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Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 1 A FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO KELSEN, HART, KANT1 Sérgio Mascarenhas de Almeida 2 Comunicação ao Seminário Permanente sobre o Estado e o Estudo do Direito Faculdade de Direito, Universidade Nova de Lisboa, 30 de maio de 2012 Em 2007 Alec Stone Sweet, professor de direito em Yale, avançou com o conceito de golpe de estado jurídico, entendido como «uma transformação fundamental nas fundações normativas de um sistema jurídico através da criação de direito (lawmaking) constitucional por um tribunal» (Sweet A. 2007a, p. 915), «constitui um tipo específico de criação do direito, um [tipo] que altera a Norma Fundamental e uma Regra de Reconhecimento» 3 (idem, p. 916). O estudo do professor de Yale foi acompanhado de comentários de Neil Walker (Walker N. 2007), Wojciech Sadurski (Sadurski W. 2007), ambos professores do Instituto Universitário Europeu de Florença, e de Gianluigi Palombella da Universidade de Parma (Palombella G. 2007) – note-se que só o terceiro questiona a adequação do recurso ao conceito de norma fundamental 4 mas não discute a referência à regra de reconhecimento de Hart. Na sua resposta (Sweet A. 2007a), Stone Sweet regressa a Kelsen e a Hart. O assunto não ficou por aí. Em 2011 Luigi Corrias da Universidade VU de Amsterdão toma posição de forma desenvolvida sobre a proposta de golpe de estado jurídico (Corrias L. 2011) e já este 1 Declaro que o texto que apresento é da minha autoria, sendo exclusivamente responsável pelo respectivo conteúdo e citações efectuadas. 2 Aluno nº 2487, Curso de Doutoramento de 2010. 3 Stone Sweet tem expressamente em vista os conceitos introduzidos por Hans Kelsen e H.L.A. Hart, no caso do primeiro por referência para a tradução para inglês da primeira edição da Teoria Pura do Direito (Kelsen H. 1992). 4 Por referência para a segunda edição da Teoria Pura do Direito (Palombella G. 2007, p. 942). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 2 ano é Theodor Schilling da Universidade Humbolt de Berlim que se pronuncia sobre tal conceito (Schilling T. 2012). O que nos interessa destacar aqui é apenas o seguinte: este debate no German Law Journal demonstra bem a atualidade das teorias de Kelsen e Hart sobre a fundamentação do direito. Na presente comunicação procuraremos precisamente proceder a uma leitura crítica das duas propostas para depois, recuando no tempo, regressarmos a Kant para vermos se e em que medida encontramos na sua obra uma proposta alternativa de fundamentação do direito. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 3 A FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO EM KELSEN A norma jurídica e o sistema jurídico Kelsen entende o direito como sistema de normas jurídicas (Kelsen H. 1992, p. 55), daí que «apreender algo juridicamente não pode, porém, significar senão apreender algo como Direito, o que quer dizer: como norma jurídica ou conteúdo de uma norma jurídica, como determinado através de uma norma jurídica» (Kelsen H. 1984, p. 109). A Teoria Pura compreende a norma jurídica como «um juízo hipotético 5 que exprime a ligação específica entre um facto material condicionante com uma consequência condicionada» (Kelsen H. 1992, p. 23). A norma propriamente dita é a consequência jurídica, não é o facto material condicionante. O que é relevante no método de criação de uma dada norma é a sua fundamentação e esta encontra-se noutra norma: «o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior» (Kelsen H. 1984, p. 267). O processo jurídico funciona, pois, na base desta hierarquia positiva de normas. Essa hierarquia estrutura- se entre dois «casos-limite – a pressuposição da norma fundamental e a execução do acto coercivo» (idem, p. 325), casos limite que nos remetem para fora do sistema do direito positivo. No topo temos a passagem entre sistema e norma fundamental, assegurada pela constituição em sentido jurídico-positivo; na base encontramos a passagem entre sistema e atos coercitivos, assegurada pelas normas individuais. A constituição em sentido jurídico-positivo. O «caso limite» superior do processo jurídico é constituído pela norma fundamental. Exterior ao sistema jurídico positivo, aquela relaciona-se com este pela via das normas jurídicas positivas do topo da hierarquia, a constituição positivada: «a norma fundamental refere-se apenas a uma Constituição que é efectivamente estabelecida por um acto legislativo ou pelo costume» (idem, p. 291), daí que «neste // sentido, a norma fundamental … pode, nestes termos, ser designada como constituição no sentido lógico-jurídico, para a distinguir da Constituição em sentido jurídico- positivo» (idem, pp. 274-275). 