursal está inserido no art. 76 da LRF que estabelece que o juízo da falência e da recuperação é indivisível e competente para todas as ações e reclamações sobre os bens, interesses e negócios do devedor. 3. A respeito da definição do juízo competente para processar e julgar os processos de recuperação judicial e falência, o art. 3º da Lei n.º 11.101/05 define que será aquele do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial da empresa que não tenha sede no Brasil. 4. Cumpre ressaltar que o principal estabelecimento é indicado no estatuto social, não havendo esta é aquele onde se encontra o poder de mando, principais operações econômicas e financeiras, bem como a contabilidade geral, devendo ser analisados estes pontos de acordo com as peculiaridades de cada caso para definição a competência, a qual é absoluta em razão da matéria. 5. Dessa forma, fixado o local do principal estabelecimento, onde se encontra o poder de mando e as principais atividades econômico-financeiras, aquele é o Juízo competente para decidir as questões que versem sobre a recuperação judicial, sendo esta Corte incompetente para decidir quanto a matéria em análise, prejudicado o presente recurso, devendo ser comunicada esta decisão a origem. Recurso julgado prejudicado.29 (grifos do autor) EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE FALÊNCIA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO FALIMENTAR. PRINCIPAL ESTABELECIMENTO DO DEVEDOR. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE 1. A falência deve ser requerida no foro do local onde a empresa devedora mantém o seu estabelecimento principal, sendo a competência do juízo falimentar absoluta. 2. O principal estabelecimento corresponde ao centro gerador das decisões negociais, que deve ser buscado do ponto de vista econômico, justamente por ser o local em que se encontra o maior número de bens da empresa e de seus credores.30 (grifos do autor) PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL AJUIZADO NO DISTRITO FEDERAL. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA O RIO DE JANEIRO - RJ. PRINCIPAL ESTABELECIMENTO. ARTS. 3º E 6º, § 8º, DA LEI N. 11.101/2005. VIOLAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. INDISPONIBILIDADE DE BENS E INATIVIDADE DA EMPRESA. POSTERIOR MODIFICAÇÃO DA SEDE NO CONTRATO SOCIAL. QUADRO FÁTICO IMUTÁVEL NA INSTÂNCIA ESPECIAL. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. O quadro fático-probatório descrito no acórdão recorrido não pode ser modificado em recurso especial, esbarrando na vedação contida no Enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Em tal circunstância, não produzem efeito algum neste julgamento as alegações recursais a respeito da suposta atividade econômica exercida nesta Capital e da eventual ausência de citação nos 29 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 70073855884. Relator: Des. Jorge Luiz Lopes do Canto. DJe: 05 jun. 2018. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/busca/?return=proc&client=wp_index&combo_comarca=&comarca=&numero_pro cesso=&numero_processo_desktop=70073855884&CNJ=N&comarca=&nome_comarca=&uf_OAB=&OAB=& comarca=&nome_comarca=&nome_parte=. Acesso em: 07 mai. 2020. 30 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 1.0521.12.017298-1/001. Relator: Des. Edilson Olímpio Fernandes. DJe: 08 jul. 2016. Disponível em: https://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?listaProcessos=10521120172981001. Acesso em: 07 mai. 2020. 18 autos do pedido de falência referido pela recorrente, aspectos que nem mesmo foram enfrentados pelo Tribunal de origem. 2. A qualificação de principal estabelecimento, referido no art. 3º da Lei n. 11.101/2005, revela uma situação fática vinculada à apuração do local onde exercidas as atividades mais importantes da empresa, não se confundindo, necessariamente, com o endereço da sede, formalmente constante do estatuto social e objeto de alteração no presente caso. 3. Tornados os bens indisponíveis e encerradas as atividades da empresa cuja recuperação é postulada, firma-se como competente o juízo do último local em que se situava o principal estabelecimento, de forma a proteger o direito dos credores e a tornar menos complexa a atividade do Poder Judiciário, orientação que se concilia com o espírito da norma legal. 4. Concretamente, conforme apurado nas instâncias ordinárias, o principal estabelecimento da recorrente, antes da inatividade, localizava-se no Rio de Janeiro - RJ, onde foram propostas inúmeras ações na Justiça comum e na Justiça Federal, entre elas até mesmo um pedido de falência, segundo a recorrente, em 2004, razão pela qual a prevenção do referido foro permanece intacta. 