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Feminino_e_Feminicidio _Estudos_sobre_re

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MARIA DOLORES DE BRITO MOTA E MARIA ZELMA DE 
ARAÚJO MADEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FEMINICÍDIO E FEMININO 
 
 
Estudos sobre relações de gênero, violência, feminilidade e 
cultura 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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SUMÁRIO 
 
 
 
 
 
Parte I – FEMINICÍDIO – CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DE CRIMES DE 
GÊNERO CONTRA MULHERES 
 
por Maria Dolores de Brito Mota ............................................................................. 
 
1. Feminicídio: assassinatos de mulheres por questões de gênero 
 
2. Fisiografia dos assassinatos de mulheres – a imolação do feminino no feminicídio 
 
3. Amor e Violência: aspecto sócio – afetivos da violência de homens contra 
mulheres 
 
 
 
 
 
Parte II – O FEMININO E A MATERNIDADE COMO CONSTRUÇÃO SOCIO- 
CULTURAL 
 
por Maria Zelma de Araújo Madeira 
 
1. A construção do feminino e da maternidade na sociedade ocidental judaico-
cristã 
 
2. O feminino e a maternidade nas religiões de matriz africana 
 
 
 
 
 
 
 
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Parte I 
 
 
Feminicídio – contribuições para o estudo 
do crime de gênero contra mulheresi 
 
Maria Dolores de Brito Mota 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha mãe Madalena, meu pai Mário, 
minhas filhas Julia e Camila, 
pessoas com quem aprendo todos os dias 
a ver o mundo e viver uma existência. 
 
i Este estudo foi realizado com apoio do CNPq, através do Edital Universal de 2006 ao projeto de 
pesquisa “Amores Perplexos: aspectos simbólicos da violência contra mulheres por parceiros amorosos”, 
que contou com a participação das estudantes Auricélia da Silva Costa, Thiala Cristine de Albuquerque 
de Morais, Fabiana Ximenes Barros, Kaline Maciel Gomes, Helena Vieira de Souza. 
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INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 A violência de gênero praticada contra mulheres é um aspecto dramático da 
desigualdade de gênero que muitas culmina na morte da mulher sem que isso signifique 
interromper a violência. Isso porque, a imagem da vítima frequentemente passa por um 
processo de desqualificação social, ou porque o criminoso não sofre a punição devida 
por seu delito. Esse assassinato de mulheres, cometido por seus parceiros de 
relacionamentos amorosos ou por familiares, quase sempre é apresentado à sociedade 
nas secções policiais dos noticiários e jornais da mídia escrita ou televisa, emergindo 
como uma tragédia. Uma tragédia tem o significado de “ocorrência ou acontecimento 
funesto que desperta piedade ou horror; catástrofe, desgraça, infortúnio”
i
, ou ainda pode 
ser uma narração lírica de um drama que termina com um acontecimento fatal. Desse 
modo uma tragédia é um acontecimento excepcional, o que não corresponde aos 
assassinatos de mulheres decorrentes de questões de gênero, ligadas ao papel e ao 
significado de ser mulher. 
 Esses assassinatos de mulheres ocorrem como alternativa construída por 
elementos de uma cultura de dominação masculina em que a violência é um de seus 
componentes. Sendo uma trama culturalmente em-gendrada, esses crimes não podem 
ser compreendidos com os conceitos de um homicídio, não apenas porque é o 
assassinato de uma mulher, mas porque a mulher foi assassinada em decorrência de 
valores culturais que a situaram numa posição em que a sua morte foi uma escolha 
numa sucessão de acontecimentos radicados nas relações de gênero vigentes. 
 Para Marilena Chauí (1984), a violência contra mulher deve levar em conta a 
violência como a expressão de uma normalidade social que converte as diferenças em 
desigualdades hierárquicas com fins de dominação, exploração e opressão; e também 
como ação que trata o outro como objeto. Chauí ao falar sobre essa violência, 
estabelece distinções entre os conceitos de violência e de força e, entre estes e o 
conceito de poder, afirmando que a força deseja a supressão do outro e a violência 
almeja a sujeição consentida, mediada pela vontade do outro. Essa sujeição feminina 
 
i Dicionário Houaiss Eletrônico. FL Gama Design Ltda, 2007. 
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pode ser conflituosa (uma submissão sem querer ou sem saber como romper), pois nem 
sempre ceder é consentir, como diz Rangel, levantando a hipótese de se considerar as 
mulheres como “sujeitos com a consciência mediatizada pela concepção dominante da 
sociedade” (ibdem, p.5). Nesse sentido recorremos ao conceito de dominação 
masculina, de Bourdieu (1995), entendida como uma forma de violência simbólica que 
se manifesta tanto objetivamente, nas coisas e estruturas sociais, como subjetivamente, 
nas mentes, atitudes, valores e formas cognitivas, para posicionar o estudo sobre a 
violência contra mulher pratica por seus parceiros, buscando os mecanismos presentes 
nas vivencias femininas de relacionamentos amorosas violentos. 
A idéia básica que orienta o conceito de violência de gênero adotada para este 
estudo se expressa em palavras de Portela (2004), ao afirmar que essa violência é 
 
“um produto, e ao mesmo tempo um elemento estruturador da 
subordinação das mulheres, dependendo, fortemente, para sua 
perpetuação, desta mesma subordinação, na qual as mulheres perdem 
sua condição de sujeito.”(p.3) 
 
Muitos são os elementos sociais e culturais que reproduzem a violência de 
gênero e, portanto, a subordinação das mulheres. Muitas são as formas que esta 
violência assume, mas o enfoque desse estudo está sobre a violência praticada contra 
mulheres por seus parceiros de relacionamentos amorosos, centrando-se na busca de 
compreender os mecanismos pelos quais a subordinação feminina se inscreve na 
subjetividade dessas mulheres de modo a permitir a convivência com tal violência. 
Trata-se de buscar os aspectos simbólicos da dominação masculina que estão 
internalizados em mulheres submetidas ou que se submeteram a agressões de seus 
parceiros amorosos. Bourdieu indaga se não seria inovação estudar “as invariáveis que 
se mantêm, acima de todas as mudanças visíveis da condição feminina, e são ainda 
observadas nas relações de dominação entre os sexos” (1999, p.10). Essas invariáveis a 
que se refere, representam mecanismos de longa duração que resistem às mudanças, 
reproduzindo a conformidade e a submissão das mulheres. Num contexto em que as 
mulheres podem romper ou resistir à violência e não permitir que ela ocorra, muitas 
permanecem presas a um relacionamento amoroso com homens agressores. São os 
processos simbólicos presentes na submissão das mulheres à dominação e violência 
masculina, praticada em relações amorosas, que constitui o foco desse estudo, 
apontando para reflexões sobre os afetos e papeis de gênero na família e as novas 
7 
 
fronteiras do corpo como objeto estético, suporte de valores e meio de comunicação 
social. 
 No primeiro capítulo discutiremos o conceito de feminicídio com base nas 
informações sobre as relações dos feminicidas com as mulheres que assassinaram e os 
motivos alegados para o crime. Foi possível propor uma tipologiaa para o feminicídio 
capaz de expressar diversas modalidades desses crimes como aqueles cometidos de 
caráter Passional, cometidos por seus parceiros ou ex-parceiros e enamorados; 
Vingança cometido por desafetos e inimigos de parentes, amigos e namorado das 
mulheres; Matricídio, cujos autores são filhos que se opõem às maes; Infanticídio, de 
pais contra filhas; Disputa amorosa, por ciúmes em triângulos amorosos. O feminicídio, 
sendo um crime de gênero ultrapassa aquelesque são cometidos por motivação afetiva 
pelos homens e assume a forma de todo crime cometido contra as mulheres baseado em 
relações de gênero. 
 No segundo capítulo reliza-se umexame dos modos de produção da morte de 
mulheres nos casos de feminicídio levando em conta os instrumentos e as técnicas 
utilizadas pelos feminicidas, bem como o aspecto do corpo feminino resultante das 
agressões fatais, permite ultrapassar a cena e penetrar na maquinaria do feminicídio. 
Essa maquinaria se fundamenta numa engrenagem em que o corpo do homem se institui 
como força, articulando simbioticamente a virilidade com a violência para realizar os 
ferimentos que matam as mulheres através de uma imolação do feminino. É possível 
desvelar os significados da utilização das armas empregadas e dos ferimentos efetuados 
com elas nos corpos das mulheres. Esse desvelamento constatou que os feminicídios se 
caracterizam como crimes brutais, cuja mecânica da produção da morte explicita 
crueldade e ódio, sendo comum o uso de mais de uma arma e golpeamentos 
compulsivos, que demandam o emprego de muita força física dos criminosos para 
realizar o suplício, ou imolação do corpo feminino, configurando-se como um modo 
particular de matar as mulheres física e simbolicamente, destruindo o feminino. 
 
No terceiro capítulo busca-se entender as tramas afetivas entre amor e violência 
nos relacionamentos amorosos nas vivências de mulheres que sofreram violência de 
parceiros. Faz-se uma reflexão sobre a semântica da violência de homens praticada 
contra mulheres e sua constituição em diferentes épocas e sociedades como uma 
possibilidade de conhecermos os mecanismos que a engrendam e significam ao longo 
da história. Em seguida, vamos em busca das relações entre amor e violência 
8 
 
entendendo que o amor é uma construção social que emerge de relações sociais de 
poder, que decorrem da desigualdade, da discriminação e da violência entre os gêneros. 
O amor reproduz relações de poder desiguais entre homens e mulheres, de maneira que 
os discursos amorosos podem promover ações que legitimam a continuidade do sistema 
patriarcal e se tornam “discurso de risco para as mulheres”. Estamos vivendo tempos de 
mudanças sociais fortemente influenciadas por transformações nos papéis sociais das 
mulheres que não se enquadram nos limites do amor romântico nem do amor paixão 
que incidem nos relacionamentos amorosos acentuando conflitos do encontro de formas 
de ser homem 9dominador) e de ser mulher (autônoma) que já não são correspondentes. 
Diante da vontade e desejos próprios das mulheres, muitos homens não se reconhecem 
como tais, pois foram socializados para uma relação de dominação, sujeição e punição; 
impossibilitados de cumprirem esse papel dirigem um intenso ódio ao ser que lhe 
interdita, aumentando a violência contra as mulheres. 
 