5 E não como imperativo. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 4 A norma jurídica individualizada. «A Teoria Pura reconhece na obrigação jurídica simplesmente a norma jurídica individualizada, isto é, uma norma jurídica (que estabelece [como obrigatório] certo comportamento) na sua conexão com o comportamento concreto de um indivíduo em particular» (Kelsen H. 1992, p. 43). Este caráter de norma individual da obrigação jurídica é especificamente relevado quando essa obrigação resulte de um ato judicial: «o chamado “juízo” judicial não é, de forma alguma, tão-pouco como a lei que aplica, um juízo no sentido lógico da palavra, mas uma norma – uma norma individual, limitada na sua validade a um caso concreto, diferentemente do que sucede com a norma geral, designada como “lei”» (Kelsen H. 1984, p. 41). Como é evidente, está aqui em causa apenas a sentença declarativa. Enquanto «acto coercivo» a sentença executiva constitui, como foi referido, um «caso limite» que remete para o campo fático, extra normativo (idem, p. 325). Em suma, a Teoria Pura do Direito estrutura o direito nos seguintes termos: A produção do direito. «As normas particulares do sistema jurídico … devem ser criadas por intermédio de um ato especial que as promulgue ou estabeleça» (Kelsen H. 1992, p. 56). Cada norma «é válida qua norma jurídica apenas porque foi formulada de uma certa maneira – criada de acordo com uma certa regra, promulgada ou estabelecida de acordo com um método específico. O direito é válido apenas como direito positivo, isto é, apenas como Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 5 direito que foi promulgado ou estabelecido. Neste requisito necessário de ser promulgado ou estabelecido … aí reside a positividade do direito» (Kelsen H. 1992, p. 56). O ato de criação das normas jurídicas é «um ato, não do inteleto, mas da vontade» (idem). Neste ato da vontade «o conhecimento, porém, não é essencial: é apenas o estádio preparatório da sua função que … é simultaneamente – não só no caso do legislador como também no do juiz – produção jurídica: o estabelecimento de uma norma jurídica geral – por parte do legislador – ou a fixação de uma norma jurídica individual – por parte do juiz» (Kelsen H. 1984, p. 112). O produto do ato de criação da norma é «a norma jurídica reconstruída que exibe a forma básica de leis positivas» (Kelsen H. 1992, p. 23), sendo esta «a forma paradigmática em que tem de ser possível representar-se todos os dados do direito positivo» (idem, p. 58). Uma vez que a declaração do direitoproduz normas jurídicas (individualizadas), «a aplicação do Direito é simultaneamente produção do Direito. … É desacertado distinguir entre actos de criação e actos de aplicação do Direito. … todo o acto jurídico é simultaneamente aplicação de uma norma superior e produção, regulada por esta norma, de uma norma inferior» (Kelsen H. 1984, p. 325). A norma fundamental Pergunta Kelsen: «O que explica a unidade duma pluralidade de normas jurídicas e porque pertence uma certa norma jurídica a um certo sistema jurídico?» (Kelsen H. 1992, p. 55); «o que é que fundamenta a unidade de uma pluralidade de normas, por que é que uma norma determinada pertence a uma determinada ordem? … porque é que uma norma vale, o que é que constitui o seu fundamento de validade?» (Kelsen H. 1984, p. 267). O conceito de norma fundamental. A bem conhecida resposta de Kelsen é a de que «a indagação do fundamento de validade de uma norma … Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada … aqui designada como norma fundamental» (idem, p. 269), a qual «tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão» (idem). Por isso, «a norma fundamental não está “contida” Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 6 numa ordem jurídica positiva, pois ela não é uma norma positiva, isto é, posta, mas uma norma pressuposta pelo pensamento jurídico» (Kelsen H. 1984, p. 274, nota 1) 6 . A consequência é que «retraçar as várias normas de um sistema jurídico para uma norma fundamental é questão de demonstrar