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ANALISE DA LEI DE FEMINICIDIO

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Universidade de Araraquara
Jéssica Cristina Momenti Fuman
FEMINICÍDIO: O CONCEITO DE MULHER E SUA APLICAÇÃO NA LEI 13.104/15
ARARAQUARA
2020
jÉSSICA cRISTINA mOMENTI FUMAN
FEMINICÍDIO: O CONCEITO DE MULHER E SUA APLICAÇÃO NA LEI 13.104/15
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Direito da Universidade de Araraquara – UNIARA
Prof. ME. DR. HERIVELTO DE ALMEIDA
araraquara
2020
DECLARAÇÃO
Eu, Jéssica Cristina Momenti Fuman, declaro ser o autor do texto apresentado como monografia de bacharelado com o título FEMINICÍDIO: O CONCEITO DE MULHER E SUA APLICAÇÃO NA LEI 13.104/15. Afirmo, também, ter seguido as normas da ABNT referentes às citações textuais que utilizei e das quais eu não sou o autor, dessa forma, creditando a autoria a seus verdadeiros autores.
Através dessa declaração dou ciência de minha responsabilidade sobre o texto apresentado e assumo qualquer responsabilidade por eventuais problemas legais no tocante aos direitos autorais e originalidade do texto.
______________________________________________
Assinatura
Araraquara, 08 de outubro de 2020
UNIVERSIDADE DE ARARAQUARA
JÉSSICA CRISTINA MOMENTI FUMAN
FEMINICÍDIO: O CONCEITO DE MULHER E SUA APLICAÇÃO NA LEI 13.104/15
Aprovado pela banca da Universidade de Araraquara - UNIARA.
Araraquara, ......... de ........................... de 2020.
Mesa Examinadora
....................................................................................................................
Prof. Dr. Presidente
....................................................................................................................
Prof. Dr. Membro
....................................................................................................................
Prof. Dr. Membro
....................................................................................................................
 Data:......./......./......... 
Primeiramente, dedico o presente trabalho a todas as mulheres, principalmente para aquelas que foram vítimas de feminicídio ou de qualquer outro tipo de violência de gênero, para que saiba: você não está sozinha e lembre-se que sempre deve pedir ajuda.
Afinal o combate a violência é uma luta de todos. Por isso, mulheres não calem sua voz, nem permitam que lhes calem, pois sua vida é importante e vocês são tão possuidoras de direitos como os homens.
Dedico, também, a todos os profissionais de direito, principalmente aos que pretendem seguir na seara penal e processual penal, lembrem-se sempre das razões que fizeram vocês optarem por essa área.
Dedico, ainda, a todas as pessoas que militam para defender e conquistar os direitos das mulheres e os direitos humanos, que levantam a voz para defender as minorias e aqueles que precisam.
Dedico, por fim, a comunidade LGBTQ+ e a quem mais essa temática possa vir a interessar e ser útil de alguma forma.
Aos agressores deixo-lhes um recado: respeite a nossa existência ou espere resistência.
agradecimentos
Agradeço, primeiramente a Deus por ter me concedido os dons da sabedoria, ciência e entendimento, além de um coração valente, repleto de amor e gratidão, que está sempre pronto para lutar contra as injustiças deste mundo.
Agradeço também aos meus pais, primeiro por terem me concebido, afinal, este foi o início de minha jornada, segundo por todo o investimento feito ao longo desses anos nos meus estudos, vocês sempre batalharam para que minha irmã e eu tivéssemos oportunidade de aprender, já que o conhecimento é a nossa maior riqueza. Sou muito grata a tudo que vocês fizeram e fazem por mim, muito obrigada por todo o apoio e amor.
A minha irmã por sempre estar ao meu lado, independente das brigas e irritação mutua, nossa relação sempre foi baseada em companheirismo, você é definitivamente a pessoa mais importante da minha e eu seria capaz de fazer qualquer coisa por você. Eu te amo com toda minha alma e coração. 
Por falar em conhecimento, sou grata a todos os professores que me deram aula, desde o maternal, na escolinha cor de rosa, até os grandes mestres da Uniara. Gostaria de fazer uma ressalva especial para a mulher mais forte, corajosa, intensa e incrível que com seu grande amor por literatura me ensinou a escrever e amar os livros tão intensamente quanto ela, afinal é impossível encontrar alguém tão apaixonado por sua profissão e pela literatura sem fazer o mesmo, por isso, deixo aqui meu muito obrigada Leide Candido de Andrade, você não foi apenas uma grande mulher, mas também uma grande mestra, é uma grande honra poder dizer que fui ensinada por você.
Deixo aqui minha imensa gratidão a Claúdia Cristina Cabral Ardenghe, ou Claudíssima como prefere ser chamada pelos alunos, quem me ensinou tudo o que sei sobre gramatica, suas longas listas de exercícios foram fundamentais para que eu fixasse o conteúdo, além disso, seu amor pelo ensino de língua portuguesa foi de grande inspiração para mim. Portanto, muito obrigada professora por todo o conhecimento transmitido e pelo incrível modelo de energia, paixão e incentivo, atrás de um grande aluno há sempre grandes professores. Meu português seria menos que miserável sem a sua imensa contribuição. Com grande admiração e saudade, deixo aqui meus mais sinceros agradecimentos e forte abraço. 
Ainda em agradecimento aos grandes mestres do meu ensino médio, que desempenharam papeis fundamentais na construção do meu saber e da pessoa que sou atualmente, por serem mais que meus professores, mas também, grandes exemplos de vida, comprometimento, integridade, moral e dedicação. Deixo meu muito obrigada a José Eduardo Oliveira, o melhor professor de filosofia e sociologia, quem me ensinou todo o conteúdo básico e fundamental para enfrentar os primeiros anos deste curso com grande êxito, uma grande exemplo de homem feminista, que me ensinou que os debates são essenciais para compreender o outro e os problemas da humanidade.
Por fim, deixo meu muito obrigado ao mestre Ivan de Angeli, por ser um excelente incentivador de pessoas, um matemático com alma de filosofo que estava sempre nos dizendo: “vocês são do tamanho dos vossos sonhos, acreditem em vocês!” o senhor tinha razão professor, obrigada por acreditar em seus alunos, quando nem eles mesmos acreditaram.
Enfim, cheguei a graduação, uma grande honra ser aluna da UNIARA, pois ela realmente reuniu pessoas notáveis em seu corpo docente, como meu querido orientador Herivelto de Almeida, pois o primeiro professor de direito penal a gente nunca esquece, ainda mais se formos considerar que trata-se de uma matéria que divide opiniões ou os alunos amam ou odeiam, não existe meio termo. Muito obrigada professor Herivelto, não apenas por esta incrível orientação, mas também por ter lecionado de uma forma tão apaixonante que me trouxe até este trabalho.
Agradeço também ao professor Marcel Zanin Bombardi, responsável pela matéria de direito penal: teoria dos tipos penais e crimes em espécie, uma vez que sem suas aulas a presente tese não existiria, haja vista que foi durante elas que tive a ideia.
Por fim, agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente fizeram parte da minha jornada e possibilitaram que eu chegasse até aqui.
“Somos todos humanos, não? Toda vida humana tem o mesmo valor e merece ser salva” 
Harry Potter e as relíquias da morte, p. 343, J. K. Rowling 
 
RESUMO
A presente tese visa realizar uma breve análise histórica dos motivos legitimadores da violência de gênero cuja culmina, por muitas vezes, no feminicídio. Buscando, por meio de pesquisas e questionários, compreender o que é ser mulher e, em seguida, analisar como os dispositivos legais vigentes compreendem isto, a fim de esclarecer a importância de se incluir as mulheres trans como vítimas do feminicídio. Afinal, porque apesar de tanto tempo da criação da lei Maria da Penha, o Brasil continua sendo o pais que mais mata mulheres e pessoas da comunidade LGBTQ+? Qual tipo de proteçãolegal a vida transgênero possui? 