Referências Bibliográficas 
 
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. 
CHAUÍ, Marilena. Participando do debate sobre mulher e violência. In: Perspectivas 
antropológicas da mulher. (4). Rio de Janeiro: Zahar.1985 
PORTELLA, A. P. Violência contra mulheres: um breve contexto e algumas questões 
políticas. Articulação de mulheres Brasileiras. Articulando eletronicamente, n. 99, de 
novembro de 2004, anexo da seção CONtextos. 
RANGEL, Olívia. Violência contra a mulher. As desventuras do vitismo e as 
armadilhas da cumplicidade. Texto apresentado no 5º Seminário Nacional da União 
Brasileira de Mulheres e disponível em 
www.ubmulheres.org.br/telas/revistas/enc_39.asp., acesso em 28/05/2005. 
SAFFIOTI, H. I. B. Violência de Gênero no Brasil Atual. In: Estudos Feministas. Rio 
de Janeiro, CIEC, 2 semestre, 1994,. 
TELES, M. A. A. e MELO, M. O que é violência contra a mulher. São Paulo: 
Brasilense, 2002. 
TORRES, Anália. Amores e Desamores – para uma análise sociológica das relações 
afectivas. Sociologia: Problemas e Práticas, Lisboa, nº 3, 1987 
 
 
 
 
 
 
http://www.ubmulheres.org.br/telas/revistas/enc_39.asp
9 
 
 
1. FEMINICÍDIO: ASSASSINATOS DE MULHERES POR 
QUESTÕES DE GÊNERO 
 
 
 
Feminicídio – um conceito em construção 
 
 
Feminicídio ou femicídio? Tem se ampliado o uso dessas duas palavras para 
fazer referência ao assassinato de mulheres decorrente de relações de gênero. Diante da 
persistência da violência de gênero contra as mulheres, especialmente em contextos de 
relacionamento amoroso com homens, culminando muitas vezes com o assassinato de 
mulheres, torna-se premente o entendimento e o combate a essa forma de crime e às 
estruturas simbólicas, sociais, culturais e normativas que o ativam e contemporizam. 
 A distinção entre feminicídio e femicídio é necessária para o aprofundamento de 
uma análise critica sobre o assassinato de mulheres por questões de gênero, por duas 
questões importantes: a primeira diz respeito ao fato que nem todo assassinato de 
mulheres decorre de questões de gênero e é preciso diferenciar estes dos que ocorrem 
em razão de outro tipo de violência; a segunda é pela necessidade de conhecermos as 
circunstâncias, os mecanismos físicos e simbólicos que geram os crimes de gênero. Para 
considerar um assassinato de mulher um crime de gênero é preciso que sejam 
demonstradas as condições e elementos que levaram ao assassinato da mulher pelo fato 
de ser mulher, excluindo aqueles que decorreram de situações que poderiam tornar 
qualquer pessoa uma vítima, como um latrocínio ou um acidente (bala perdida por 
exemplo) entre outros. Ora, o emprego da palavra femicídio evoca qualquer morte de 
mulher, por ser uma palavra feminina de homicídio. Desse modo, femicídio não remete 
a um crime de gênero contra a mulher, mas a qualquer tipo de crime que tenha resultado 
em sua morte. Femicídio remete, pois ao assassinato de uma mulher, mas não vincula 
este crime a fatores relacionados ao fato de ser mulher, ou seja, não infere as 
representações, posições, papéis e relações sociais que formam as engrenagens de ser 
mulher. 
 Segatto (2006) ressalta a novidade do debate sobre feminicídio, ainda sem base 
bibliográfica, tendo sua origem entre feministas mexicanas frente aos assassinatos de 
mulheres em Ciudad Juarez, no México, tendo sido sistematizado pela primeira vez por 
Caput e Russel, em 1992. Ao propor instaurar a complexidade desse debate, Segatto 
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inaugura um novo olhar sobre os assassinatos de mulheres para uma compreensão da 
sua mecânica, do contexto e do sistema de forças que o produz. Pergunta a autora se 
vale a pena qualificar os assassinatos de mulheres diferenciando e qualificando aqueles 
que são assassinatos de gênero? 
 A autora considera inevitável o desafio de perscrutar as especificidades dos 
crimes de gênero contra mulheres para encontrar os elementos patriarcais que persistem 
ou se renovam para assegurar uma subordinação das mulheres numa cultura que se 
reitera androcêntrica. 
 Muitos são os sobressaltos pelas descobertas que uma mirada, com esta 
perspectiva, nos assassinatos de mulheres permite confrontar. Algumas dessas 
descobertas podem ser elencadas como a revelação de que a violência de gênero contra 
as mulheres não tem como único autor os homens, mas também mulheres; a 
possibilidade e/ou necessidade de qualificação dos assassinatos de mulheres por 
questões de gênero; o desvelamento da produção da morte das mulheres, para 
compreender como se realiza o assassinato de gênero como um crime cultural de 
imolação do feminino. 
 
Violência de Gênero contra a Mulher – para além do masculino - feminino 
 
 
Intensivamente discutida, a violência de gênero decorre de relações desiguais de 
poder entre homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres, que 
fundamentam a dominação masculina e a discriminação e subordinação feminina. 
Sendo uma violência baseada nos papéis e significados sociais atribuídos a homens e 
mulheres, com base em valores patriarcais,que estabelecem e legitimam práticas 
masculinas de controle, agressividade e de posse sobre as mulheres, tem sido 
denominada de violência de gênero ou violência sexista, e se expressa de várias formas, 
desde a violência doméstica ou conjugal, a violência sexual, estupro, assassinato, 
assédio sexual, exploração sexual, abuso sexual, entre outras. Um diálogo com Saffioti 
(1999) é importante para uma maior clareza quanto ao conceito de violência de gênero 
que se pretende considerar neste trabalho. A autora, no referido texto apresenta 
sinteticamente alguns dos principais conceitos de gênero, e encaminha uma reflexão 
crítica desse conceito para além da construção social dos homens e das mulheres, que, 
do modo como é abordado por muitas autoras, não deixa claro a desigualdade e a 
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dominação masculina, e tampouco inclui as relações homem – homem e mulher – 
mulher. 
Neste trabalho interessa justamente avançar num entendimento mais amplo do 
conceito de gênero, onde não apenas é possível considerar as normas reguladoras entre 
os dois sexos, mas também as normas e relações de poder inter-sexuais, entre homens e 
entre mulheres. Segundo a autora citada, se gênero concerne preferencialmente às 
relações homem – mulher, “isso não significa que uma relação de violência entre dois 
homens e entre duas mulheres não possa figurar sob a rubrica de violência de gênero 
(p.83). Nesse sentido, muitas formas de violências cometidas entre mulheres podem ser 
consideradas como violência de gênero, como entre rivais amorosas, que priorizam a 
hostilidade e a agressão para a outra, adversidades a comportamentos transgressores 
por exemplo. Inclui-se também nesse conceito maus-tratos de pais contra filhas e 
mesmo de mães contra filhas. Ainda podemos acrescentar também violências cometidas 
por filhos/as contra mães quando decorrem de situações baseadas nos papeis de gênero 
que aquelas desempenham, bem como de irmãos contra irmãs. 
Na medida em que o fenômeno da violência de gênero contra a mulher vai sendo 
discutido, enfrentado, desmistificado, desnaturalizando e revelando suas causas sócio-
culturais, outras dimensões antes não percebidas emergem, requerendo um 
aprimoramento conceitual. Muito embora possam surgir resistências em admitir que a 
violência de gênero contra a mulher possa ser cometida por homens que não sejam 
apenas seus parceiros amorosos, mas até por mulheres. A importância desse 
entendimento mais amplo no caso da análise dos crimes de gênero é o fato de considerar 
que a centralidade desses crimes deve ser buscada na situação social da mulher e sua 
representação em relação aos motivos e aos/as autores/as do crime. A vítima é sempre 
mulher, não importa sua idade, classe social, raça/etnia, orientação sexual e seu vínculo 
com o/a assassino/a. Muito embora, as motivações do crime do crime possam remeter a 
uma centralidade masculina. Se num momento inicial a idéia de crime de gênero era 
aquele cometido contra mulheres por homens, parceiros amorosos, atualmente é 
possível uma definição cujo núcleo seja a posição social da mulher e sua significação, 
para além da relação com o parceiro, embora esta seja ainda a sua forma determinante e 
majoritária destes crimes. 
No Brasil, quando os movimentos feministas iniciaram as denúncias, 
mobilização e reivindicações contra a violência de gênero, esta se materializava nos 
crimes cometidos por parceiros contra as mulheres. Naquele período ainda estava em 
12 
 