5. Recurso especial improvido.31 (grifos do autor) Considerando que a utilização do plano especial é opcional, a petição inicial deverá preencher os requisitos estabelecidos no art. 48 da LREF, sendo necessário que se indique expressamente a escolha pela recuperação judicial especial, sob pena de ser instaurada uma recuperação judicial ordinária. Teixeira32, complementa: É bom salientar que na petição inicial deve ficar claro que o empresário pleiteia a recuperação especial para ME ou EPP, pois do contrário, poderá o juiz entender que ele deseja a recuperação judicial ordinária, uma vez que esta, em tese, é possível também à ME ou EPP. Mas nesse caso, precisará atender aos requisitos que são próprios da recuperação ordinária/convencional. Sendo assim, a microempresa ou empresa de pequeno porte que se encontra em dificuldades financeiras, mas com possibilidade de recuperação, poderá optar tanto pela recuperação judicial comum, quanto pela recuperação especial. Para esta última, também é de caráter obrigatório que a petição inicial seja acompanhada dos documentos elencados no art. 51 da Lei 11.101/2005, salientando que o seu § 2º permite a apresentação de documentação e escrituração de maneira simplificada. Observados todos os pressupostos, o juiz irá deferir a recuperação. A decisão do processamento possuirá efeitos a todos os credores existentes na data do pedido, excluindo-se 31 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.006.093/DF. Relator: Min. Antonio Carlos Ferreira. DJe: 16 out. 2014. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28%22ANTONIO+CARLOS+FERREIRA%22%29. MIN.&processo=1006093&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 07 mai. 2020. 32 TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 5. ed. São Paulo:Saraiva, 2016, [s.n.]. Disponível em: https://www.academia.edu/37198686/Direito_Empresarial_Sistematizado_- _Tarc%C3%ADsio_Teixeira_-_2016.pdf. Acesso em: 10 jun. 2020. 19 somente créditos fiscais e recursos oficiais, de acordo com as alterações trazidas pela Lei Completar n. 147/2014, a qual permitiu um aumento no número de credores a serem abrangidos. Anteriormente à Lei Complementar n. 147/2014, o plano especial englobava somente os créditos quirografários (excetuando-se aqueles indicados nos §§ 3º e 4º do art. 49 e no inc. I do art. 71 da LREF), aos quais era permitido o parcelamento em até trinta e seis meses, mediante correção monetária e juros de acréscimo de 12% ao ano, podendo, ainda, ser paga a primeira parcela em até cento e oitenta dias contados do ajuizamento da ação. Além disso, antes da alteração legislativa o devedor não poderia requerer a recuperação especial se dela já tivesse se utilizado nos últimos 8 anos, ao passo que, para a recuperação ordinária, este prazo sempre foi de 5 anos. Neste contexto, Tomazette33 afirma: No regime original, o devedor empresário que se enquadre como microempresa ou empresa de pequeno porte só podia requerer a recuperação especial em face dos seus credores quirografários, excetuados aqueles decorrentes do repasse de verbas oficiais e os credores proprietários referidos nos artigos 49, § 3o, e 86, II, da Lei no 11.101/2005. Atualmente, com a Lei Complementar no 147, a amplitude é maior, podendo ser abrangidos na recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3o e 4o do artigo 49. Abrangem-se praticamente todos os créditos, excetuados apenas os créditos fiscais, os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os chamados credores proprietários previstos nos §§ 3o e 4o do art. 49. A abrangência de mais tipos de credores dá uma chance maior de recuperação ao devedor. A limitação aos credores quirografários, era uma repetição da antiga concordata que restringia demasiadamente a chance de recuperação, na medida em que é muito difícil ter apenas credores quirografários no quadro de credores. Dessa forma, tal iniciativa tende a permitir que a recuperação judicial seja mais efetiva. Contudo, cabe destacar que, diferentemente da recuperação judicial comum, a recuperação com base no plano especial, por força do parágrafo único do art. 71, não importa na suspensão do prazo prescricional das ações e execuções dos créditos não incluídos no plano, o que contraria a ideia de um tratamento favorecido aos micro e pequenos empresários. Mamede34, assim assevera: “O pedido de recuperação judicial com base em plano especial formulado por microempresa ou empresa de pequeno porte não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.” Com o deferimento do processamento, inicia-se o prazo de 60 dias para o devedor apresentar o plano especial de recuperação, momento em que o juiz nomeará um administrador judicial, nos termos do art. 52 da Lei de Recuperações e Falências. 33 TOMAZETTE, v. 3, 2017, p. 343-344. 