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Resenha Critica - Filme Dois Papas

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Dois Papas
Uma criativa caricatura entre dois Papas contemporâneos
Resenhista: Kelsen Rubem Pereira dos Santos
Duas visões muito distintas do que é a igreja e de como ela deve ser gerida encontram-se neste Dois Papas (2019), filme dirigido por Fernando Meirelles para a Netflix. No centro da obra, dois religiosos católicos — Joseph Ratzinger (Bento XVI, interpretado por Anthony Hopkins) e Jorge Bergoglio (Francisco, interpretado por Jonathan Pryce) — em um momento bastante conturbado para a igreja, com diversas investigações acontecendo em torno do líder religioso e uma visão geral de que para se manter viva, a igreja precisava de reformas. E é justamente nesse tablado de crise que o roteiro de Anthony McCarten começa a sua jornada, centrando a história nos diálogos entre o Papa e o Cardeal.
Dois Papas, aproveita um dos fatos mais ricos da história recente da Igreja Católica. A coexistência de um Pontífice emérito com o atual e convivência pacífica e harmoniosa entre os dois bispos de Roma. Algo inédito no papado.
A obra é quase um diálogo entre o então cardeal Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, e o Papa Bento XVI. Nela, os dois se apresentam como antagonistas e protagonizam cenas de fortes discussões sobre o mundo e a Igreja e pequenas doses de humor. A atuação de Jonathan Pryce, como Bergoglio, e de Anthony Hopkins, como Bento XVI, é magistral e recebeu indicação para o Globo de Ouro para melhor ator drama e melhor ator coadjuvante, consecutivamente, além de melhor roteiro de cinema.
Jonathan Pryce e Anthony Hopkins estão absolutamente fascinantes em seus papéis. A semelhança física dos dois atores com os personagens históricos que representam já é algo notável (palmas para a equipe de maquiagem!), mas a coisa vai muito além das aparências. Os dois atores assumem a seriedade e o pensamento desses dois religiosos e recebem um texto forte, respeitoso e muito verdadeiro sobre aquilo que o mundo pensa a respeito da igreja como um todo, estando o lado daqueles que não possuem religião, quanto o lado dos religiosos. Os dilemas de fé e de vida aqui representados podem ser compreendidos por qualquer um.
As metáforas, a riqueza dos diálogos e a alternância de momentos fortes com a sutileza de ironias é o mais interessante na obra. Depois das atuações, também chama a atenção a cenografia ao remontar os cenários da cidade Estado do Vaticano e de Castel Gandolfo, residência de verão dos Papas, um imóvel há 35 minutos de carro da sede vaticana.
O fascínio em torno do ritual religioso começa cedo no filme, com a morte de João Paulo II e o início do Conclave que elegeria Bento XVI. O texto se constrói através de um paralelismo entre trajetórias, com Ratzinger assumindo o cargo em Roma e Bergoglio iniciando o processo de sua aposentadoria, para a qual precisava da aprovação do novo pontífice. Fernando Meirelles sabe separar muito bem as diferentes abordagens visuais para as cenas na Argentina (mais documentais, com fotografia sem grande garbo e montagem mais rápida) e para as cenas na Itália, especialmente nos espaços religiosos. Como os figurinos “oficiais” já possuem um grande impacto e beleza por si só, coube à fotografia e à direção aproveitar ao máximo as locações e a presença de dois grandes atores levando adiante uma conversa teológica, mostrando que a visão da Bíblia e a própria tradição eclesiástica são mutáveis e ajustáveis, abraçando as necessidades dos fiéis em novos tempos à luz dos mandamentos divinos.
O encontro revela a personalidade de cada um, de uma forma caricata. O enredo é todo construído nos embates das personalidades e para sustentar a trama muitas características são supervalorizadas. O Papa Francisco aparece com um senhor simpático e revolucionário, enquanto Bento XVI é um conservador turrão e malquisto.
Duas frases de Bento XVI são interessantes e reveladoras. A primeira é a crítica aos dicastérios: “a Cúria Romana é um moedor de carne e o Papa é o café da manhã deles”. A segunda revela a essência teológica de Ratzinger e sua curiosidade acadêmica ao dizer que cada Papa vem para corrigir seu antecessor e “eu gostaria de ver minha correção”.