Palavras-chaves: feminicídio, vida feminina, mulheres trans, LGBTQ+, violência de gênero, proteção as mulheres. 
ABSTRACT
This thesis aims to carry out a brief historical analysis of the legitimating reasons for gender violence, which culminates, many times, in feminicide. Seeking, through research and questionnaires, to understand what it is to be a woman and then analyze how the current legal provisions understand this, in order to clarify the importance of including trans women as victims of femicide. After all, why despite the long time since the creation of the Maria da Penha law, Brazil remains the country that kills the most women and people in the LGBTQ + community? What kind of legal protection does transgender life have?
Keywords: femicide, female life, trans women, LGBTQ +, gender violence, protection of women.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	12
HIPÓTESE	17
1.	MACHISMO ESTRUTURAL: UM LEGITIMADOR DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES	21
1.1	O que é machismo e o conceito de machismo estrutural	21
1.2 Breve análise histórica	22
1.3. O surgimento tardio do reconhecimento das mulheres como ser direito	26
2.	VIOLÊNCIA DE GÊNERO	29
2.1 O que é?	29
2.2 Quais os tipos de violência existentes	32
3. FEMINICÍDIO	34
3.1 O que é?	34
3.2 Objetividade jurídica	38
3.3 Qualificadora objetiva ou subjetiva?	43
CONCLUSÃO:	53
METODOLOGIA	56
BIBLIOGRAFIA	57
Anexo	
INTRODUÇÃO 
Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Dentro de casa, a situação não foi necessariamente melhor. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda. (FRANCO, 2019).
Conforme o relógio da violência, cronometro online desenvolvido pelo IMP (Instituto Maria da Penha) que marca quantas mulheres são vítimas de violência a cada segundo do dia, cerca de uma mulher é vítima de feminicídio a cada cinco dias, sendo que, pelo menos uma morre por semana devido ao feminicídio íntimo, ou seja, cometido por parceiro ou ex-parceiro. 
Quanto as pessoas transgênero, dados de uma pesquisa realizada pela ONG Transgender Europe (TGEu), publicada em 2016, indica que nos últimos oito anos o Brasil matou 868 transexuais e travestis, ficando no topo da lista dos países que mais matam pessoas trans no mundo, fato que representa o triplo de assassinatos em relação ao segundo país do ranking, México, que teve 256 mortes. 
Além disso, de acordo com informações divulgadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em dezembro de 2016, a União Nacional LGBTQ+ apontou que o tempo médio de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos, enquanto a expectativa de vida da população é de 75,5 anos.
Diante do cenário violento para as mulheres brasileiras, em 7 de agosto de 2006, criou-se a Lei n° 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha para, de imediato, proteger a vida das vítimas de violência doméstica, já a médio e longo prazo pretendia que houvesse uma conscientização da população, e, por consequência, os índices de violência zerassem ou diminuísse de forma significativa. 
Entretanto, a lei demonstrou-se ser insuficiente para coibir os agressores, tendo em vista que os números estão cada vez mais altos desde sua entrada em vigor, quadro que se agrava em relação aos relacionamentos homoafetivos e pessoas transgênero ou travestis, pois, estas não estavam incluídas no polo passivo da lei Maria da Penha, a qual tinha sua aplicação restrita ao fator biológico, o que desacompanhava a sociedade e seus novos modelos familiares.
 Diante disso, foi necessário acrescer o art. 5°, o qual ampliou a abrangência da Lei 11.340, estabelecendo o gênero como sujeito passivo do bem jurídico tutelado, qual seja: vida e integridade física, psíquica, emocional, moral e financeira das mulheres.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Apesar disso, a lei ficou adstrita aos crimes ocorridos no contexto da violência doméstica e familiar, razão pela qual surge um problema em relação às mulheres que são vítimas de violência, mas estão fora deste contexto, principalmente quando essas são agredidas ou assassinadas apenas pelo fato de serem mulheres.
Visando sanar esta falha surge a lei 13.104/15, acrescendo uma nova qualificadora ao crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal, o feminicídio, que possui caráter de crime equiparado ao hediondo, uma vez que foi acrescido ao rol taxativo deste.
Entretanto, a Lei 13.104/15 foi restritiva e discriminatória ao estabelecer, de modo taxativo, que o feminicídio somente irá se caracterizar quando for praticado contra mulher, em razão de seu sexo feminino, deixando claro que determinante para sua tipificação é o fator biológico. Tornando-se contraditória ao disposto no artigo 5° da Lei Maria da Penha.
Analisando a letra fria da lei concluímos que apenas mulheres, possuidoras dos órgãos reprodutores femininos (útero e ovários, conforme fator biológico), compõe o sujeito passivo (podem ser vítimas) do crime de feminicídio. Sendo assim, a qualificadora somente se incide para as mulheres cisgênero ou ao homem trans que ainda não passou pelo processo cirúrgico de redesignação sexual.
Considerando que tal restrição representa um desrespeito à dignidade da pessoa humana, uma vez que anula a existência dos transexuais, bem como contradiz os direitos adquiridos por eles, além de ferir a igualdade trazida na Constituição. Fatos que trouxeram diversas divergências doutrinarias, pois, nem todos os doutrinadores e operadores do direito fazem uma interpretação tão restritiva quando determina a Lei.
Muito embora, o feminicídio represente uma inovação legislativa e um avanço na luta pelo direito à vida das mulheres, também representa um retrocesso na conquista dos direitos sociais da comunidade LGBTQ+, razão pela qual a qualificadora tornou-se objeto de diversas críticas.
É sabido que, atualmente, existem mais de 32 gêneros reconhecidos pela ONU, além do tradicional feminino e masculino, há também os transgênero, transexuais, agênero, não-binários, andrógeno, gênero fluido, pangênero, dentre outros.
A doutrinaria discute acerca de quem seria a figura passiva do feminicídio, uma vez que alguns doutrinadores discorrem em defesa do gênero feminino, ou seja, incluindo as mulheres trans como vítimas por se tratar de um crime cometido contra a mulher devido ao menosprezo ou discriminação à condição de mulher. 
Enquanto a corrente conservadora, defende que apenas mulheres cisgênero, ou seja, nascidas com genitais femininos, são quem podem figurar no polo passivo, portanto, excluindo qualquer pessoa que não se enquadre no fator biológico estabelecido no tipo penal. Sendo assim, ao adotarmos este posicionamento qual proteção à vida as mulheres trans possuem? 
Lembrando que, o Brasil é o país que mais violento do mundo quando se trata de mulheres e membros da comunidade LGBTQ+. Segundo dados da ONG Transgender Europe (TGEU), entre 1º de outubro de 2017 e 30 de setembro de 2018, foram mortos 167 transexuais no país. Apesquisa foi realizada em 72 países e classificou o México em segundo lugar com 71 vítimas, sendo seguido pelos Estados Unidos, 28, e Colômbia, 21.
Portanto, algo precisa ser feito para mudar esta realidade, é necessário proteger a vida das mulheres, independentemente delas serem cis ou trans. Afinal, o Brasil é o 5º país no mundo – em um grupo de 83 – em que mais se matam mulheres, de acordo com o Mapa da Violência de 2015, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Desde então este número tem aumentado ainda mais, muito embora as taxas de homicídios tenham diminuído consideravelmente nos últimos anos. Conforme o monitor da violência do G1, em 2015, primeiro ano de vigor da Lei 13.104/15, houve um registro de 445 feminicídios no Brasil. Em 2016, registrou-se 763 casos. Em 2017, foram 1.047 e em 2018, 1.225. 
Em 2019, o Brasil teve um total de 1.314 feminicídios, sendo este o maior número já registrado no país desde 2015, fato que contabiliza um aumento de 35,1% em relação ao ano anterior. Estes números aumentaram ainda mais nos primeiros seis meses de 2020, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública houve um aumento de 22% nos registros de casos de feminicídio no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus, com 1.890 mortes registradas.