vigor o instituto da defesa da honra, meados dos anos de 1970, tendo-se desenvolvido 
uma ação de movimentos feministas e democráticos pela punição aos assassinos de 
mulheres. A alegação da defesa da honra era então justificativa para muitos crimes 
contra a vida de mulheres, mas no contexto de reorganização social para a conquista da 
democracia no país e do surgimento de movimentos feministas, este tema foi emergindo 
como questão pública a ser enfrentada pela sociedade por ferir a cidadania e os direitos 
humanos das mulheres. O assassinato de Ângela Diniz em dezembro de 1976, por seu 
namorado conhecido como Doca Street, conforme apresenta Grossi (1993), foi o 
acontecimento desencadeador de uma reação generalizada contra a absolvição do 
criminoso em primeira instância, sob alegação de que foi uma reação pela defesa da 
“honra”, quando as circunstâncias mostravam um crime bárbaro motivado pela 
determinação da vítima em acabar com o relacionamento amoroso. Esse fato revoltou 
parcelas significativas da sociedade cuja pressão social levou a um novo julgamento em 
1979 que condenou o assassino. 
Desde esse período, abriu-se um espaço em diversas dimensões da sociedade 
brasileira, como partidos políticos, movimentos sindicais, movimentos de bairros, 
imprensa, igreja, movimentos sociais, para a explicitação e denúncia de práticas 
violentas contra mulheres, que até então não tinham sido alvo de ações coletivas de 
resistência e oposição. Nos últimos quarenta anos, muitas transformações positivas 
ocorreram no Brasil, e no mundo, relacionadas à condição social das mulheres e em 
particular no enfrentamento à violência de gênero, como a criação das Delegacias de 
Apoio às Mulheres – DEAMs, que em 2009 somavam 410 no país, bem como o 
surgimento de casas abrigo, centros de referência da mulher além de inúmeros núcleos 
e centros de apoio governamentais e não governamentais que prestam atendimento e 
orientação às mulheres vítimas de violência, muitos também realizando trabalho de 
denúncia e conscientização social para o combate e prevenção dessa violência. Também 
ocorreram mudanças no Código Penal como a retirada do termo “mulher honesta” e a 
adoção da pena de prisão para agressores de mulheres, em substituição às cestas básicas. 
A violência contra mulheres atualmente é um assunto público e de políticas 
públicas, presente na mídia, tema de telenovelas e outros programas televisivos, 
demonstrando a existência de uma consciência social crítica sobre ela. No entanto, 
como Portella (2004) chama a atenção, essa violência continua e nos últimos vinte anos 
“teve menor importância a elaboração mais refinada e a ação direcionada aos fatores 
construtores da violência” (p.03). Assim, a ação política feminista e os estudos 
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acadêmicos vão se reorientando de acordo com as mudanças conquistadas para 
aprimorar o combate a essa violência, mantendo como foco a sua total superação. 
 Em várias situações é possível identificar formas de violência de gênero contra 
mulheres que transcendem aquelas praticadas por parceiros afetivos. Violência que 
também não se limita ao espaço doméstico, ou familiar, mesmo que consideremos as 
territorialidades simbólicas instituídas em relações ou formas imaginárias relacionadas 
àqueles espaços e que podem se configurar em outros lugares físicos. A mídia, a igreja, 
o sistema de saúde, a escola, e outras instituições sociais podem produzir e reproduzir 
formas de violência contra a mulher. Todas essas outras compondo o mosaico social 
onde a violência de gênero pode ser exercida diretamente sobre o sujeito feminino, em 
seu próprio corpo, seja por seus parceiros ou ex-parceiros, ou por qualquer outro sujeito 
de uma relação de gênero em questão. Destas, a mais comum e a mais invisível é a 
violência doméstica, sobretudo aquela praticada por agressores parceiros amorosos (ou 
ex) contra a mulher, ganhando maior visibilidade na mídia o assassinato decorrente de 
envolvimento amoroso. Apenas essa modalidade extrema de manifestação de violência 
contra a mulher ganha as manchetes de jornais, mas as informações sobre ela ainda são 
muito precárias, tanto em termos de registros oficiais, pelos órgãos governamentais, 
como pela mídia ou por organismos e movimentos sociais. 
 
Mídia impressa e representações sociais de gênero 
 
 
O modo como os indivíduos usam a língua permite analisar representações de 
valores, crenças e ideologiasda sociedade onde os discursos são produzidos, conforme 
Sgarbieri (2006), para quem o discurso da imprensa tem um caráter multiplicador por 
instaurar “a possibilidade de novos discursos” e por interferir “na construção do nosso 
cotidiano, na forma como configuramos as relações sociais e a memória” (p.387). Ainda 
para essa autora o discurso deve ser tomado “como um elemento de práticas sociais que 
leva em consideração a relação - contexto sócio político e ideológico da sociedade onde os 
"textos" são produzidos” (p.387), o que faz da mídia um lócus importante para trabalhos 
sobre representações sociais, vez que “adquirem um status institucional que lhes autoriza a 
interpretar e produzir sentidos sobre o social que são aceitos consensualmente pela 
sociedade, diz a autora (p.387). 
O jornal é um meio de comunicação de massa, que, embora não seja tão 
generalizado e popular como a televisão, tem um peso grande na formação de opinião 
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por ser uma referência estabelecida e reconhecida de informação social, tendo 
significado de confirmação e segundo Cotta (2006), de certificação da informação. 
 
A investigação foi desenvolvida com base em uma pesquisa documental, a partir 
de um levantamento dos assassinatos de mulheres noticiados nos principais jornais do 
Ceará, nos anos de 2002 a 2006. Com base em Damasceno (2005), utilizando-se a 
analise de conteúdo para a interpretação de materiais textuais escritos ou imagens, que 
pode enfocar tanto a fonte quanto o público, o foco e o contexto da inferência, é o que 
afirma Bauer (2002), para quem 
 
Textos atribuídos contem registros de eventos, valores, regras e 
normas, entretenimento e traços do conflito e do argumento. A AC 
nos permite reconstruir indicadores e cosmovisões, valores, atitudes, 
opiniões preconceitos, e estereótipos e compará-los entre 
comunidades. (p. 192) 
 
 
Conteúdos de textos jornalísticos podem ser trabalhados através de analise de conteúdo 
pelo fato de permitir uma “descrição objetiva, sistemática e qualitativa do conteúdo 
manifesto das comunicações e tendo por fim interpretá-los”, segundo palavras de 
Berelson citado por Minayo (2000, p.200). Bauer descreve a análise de conteúdo como 
uma “técnica hibrida”, que permite “produzir inferências de um texto focal para seu 
contexto social” (2002, p.191). Pode-se reconstruir representações observando-se o que 
é dito e como é dito, elegendo-se temas, avaliações e freqüências. 
 A escolha então foi pela adoção de uma proposta de analise de conteúdo por 
categorias temáticas. Para tanto foi organizada uma ficha para sistematização das 
noticias composta por cinco campos: Titulo, Contexto do Crime, Vítima, Criminoso e 
Relação Vítima Criminoso. As fichas foram armazenadas num banco de dados, para 
em proceder a análise a partir dos campos específicos, buscando a identificação as 
armas mais usadas nos crimes e compreender o porquê do seu uso e analisa os 
assassinato também em seu contexto brutal. 
Foram realizados cruzamentos utilizando os campos referentes ao tipo de arma, 
local do crime, contexto do crime, caracterização do criminoso, e outros. Para este 
artigo, buscou-se as relações entre os criminosos e o tipo de instrumento usado para 
matar as mulheres e as circunstancias do assassinato. O objetivo era compreender a 
utilização dos instrumentos usados para matar, tais como arma de fogo, faca, facão, 
15 
 
instrumentos não mencionados nas notícias, pau, pedra, asfixia, espancamento, 
estrangulamento, foice, enxada, tijolo, martelo, machado, tábua de carne, mão de pilão, 
empurrão ocasionado queda, estrupo seguido de espancamento e por utilização de mais 
de uma arma. Foram escolhidas também para análise também as informações sobre as 
características das agressões sofridas pelos corpos das mulheres assassinadas, as marcas 
e ferimentos realizados para efetuar o crime. Há noticias que fazem referência às 
agressões sofridas pelas mulheres, no entanto, outras não fazem qualquer menção sobre 
isso. Em 90% das noticias (228) aparece com destaque o tipo de agressão e a descrição 
dos ferimentos provocados no corpo das mulheres. Essa informação funciona como o 
atrativo da noticia. Dentre essas notícias que fazem menção às características dos 
ferimentos fisicos, foram analisadas as que especificam as partes do corpo agredidas e 
as que não especificam. 
Segundo Sgarbieri (2006), utilizar os jornais possibilita compreender impactos, 
construções sociais da realidade, contradições e refletir sobre a significação dos textos 
produzidos. O diálogo estabelecido com os autores citados acima, possibilitou uma 
melhor compreensão da contribuição que a utilização da análise de conteúdo pode 
oferecer às pesquisas de caráter qualitativo, como também, o quanto é importante a 
utilização de conteúdo de jornal para estudos que buscam compreender as construções 
sociais da realidade, já que o mesmo é portador de um discurso coletivo. Assim, 
considerou-se a possibilidade de articular uma analise das informações sobre as 
características dos assassinatos femininos e a forma como estas informações são 
transmitidas através de notícias de jornais, em busca dos significados atribuídos a esses 
crimes, enquanto expressão de uma violência brutal e fatal contra as mulheres e inferir 
representações e atitudes contidas nesse texto. 
Desse modo, o discurso jornalístico, como afirma Sgarbieri (op.cit.), é uma prática 
discursiva constituinte da sociedade e uma ação social com capacidade de formatar 
identidades, memória e mudanças sócio culturais. De acordo com Adorno e Horkheimer 
(1985), as estruturas que sustentam a dominação e a exclusão resultam de uma 
reprodução continuada e histórica dos discursos que formatam as culturas, as ideologias 
e os estereótipos, quase sempre inconscientes, mas que promovem as ações individuais 
e sociais. Esses discursos são a base dos imaginários que sustentam a dominação 
simbólica, inclusive daquela responsável pela subordinação feminina e pela violência de 
gênero. Alguns trabalhos acadêmicos se encontram nessa perspectiva de entender as 
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construções de subjetividades masculinas e femininas que se engrenam em 
relacionamentos amorosos violentos como o estudo de Machado (1998). 
Estudar assassinato de mulheres em notícias de jornais requer considerar o 
discurso midiático um meio de produção e transmissão de identificações e 
diferenciações entre os sexos e, portanto, de elementos que constituem a ordem 
simbólica da sociedade e o imaginário de homens e mulheres. Sendo tais representações 
portadoras de aspectos simbólicos da dominação masculina, atuam na reprodução social 
da violência de gênero praticada contra mulheres. Estamos levando em conta que as 
representações sociais agem preparando a ação, incentivando tanto no comportamento 
subjetivo como na configuração do mundo, e nos inscreve em relações sociais 
concretas, portanto representação como processo de construção de sentidos. 
As representações sociais de gênero constituem categorias que permitem a 
observação de relações de poder, os elementos de dominação e de resistência entre os 
sexos. Ao representar, a mulher assassinada e o homem assassino, a imprensa constrói, 
reproduz e institui identidades sociais de gênero em processos definidos histórica e 
culturalmente. Assim, a mídia é um dos campos sociais produzidos e produtores de gênero. 
As noticias de assassinatos de mulheres estão enquadradas nas chamadas páginas 
policiais, que na opinião de Mendes (2003) relata fatos variados entre os quais de destacam 
ocorrências de violência. Toda noticia é resultado de um processo de construção que essa 
autora descreve como 
 