34 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 452. 20 Todavia, ao contrário do plano de recuperação ordinário, o plano especial possui forma pré-fixada na Lei, prevista no art. 7135. Nesta modalidade de recuperação, não cabe a convocação de assembleia geral de credores para deliberarem sobre o plano, sendo competência exclusiva do juiz observar os parâmetros fixados na LREF. No entendimento de Mamede36, o não preenchimento de todos os pressupostos legais obriga o magistrado a decidir pela improcedência do pleito, com a consequente decretação da falência, nos termos do parágrafo único do art. 7237: Se não atender a tais requisitos, o juiz julgará improcedente o pedido e, em consequência, decretará a falência do devedor; é o que se extrai do parágrafo único do artigo 72 que, embora se refira a uma outra situação, a ser estudada a seguir, utiliza- se da frase o juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial e decretará a falência do devedor. Ora, (1) por técnica legislativa, cabe ao caput a regra e ao parágrafo os esclarecimentos ou ressalvas. No caso, colocou--se a procedência do pedido no caput e, em oposição, a improcedência do pedido no parágrafo único, que se interpreta, portanto, como uma só solução, uma só consequência para a hipótese versada, qual seja, a improcedência do pedido de recuperação: a decretação da falência. (2) Por interpretação gramatical, vê-se que o advérbio também e a conjunção e estão diretamente relacionados, a significar que se previu, para as duas hipóteses, o mesmo tratamento: a improcedência do pedido e a decretação da falência. (3) Por interpretação estrutural – e, mesmo, por estilística –, sabe-se que, se estivéssemos diante de duas consequências diversas para a mesma hipótese (a improcedência do pedido), tal ressalva deveria resultar clara do texto normativo, o que não ocorre. Não se veem no conjunto do artigo (caput e parágrafo único) duas consequências diversas, mas apenas uma: a falência. Entretanto, o posicionamento de Tomazette38 é divergente quanto a este ponto, pois, para o autor, as hipóteses de falência devem sempre ser interpretadas em favorecimento da empresa, haja vista a gravidade das consequências que a decretação da quebra acarretará: Gladston Mamede entende que também será decretada a falência se não houver o atendimento aos requisitos legais, pois haveria uma análise do mérito do pedido e não apenas questões processuais. A nosso ver, porém, a decretação da falência só seria possível nas hipóteses previstas expressamente no artigo 73 da Lei nº 11.101/2005, dentre as quais não se encontra a falta de requisitos. O uso do aditivo também no artigo 72 se refere às demais hipóteses de convolação em falência, como a não apresentação 35 Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar- se á às seguintes condições: I - abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49 II - preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas; III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial; IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados. (BRASIL. Lei Nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da República, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 07 mai. 2020.) 36 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 178. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br. Acesso em: 15 jun. 2020. 37 BRASIL. Op. Cit. 38 TOMAZETTE, v. 3, 2017, p. 347-348. 21 do plano de recuperação no prazo legal. Ademais, permitir a decretação da falência em mais casos não se coaduna com a ideia do tratamento privilegiado às microempresas e empresas de pequeno porte. Neste caso, a falência apenas deve ser decretada diante das circunstâncias preconizadas em lei, não sendo permitida interpretação extensiva. Outradissemelhança é o fato de que, ao optar pela recuperação especial, fica condicionado à autorização judicial, após ouvido o administrador judicial e o comitê de credores (que, em tese, somente pode ser constituído em assembleia geral de credores, a qual é dispensada aos optantes desta modalidade), o aumento do número de empregados e de outras despesas. Nesse sentido, Zanini39 menciona: Dentre as condições estabelecidas pela Lei para o Plano Especial, encontra-se a da necessidade de prévia autorização judicial para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados (art. 71, IV); decisão essa que deve ser proferida após ouvidos o administrador judicial e o Comitê de Credores. Embora possa-se nele divisar a boa intenção do legislador, o dispositivo não nos parece dos mais felizes. [...]