Sendo assim, o objetivo da presente pesquisa é analisar o machismo estrutural como legitimador da violência contra as mulheres, a questão da violência de gênero com enfoque no feminicídio. Além de analisar a letra da lei de forma crítica a fim de especificar a necessidade de mudança legislativa para evitar ofensa aos princípios de direito penal e dar máxima efetividade aos direitos humanos, protegendo todas as formas de vida.
Pretendo demonstrar através de análises jurisprudenciais que o feminicídio também deve ser aplicado as transexuais, tento em vista os casos que ocorrem no contexto da violência doméstica, já que há diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais no âmbito da Lei Maria da Penha que se posiciona no sentido de aplicá-la para situações envolvendo transexuais, travestis.
Tem-se como justificativa para a presente tese a necessidade de discutir sobre novas formas de proteção ao bem jurídico vida, em especial a feminina, visto que o Brasil é um dos países que mais matam mulheres no mundo, e é o país número 01 (um) em mortes de pessoas da comunidade LGBTQ’s.
20
HIPÓTESE
É necessário que façamos uma mudança na lei que acresceu a qualificadora de feminicídio em nossa legislação utilizando taxativamente a condição biológica de sexo feminino para definir as mulheres, uma vez que gênero é muito mais amplo do que feminino e masculino. Inclusive, há uma grande diferença entre o sexo biológico e identidade de gênero.
 Assim, entende-se por transgênero: a pessoa que nasce com um sexo biológico divergente daquele com o qual se identifica, ou seja, nasce homem, com os genes e órgãos sexuais masculinos, porém sente-se, vê-se como uma mulher, se identifica como mulher, ou seja, é alguém que transcende ao seu gênero biológico, pois se identificar com o gênero oposto, podendo ser uma mulher presa em um corpo de homem ou vice-versa. 
A qualificadora deixou claro que o seu objetivo principal é punir o ato de quem mata uma mulher, justamente em razão dela ser mulher, contudo o artigo resume a existência feminina ao sexo biológico. 
  Art. 121. Matar alguem:
(...)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
(...)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Importante salientar que originalmente a lei trazia o termo “gênero” no lugar de “sexo”, e durante sua tramitação no Congresso Nacional acabou sofrendo alteração pela bancada conservadora. Todavia, a interpretação do dispositivo não pode distanciar-se da ideia original, que é a proteção do gênero feminino, uma vez que o elemento fundamental do tipo é a motivação da conduta. Razão pela qual sua aplicação não deve ser restrita apenas ao fator biológico. 
Paralelamente a isto, não podemos ofender o princípio da legalidade, que visa coibir a aplicação da matéria penal de forma ampla e extensiva, pois, não é possível a aplicação de analogia no âmbito penal. Conforme entendimento extraído do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Apesar disso, no dia 13 de maio de 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) publicou o informativo n° 944, intitulado “Homofobia e omissão legislativa”, após julgar o processo ADO MI 4733/DF, que teve como relator o Ministro Edson Fachin, e trata-se de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção ajuizados em face de alegada omissão legislativa do Congresso Nacional em editar lei que criminalize os atos de homofobia e transfobia, os quais foram equiparados ao racismo, tornando-se espécies deste.
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, julgou procedentes os pedidos formulados em ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) e em mandado de injunção (MI) para reconhecer a mora do Congresso Nacional em editar lei que criminalize os atos de homofobia e transfobia. Determinou, também, até que seja colmatada essa lacuna legislativa, a aplicação da Lei 7.716/1989 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) às condutas de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, com efeitos prospectivos e mediante subsunção. Prevaleceram os votos dos ministros Celso de Mello e Edson Fachin, relatores da ADO e do MI, respectivamente (Informativo 931). A corrente majoritária reconheceu, em suma, que a omissão do Congresso Nacional atenta contra a Constituição Federal (CF), a qual impõe, nos termos do seu art. 5º, XLI e XLII, (1) inquestionável mandado de incriminação. Entendeu que as práticas homotransfóbicas se qualificam como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC 82.424/RS (caso Ellwanger). Isso porque essas condutas importam em atos de segregação que inferiorizam os integrantes do grupo de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. Considerou, ademais, que referidos comportamentos se ajustam ao conceito de atos de discriminação e de ofensa aos direitos e liberdades fundamentais dessas pessoas. Na ADO, o colegiado, por maioria, fixou a seguinte tese: “1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”); 2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o deensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero; 3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito”. Ficaram vencidos, em ambas as ações, os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Marco Aurélio. Os dois primeiros conheceram em parte das ações e as julgaram parcialmente procedentes apenas para reconhecer a mora legislativa e dar ciência ao Congresso Nacional para a adoção das providências necessárias. Para eles, não obstante a repugnância que provocam as condutas preconceituosas de qualquer tipo, somente o Poder Legislativo pode criminalizar condutas, sendo imprescindível lei em sentido formal. Portanto, a extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma penal incriminadora atenta contra o princípio da reserva legal (2). O ministro Marco Aurélio inadmitiu o MI, diante dos limites impostos ao exercício, pelo STF, da jurisdição constitucional. Admitiu, em parte, a ADO, para julgar, nessa extensão, improcedente o pedido, por não assentar, peremptoriamente, que se tenha “criminalizar” no vocábulo “punirá”, contido no inciso XLI do art. 5º da CF. Em decorrência disso, não reconheceu a omissão legislativa quanto à criminalização específica da homofobia e da transfobia. Concluiu que, respeitada a liberdade legiferante franqueada ao legislador ordinário, espera-se que a sinalização do STF quanto à necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis contribua para a formação de uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação, preservados os limites da separação dos Poderes e da reserva legal em termos penais. (1) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;” (2) CF/1988: “Art. 5º (...) XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;” ADO 26/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13.6.2019. (ADO-26)
Por fim, o termo “mulher” deve ter ampla interpretação e ser concebido como uma construção social da identidade de gênero, entretanto teve sua definição limitada e reduzida ao campo biológico pelo legislador penal. Além disso, já dizia a filósofa existencialista Simone de Beauvoir (1967, p. 9) “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, ratificando a sapiência de que ser mulher não é tão somente uma definição da natureza biológica, mas sim uma fusão de concepções, atitudes e sentimentos.
1. MACHISMO ESTRUTURAL: UM LEGITIMADOR DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES 
1.1 O que é machismo e o conceito de machismo estrutural
Uma pesquisa realizada pelo Ibope, em 2017, concluiu que o machismo é o preconceito mais praticado pelos brasileiros. Mas o que é machismo?
É a qualidade, ação ou modos de macho ('ser humano', 'valentão'); macheza. Exagerado senso de orgulho masculino; virilidade agressiva. Comportamento que tende a negar à mulher a extensão de prerrogativas ou direitos do homem, conforme definição do Oxford Languages.
“Machismo é um comportamento fundamentado na compreensão de que os homens são superiores às mulheres. (...) O machismo baseia-se na cultura patriarcal que associa à figura do pai a uma liderança, que pode ser transposta para todas as áreas do desenvolvimento social. Assim, pela concepção machista, a mulher desempenha um papel de subalternidade em relação ao homem, servindo e obedecendo.”
Portanto, o machismo é sustentado pela dominação masculina que busca desenvolver a ideia de diferenciação, hierarquização e submissão das mulheres, por meio de uma relação de poder, baseada em padrões de dominação, controle e opressão, leva à discriminação, ao individualismo, à exploração e à criação de estereótipos, os quais são transmitidos de uma geração para outra e reproduzidos tanto no âmbito público (governo, política, religião, escolas, meios de comunicação), como no âmbito privado (família, parentes, amigos).
Quanto ao machismo estrutural não há uma definição exata, mas consiste em diversos pensamentos, posicionamentos, comportamentos sociais machistas. É algo cultural e inerente aos diversos aspectos de uma sociedade, uma vez que o machismo está enraizado nas pessoas e na cultura, estas formam a estrutura básica da sociedade. 