Este, aliás, é o grande ponto de separação entre os dois religiosos e, apesar da mensagem de amizade e proximidade que o filme nos traz, o fato é que a cisão religiosa (dentro e fora da alta cúpula) prossegue firme e forme durante todo o papado de Francisco, especialmente pelas declarações de maior acolhimento, assistência, amor ao próximo e a Deus, basicamente a reafirmação do Evangelho proposto por Cristo e que, por um motivo bastante incompreensível, tem gerado um inconformismo notável em certos grupos. Essa tendência já é possível ver no filme como uma parte da oposição de ideias entre os protagonistas, condição que gera, de maneira bastante orgânica, uma aproximação fraterna (e espiritual, claro) entre eles. A câmera adota excelentes ângulos para mostrar a visão do espaço pelos olhos desses indivíduos, o que também reflete a maneira como eles se comportam, cabendo ao roteiro inserir muitos pontos de humor (todos bem pensados) e alguns momentos ternos e inesquecíveis entre os dois homens.
A coisa muda bastante quando chega o flashback e, posteriormente, as “imagens reais”. Esse momento de distanciamento não é ruim em si mesmo, mas se torna um pequeno estorvo para o filme. Primeiro, as cenas curtas que apresentam o passado de Bergoglio são um bom aperitivo. Mas o roteiro aumenta muitíssimo esse bloco, dando-nos praticamente um outro filme, deslocando a trama daquilo que ela tem de melhor (os diálogos, debates e quaisquer interações entre os dois atores principais) para um ato que age como grande distração, embora seja isoladamente interessante e com um grande peso para o discurso de mudança, perdão e reafirmação da fé que o longa trará no final, agora dentro da esfera confessional onde as fragilidades de cada um vêm à tona. O flashback para o passado do Papa Francisco mostra seus terríveis erros, assim como alguns breves momentos indicam os erros terríveis do Papa Bento XVI. Por mais nuances de propaganda que a obra tenha (e que obra não tem, não é mesmo?), o roteiro não permite uma visão totalmente defensora ou condenatória dos Papas, mostrando-os como líderes, mas também humanizando-os o bastante para indicar que todos precisam lutar para se tornar alguém melhor.
Belas imagens, trilha sonora e atuações soberbas fazem de Dois Papas um drama que fala ao coração de qualquer espectador. Claro que para os religiosos há um significado maior em tudo o que está aqui, mas aquilo que se debate, a trajetória e mesmo o conflito interno à instituição desses indivíduos podem falar a todos, porque constituem um bom drama. Dando espaço demais às cenas do passado e perdendo a mão na miríade de imagens sobre as viagens do Papa Francisco (das quais a única bem utilizada e necessária é aquela com o discurso sobre os imigrantes e refugiados), o filme é minado por uma estranha ambição documental ou de fechamento de um ciclo com profundo realismo. Mas não deixa de ser uma boa produção. E uma porta de entrada para a discussão sobre a igreja e a fé em tempos onde alguns milhares de cristãos são verdadeiras máquinas de odiar e reproduzir mentiras, supostamente em nome de Deus e em defesa do Cristianismo.
Incoerências e erros:
Durante a trama alguns deslizes históricos são cometidos. O primeiro deles é que o cardeal Joseph Ratzinger não fez campanha para ser Papa. Outra incoerência grave é referente à ditadura argentina. Alguns fatos ficam descontextualizados e outros fora da ordem e, mesmo com a negação explícita do envolvimento do Papa argentino nas prisões e assassinatos, deixa uma dúvida ao espectador. A série Pode me Chamar de Francisco é mais fiel com a verdade. Por fim, uma curiosidade interessante que também torna algumas cenas impossíveis na vida real: Jorge Bergoglio não assiste televisão há décadas.
O filme é uma obra excelente. Revela traços interessantes do pensamento e personalidade desses dois grandes homens, mas não deveser considerado como baseado em fatos reais. A história tem um bom ritmo, um toque de humor refinado e garante uma película de qualidade aos apreciantes da sétima arte.
FICHA TÉCNICA:
Título: Dois Papas
Título original: The Two Popes
Ano: 2019
Gênero: Drama
Diretor: Fernando Meirelles
Roteiro: Anthony McCarten
Duração: 125 minutos
Produção: Netflix
Nacionalidade: Estadunidense (EUA)
Elenco: Jonathan Pryce, Anthony Hopkins, Juan Minujín, Luis Gnecco, Renato Scarpa, Cristina Banegas, Sidnei Cole, Fabricio Martin, Federico Torre, Juan Miguel Arias, Lisandro Fiks, María Ucedo, Matthew Reynolds, Pablo Trimarchi, Sara Pallini, Thomas Willians.

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