. Neste contexto, aliás, a Lei inclusive dispensa a convocação da Assembléia-Geral de Credores, com o que dificilmente terá sido instaurado o Comitê de Credores, cuja oitiva prévia – juntamente com a do administrador judicial – é exigida pela Lei para a tomada da decisão judicial. Peca também por empregar uma redação vaga e imprecisa, podendo oferecer, na prática, um empecilho à gestão da atividade empresária em crise. Observe-se, nesse sentido, que o dispositivo em questão condiciona à prévia decisão judicial o ato de contratar empregados. Não diz, contudo, se é qualquer contratação, ainda que efetuada para preencher vaga deixada por empregado previamente demitido ou temporariamente afastado. Ademais, a contratação de empregados denota expansão das atividades, vindo, portanto, em favor da recuperação, e não o contrário. Condicioná-la à prévia autorização judicial – precedida da opinião prévia exarada pelo administrador judicial – pode, por conseguinte, muito bem constituir-se em entrave à recuperação, acarretando um engessamento da gestão incompatível com a celeridade exigida pela boa prática da atividade empresária. Os mesmos argumentos podem ser aplicados à restrição posta ao aumento de despesas. Aliás, é praticamente impossível – e absolutamente desaconselhável – proceder-se a uma análise pontual e isolada das despesas incorridas por uma empresa. Só se pode falar em aumento ou diminuição de despesas relativamente a um dado período de tempo, que, no entanto, não vem indicado na Lei. Portanto, neste ponto, o legislador, ao invés de facilitar a administração das empresas hipossuficientes, acabou por aumentar a quantidade de restrições. Com a apresentação do plano, será publicado edital para que se cientifique os credores da proposta. Ato contínuo, iniciará o prazo de 30 dias para apresentação das objeções, as quais deverão estar acompanhadas das razões de motivação para tanto (art. 55, LREF). Há, também, a possibilidade de os credores requerem perante o juiz a improcedência do pedido, mas para isso é necessário que se tenha a concordância de mais da metade dos credores. 39 ZANINI, 2007, p. 326-327. 22 Ressalta-se, ainda, que a objeção ao plano de recuperação deve ser fundamentada. Nesta esteira, Restiffe40 afirma: A exceção ao plano especial de recuperação judicial apresentado pelo devedor, que deve ser apresentado no trintídio seguinte à publicação do aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação apresentado pelo devedor, deve ser fundamentada, devendo o credor excipiente indicar, justificadamente, as razões de sua impugnação. Como já abordado no âmbito da recuperação judicial ordinária, em caso de não haver objeções, o plano será aprovado tacitamente. Todavia, o que se difere no plano de recuperação especial é que, caso haja uma ou mais objeções, não será convocada assembleia geral, conforme vedação expressa no art. 7241 da Lei 11.101/2005. Quanto a esse ponto, Bezerra Filho42 leciona: Nesse aspecto, há desvantagens para o pequeno empresário, pois, para outros casos de recuperação judicial normal, se houver objeção dos credores, esta sempre poderá ser afastada pela assembleia geral (art. 56), que, no presente caso, não será convocada. (grifos do autor) Cumpre destacar que, se as impugnações ao plano, apresentadas dentro do prazo legal de 30 dias a contar da publicação do 1º edital, totalizarem mais da metade do crédito de uma das classes, o juiz decretará a quebra da empresa, convalidando a recuperação em falência (art. 72, parágrafo único, LREF). Tomazette43, assim assevera: O juiz decretará a falência, automaticamente, se houver objeção de credores que representam mais da metade de qualquer uma das classes dos créditos abrangidos (Lei no 11.101/2005 – art. 72, parágrafo único). Neste particular, a recuperação especial é pior do que a recuperação judicial ordinária, na medida em que nesta a rejeição por uma das classes do artigo 41 não importa a automática rejeição do acordo. Assim, o melhor seria afastar esta decretação automática da falência, fazendo uma interpretação teleológica, para considerar que o plano só será rejeitado se for rejeitado pela maioria das classes abrangidas (objeção de mais da metade dos créditos), aplicando-se neste caso a mesma divisão de classes do artigo 41. Em todos os casos, 40 RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de empresas: de acordo com a Lei 11.101, de 09-02-2005. Barueri- SP: Manole, 2008, p. 254. 41 Art. 72. Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei. (BRASIL. Lei Nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da República, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 07 mai. 2020.) 42 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 196. 43 TOMAZETTE, v. 3, 2017, p. 347. 