1.2 Breve análise histórica 
Segundo estudos antropológicos, “a sociedade humana começou na base de pequenos grupos de pessoas, em bandos de caçadores e coletores”, ou seja, as primeiras organizações sociais eram coletivistas, tribais, nômades e matrilineares, baseada na distribuição igualitária de tarefas, uma vez que não havia distinção entre os sexos, sendo que tanto homens quanto mulheres partilhavam das mesmas funções.
O deslocamento da caça e coleta para a agricultura pôs fim gradualmente a um sistema de considerável igualdade entre homens e mulheres. Na caça e na coleta, ambos os sexos, trabalhando separados, contribuíam com bens econômicos importantes. As taxas de natalidade eram relativamente baixas e mantidas assim em parte pelo aleitamento prolongado. Em conseqüência disso, o trabalho das mulheres de juntar grãos e nozes era facilitado, pois nascimentos muito freqüentes e cuidados com crianças pequenas seriam uma sobrecarga. A agricultura estabelecida, nos locais em que se espalhou, mudou isso, beneficiando o domínio masculino. À medida que os sistemas culturais, incluindo religiões politeístas, apontavam para a importância de deusas, como geradoras de forças criativas associadas com fecundidade e, portanto, vitais para a agricultura, a nova economia promovia uma hierarquia de gênero maior. Os homens agora eram responsáveis, em geral, pela plantação; a assistência feminina era vital, mas cabia aos homens suprir a maior parte dos alimentos. A taxa de natalidade subiu, em parte porque os suprimentos de alimentos se tornaram um pouco mais seguros, em parte porque havia mais condições de aproveitar o trabalho das crianças. Essa foi provavelmente a razão principal de os homens assumirem a maior parte das funções agrícolas, já que a maternidade consumia mais tempo. Dessa forma, as vidas das mulheres passaram a ser definidas mais em termos de gravidez e cuidados de crianças. Era o cenário para um novo e penetrante patriarcalismo. (Peter N. Stearns, As origens das civilizações e do patriarcado)
Com o desenvolvimento da agricultura surgiram as primeiras civilizações, que fez surgir as desigualdades entre homens e mulheres por meio da hierarquização social, esta denominada de patriarcal, ao centralizar o poder familiar nas mãos do homem.Sendo assim, a mulher assumiu um papel secundário, pois passou a ser considerada uma criatura inferior ao homem na hierarquia familiar e social, ficando submissa e dependente do chefe de família (patriarca), haja vista não possuírem direitos. 
“Nas sociedades patriarcais, os homens eram considerados criaturas superiores. Tinham direitos legais que as mulheres não possuíam (embora as leis protegessem as mulheres de alguns abusos, pelo menos no princípio). Assim, o Código de Hamurabi, na Mesopotâmia, a partir do segundo milênio e.c., estabelecia que uma mulher que não “tenha sido uma dona-de-casa cuidadosa, tenha vadiado, negligenciado sua casa e depreciado seu marido” deveria ser “jogada na água”. Não havia contrapartida disso para os homens, embora o código estabelecesse que a esposa poderia abandonar o marido se ele não provesse suas necessidades.
Muitas sociedades agrícolas impediram as mulheres de possuírem propriedade de forma independente. Muitas permitiam que os homens tivessem várias mulheres (se pudessem sustentá-las). A maior parte punia as ofensas sexuais das mulheres – por exemplo, o adultério – muito mais severamente do que as dos homens. De fato, alguns historiadores argumentaram que uma justificativa-chave para a existência do patriarcado era garantir, com o máximo de certeza possível, que os filhos de uma mulher fossem do marido. Dada a importância da propriedade em sociedades agrícolas (em contraste com as de caça e coleta), os homens sentiam necessidade de controlar a herança de gerações futuras, e isso começou regulando a sexualidade das esposas.
Outros indícios eram igualmente importantes. Havia preferência por filhos em vez de filhas. Muitas famílias adotaram o infanticídio para ajudar a controlar a taxa de natalidade, eliminando as meninas com mais freqüência. Culturalmente, os sistemas patriarcais enfatizavam a fragilidade das mulheres e sua inferioridade. Insistiam nos deveres domésticos e algumas vezes restringiam os direitos das mulheres a aparecerem em público.
A desigualdade das mulheres tendeu, além do mais, a aumentar com o passar do tempo, à medida que as civilizações agrícolas se tornavam mais bem-sucedidas. A lei judaica, surgida um pouco depois do Código de Hamurabi, era mais severa no tratamento da sexualidade das mulheres ou de seu papel público. Em outras partes do Oriente Médio, surgiu o uso do véu quando as mulheres estivessem em público, como sinal de sua inferioridade e de seu pertencimento a pais e maridos. A deterioração dos papéis das mulheres na China apareceu com o costume de enfaixar os pés, sob a dinastia Tang, depois que terminou o período clássico; os pequenos ossos dos pés das meninas eram quebrados para impedir que andassem com facilidade, e o jeito desajeitado de andar que resultou disso era recebido como sinal de beleza e modéstia respeitável.” (Peter N. Stearns, As origens das civilizações e do patriarcado)
Como observado, as mulheres não eram apenas submissas ao patriarca, mas também sofriam diversas formas de violência e opressão, que foram evoluindo conforme as mudanças sociais até chegarmos ao “patriarcado contemporâneo”, que consiste na existência de diversas desigualdades no meio social, profissional e familiar, porém, menos evidentes, apesar de influenciar a concepção de modelo ideal feminino. 
Na Grécia Antiga, as mulheres não eram consideradas cidadãs, por isso, não podiam participar dos debates públicos e políticos, muito embora fossem autorizadas a frequentar festas religiosas e assistir a peças teatrais, bem como ir a santuários e oráculos. Quanto aos sacrifícios aos deuses, estes tratavam de rituais exclusivamente masculinos, razão pela qual eram proibidas de participar. Elas também não podiam ter propriedades ou administrar negócios, sendo sempre tuteladas pelos maridos ou por parentes masculinos mais próximos.
Na Roma Antiga, as mulheres ficavam totalmente a mercê da vontade do pater famílias, sendo que aos sete anos ficavam aptas ao casamento, após casarem tudo o que a ela pertencia ficava sob a alçada do marido, pois a forma jurídica comum era o in manum, em que deixavam de pertencer ao pai para passar a pertencer ao esposo. Sendo assim, as mulheres romanas não passavam de meros objetos para os homens. 
“O patriarca tinha sob seu poder a mulher, os filhos, os escravos e os vassalos, além do direito de vida e de morte sobre todos eles. A autoridade do pater familiae sobre os filhos prevalecia até mesmo sobre a autoridade do Estado e duraria até a morte do patriarca, que poderia, inclusive, transformar seu filho em escravo e vendê-lo” (Xavier, 1998).
Na Idade Média, as mulheres passaram a possuir autonomia para conduzir seus próprios negócios sem tutela de seus maridos, liberdade de escolha, direito à propriedade e à educação, algo que era insólito na Antiguidade. Ademais, elas podiam assumir papéis importantes de liderança, inclusive como rainhas e abadessas. Porém, ainda eram vistas como um ser frágil e inferior. Nesta época dominada pela Igreja, o sexo feminino era considerado o pecado, a carne, a fraqueza. 
A mulher foi ostensivamente discriminada e tal discriminação tornou-se a mais significativa e abrangente de todas as medidas em que correspondia, do ponto de vista quantitativo, à metade da própria humanidade. A mulher estava submetida a controles sociais rígidos entre os quais se incluíam o controle domestico exercido, primeiro, pelos pais, e, depois, pelo marido; o controle médico; o controle no mercado de trabalho; e o controle de acesso aos espaços públicos. (ESPINOZA, 2004, p. 13)
Logo, a História Antiga e a Idade Média foram marcadas pelo patriarcado, que se caracteriza pela supremacia masculina e a desvalorização da identidade feminina. 