[...] a partir do acontecimento em si mesmo o jornalista e os 
demais profissionais da imprensa utilizam os critérios de 
noticiabilidade e as regras da seleção e apresentação dos fatos. Entre 
os critérios utilizados,podemos citar a questão da posição social dos 
envolvidos, sua proximidade com os potenciais leitores e os impactos 
e a intensidade presentes nos fatos. Por isso não é um acontecimento 
qualquer de violência que é capaz de virar notícia e há diferenças entre 
a importância de uma notícia que vem na primeira página e aquelas 
que vêm no interior dos jornais. (op.cit. p. 1) 
 
 
 Afirmando que todo texto jornalístico é sensacionalista, sendo esta característica 
a sua base como bem de consumo, o fato noticiado é reconstruído como um espetáculo. 
Tratando-se de noticiais policiais a dramaticidade é ainda maior, envolvendo paixões e 
tragédias que mobilizam o interesse dos leitores atraídos pelo mórbido e escandaloso. 
Essa lógica de noticialidade se sobrepõe à questão das condições sociais que promovem 
os fatos noticiados. Desse modo, o discurso jornalístico reproduz o imaginário social, 
17 
 
mesmo que seja de modo paradoxal, com elementos do senso comum geral e do 
próprio campo jornalístico que vai se constituir no eixo principal de articulação da 
apresentação da noticia. 
 
Feminicídio no Ceará – assassinatos de mulheres em noticias de jornais 
 
O levantamento das notícias de assassinatos de mulheres, publicadas pela grande 
imprensa do estado do Ceará entre 2002 e 2006, identificou 259 ocorrências. Estas 
notícias foram codificadas em uma ficha para análise composta de cinco campos 
temáticos: título, contextualização do crime, imagem da vítima, imagem do assassino, 
relacionamento entre vítima e assassino. No processo de codificação das fichas para um 
banco de dados, emergiu a problemática sobre quais desses crimes poderiam ser 
classificados como crimes de gênero, pois alguns casos não apresentavam de modo 
imediato um conteúdo de gênero. Assim, o primeiro momento da investigação trilhou 
para os padrões e as circunstâncias desses crimes contra mulheres. 
A informação disponível na imprensa não é a mesma que se obtém junto aos 
órgãos de registro oficial como o Instituto Medico Legal (IML) e a Secretaria de 
Segurança Pública do Estado. A imprensa não publica todos os casos de assassinatos de 
mulheres, sendo maior o numero de casos encontrados nos organismos oficiais. No 
entanto, estes registros não estão muito acessíveis inclusive quanto aos dados que 
possam indicar seu conteúdo de gênero. 
 
 Quadro 1. Mulheres assassinadas no Ceará. 2002/2006 
Ano IML¹ Jornais² 
2002 110 58 
2003 73 42 
2004 105 43 
2005 118 53 
2006 135 63 
Total 541 259 
Fonte: 1- Conselho Estadual da Mulher e Diário do Nordeste, 26 nov. 2006 
2- O Povo e diário do Nordeste. 
 
Dentre as notcias publicadas, três não apresentavam conteúdo imediato de gênero, 
referindo-se a latrocínio e bala perdida. As 256 restantes sinalizavam indícios com conteúdo de 
gênero e sua análise permitiu a constituição de uma tipologia sobre estes crimes contra as 
mulheres, estabelecendo novos fundamentos para a conceituação do que pode ser denominado 
como “crime de gênero”. O conteúdo de gênero foi identificado através das circunstâncias e nos 
18 
 
padrões dos assassinatos, apresentando similaridade com os elementos indicados pelo 
documento “Feminicídio em América Latina”
i
, como o ódio, o desprezo, e o menor valor que se 
dá a vida das mulheres, isto aliada a falta de investigações eficazes, prevenção e punição. Esses 
conteúdos manifestaram aspectos específicos, que, considerando o contexto em que ocorreram, 
surgiram elementos de descriminação feminina, relacionados ao papel e as representações sobre 
as mulheres e de relações de poder desiguais. O diferencial que emergiu dessa análise foi a 
revelação de que os atos de violência contra a mulher são praticados não apenas por seus 
parceiros amorosos ou parentes, mas também por outros homens e mulheres em razão de uma 
vulnerabilidade e acessibilidade socialmente atribuída às mulheres, o que as torna um alvo 
fácil e normal para agressões. 
Ao reconhecer que violência contra a mulher é “qualquer ação ou conduta, baseada em 
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no 
âmbito publico ou privado”, a Convenção de Belém do Pará permite que se compreenda como 
tal, atos de violência praticados contra a mulher por diversos sujeitos desde que a motivação 
esteja associada a relações de gênero. O sujeito do crime de gênero, não é apenas o parceiro 
amoroso ou o pai, irmão, mas outros homens, conhecidos ou desconhecidos da vítima, e não são 
apenas homens, mas mulheres que agem violentamente contra outras em situações definidas por 
elementos de gênero. 
A Lei Maria da Penha (N. 11.340/06), segundo Silva Jr, (2006), define como sujeito do 
crime de gênero o homem, considerado sujeito ativo, enquanto a mulher é colocada como 
sujeito passivo. O autor argumenta que há um avanço na lei no sentido de que “as preferências 
sexuais” dos sujeitos do crime de gênero serem irrelevantes, mas com base no art. 5º dessa Lei, 
“somente a mulher pode ser sujeito passivo e somente o homem pode ser sujeito ativo, desde 
que entre eles haja uma relação de afetividade” (p.4). O grande avanço dessa lei é a 
institucionalização do reconhecimento e da criminalização da violência de gênero praticada 
contra a mulher por seus parceiros, o que tem sido tipificada como violência doméstica, no 
entanto é necessário a denuncia e o combate a qualquer forma de violência de gênero praticada 
contra a mulher, e a defesa de seus plenos direitos humanos. 
Já é possível ampliarmos o entendimento de crime de gênero no sentido de que não são 
praticados apenas por homens com vínculo afetivo com as vítimas, e nem apenas por homens. 
Homens matam mulheres por ódio e por vingança contra pessoas para as quais as vítimas são 
importantes. Mulheres matam mulheres por questões de gênero, em disputas amorosas. No 
contexto da criminalidade urbana as mulheres são assassinadas de modo perverso, com uma 
crueldade específica na qual emerge um trabalho da virilidade dominante sobre uma 
feminilidade subjugada. 
 
i Feminicídio em América Latina. Documento elaborado por motivo de la Audiência sobre Feminicídio 
em América Latina ante la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, março, 2006. 
19 
 