que uma norma particular foi criada de acordo com a norma fundamental» (Kelsen H. 1992, p. 57; no mesmo sentido, idem p. 55), o que quer dizer tão só que «da norma fundamental resulta apenas a validade objectiva das normas e não as normas preenchidas de conteúdo» 7 (Kelsen H. 1984, p. 274, nota 1), conteúdo que «apenas pode ser determinado através de actos pelos quais a autoridade a quem a norma fundamental confere competência e as outras autoridades que, por sua vez, recebem daquela a sua competência, estabelecem as normas positivas desse sistema» (idem, p. 272). Sendo a norma fundamental um pressuposto do sistema jurídico que não o integra e que não obedece ao mesmo critério de aferição das normas jurídicas positivas, ela distingue-se destas pois «se, porém, a norma fundamental não pode ser o sentido subjectivo de um acto de vontade, então apenas pode ser o conteúdo de um acto de pensamento. Por outras palavras: se a norma fundamental não pode ser uma norma querida, mas a sua afirmação na premissa maior de um silogismo é logicamente indispensável para a fundamentação da validade objectiva das normas, ela apenas pode ser uma norma pensada» (idem, p. 280) Norma fundamental e constituição. A relação entre norma fundamental e sistema jurídico estabelece-se, antes de mais, pela via da constituição em sentido jurídico-positivo (consistindo a própria norma fundamental, vimo-lo antes, na constituição em sentido lógico- jurídico): «se queremos conhecer a natureza da norma fundamental, devemos sobretudo ter em mente que ela se refere imediatamente a uma Constituição determinada, efectivamente estabelecida, produzida através do costume ou da elaboração de um estatuto, eficaz em termos globais; e mediatamente se refere à ordem coer- // citiva criada de acordo com essa 6 No mesmo sentido, já antes Kelsen H. 1992, p. 58. Assinala José Lamego que «na fase derradeira da sua obra, KELSEN socorre-se da noção de HANS VAIHINGER de “ficção” para caracterizar o estatuto da norma fundamental (Grundnorm): as “ficções” são construções empregues em razão da sua utilidade explanatória, constituem, como diz KELSEN, um “expediente do pensamento” (Denkbehelf)» (Lamego J. 2008, p. 349, nota 16). 7 Daí que a relação entre a norma fundamental e as normas positivas não assente «numa operação lógica» de dedução do particular (as normas positivas) a partir do geral (a norma fundamental) (Kelsen H. 1984, p. 273). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 7 Constituição» (Kelsen H. 1984, pp. 277-278). Esta delimitação justifica-se porque a norma fundamental «é o ponto de partida de um processo: do processo de criação do Direito positivo» (idem, p. 275), processo em que, de acordo com a teoria da hierarquia das normas, validada a constituição em sentido jurídico-positivo pela norma fundamental, validam-se as normas de nível inferior a partir daquela constituição. Por isso, «o problema que a Teoria Pura do Direito procura resolver com a teoria da norma fundamental somente se levanta quando se põe a questão de saber qual é o fundamento de validade da Constituição jurídico-positiva» (idem, p. 282, nota). Sendo assim, o conteúdo da norma fundamental pode ser enunciado como «devemos conduzir-nos de acordo com a Constituição efectivamente posta e eficaz»; e podemos assim estabelecer um silogismo normativo para a fundamentação da validade de uma ordem jurídica, enunciado nos seguintes termos: «a proposição do dever-ser que enuncia a norma fundamental: devemos conduzir-nos de acordo com a Constituição efectivamente posta e eficaz, constitui a premissa maior; a proposição de ser que afirma o facto: a Constituição foi efectivamente posta e é eficaz … constitui a premissa menor; e a proposição de dever-ser: devemos conduzir-nos de acordo com a ordem jurídica, quer dizer: a ordem jurídica é vale (é válida ou vigente), constitui a conclusão» (idem, p. 298). Kelsen tem de operar a relação entre compreensão teórica do direito (a sua teoria pura) e direito em concreto, empírica e factualmente determinado, que mais não seja porque «também o acto com o qual é posta uma norma jurídica positiva é – tal como a eficácia da norma jurídica – um facto da ordem do ser» (idem, p. 292). A validação da norma jurídica positiva ocorre se esta for criada – posta – com o «facto da ordem do ser» para tal adequado; e essa validação subsiste se a norma positiva for eficaz, factualmente