“As mulheres foram criadas para obedecer e servir aos homens. Os homens devem ser fortes para prover sua família, para desenvolver estratégias e liderar – e também podiam esperar ser servidos. Esses são os papeis de gênero aparentes em todas as instituições de uma comunidade, desde famílias, escolas e estádios, até os tribunais. Quando desafiadas, tais ideias podem ser impostam pela violência. Mas, às vezes, um olhar mais frio ou a gozação de colegas são o suficiente para fazer que alguém mude seu comportamento, para que seja mais condizente com seu papel de gênero. Um menino chorão ou uma menina agressiva talvez percebam, com certa rapidez, que transgrediram os papeis de gênero para eles. Uma das coisas mais traiçoeiras a respeito do patriarcado, diz hooks, é que não se fala dele [...] Os homens quase nunca sabem o que a palavra “patriarcado” quer dizer – eles não a usam no cotidiano a despeito de aplicarem suas regras ao mesmo tempo que sofrem com elas.” (THORPE et al, 2016, p. 94)
Portanto, ao longo do tempo construiu-se socialmente um sistema de dominação masculina, no qual a mulher é vista como um objeto de satisfação das vontades dos parceiros, estes sentem-se no direito de ter atitudes de donos, como se ela fosse sua propriedade, podendo dela dispor a qualquer tempo e como bem entender. 
Este sentimento de posse decorre da objetificação feminina, que é reforçada pelas mídias de telecomunicações ao imporem padrões de beleza e comportamento que ratificam os estereótipos e biótipos pré-estabelecidos pelo patriarcalismo, enraizados em nossa sociedade pelo machismo, que muitas vezes tornam se imperceptíveis haja vista a naturalização da violência. Como observa Chaves:
A mídia é uma das maiores disseminadoras de preconceitos em nossa sociedade. As mulheres, foram transformadas em objeto de consumo ou em escravas domésticas, deixaram de ser pessoas. Basta assistir uma propaganda de cerveja ou de sabão em pó para perceber isso. Ao mesmo tempo a mídia tenta criar uma falsa aparência de igualdade entre os sexos. Assim, ratifica o machismo promovendo violências de gênero. (CHAVES, 2010, p. 218)
Muito embora, atualmente, a mulher seja livre, independente do pai ou do marido, e possa fazer suas próprias escolhas como, por exemplo, com quem casar, ser reconhecida como pessoa dedireitos e deveres iguais aos homens, elas continuam sendo tratadas como seres inferiores e submissos por causa da objetificação.
Portanto, a violência contra a mulher surge no cenário machista de dominação masculina, no momento em que elas se posicionam contra isso, ao recusarem a continuar no papel de submissas ao qual lhes foi imposto ao longo da história.
1.3. O surgimento tardio do reconhecimento das mulheres como ser direito 
Somente a partir de 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), sob pressão do movimento feminista, resolveu criar a Declaração dos Direitos Humanos e colocar o princípio da igualdade entre mulheres e homens no direito internacional, fato que ensejou o início da buscar por igualdade política.
 A inserção do princípio da igualdade visava conduzir os Estados a eliminarem, em suas legislações, discriminações contra as mulheres. Contudo, apenas em 1993, na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em Viena, foi que os Estados realmente estabeleceram a plena igualdade dos sexos:
Os direitos humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino constitui parte inalienável, integral e indivisível, dos direitos humanos universais. A plena participação das mulheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, econômica, social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional, e a erradicação de todas as formas de discriminação, com base no sexo, são objetivos prioritários da comunidade internacional. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1993).
Desde então começou-se a surgir diversas declarações e instrumentos jurídicos para tratar especificamente a questão do respeito aos direitos humanos das mulheres. 
Entretanto, o primeiro documento internacional que evidencia a importância da educação no processo de mudança, referindo-se tanto à educação das mulheres, quanto a importância de uma educação que vise à igualdade foi a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979): 
A eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de ensino mediante o estímulo à educação mista e a outros tipos de educação que contribuam para alcançar este objetivo e, em particular, mediante a modificação dos livros e programas escolares e adaptação dos métodos de ensino. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1979)
No Brasil, ocorreu a primeira iniciativa contra a violência de gênero com a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher em 1º de fevereiro de 1984. 
Em 1988, ocorreu o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres, com a nova Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, sua promulgação deixou claro que todos devem ter os mesmos direitos, oportunidades, responsabilidades e obrigações.
Em 1995, foi ratificado a Convenção Interamericana para prevenir e erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará. 
Em 2002, houve a assinatura do Protocolo Facultativo sobre todas as formas de Discriminação Contra a Mulher. 
Contudo, apenas em 2006, após pressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que uma norma específica foi publicada no Brasil, a lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de inúmeras agressões de seu marido que resultaram em uma paralisia de seus membros inferiores.
Portanto a Lei 11.340/2006 cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conforme expresso em seu preâmbulo e primeiro artigo.
2. VIOLÊNCIA DE GÊNERO 
2.1 O que é?
Nos últimos anos tem ocorrido um preocupante aumento da violência no Brasil, contudo são as taxas de homicídio contra mulheres e transexuais que nos chamam mais atenção e são mais alarmantes. 
Dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) apontam que de 2014 a 2017, 76% dos registros tratavam de violência física, tanto para pessoas homo/bi quanto para pessoas trans, enquanto os casos de violência sexual foram 8% dos casos de violência contra pessoas trans e 4% contra pessoas homo/bi.
Enquanto que, somente em 2017, ocorreram 26.835 registros de estupros em todo o país, o que equivale a 73 estupros registrados a cada dia daquele ano as mulheres cis. Estas também foram maioria entre as vítimas nos 209.580 registros de violência física naquele ano. Em todo o país, elas foram 67% das pessoas agredidas fisicamente nos casos presentes no Sinan.
Em pesquisa realizada especialmente para este trabalho, por meio de formulário Google, 71,2% das mulheres responderam que já foi vítima de algum tipo de violência de gênero, sendo que destas 68% acreditam ter sido agredida por ser mulher. Bem como, 63,3% acredita que em algum momento será violentada em razão de ser mulher. 
Ante o exposto, não resta dúvidas de que as mulheres, independentemente de serem cis ou trans, são as principais vítimas da violência no Brasil, devido a sua condição feminina, ou seja, ao fato de serem mulheres. 
Inicialmente, devemos compreender o que é violência e gênero, para em seguida debatermos a violência de gênero, sendo assim, temos que:
Violência, em seu significado mais frequente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. Assim, a violência pode ser compreendia como uma forma de restringir a liberdade de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, reprimindo e ofendendo física ou moralmente (TELES, 2003, p. 15).
Enquanto o gênero foi definido por Victoria Barreda como:
“uma construção social e histórica de caráter relacional, configurada a partir das significações e da simbolização cultural de diferenças anatômicas entre homens e mulheres. [...] Implica o estabelecimento de relações, papeis e identidades ativamente construídas por sujeitos ao longo de suas vidas, em nossas sociedades, historicamente produzindo e reproduzindo relações de desigualdade social e de dominação/subordinação.”
Contudo, o gênero não se resume apenas ao feminino e masculino, usado para fazer uma distinção biológica entre os sexos, de acordo com Heleieth I. B. Saffioti:
“Gênero pode ser concebido em várias instâncias: como aparelho semiótico (LAURETIS, 1987); como símbolos culturais evocadores de representações, conceitos normativos como grade de interpretação de significados, organizações e instituições sociais, identidade subjetiva (SCOTT, 1988); como divisões e atribuições assimétricas de característicos e potencialidades (FLAX, 1987)”
Sendo assim, devemos compreender que “a violência de gênero é aquela oriunda do preconceito e da desigualdade entre homens e mulheres. Apoia-se no estigma de virilidade masculina e de submissão feminina.”, a qual enraizou-se em nossa sociedade desde a antiguidade. Portanto:
A violência de gênero só se sustenta em um quadro de desigualdades de gênero. Estas integram o conjunto das desigualdades sociais estruturais, que se expressam no marco do processo de produção e reprodução das relações fundamentais – as de classe, étnico-raciais e de gênero. A estas relações podem-se agregar as geracionais, visto que não correspondem tão-somente à localização de indivíduos em determinados grupos etários, mas também à localização do sujeito na história, na ambiência cultural de um dado período, na partilha ou na recusa dos seus valores dominantes, nas suas práticas de sociabilidade (ALMEIDA, 2007, p. 28).