 
Feminicídio – como as mulheres morrem por questões de gênero 
 
Entre as notícias analisadas, 104 não faziam menção às causas e nem ao tipo de 
relacionamento entre vítima e criminoso, informações encontradas em 152 noticias, cujos 
elementos e padrões identificados nos assassinatos de mulheres manifestam traços e 
características indicativas de crime de gênero. Articulando os dados referentes aos motivos 
alegados ou explícitos do crime e a relação dos autores com as vitimas é possível propormos 
uma tipologia dos feminicídios estudados, formada por cinco tipos que expressam mecanismos 
que engendram tais crimes, são eles: a) Crimes de paixão – cometidos por marido, 
companheiro(a), ex - companheiro(a), namorado(a), ex- namorado(a) e apaixonado não 
correspondido; b) Vingança contra terceiros, parentes, amigos ou namorado da milher; c) 
Matricídio, quando filhos matam mãe em situação de conflito com esse papel; d) Filicídio, 
quando pais matam as filhas; e) Disputa amorosa, cometidos por concorrentes ciumentas. 
Vejamos cada um desses tipos em suas especificidades. Vejamos. 
Crimes de paixão – esses crimes somaram um total de 122 crimes, correspondendo a 
80,2% dos crimes identificados. São assassinatos cometidos tanto por pessoas com as quais 
mulheres estavam mantendo um relacionamento amoroso como por pessoas com as quais o 
relacionamento havia terminado ou estava sendo terminado. Os crimes cometidos por parceiros 
amorosos em exercício, que vigoravam na época do crime, representam 67%, dos crimes de 
paixão, e os assassinos são maridos, companheiros, namorados e amantes,somando 82 casos. 
Dentre as causas alegadas as mais freqüentes foram ciúme (29), separação (9), bebida (4), 
discussão/briga (12), 1 por que ela tinha engravidado, 1 por que ela ameaçou revelar o romance 
e o criminoso era casado, 1 por ciúme do marido da amante, nas 25 noticias restantes noticias 
não foram encontradas informações sobre os motivos que os parceiros atribuíram ao crime. 
Quanto aos ex – maridos ou namorados, que foram 40 casos, as causas mais indicadas foram a 
não aceitação da separação (24), ciúme (6), discussão (3), 1 declarou não saber por que matou e 
em 6 as causas não foram mencionadas. Entre esses crimes um foi cometido por uma mulher, 
que não aceitava a separação da sua companheira. 
Esses crimes de paixão, que podem ser compreendidos como passionais, no sentido que 
são determinados pela existência de vínculos amorosos entre as mulheres e o feminicida, e por 
suas circunstancias que envolvem conflitos emocionais. Não se pode entender esses crimes 
como resultado de uma emoção incontrolável de um momento dramático. Observando as 
circunstancias descritas nas noticias, mesmo de modo superficial, pode se perceber que foram 
crimes claramente premeditados. Vale destacar que entre estes casos encontram-se dois em que 
20 
 
os criminosos sentiam paixão pela vítima, mas não tinham qualquer tipo de relacionamento com 
elas, tendo matado por “amor não correspondido”. 
 
Vingança contra terceiros – caracteriza-se pelo fato do assassinato da mulher ter sido 
cometido como vingança, para atingirem pessoas de suas relações com as quais o assassino 
tinha desavenças. Foram três casos, sendo 1 por que o assassino havia brigado com o namorado 
da vítima, 1 para se vingar do irmão da vitima e 1 matou a mulher do vizinho com o qual tinha 
desentendimentos. 
 
Matricídio – 4 filhos mataram as mães em circunstancias envolvendo conteúdo de 
gênero, sendo 1 porque ele estava bebendo e a mãe insistindo para que parasse; outras três 
mulheres foram vítimas de filhos com problemas mentais. Esses três casos em que os assassinos 
eram doentes não podem ser vistos como fatalidades, pois as mães eram as figuras mais 
próximas deles, tendo sido mortas por estarem exercendo seu papel de mães. 
Filicídio – três meninas foram assassinadas por seus pais em circunstancias de gênero. 
Um pai matou a filha de 7 anos por ter sido abandonado pela mulher que espancava, tendo 
bebido e matado a filha a pauladas e ainda trespassando os seios com cabo de vassoura; outro 
assassinou a mulher e a filha de 1 ano e dois meses queimando-as depois de agredir; outro 
matou a filha de 17 anos espancando e, embora os motivos não tenham constado da notícia é 
uma atitude que se caracteriza como violência doméstica contra a mulher. 
 
Disputa amorosa – as circunstancias do assassinato são estabelecidas pela existência de 
um triangulo amoroso onde a raiva e o ódio de uma mulher é dirigido à outra, a sua concorrente 
amorosa. Houve três casos em que a mulher foi assassinada pela outra mulher da relação em 
uma disputa amorosa. 
 
Observando os assassinatos das mulheres pelo ângulo das relações de gênero 
encontramos não apenas o homem com o qual as vítimas tinham um envolvimento amoroso, 
mas até homens que sentiam paixão por mulheres que não tinham qualquer relação com eles. 
Além disso, aparecem também parentes e até rivais. Esses fatos mostras articulações entre as 
disposições de homens e mulheres, que são submetidos, segundo Bourdieu, a um trabalho de 
socialização que tende a diminuir e negar as mulheres que “fazem a aprendizagem das virtudes 
negativas da abnegação, da resignação e do silêncio, os homens também estão prisioneiros e, 
sem se aperceberem, vítimas da representação dominante” (1999, p. 63). Inscreve-se assim no 
próprio inconsciente e no corpo de homens e mulheres que a virilidade não pode agir senão 
pela força e a feminilidade pela fragilidade. Estruturalmente e circunstancialmente o lugar do 
21 
 
masculino é a dominação e a força e o da feminilidade é da submissão e vulnerabilidade, o que 
torna as mulheres potencialmente vítimas de diversas formas de violências sociais e individuais. 
Foram encontradas notícias de alguns crimes em que os indícios apontavam para uma 
vinculação dos motivos do assassinato da mulher com situações de criminalidade urbana. 
Nesses crimes, com motivações de queima de arquivo, trafico de drogas e outras contravenções, 
deve-se considerar diferenciais na forma de produção das mortes de mulheres que 
frequentemente expressavam uma intensa brutalidade praticada no corpo das vítimas, com sinais 
de tortura, violência sexual, varias modalidades de instrumentos usados simultaneamente. Em 
muitos desses crimes o corpo das mulheres foi despido e queimado após o crime ou como parte 
dele. Foram identificados 5 casos que representavam esse padrão. Assim, fica afirmada a 
pertinência das questões levantadas por Portela (2004) ao colocar a necessidade de se refletir 
sobre a associação da violência contra as mulheres com as questões estruturais ligadas a outras 
formas de violência, perguntando “de que modo se articulam as questões de gênero ao contexto 
contemporâneo de produção da violência?” (p.8). 
 
Feminicidas – imagens de homens que matam mulheres 
A descrição dos assassinos nas notícias estudadas segue a lógica da construção 
das notícias sobre violência, em que a condição social é a base da referência aos autores 
e vítimas dos acontecimentos, mas também expressões relacionadas com a qualificação 
moral foram usadas para exprimir a imagem dos agressores. Em 9 notícias o criminoso 
foi descrito como desconhecido, e em 41 não houve qualquer comentário sobre ele. A 
imagem dos assassinos é construída na maior parte das notícias com base na sua 
condição social (135), apresentando a seguinte composição disposta no Quadro1. 
Quando o assassino pertence à classe média e alta o destaque é dado à sua ocupação 
ou profissão, fato que a notícia acentua inclusive no título. Como a maioria dos crimes 
noticiados é cometida por homens de classes populares, quando este envolve alguém de 
maior poder aquisitivo causa mais sensação. Mas, além da condição social, a imagem 
também pode ser construída a partir de qualificações morais, conforme o Quadro 1; 
Ao acentuar a qualificação moral, geralmente negativa, esse tipo de crime parece 
estar mais associado a homens com problemas de caráter, ou ainda aos pobres e sem 
formação educacional, como se apenas esses homens cometesses atos violentos dessa 
natureza. 
Esses fatores atuam no sentido de dissimular a violência contra a mulher, o seu 
assassinato como um feminicídio, ou seja, ao invés de serem compreendidos como um 
22 
 
fato cultural, resultado de relações de gênero desiguais e androcêntricas, aparece como 
acidental, circunstancial, decorrentes de situações fora do padrão de normalidade 
instituído, decorrentes de sujeitos problemáticos. 
 
 Quadro 01. Representações de feminicidas em notícias de jornais. 2002-2006. 
Ceará 
 
 
 
 
 
 
 
Mulheres assassinadas nas páginas policiais 
 As palavras utilizadas para descreverem as mulheres assassinadas nas notícias 
investigadas foram arroladas e consideradas em sua freqüência de recorrência, tendo 
apresentado conteúdo relacionado também com categorias sociais e com qualificações 
morais. Em muitas notícias foram utilizadas várias palavras para apresentar a imagem 
da vítima, o que faz com que as expressões identificadas sejam em maior numero do 
que as ocorrências. 
 Dentre as notícias investigadas, a profissão da vítima foi indicada em 139 casos. 
Esse fato ressalta que é mais importante nestas noticias centrar a informação na 
caracterização da vítima, já que em apenas 79 casos foi encontrada citação da profissão 
dos criminosos. 
Desta forma, fica visível que o interesse da notícia é sensacionalista, usando um 
discursoque mexe com as emoções dos leitores. Já que as notícias sobre assassinatos de 
mulheres são noticiadas nas páginas policiais que, segundo Mendes (2003), são 
profissão/ocupação-79 acusado, suspeito-46 
desempregado -08 nome pessoal-03 
características pessoais-
07 
deficiente-01 
CONDIÇÃO SOCIAL QUALIFICAÇÃO MORAL 
delinqüência -08 
 