23 a contagem dos votos deverá obedecer ao disposto no artigo 45 da Lei no 11.101/2005. (grifos do autor) Outrossim, registra-se que o legislador foi omisso quanto aos prazos de manutenção dos bens alienados e/ou arrendados, como abordado por Bezerra Filho 44, nos seguintes termos: Em consequência, também não se concede ao pequeno empresário a manutenção em suas mãos, pelo prazo de 180 dias, de máquinas, equipamentos e veículos que estejam alienados fiduciariamente ou arrendados, enfim, quaisquer bens que estejam nas situações previstas no § 3° do art. 49. Em análise do regramento anterior, Decreto-lei n. 7661/45, percebe-se a relevância da concordata preventiva, antigo instituto judicial que tinha por objetivo evitar a falência do comerciante, possibilitando sua recuperação por meio da prorrogação de prazo para adimplemento dos créditos quirografários, somente. Ocorre que este velho mecanismo era bastante similar à forma originalmente dada à modalidade de recuperação voltada para as micro e pequenas empresas, pois também apresentava as seguintes características: abrangência de créditos quirografários, somente (na recuperação judicial especial, esta limitação deixou de existir com a vigência da LC n. 147/2014); pagamento de forma parcelada; previsão de prazo máximo para quitação da dívida; e correção do débito à recuperação acrescida com juros de 12% ao ano (a partir da LC n. 147/2014, esse acréscimo passou a ser calculado com base na taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC).45 Neste ponto, mostra-se contraditório a conduta do legislador na elaboração da Lei n. 11.101/2005, vez que a recuperação judicial surgiu para melhor atender à finalidade social da empresa, permitindo suamanutenção, o que dificilmente se conseguia no antigo regime. No atual instituto, exclusivamente para microempresas e empresas de pequeno porte, manteve-se uma sistemática semelhante, contrariando a ideia de melhor tratamento para estas classes. Considerando o mandamento constitucional já analisado neste trabalho, a Lei 11.101/2005 não poderia ter atribuído, a essa parcela fragilizada do ramo empresarial, um regramento tão aproximado ao regramento anterior, inclusive, porque a mudança legislativa se deu em razão da ineficácia da antiga concordata na conservação de empresas. Em vista disso, as empresas pormenorizadas se veem diante de duas opções: i) ajuizar uma recuperação ordinária, o que acaba sendo prejudicial devido ao elevado custo 44 BEZERRA FILHO, 2014, p. 196. 45 Id. Recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte: Modificações introduzidas pela Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014. Cadernos Jurídicos da Escola Paulistana de Magistratura, São Paulo, ano 16, n. 39, p. 21-31, jan./mar. 2015. 24 procedimental, e ii) optar por um plano especial, cujas características se assemelham às da antiga concordata, que restringia a recuperação apenas ao parcelamento da dívida e à limitação dos juros, medidas essas que muitas vezes se revelavam inexpressivas para o saneamento da crise. Nessa acepção, Bezerra Filho46 adverte: A Lei 11.101, na redação original do art. 71, chegava a ser contraditória. Se a afirmação era de que a lei de 1945 precisaria ser mudada, porque a concordata não propiciava qualquer condição de recuperação à empresa, parecia não haver justificativa para que se concedesse à pequena empresa um sistema tão semelhante à concordata anterior. Assim sendo, ainda que a norma almeje tornar o procedimento mais simplificado e menos oneroso para as microempresas e empresas de pequeno porte, sendo o plano previamente fixado em lei e sem carecer de aprovação dos credores, acaba por ser ineficaz, resultando, por consequência, na sua inaplicabilidade, uma vez que se esgotam as hipóteses de recuperação. Nas palavras, Martins47 ilustra: Balizada a matéria, quando o legislador ordinário cuidou da recuperação de pequenas empresas, também de modo pouco animador, deu-lhe tratamento no mínimo insustentável, qual seja, sem qualquer privilégio, concedendo prazo de três anos para soerguimento da atividade, impondo juros de 12% ao ano, em resumo, nada de especial para arrebanhar o grande volume de negócios centrados em atividades dessa natureza. Com efeito, a disciplina tocante à recuperação de pequenas e microempresas, sem sombra de dúvida, veio tratada do art. 70 até o art. 72 da Lei nº 11.101/05, mais grave ainda, resvalando apenas e tão somente nos credores quirografários, quando na maioria das vezes as dívidas tributárias e fiscais representam a grande massa prejudicial ao pequeno empreendedor. Estudos efetuados pela Fundação Getúlio Vargas, em solicitação do Ministério da Justiça, apontam que a recuperação judicial com base no plano especial acaba por não ter efeito prático. Em que pese as alterações trazidas posteriormente pela Lei Complementar n. 147/2014, a Lei n. 11.101/2005 não abrange uma normativa que atenda integralmente a imposição constitucional de tratamento favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, visto que pré-determinou os moldes dessa modalidade de recuperação, restringindo o plano ao parcelamento limitado e a não dilação do prazo para início do pagamento do débito, ao passo 46 BEZERRA FILHO, 2014, p. 193. 