Ademais, a ConvençãoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, define violência de gênero como uma ofensa à dignidade humana e manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.
Para Maria Amélia Teles e Mônica de Melo, “os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos.” Uma vez que a sociedade determina quais são os papeis sociais femininos e masculinos de um modo taxativo, que por vezes tornam-se discriminatórios e/ou segregatórios ao inferiorizarem elas em poder deles. 
Heise conclui que a violência é "um fenômeno extremamente complexo, com raízes profundas nas relações de poder baseadas no gênero, na sexualidade, na auto identidade e nas instituições sociais" e que "em muitas sociedades, o direito (masculino) a dominar a mulher é considerado a essência da masculinidade" (Heise, 1994: 47-48). 
Por fim, a violência de gênero consiste em qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado e se caracteriza:
1) Ela decorre de uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher; 
2) Esta relação de poder advém dos papéis impostos às mulheres e aos homens, reforçados pela ideologia patriarcal, os quais induzem relações violentas entre os sexos, já que calcados em uma hierarquia de poder; 
3) A violência perpassa a relação pessoal entre homem e mulher, podendo ser encontrada também nas instituições, nas estruturas, nas práticas cotidianas, nos rituais, ou seja, em tudo que constitui as relações sociais; 
4) A relação afetivo-conjugal, a proximidade entre vítima e agressor (relação doméstica, familiar ou íntima de afeto) e a habitualidade das situações de violência tornam as mulheres ainda mais vulneráveis dentro do sistema de desigualdades de gênero, quando comparado a outros sistemas de desigualdade (classe, geração, etnia).
2.2 Quais os tipos de violência existentes
A violência de gênero abrange diversas outras espécies de violência, inclusive a praticada contra as mulheres, conforme estabelece o CNJ (Conselho Nacional de Justiça): 
· Violência contra a mulher – é qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause danos, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados.
· Violência doméstica – quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação.
· Violência familiar – violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).
· Violência física – ação ou omissão que coloque em risco ou cause danos à integridade física de uma pessoa.
· Violência institucional – tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, étnico-raciais, econômicas etc.) predominantes em diferentes sociedades. Essas desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas sociedades.
· Violência intrafamiliar/violência doméstica – acontece dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono.
· Violência moral – ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da mulher.
· Violência patrimonial – ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores.
· Violência psicológica – ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.
· Violência sexual – ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros.
3. FEMINICÍDIO
3.1 O que é?
Há mais cruel das violências é o feminicídio, também denominado de gendercide, femicide ou femicídio, pois consiste no assassinato de mulheres única e exclusivamente por causa de seu gênero feminino. 
“Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.” Eleonora Menicucci, ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República)
Etimologicamente a palavra tem origem no vocábulo latino femina.ae, fêmea + cídio. Segundo o dicionário de língua portuguesa, é um substantivo feminino que significa: 1. Assassinato de indivíduos do sexo feminino; ação de matar mulheres apenas por serem mulheres. 2. Crime de ódio contra mulheres, definido também por agressões verbais, físicas e psicológicas.
Para a legislação brasileira trata-se de um crime equiparado ao hediondo definido como “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino” e possui pena de doze a trinta anos de reclusão. Vejamos:
Homicídio simples 
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Aumento de pena
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.771, de 2018)
Conforme Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, feminicídio é:
“A subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na desigualdadede gênero e sempre foi invisibilizada e, por consequência, tolerada pela sociedade. A mulher sempre foi tratada como uma coisa que o homem podia usar, gozar e dispor.”
A palavra femicide foi usada pela primeira vez no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas, em 1976, pela feminista Diana Russel como “o assassinato de mulheres realizado por homens motivado por ódio, desprezo, prazer ou um sentido de propriedade sobre as mulheres” (CAPUTI; RUSSEL, 1992, p. 34, tradução de Gebrim e Borges).
Para Radford e Russel (1992) e Caputi e Russel (1992, p. 15) o femicídio é o continuum de violência contra as mulheres que estabelece uma conexão com as mais variadas formas de agressões, tais como estupro, incesto, abuso físico e emocional, assédio, pornografia, exploração sexual, esterilização, maternidade à força, dentre muitas outras. 
Importante ressaltar que algumas correntes sustentam que o “femicídio” não dá conta da complexidade nem da gravidade dos delitos contra a vida das mulheres por sua condição de gênero, pois etimologicamente significa unicamente dar morte a uma mulher. Enquanto a expressão “feminicídio”, por sua vez, englobaria a motivação baseada no gênero ou misoginia, agregando a inação estatal frente aos crimes (PATH, 2010, p. 30).
O termo gendercide foi utilizado pela primeira vez por Warren, em 1985, referindo-se ao extermínio deliberado de mulheres, por meio de todo e qualquer tipo de violência, desde o infanticídio motivado pela seleção sexual. Sendo assim, o genericídio é como o genocídio, a diferença é que o primeiro relaciona-se ao sexo enquanto o outro é referente a raça.
Lagarde (2006, p. 221), responsável pela introdução do termo “feminicídio” na academia, tem optado por ele por incluir o fator impunidade, em virtude de ausências legais e de políticas do governo, que geram uma convivência insegura para as mulheres, colocando-as em risco e favorecendo o conjunto de crimes praticados por razões de gênero. De acordo com Lagarde (2006, p. 221), o feminicídio não é apenas uma violência exercida por homens contra mulheres, mas por homens em posição de supremacia social, sexual, jurídica, econômica, política, ideológica e de todo tipo, sobre mulheres em condições de desigualdade, de subordinação, de exploração ou de opressão, e com a particularidade da exclusão. (Gebrim e Borges, p. 04)
Apesar da diversidade de vocábulos todos fazem referência a mesma situação fática: a morte das mulheres por elas serem mulheres, ou seja, em razão das questões do gênero feminino. Logo, conforme a filosofa existencialista Simone de Beauvoir:
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.”
Isto, significa dizer que ser mulher é algo que vai muito além de apenas ter órgãos sexuais femininos (útero e ovários), é um jeito de ser, agir, sentir, comportar-se, viver, é considerar-se mulher, ou seja, sentir/ver e identificar-se como uma, é ter uma série de comportamentos, pensamentos e atitudes que vão muito além do sexo biológico com o qual se nasce. Inclusive, está é a opinião de 92% das pessoas que responderam ao questionário. 
Sendo assim, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher, em seu relatório final, ratifica o seguinte saber:
O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante. (CPMI-VCM, 2013)
Por fim, é importante salientar que há uma diferença nos conceitos de femicídio e feminicídio, principalmente em uma cultura marcada pela misoginia:
O assassinato de mulheres é habitual no regime patriarcal, no qual elas estão submetidas ao controle dos homens, quer sejam maridos, familiares ou desconhecidos. As causas destes crimes não se devem a condições patológicas dos ofensores, mas ao desejo de posse das mulheres, em muitas situações culpabilizadas por não cumprirem os papéis de gênero designados pela cultura. As violências contra as mulheres compreendem um amplo leque de agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial que ocorrem em um continuum que pode culminar com a morte por homicídio, fato que tem sido denominado de femicídio ou feminicídio. No seminário internacional realizado em 2005, Feminicídio, Política e Direito, Diana Russel considerou adequada a tradução do inglês “femicide” para o espanhol “femicídio”, para evitar a feminização da palavra homicídio. Porém, autores como Marcela Lagarde diferenciam femicídio, ou assassinato de mulheres, de feminicídio, ou assassinato de mulheres pautado em gênero em contextos de negligência do Estado em relação a estas mortes, configurando crime de lesa humanidade. (MENEGHEL; PORTELLA, 2017, p. 3078-3079).