gênero - 10 
 
assassino – 10 
 
 
deficiente-01 
gênero - 10 
relação com a vítima-65 
 
FEMINICIDA 
23 
 
construídas através da dramaticidade dos fatos, tornando o jornal mais atrativo para o 
consumo. 
Analisando a imagem das mulheres assassinadas presente nesse discurso 
midiático, percebe-se que as mesmas são definidas principalmente pela condição social 
que ocupam na sociedade, sendo definidas principalmente por características pessoais e 
pela profissão. 
Quando identificadas por suas características pessoais – na maioria das notícias 
as vítimas são caracterizadas como “mulher” (55,35%). Em que condições isso pode 
permitir o questionamento ou aceitação desse crime? Problematizando essa questão 
pode-se pensar em que medida a definição “mulher” faz com que a sociedade reflita 
sobre a dominação masculina e se revolte contra os crimes que vitimam as mulheres; 
crimes que ocorreram exatamente pelo fato das vítimas serem mulheres. Ou será que 
essa definição banaliza esse crime e favorece a sua aceitação? Já que a violência contra 
a mulher é um acontecimento que ocorre frequentemente sendo visto por parte da 
sociedade como algo natural, motivados por amores desesperados, crimes de paixão ou 
passionais. 
 O amor como um campo de conflitos e sofrimentos corresponde ao imaginário 
tradicional do amor romântico e do amor paixão, predominante nas sociedades 
modernas ocidentais, das quais somos herdeiras (os), que associa amar a sofrer e morrer 
por amor, fundindo-se no outro (desaparecendo) e ao mesmo tempo mantendo se capaz 
de separar e continuar só uma outra relação amorosa, como reflete Luhmann (2008). 
Assim, a mulher ser vítima de um amor desesperado faz parte do entendimento comum 
das grandes histórias de amor que conhecemos. 
Quanto à profissão percebe-se que as vítimas foram majoritariamente 
identificadas por sua ocupação no âmbito doméstico, porém há uma considerável 
menção sobre atuação que exercem na esfera pública, como profissionais. 
Definimos como qualificação moral os aspectos favoráveis e os desfavoráveis 
relacionados a valores e condutas qualificadas socialmente, ou seja, aqueles pelos quais 
as vítimas são caracterizadas por designações que aludem a “decência” ou não, pela 
sociedade e aquelas que trazem um impacto negativo para a vítima, já que são avaliadas 
socialmente como negativos. 
Nas peças analisadas as mulheres assassinadas foram definas na maioria das 
vezes por aspectos favoráveis a sua imagem, porém, em algumas notícias havia 
descrições que afetam negativamente a imagem dessas mulheres. Encontraram-se 
24 
 
notícias que trazem as seguintes definições: “Garota de programa é assassinada”, 
“Dançarina de boate assassinada”. Isso nos leva a refletir sobre a construção dessas 
notícias. Por que seria tão importante enfatizar essas definições? O fato da mulher ser 
garota de programa ou dançarina de boate minimiza ou justifica o crime? 
 
Quadro 02. Imagens de mulheres assassinadas em notícias de jornais. 2002-2006. 
Ceará 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
De todo modo, a imagem da vitima é mais acessível e causa mais impacto 
sensacionalista. Enquanto que as circunstancias, motivações e o feminicida são 
informações de menor destaque, o que evidencia o crime, o ato violento, mas não as 
suas causas. 
Com esses questionamentos pretendemos instigar a reflexão sobre o papel social 
da mídia escrita e sobre a maneira como a mesma trata os assassinatos de mulheres, 
podendo ou não favorecer uma consciência social contrária e vigilante contra esse tipo 
de crime. 
Os dados observados exprimem padrões que mostram particularidades nos assassinatos 
de mulheres como ódio, desprezo, pelo modo de ferir para provocar muita dor e destruição ao 
corpo, evidenciando crueldade. Todos os tipos de crimes acima descritos, foram considerados 
como “crime de gênero”, por estarem circunstanciados por elementos vinculados aos papéis 
femininos e seus significados correlatos, decorrentes de relações de gênero que desqualificam as 
nome próprio = 86 
 
profissão/ocupação-139 
 
garota de programa, 
dançarina de boate, 
embriagada, a outra, 
condenada por tráfico = 8 
faixa etária – 42 
jovem, garota, 
adolescente, menina 
doméstica, dona de casa = 63 
 
deficiente - 01 
CONDIÇÃO SOCIAL QUALIFICAÇÃO MORAL 
relação com o assassino - 23 
 
vítima = 16 
mulher - 53 
MULHERES 
ASSASSINADAS
S 
 
25 
 
mulheres tornando-as “alvo fácil‟, vulneráveis a uma violência que limita ou impede o pleno 
“gozo de seus direitos humanos, especialmente o direito a vida, a integridade pessoal, a 
liberdade”, como acentua o relatório sobre feminicídio na América Latina (CIDH, 2006). 
Assim, é possível integrarmos a discussão que ora se estende por vários lugares sobre os termos 
feminicídio ou femicídio, termos em construção, e que tem sido evocados para expressar a 
violação dos direitos humanos das mulheres, muito mais que apenas o seu assassinato. 
Os crimes contra mulheres, decorrentes de sua condição social, ou seja, pelo seu papel 
social de mulher,são crimes culturais. A utilização do termo feminicídio para os crimes de 
gênero, nos estudos, na militância feminista e na mídia pode ser uma forma de criar uma 
atenção especial sobre esse crime de gênero contra as mulheres. As notícias analisadas não 
indicaram haver na mídia uma preocupação de ressaltar os elementos culturais da violência de 
gênero que vitima fatalmente as mulheres, inclusive pelo fato que os assassinatos de mulheres 
são encontrados nas páginas policiais, atrelados a homicídios, apresentados de maneira 
sensacionalista como tragédias íntimas, de amores exacerbados. O feminicídio é um crime de 
gênero contra as mulheres radicado em valores e códigos culturais que legitimam a posse e o 
castigo de mulheres que rompem com as expectativas que lhe são atribuídas pelo papel social de 
ser mulher. 
 
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Penha. 07/12/06. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/30/54/3054/.27 
 
2. FISIOGRAFIA DOS ASSASSINATOS DE MULHERES – A 
IMOLAÇÃO DO FEMININO NO FEMINICÍDIO 
 
 
 
 
O assassinato de mulheres por questões de gênero requer muitos olhares e 
analises para ser mais bem compreendido. Importante afirmar o feminicídio como um 
crime cultural, está apoiado m valores patriarcais que asseguram o controle e a punição 
das mulheres pelos homens, especialmente, como instrui Segato (2006), que nesse 
trabalho inaugural a cerca dessa abordagem, faz ver que, 
 
La relevancia estratégica de la politización de todos los homicidios de 
mujeres en este sentido es indudable, pues enfatiza que resultan de un 
sistema en el cual poder y masculinidad son sinónimos e impregnan el 
ambiente social de misoginia: odio y desprecio por el cuerpo femenino 
y por los atributos asociados a la feminidad. En un medio dominado 
por la institución patriarcal, se atribuye menos valor a la vida de las 
mujeres y hay una propensión mayor a justificar los crímenes que 
padecen.(p. 3) 
 
 
 O desprezo pelo corpo feminino e pelos atributos da feminilidade se evidencia 
nos feminicídios pela forma como a morte das mulheres é produzida. A crueldade é uma 
das características desses crimes, que quase sempre ocorre como um continuum 
crescente de violações contra a mulher, como ocorreu com Eloá, cujo assassinato foi 
acompanhado em rede nacional, numa sequência de agressões verbais, acusações, 
agressões físicas até culminar na sua morte no dia 19 de outubro de 2009, conforme 
analisam Mota e Fernandes (2008). 
As noticias dos jornais não permitem perceber esse continuum, pois tratam de 
modo circunstancial os crimes, como fato jornalístico, priorizando a descrição da cena 
imediata. Além da crueldade é possível identificar nos modos dos homens matarem as 
mulheres a virilidade que tem como seu componente, segundo Bourdieu (1999, p. 64), a 
“aptidão ao combate e exercício da violência (sobretudo em caso de vingança)”. 
Discorrendo sobre a forma dessa virilidade, o autor reconhece a força como característica 
do masculino, tanto no sentido de que o homem é possuidor de um sentimento de honra 
que muitas vezes o dirige como uma „força‟ que “é mais forte que ele”, que o guia e à 
qual não pode se furtar “sob pena de renegar-se (ibdem, p. 63), quanto no sentido que o 
corpo do homem corpo é forte, tem mais músculos e suporta mais esforço físico. A força 
28 
 
dos impulsos e a força física estão claramente presentes na produção da morte das 
mulheres. As notícias permitem um mergulho na mecânica do feminicídio através das 
informações sobre as armas utilizadas e os ferimentos provocados nos corpos das 
mulheres para matá-las. 
 
A descrição da maneira como a morte das mulheres é produzida a partir dos 
instrumentos e das técnicas utilizadas por seus assassinos, bem como o aspecto do corpo 
feminino resultante dessas agressões fatais, permite ultrapassar a cena e penetrar na 
maquinaria do feminicídio, na qual o corpo do homem se institui como força, 
articulando simbioticamente a virilidade com a violência. Interessa desvelar significados 
da utilização das armas empregadas e dos ferimentos efetuados com elas nos corpos 
femininos. Constatou-se que esses crimes se caracterizam como brutais, cuja mecânica 
da produção da morte explicita crueldade e ódio, sendo comum o uso de mais de uma 
arma e golpeamentos compulsivos, durante os quais é empregada muita força física dos 
criminosos para realizar o suplício, ou imolação do corpo feminino. As expressões 
dessa crueldade marcam o corpo da mulher através de ferimentos medonhos, produzidos 
por armas de fogo, faca, facão, martelo, espeto, as mãos, pedra, pau entre outras, cujo 
uso se faz por golpes repetidos que demandam desprendimento de força física, elemento 
primordial da identidade masculina, ou seja, componente da masculinidade e do seu 
poder. Essa forma de matar martiriza, imola o corpo das mulheres para destruir 
expressões do feminino através da morte física, o que permite avançar o entendimento 
desses crimes como feminicídio. 
 