47 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa, empresários e sociedades. v. 1. 42. ed. rev. atual. e ampl. por Carlos Henrique Abrão. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 124. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br. Acesso em: 15 jun. 2020. 25 que na modalidade ordinária há possibilidade de escolha do modo mais satisfatório para o reestabelecimento da empresa.48 Como já vimos, essa limitação, aferida à recuperação judicial especial, é criticada pela doutrina jurídica, tendo em vista que, não raras vezes, o parcelamento se mostra como forma menos eficiente a sanar a crise. Na visão de Ramos49, “o plano especial disciplinado pela LRE não atendeu às expectativas, uma vez que se resume, basicamente, a um curto parcelamento de seus débitos”. Antes da reforma trazida pela LC n. 147/2014, Ramez Tebet50, Senador que participou da elaboração da Lei de Recuperação e Falências, justificou a limitação imposta a abrangência do plano especial, que à época permitia apenas a inclusão de créditos quirografários, nos seguintes termos: Saliente-se, ainda, que a inclusão de créditos não quirografários e a maior flexibilidade nos termos do plano especial – ao contrário do que pode parecer em um exame desatento e ingênuo do assunto – traria prejuízo, e não benefício, às micro e pequenas empresas, pois o risco envolvido em qualquer negócio realizado com elas seria sobremaneira agravado na avaliação do mercado. Dessa forma, os pequenos teriam o custo do seu crédito aumentado significativamente ou simplesmente perderiam acesso ao financiamento de sua atividade. Destarte, é notária a preocupação do legislador em fornecer condições mais benéficas às microempresas e empresas de pequeno porte. Apesar disso, a bem da verdade é que a lei acabou por dificultar o acesso desta classe de empresas à recuperação mais adequada. O micro e o pequeno empresário, então, se veem impelidos a optarem por um procedimento de recuperação mais amplo, diferente daquele que, teoricamente, deveria ser mais benéfico, propiciando o exercício de sua atividade, porém de forma dificultosa devido ao elevado custo processual. 8 CONCLUSÃO Considerando o estudo aqui exposado, iniciando por uma interpretação finalística da Constituição da República e transitando pela comparação entre os regimes ordinário e especial 48 BRASIL. Ministério da Justiça (Secretaria de Assuntos Legislativos). Análise da nova lei de falências. Brasília, DF: 2010, p. 75-76. Disponível em: http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/22pensando_direito- 1.pdf. Acesso em: 26 abr. 2020. 49 RAMOS, 2017, [s.n.]. 50 TEBET, Ramez. Parecer 534: Lei 11.101/2005. Brasília, 2005. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=580933. Acesso em: 26 abr. 2020. 26 de recuperação judicial, é possível concluir que, em que pese a atenção dada pela Lei n. 11.101/2005 em instituir um regime próprio de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte, terminou por não satisfazer o mandamento constitucional de tratamento distinto e privilegiado, com o propósito de propiciar melhores oportunidades para essas pessoas jurídicas. Não é por menos que parte da doutrina manifesta o mesmo entendimento. Sendo assim, grande parcela dessas empresas, quando se encontram em dificuldades financeiras, não desfrutam de um método de recuperação judicial efetivo e menos oneroso e, consequentemente, acabam falindo, vez que se deparam com diversas limitações do plano especial (seja por não abarcar créditos que eventualmente são a maior parte de seu débito, seja por limitar o parcelamento do passivo em até 36 prestações, com a possibilidade de abatimento do valor das dívidas e a obrigação de pagar a primeira parcela no prazo de 180 dias após o ajuizamento da ação), assim como com dificuldades quanto ao cumprimento dos requisitos à concessão da recuperação ordinária, em que o custo se mostra elevado. Ainda, a adoção do plano especial não confere ao postulante a benesse do stay period para os créditos não atingidos na recuperação. Sem contar que a objeção ao plano apresentado, manifestada por mais da metade de qualquer das classes de credores, resulta na falência imediata, pois a lei veda a realização de assembleia (a qual é prevista na recuperação ordinária),
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