3.2 Objetividade jurídica
Zaffaroni define que “o tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes.” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 371)
Sendo assim, o feminicídio surge no Código Penal brasileiro como um qualificadora do crime de homicídio, que tipifica a ação de matar alguém, ou seja, tirar, ceifar, por fim a vida de outrem. Logo, diz-se que o artigo 121 do CP tem como objeto jurídico a proteção da vida humana.
Para a doutrina, a conduta delitiva homicida pode ter as seguintes classificações: crime comum tanto para o sujeito ativo quanto passivo; via de regra é de forma livre; pode ser praticado dolosa ou culposamente e comissiva ou omissivamente; de dano; material; instantâneo de efeitos permanentes; não transeunte; monossubjetivo; plurissubisistente; admite tentativa e comporta a hipótese de crime de ímpeto.
Além disso, o crime de homicídio possui diversas qualificadoras, as quais são circunstâncias consideradas mais reprováveis pela sociedade e pelo legislador, razão pela qual merece uma punição mais severa. 
[Conforme pesquisa realizada no ano de 2014 no Brasil], a violência física [contra a mulher] é, de longe, a mais frequente, presente em 48,7% dos atendimentos [pelo SUS – Sistema Único de Saúde] com especial incidência nas etapas jovem e adulta da vida da mulher, quando chega a representar perto de 60% do total de atendimentos. Em segundo lugar, a violência psicológica, presente em 23,0% dos atendimentos em todas as etapas, principalmente da jovem em diante. Em terceiro lugar, a violência sexual, objeto de 11,9% dos atendimentos, com maior incidência entre as crianças até 11 anos de idade (29,0% dos atendimentos) e as adolescentes (24,3%). (WAISELFISZ, 2015, p. 52)
Frente ao cenário patriarcal, misógino e cada vez mais violento, fez se necessário a existência de uma qualificadora especial para tentar coibir os assassinatos das mulheres brasileiras e em 10 de março de 2015 surge a qualificadora do feminicídio. 
Alguns doutrinadores entendem o feminicídio como crime autônomo e o tipificam em duas espécies: íntimo, quando a vítima possui ou possuía um relacionamento com seu agressor em decorrência do convívio doméstico e familiar, e o não íntimo, são aqueles cometidos por homens com os quais a vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência, mas com os quais havia uma relação de confiança, hierarquia ou amizade, tais como amigos ou colegas de trabalho, trabalhadores da saúde, empregadores. Os crimes classificados nesse grupo podem ser desagregados em dois subgrupos, segundo tenha ocorrido a prática deviolência sexual ou não.
No tocante à tipologia do femicídio/feminicídio, o Observatório de Criminalidade do Ministério Público do Peru distingue-o em dois tipos: feminicídio íntimo, que é aquele em que a vítima tinha ou havia tido uma relação de casal com o homicida, não se limitando às relações com vínculo matrimonial, mas estendendo-se aos conviventes, noivos, namorados e parceiros, além daqueles praticados por um membro da família, como o pai, padrasto, irmão ou primo; e feminicídio não íntimo, aquele em que a vítima não tinha qualquer relação de casal ou familiar com o homicida. Incluem-se nessa categoria a morte provocada por clientes – em se tratando de trabalhadoras sexuais –, por amigos, vizinhos ou desconhecidos, assim como a morte ocorrida no contexto do tráfico de pessoas, sempre tendo o motivo sexual como fundamental para sua qualificação como feminicídio (FLORES, 2012, p. 159).
O Observatório Cidadão Nacional de Feminicídio do México, por sua vez, indica as seguintes tipologias: feminicídio familiar íntimo, feminicídio familiar íntimo infantil, feminicídio infantil, feminicídio íntimo, feminicídio por roubo, feminicídio circunstancial, feminicídio por violência juvenil, feminicídio por vingança, feminicídio por orientação sexual, feminicídio por ocupação estigmatizada, feminicídio relacionado com o narcotráfico e feminicial sexual sistêmico (PONCE, 2012, p. 110-111)
Há também o transfeminicídio, chamado de transfemicídio e travesticídio, se enquadra dentro do termo transgenerocídio, que se caracteriza como uma política disseminada, intencional e sistemática de eliminação da população trans, tanto das mulheres quanto das travestis, motivada pelo ódio e nojo. E o feminicídio por conexão.
Feminicídio por conexão: são aqueles em que pessoas foram assassinadas porque se encontravam na “linha de fogo” de um homem que tentava matar uma mulher, ou seja, são casos em que mãe, filhos, irmãos, maridos atuais, amigos etc tentam ou não intervir para impedir a prática de um crime contra uma mulher e acabam assassinados. Podem independer do tipo de vínculo entre a vítima e o agressor, que podem inclusive ser desconhecidos, mas em sua maioria as vítimas tem vínculo com as mulheres, o que atraí o assassino, que tem, também, a intenção de prejudicar psicologicamente essas mulheres, destruindo seus lares e famílias (PASINATO, Wânia (2011).
Contudo, a legislação brasileira prevê o feminicídio, não como um novo tipo penal, mas sim como uma qualificadora do crime de homicídio. Como esclarece Cezar Roberto Bitencourt:
“Andou bem o legislador, por que conseguiu, adequadamente, ampliar a proteção da mulher vitimada pela violência de gênero, assegurando-lhe maior proteção sem incorrer em inconstitucionalidade por dedicar-lhe uma proteção excessiva e discriminatória, o que, a nosso juízo, poderia ocorrer se, em vez da qualificadora, fosse criado um novo tipo penal, isto é, uma nova figura penal paralela ao homicídio, com punição mais grave sempre que se tratasse de vítima do sexo feminino. Assim, a opção político-legislativa foi feliz e traduz a preocupação com a situação calamitosa sofrida por milhares de mulheres discriminadas por sua simples condição de mulher, permitindo, na prática, a execução e uma política criminal mais eficaz no combate a essa chaga que contamina toda a sociedade brasileira.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 459.)
No entanto, para incidi-la é necessário que haja a condição de sexo feminino e ocorra no contexto da violência familiar, doméstica ou com discriminação e/ou menosprezo à condição de mulher. Sendo assim, não basta que a vítima seja mulher, a morte precisa decorrer em “razões de condição de sexo feminino”.
Saliento que esta não era a letra original do projeto de lei, que foi alterado durante sua tramitação pelo Congresso Nacional e trazia o termo “gênero feminino”, este possui consonância com o amplo entendimento do que é ser mulher. Pois,
A mulher não tem um destino biológico, ela é formada dentro de uma cultura que define qual o seu papel no seio da sociedade. As mulheres, durante muito tempo, ficaram aprisionadas ao papel de mãe e esposa, sendo a outra opção o convento. Porém, a própria Simone rompe com esse destino feminino e faz de sua vida algo completamente diferente do esperado para uma mulher.
Diante disso, não nos resta duvidas que mulheres trans são tão mulheres quanto as cisgênero, e por este motivo merecem igual proteção legislativa e devem ser inclusas no polo passivo da qualificadora de feminicídio como dispunha o projeto de Lei 13.104/15. 
Art. 1.º Esta Lei altera o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos para tipificar o feminicídio como crime, qualificá-lo como crime hediondo, aumentar a pena para a lesão corporal decorrente de violência doméstica, se o crime constituir violência de gênero contra as mulheres, e acrescenta o art. 132-A, ao Código Penal, para tipificar a violência psicológica contra a mulher.
Feminicídio 
Art. 121-A. Matar alguém pela condição de ser mulher, com mutilação, desfiguração ou violência sexual, antes ou depois da morte, tendo ou não o agente relação de afeto ou parentesco com a vítima:
Pena – reclusão de doze a trinta anos
Art.129....................................................................... 
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa com deficiência ou constituir violência de gênero contra as mulheres.