 
Considerações sobre corpo, gênero e violência contra mulheres 
 
 
 Tomando o corpo como o lugar de uma escrita da história, é nele que a 
materialidade do corpo social toma lugar. É nessa perspectiva, estabelecida por autores 
como Michel Foucault (1997) e Pierre Bourdieu (1999), que consideram o corpo lugar 
de uma prática direta de controle social, que se pretende abordar o assassinato de 
mulheres. No corpo das mulheres assassinadas pode ser lida, na execução dos seus 
assassinatos, uma mecânica material e simbólica de matar o feminino. São crimes que 
tem sua base na violência de gênero originada em relações sociais sustentadas em 
relações de poder que estruturam a dominação do masculino sobre o feminino. 
29 
 
 Esse poder guarda semelhanças com o poder do regime absolutista que, segundo 
Foucault, era exercido e se reafirmava através do severo exercício da punição, 
baseado no suplício como mecanismo de revitalização do poder. Essa modalidade de 
punição – suplicio expressava a reação a todo delito que era considerado contra o rei, 
contra o poder real. A um delito contra o poder absoluto do rei correspondia uma 
punição supliciante, como forma de reativar o poder desacatado. Se tomarmos essa 
lógica para as relações de gênero e a violência contra a mulher, encontramos um poder 
masculino quase incontestável, pelo processo de naturalização cultural, que não admite 
contestações, oposições, ou apenas exerce o que lhe é dado a fazer para realizar-se 
como tal. O suplício é uma pena corporal dolorosa com requintes de atrocidade, e se 
assemelha à mecânica dos assassinatos de mulheres, muito embora não tenha sido 
detectado nesses uma lógica entre o grau de atrocidade e os motivos alegados para o 
crime. 
 Para explorar todo esse engendramento, gênero é compreendido neste estudo 
como formas construídas historicamente e culturalmente de definições e modelos de ser 
mulher e ser homem, perpassando toda a dimensão estrutural da sociedade. Autoras 
como Saffioti (2004), Mota (2007), Costa (1994) entre outras, acentuam o caráter 
relacional do gênero e sua vinculação a relações de poder. Assim, o significado e o 
modelo de masculino e feminino resultam de formas sociais históricas concretas e 
correspondentes, sendo esta entendida como violência contra mulheres decorrente de 
relações desiguais de poder entre homens e mulheres. É uma das formas de violência de 
gênero, sendo uma violência baseada nos aspectos simbólicos dos papeis sociais que são 
definidos e impostos a homens e mulheres, com base em valores patriarcais que 
estabelecem e legitimam praticas masculinas de controle, agressividade e de posse sobre 
as mulheres (Medeiros, 2005). Pode ser entendida também como violência sexista, 
resultante da posição subordinada das mulheres e da posição dominante dos homens 
como diz Teles e Melo (2002). 
 Essa reflexão se remete, portanto, aos processos simbólicos que articulam os 
modos de agir de homens e mulheres promovendo um encontro com as idéias de 
representações sociais desenvolvidas por autores como Moscovici (1960), 
Jodelet(1989), Levebvre(1983), cujo entendimento situa as representações como formas 
de pensamento social través das quais apreendemos os conhecimentos da vida diária que 
orientam as nossas ações cotidianas, constituídas entre o vivido (vivência subjetiva e 
vivência social) e o concebido (ideal definido como eixo de saber sobre algo), 
30 
 
configurando-se como um comportamento observável, ao mesmo tempo social e 
individual. 
 Esta forma de entender as representações sociais insere-as em contextos sociais 
que são estruturados em formas de poder como as relações de gênero. Assim, poder é 
também um conceito que se insere nesse contexto investigativo estando compreendido 
como portador de dimensões diversas num eixo relacional em que se envolvem 
tolerânciae também resistência. “O poder é a possibilidade concreta de ação capaz de 
transformar as coisas. Tem uma dimensão pessoal, coletiva e política”. Nesse sentido o 
poder está presente nas relações de gênero e nas relações sociais e estruturais da 
sociedade. Mas, como assevera Saffioti, “o poder pode ser democraticamente 
partilhado, gerando liberdade, como também exercido discricionariamente, criando 
desigualdades” (2006, p.49). Poder não é apenas força, mas se configura assim nas 
relações de gênero, onde o homem acaba exercendo sua dominação também através da 
força física expressa por diversas modalidades agressões. A atuação e a significação dos 
corpos feminino e masculino se relacionam ao processo que Bourdieu denomina de 
sociodicéia masculina baseada em duas operações: “ela legitima uma relação de 
dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela uma 
própria construção social naturalizada” (1999, p. 33). Ao acionar tais operações, essa 
sociodicéia constrói os corpos somatizando relações sociais de dominação que torna os 
homens fortes e agressivos e as mulheres sedutoras e submissas. Assim “a virilidade, 
como se vê, é uma noção eminentemente relacional, construída diante dos outros 
homens, para os outros homens e contra a feminilidade, por uma espécie de medo do 
feminino, e construída, primeiramente, dentro de si mesmo”, afirma Bourdieu (1999, p. 
67). De tal modo a virilidade se articula com a violência simbioticamente. 
Bordo (1997), com base em Foucault afirma que o corpo é alvo de controle 
social, sendo este, o lugar prático onde o controle é exercido. Para este filósofo o corpo 
é um texto da cultura, pois o mesmo é ensinado desde o início da sua existência os 
costumes da cultura em que está inserido. Desta forma, a cultura se faz corpo através 
dos hábitos aprendidos, das normas seguidas, da rotina, ou seja, de práticas que parecem 
banais. 
 
“Por meio da organização e da regulamentação do tempo, do espaço e dos 
movimentos de nossas vidas cotidianas, nossos corpos são treinados, 
moldados e marcados pelo cunho das formas históricas predominantes de 
individualidade, desejo, masculinidade e feminidade.” (Bordo, 1997, 
p.20) 
31 
 
 
Outra autora com quem se pode dialogar é Bergesch (2004), também numa 
perspectiva foucaultiana, entende que o corpo sente dor, sente desejos, sente prazer, 
sendo assim, é através dele que uma pessoa pode mostrar-se ou esconder-se. Ainda de 
acordo com essa autora, as formas de coerção utilizadas pela sociedade para punir 
aqueles que desviam seu comportamento do que é tido como “normal” sempre 
atingiram o corpo. A autora ressalta as análises de Foucault acerca das punições 
destinadas aos criminosos no século XVI, realizadas através de torturas em praça 
pública; o sistema carcerário, que controla o corpo por meio da distribuição do tempo, 
dos horários predeterminados e dos bons hábitos; o corpo do soldado facilmente 
identificado no século XVII, devido seu vigor, sua coragem e seus movimentos 
precisos, como também, o controle da sexualidade iniciado no mesmo século. Podemos 
considerar todas essas formas de controle do sujeito através de um apossamento público 
de seu corpo, de uma destituição do sujeito de seu próprio corpo. 
Ainda de acordo com a autora citada, os estudos de Foucault sobre as técnicas de 
formação do ser, das relações de poder e saber que se fazem materializar no corpo, 
permitem que se cogite a sujeição à violência como componente da subjetividade 
feminina, o que não quer dizer submissão. Acrescentamos também, que na própria 
produção social da mulher, se encontram os mecanismos de constituição de um modelo 
feminino que lhes imprime no corpo e na subjetividade a sujeição ao masculino como 
uma atitude de tolerância, uma vez que esta envolve uma permissão tática, ao invés de 
admitirmos o consentimento ou o vitimismo passivo das mulheres. Embora nos últimos 
trinta anos tenha se consolidado em todo o mundo a convicção dos direitos humanos das 
mulheres, entendendo que sua integridade física e a eliminação das várias formas de 
violência que as atinge seja uma condição imperiosa para a sua cidadania, a violência 
de gênero continua fazendo vitimas. 
Segundo o Informe Mundial sobre Violência e Saúde, divulgado pela 
Organização Mundial de Saúde, quase metade dos assassinatos de mulheres em 2002 
foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros. A Fundação Perseu Abramo 
realizou uma pesquisa no Brasil em 2001, que revelou que a cada 15 segundos uma 
mulher é agredida no país, estimando-se que 2 milhões de mulheres sejam espancadas 
por seus parceiros morosos anualmente. 
32 
 
O Instituto Noos e Promundo realizou em 2003
i
 uma pesquisa com o título 
Homens, Violência de Gênero e Saúde Reprodutiva: um estudo sobre os homens no Rio 
de Janeiro, que revelou os seguintes dados: 51,4% dos homens declararam ter cometido 
algum tipo de violência contra sua parceira pelo menos uma vez, sendo que 25,4% 
cometeu violência física. 
Estes dados revelam o quanto a violência contra mulheres é um fenômeno 
persistente. Segundo Bergesch (2004), “existe uma necessidade masculina de deixar 
marcas no corpo da mulher. Marcas que mostram quem é o dono daquele corpo”(p.203). 
Segundo Perrot (2007), o controle materializado sobre o corpo das mulheres é bem 
diferente daquele exercido sobre o corpo dos homens. Para a autora, “não é a mesma 
coisa ser moça, ou um rapaz, na Idade Média ou no século XXI” (p.41) e nem nos dias 
atuais, nesses primeiros anos do terceiro milênio. 
Perrot em seu estudo mostra que ao longo da história a vida dos homens sempre 
foi mais valorizada do que a vida das mulheres e este fato se mostra muito presente em 
atitudes que atingem diretamente o corpo das mulheres. A autora cita dois fatos para se 
pensar como a desvalorização da vida das mulheres materializa-se com ações que 
castigam seus corpos. Estes são: o infanticídio de meninas, prática antiga que perdura 
até os dias de hoje na China e na Índia e o fato de se optar pelo salvamento do bebê e 
não da mãe em casos de complicações ocorridas nas primeiras cesarianas realizadas na 
Itália. Portanto, o respeito aos direitos das mulheres, inclusive a sua integridade física 
tem resultado de mobilizações e reivindicações de movimentos feministas. 
 O pensamento de Burdieu (1999) é útil para uma discussão sobre as marcas da 
dominação masculina que se imprimem no corpo das mulheres na produção dos seus 
assassinatos. Sendo os corpos construídos socialmente, é nos processos sócio-culturais 
que se deve buscar entender o agir de homens e mulheres nas suas práticas cotidianas, 
na maneira com que mulheres e homens lidam com o seu corpo, pertencendo ao homem 
o desejo de dominação e a força e destituindo a mulher de seu próprio corpo. A 
sociodicéia masculina assim, para esse autor, “legitima uma relação de dominação 
inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela uma própria 
construção social naturalizada” (1998, p. 33). A incorporação da dominação se dá para 
homens e mulheres a partir dos mesmos referenciais, mas enquanto aos homens é 
atribuído a legitimidade da dominação, o corpo feminino “é um corpo propositalmente 
 
i Disponível no site: http://www.promundo.org.br/399. Acesso: em 23 jan. 2008. 
http://www.promundo.org.br/399
33 
 
desarticulado de sua cidadania e de suas emoções”. Talvez por isso seja tão difícil as 
mulheres romperem com a posição de subordinação e ainda quando o fazem sentem-se 
culpadas, pois os mecanismos sociais que agem para reconduzir os padrões das 
diferenças desiguais de gênero agem também nelas. 
 