Violência psicológica contra a mulher 
Art. 132-A. Causar à mulher dano emocional e diminuição da autoestima, que lhe prejudique o desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. 
Pena: reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Art. 1.º ............................................................................ 
I – homicídio (art. 121) quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V); e feminicídio (art. 121-A).
Atualmente, a incidência do feminicídio é taxativa e restritiva quanto ao fator biológico para determinar seu sujeito passivo, além de ser incongruente com o artigo 5° da Lei Maria da Penha que estabelece o gênero como determinante de sua abrangência e proteção.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
Também fere o princípio constitucional de igualdade estabelecido no artigo 5°: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” 
Pois, ao excluir as mulheres transgêneros e travestis do polo passivo, a lei penal fez uma distinção de cunho preconceituoso pautada no gênero e, por consequência, cria uma discriminação de gênero ao consagrar o entendimento do termo mulher de forma restritiva ao fator biológico.
O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento dediferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social. (MORAES, 2002, p. 65).
Sendo assim, ao incidir a qualificadora somente nos casos de homicídio praticado contra mulher, que possui os órgãos reprodutores femininos, o legislador fere a existência das mulheres trans e travestis, pois elas também são vítimas de violência e necessitam das mesmas proteções e garantias de direitos conferidos as mulheres cisgêneros. 
Ademais, o inciso II do §2º-A do artigo 121, diz que será feminicídio quando o homicídio for praticado com menosprezo ou discriminação à condição de mulher, este deverá ser entendido de forma ampla, ou seja, compreendido como gênero. Razão pela qual qualquer mulher que sofra violência por ser mulher deve gerar a incidência da qualificadora.
Porém, atualmente, a qualificadora do feminicídio somente se incide quando há situação de violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade, desde que esta possua os órgãos reprodutores femininos, útero e ovários. 
3.3 Qualificadora objetiva ou subjetiva?
O tropeço do legislador brasileiro foi ter aprovado a lei n°13.104/15 utilizando-se do termo sexo feminino ao invés de gênero para caracterizar a incidência da qualificadora do feminicídio, principalmente ao explicitar uma das causas para isso seria a discriminação e/ou menosprezo à condição de mulher. 
§2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Pois, o inciso II deixa claro que a qualificadora visa coibir a pratica de qualquer ato com cunho preconceituoso contra à vida feminina, abrindo margem para o surgimento de dois posicionamentos doutrinário e jurisprudencial quanto a aplicabilidade da qualificadora, pois, uma corrente defende que os requisitos são objetivos e a outra subjetivos. 
Primeiramente, é necessário esclarecer que as qualificadoras são circunstâncias especiais estabelecidas pelo legislador as quais agravam, ou seja, aumentam a pena base do delito, conforme nos ensina Nucci “são os delitos que possuem um fato-base, definido e sancionado como crime, embora tenham, ainda, um evento que os qualifica, aumentando-lhes a pena, em razão da sua gravidade objetiva.”
Alice Bianchini explica que “As qualificadoras objetivas são as que dizem respeito ao crime, enquanto as subjetivas vinculam-se ao agente. Enquanto as objetivas dizem com quais as formas de execução (meios e modos), as subjetivas conectam-se com a motivação do crime”. Bitencourt também corrobora neste entendimento ao classificar os requisitos como objetivos quando tratam do meio e forma de execução e subjetivos quando dizem respeito dos motivos do crime.
Além disso, conforme o artigo 30 do Código Penal, as qualificadoras não se comunicam entre os sujeitos, pois são circunstanciais, ou seja, havendo concurso de pessoas elas não serão aplicadas a todos, somente àqueles que praticarem a conduta que qualifica o crime. Segundo Rógerio Grecco:
“embora duas pessoas possam, agindo em concurso, ter causado a morte de alguém, uma delas poderá ter praticado o delito impelida por um motivo fútil, não comunicável ao coparticipante, enquanto o outro poderá, por exemplo, responder pela infração penal com a redução de pena relativa ao §1º do mencionado artigo, visto ter agido impelido por um motivo de relevante valor moral.” (Rogério Grecco, Curso de Direito Penal, pág. 143)
Neste mesmo sentido, aduz Damásio de Jesus:
"Circunstâncias são elementos acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qualidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas delicti).
Podem ser:
a) objetivas (materiais ou reais);
b) subjetivas (ou pessoais).
Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades da vítima.
Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito à pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com outros concorrentes.
Observando-se que a participação de cada concorrente adere à conduta e não à pessoa dos outros participantes, devem os estabelecer as seguintes regras quanto às circunstâncias do homicídio, aplicáveis à coautoria:
1ª) não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal (de natureza subjetiva);
2ª) a circunstância objetiva não pode ser considerada no fato do partícipe se não entrou na esfera de seu conhecimento." (JESUS, Damásio E. d e, Direito Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 2., p. 59-60.)
Há ainda uma terceira corrente doutrinária que compreende o feminicídio como uma qualificadora-privilegiada, desde que haja compatibilidade com os requisitos objetivos.
 Os doutrinadores que defendem a corrente subjetiva são: Cleber Masson, Rogério Sanches da Cunha, Márcio André Lopes Cavalcante, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Flávio Gomes, Ronaldo Batista Pinto, Eduardo Luiz Santos Cabette, Alice Bianchini e etc., como veremos a seguir:
O feminicídio constitui-se em circunstância pessoal ou subjetiva, pois diz respeito à motivação do agente. O homicídio é cometido por razões de condição de sexo feminino. Não há nenhuma ligação com os meios ou modos de execução do delito. Consequentemente, essa qualificadora é incompatível com o privilégio, que a exclui, afastando o homicídio híbrido (privilegiado-qualificado). (MASSON, Cleber, Direito Penal, vol. 2, Parte especial, ed. 9º, Editora Forense pg. 44)
A qualificadora do feminicídio é de natureza subjetiva, ou seja, está relacionada com a esfera interna do agente (“razões de condição de sexo feminino”). Ademais, não se trata de qualificadora objetiva porque nada tem a ver com o meio ou modo de execução. Por ser qualificadora subjetiva, em caso de concurso de pessoas, essa qualificadora não se comunica aos demais coautores ou partícipes, salvo se eles também tiverem a mesma motivação. (Márcio André Lopes Cavalcante, em http://www.dizerodireito.com.br/2015/03/comentarios-ao-tipo-penal-do.html)
[…] o próprio móvel do crime é o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher, mas é, igualmente, a vulnerabilidade da mulher tida, física e psicologicamente, como mais frágil, que encoraja a prática da violência por homens covardes, na presumível certeza de sua dificuldade em oferecer resistência ao agressor machista. (Cezar Roberto Bitencourt)
A qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Uma hipótese: mulher usa minissaia. Por esse motivo fático o seu marido ou namorado a mata. E mata-a por uma motivação aberrante, a de presumir que a mulher deve se submeter ao seu gosto ou apreciação moral, como se dela ele tivesse posse, reificando-a, anulando-lhe opções estéticas ou morais, supondo que a mulher não é possível contrariar as vontades do homem. Em motivações equivalentes a essa há uma ofensa à condição de sexo feminino. O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino, ou do feminino exercendo, a seu gosto, um modo de ser feminino. Em razão disso, ou seja, em decorrência unicamente disso. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio de execução do crime. A violência de gênero não é uma forma de execução do crime; é, sim, sua razão, seu motivo. (Alice Bianchini)
A qualificadora do feminicídio é subjetiva, pressupondo motivação especial: o homicídio deve ser cometido contra a mulher por razão das condição de sexo feminino. Mesmo no caso do inciso Ido § 2º-A, o fato de a conceituação de violência doméstica e familiar ser um dado objetivo, extraído da lei, não afasta a subjetividade. Isso porque o § 2º-A é apenas explicativo; a qualificadora está verdadeiramente no inciso VI, que, ao estabelecer que o homicídio se qualifica quando cometido por razões

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