 
Armas que matam mulheres – a força do masculino no exercício de uma violência 
mortal. 
 
 
 Utilizando as informações sobre o tipo de arma utilizada no assassinato e os 
ferimentos provocados, foram encontradas96 mulheres assassinadas por armas de fogo, 
82 por faca, 18 por estrangulamento, 21 envolvendo uso de pedaços de pau, 8 por 
pedra, 8 por espancamento, 5 por foice, 3 por enxada e 1 por tijolo, martelo, machado, 
facão, tábua de carne, mão de pilão. Houve ainda 2 mortes envolvendo empurrão, 3 
degolamentos, 2 mutilações. Em 19 casos as vítimas forma estupradas, em 6 foram 
queimadas e 3 foram amarradas. A informação sobre a arma do crime apenas não foi 
encontrada em 10 noticias, o que evidencia que esta se constitui num elemento 
indispensável desse tipo de texto jornalístico. 
 
 Gráfico 1 
Armas usadas para matar mulheres. 
Ceará. 2002 - 2006
Faca
33%
Arma de fogo
39%
Foice
2%
Espancamento
3%
Estrangulamento
7%
Pau
8%
Estupro
7%
Enxada
1%
 
 Fonte: Jornal O Povo e Diário do Nordeste. 2002-2006. Dados da pesquisa. 
 
 
 As mortes causadas por estrangulamento foram praticados pelas próprias mãos 
ou por uso de objetos como corda, cadarço, alça de sutiã, entre outros materiais comuns 
34 
 
ao espaço doméstico, sendo 50% deles praticados dentro do espaço residencial da 
vítima e os outros 50% ocorreram em locais como matagal e terrenos baldios. 
 Considerando-se os instrumentos usados nos crimes investigados, observa-se 
uma prevalência do uso de armas domésticas, relacionadas ao espaço da casa e do 
trabalho dos assassinos, e que necessitam de uma aproximação corporal e muito 
investimento de força do assassino sobre a vitima. Facas, armas brancas em geral, paus, 
pedras, cordas, espancamento, estrangulamento, correspondem a forma de matar em que 
o corpo do assassino age muito, despende mais energia do que o uso de armas de fogo. 
 Mais da metade dos crimes contra mulheres, noticiados, ocorreram em 
circunstancias que martirizaram seus corpos e mobilizaram muita ação dos assassinos. 
Força e ação tanto se relacionam com significados de masculinidade como podem 
sugerir muito ódio e vontade de destruição, muito mais que simplesmente tirar a vida. 
Levando em conta o tipo de arma usada e a profissão dos criminosos, observou-se que 
nos crimes por arma de fogo 69 das noticias não mencionam a profissão dos assassinos 
e nas 18 notícias que a citaram, registrou-se um engenheiro, dois desempregados, um 
vigilante, um motorista, um estudante, dois vendedores, um aposentado, um moto 
taxista, um empresário, dois metalúrgicos, dois comerciantes, dois operadores de 
informática, um agricultor e um operário. 
 Nos crimes por faca, foram mencionadas as seguintes profissões: um 
universitário, um integrante de gangue, três operários, um entregador, dois caseiros, um 
agricultor, um pedreiro, quatro trabalhadores rurais, um porteiro, um desempregado, um 
jornaleiro, um artesão, dois comerciantes, um veterinário e um vendedor ambulante. 
Nas mortes por estrangulamento, em oito houve menção à profissão dos criminosos, e 
entre os identificados encontrou-se um motorista, um desempregado e um agricultor. 
Dos assassinos que usaram pau totalizando, 13 das notícias não continham informação 
sobre a profissão, tendo sido referido um agricultor, um trabalhador rural, um catador e 
um caseiro. Dos três que usaram pedra, dois não tiveram a profissão indicada e um era 
agricultor. Dentre os que usaram foice, quatro não tiveram sua profissão mencionada na 
notícia e um era agricultor. Dos casos de espancamento, apenas foi comunicado a 
ocupação de um trabalhador rural, um servente de pedreiro, um desempregado. 
 Nas notícias onde os assassinos usaram machado, martelo e facão a profissão 
não foi mencionada. A enxada foi usada por um mecânico e dois trabalhadores rurais. A 
barra de ferro foi usada por um trabalhador rural. O empurrão foi dado por um operário. 
O uso de álcool para atear fogo as mulheres, num caso foi feito por um mecânico e no 
35 
 
outro não foi referida a profissão. Nas notícias em que não foram mencionadas o tipo de 
arma, em 13 casos não foi mencionada a profissão dos assassinos. Por mão de pilão o 
assassino era um trabalhador rural e no caso onde foi utilizada uma tábua de bater carne, 
não foi mencionada a profissão do assassino. 
 Evidencia-se através desses dados uma forma de matar em que o assassino 
estabelece uma proximidade da vitima durante o ato criminoso, um acentuado esforço 
físico para implementar muitos golpes, dentre as noticias que descrevem as 
características das agressões 15% refere-se a um tiro ou um golpe de faca, as demais 
mencionam vários tiros e vários golpes de armas diversas, um processo de impingir 
dores e causar múltiplos ferimentos que martirizam os corpos das mulheres. 
 
O feminicídio na casa e na rua 
 
 Foi possível investigar algumas características dos assassinatos de mulheres, 
com o instrumento utilizado para produzir a morte e o local do crime, uma vez que a 
maior parte ocorre em ambiente doméstico e com o uso de ferramentas e instrumentos 
comuns a esse ambiente. O quadro abaixo apresenta a distribuição das armas usadas 
entre os espaços da casa e da rua. No entanto, o que é descrito como rua refere-se ao 
espaço público, incluindo nessa categoria definida como rua, locais diversos como 
matagal, bares, shopping, lagoas, e a própria rua. Mas, questionamos o fato de que tal 
local, algumas vezes pode se referir ao lugar onde o corpo foi encontrado e não onde 
ocorreu o crime. Infelizmente não é possível determinar esta questão. 
 Os crimes praticados com uso de arma de fogo apresentam maior ocorrência na 
rua, talvez por ser um tipo de arma que não necessita uma maior aproximação física 
com a vítima, sugerindo um nível de premeditação maior. Quanto aos assassinos 
segundo indicações sobre a profissão e a classe social, onde o fato econômico 
influencia, parece haver uma utilização maior de armas de fogo por homens com 
profissões como engenheiro, comerciante, universitário entre outros. 
 
 Quadro 1: Noticias de jornais sobre assassinatos de mulheres no Ceará. 
2002-2006 
Armas usadas para 
matar as mulheres 
Local do crime indicado na noticia 
Casa Rua Lugar não 
especificado 
arma de fogo 32 37 18 
arma branca 36 21 30 
pedra 3 
36 
 
tijolo 1 
estrangulamento 4 7 2 
espancamento 2 2 2 
mão de pilão, tabua de 
carne 
2 
pau 3 12 
barra de ferro 1 
foice, enxada 6 2 
empurrão 1 
fogo - alcóol 2 2 1 
arma não especificada 1 4 7 
várias armas 7 3 7 
 96 92 68 
 Fonte: Jornais O Povo e Diário do Nordeste – Dados da pesquisa. 
 
 Já nos casos em que ocorreu o uso da faca verificou-se um maior percentual 
em homens com profissão menos qualificada como agricultor, desempregado, 
estudante, tendo maior ocorrência no âmbito doméstico. A utilização de armas como 
faca, facão, martelo, machado, foice, enxada entre outros, que requer luta, troca de 
força, também ocorreram mais dentro de casa e em menor percentual na rua. 
Provavelmente por ser a faca e objetos similares, instrumentos de fácil acesso do 
cotidiano doméstico ou ligados ao trabalho e atividades masculinas como a foice, pau, 
pedra, cujo acesso é fácil nesse ambiente da casa. E ficou evidente que quem mais 
utilizou esses instrumentos foram operários, agricultores, trabalhadores rurais, pedreiro, 
servente de pedreiro, catador, jornaleiro entre outros. 
 As armas de fogo estão presentes não somente na violência urbana, mas 
também na violência doméstica. Mas os resultados dessa investigação mostram que 
entre os assassinatos de mulheres noticiados no período considerado para este estudo, 
35% (trinta e cinco por cento) foram praticados por uso de arma de fogo, enquanto que 
65% (sessenta e cinco por cento) pelo uso de instrumentos reconhecidos como armas 
de utilidade doméstica a exemplo de faca, facão, mão de pilão, tábua de bater carne 
entre outros, e também instrumento de uso profissional

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