aplicada «na ordem do ser». Só se se verificarem estes dois pressupostos é que a norma fundamental valida a norma positiva. A relação da norma fundamental com a factualidade da ordem do ser não se opera apenas pela via da exigência de positividade factual das normas do sistema jurídico, ela emerge também na própria validação do sistema, para além das normas que o compõem: «surge a questão: o que subjaz ao conteúdo da norma fundamental de um certo sistema jurídico? A análise da pressuposição última dos juízos jurídicos revela que o conteúdo da norma fundamental depende de um certo facto material, a saber, o facto material que cria aquele sistema a que o comportamento concreto (dos seres humanos a que o sistema se dirige) corresponde até um certo grau» (Kelsen H. 1992, p. 59). Esta relação é operada pela Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 8 pressuposição de um ato instituidor do sistema jurídico: «a norma fundamental confere ao ato do primeiro legislador – e assim a todos os outros atos do sistema jurídico que se baseiam neste primeiro ato – o sentido do ‘deve’, esse sentido específico em que condição jurídica é ligada a consequência jurídica na norma jurídica reconstruída, a forma paradigmática em que tem de ser possível representar-se todos os dados do direito positivo» (Kelsen H. 1992, p. 58). Dado que a norma fundamental se refere imediatamente à constituição em sentido jurídico positivo, e apenas mediatamente por via desta às demais normasdo sistema, o primeiro legislador tem de ser entendido como legislador constitucional e o seu ato – ato, também ele, primeiro – tem de ser entendido como ato de posição da constituição. Por esta via Kelsen articula a sua teoria da norma fundamental com a teoria constitucional (como vimos, o nosso autor marca bem esta articulação ao contrastar norma fundamental / constituição em sentido lógico jurídico e normas constitucionais / constituição em sentido jurídico positivo). A norma fundamental fundamenta a validade da constituição no sentido jurídico positivo ou constituição estadual, reportando-a ao ato originário do legislador originário. Posteriormente, esta constituição estadual pode sofre modificações e, nesse caso, «se se pergunta pelo fundamento de validade da Constituição estadual … seremos talvez conduzidos a uma Constituição estadual mais antiga. Quer dizer: fundamentamos a validade da Constituição estadual existente no facto de ela ter surgido de conformidade com as determinações de uma Constituição estadual anterior … de acordo com uma norma positiva estabelecida por uma autoridade jurídica» (Kelsen H. 1984, p. 276). Em concreto podemos então partir da constituição em sentido jurídico positivo presente e, por um processo de regressão de constituição estadual em constituição estadual anterior, chegar «finalmente a uma Constituição estadual que é historicamente a primeira, a qual já não surgiu por um processo idêntico e cuja validade, portanto, não pode ser reconduzida à de uma outra procedente de uma norma positiva fixada por uma autoridade jurídica» (idem). desta constituição «que foi historicamente a primeira» (idem), é que se pode dizer que «a validade desta Constituição … tem de ser pressuposta» (idem, p. 277) e que o seu sentido é o de que «devemos conduzir-nos como a Constituição prescreve» (idem). A exposição de Kelsen não é totalmente feliz pois deixa espaço para algumas ambiguidades. Podemos, porém, reconstruí-la nos seguintes termos: Uma ordem jurídica é criada num ato original pelo legislador original. Esse ato combina num só momento vários factos: 1. Cria (estatui ou institui) o novo sistema jurídico; Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 9 2. Põe, de forma originária, a constituição em sentido jurídico positivo, conjunto de normas que regem a criação/aplicação de normas jurídicas no sistema; 3. Atribui autoridade para a criação do direito aos sujeitos do sistema jurídico; 4. Pressupõe a norma fundamental ou constituição em sentido lógico jurídico que legitima todos os demais factos. Anote-se que os factos 1. a 3. têm de ser factualmente eficazes na ordem do ser para que o facto 4. possa ser pressuposto. Depois de, por esta forma, surgir o novo sistema jurídico, a constituição estadual, constituição em sentido jurídico positivo, pode sofrer alterações e modificações. Desde que as mesmas obedeçam às regras que regem a mudança do direito constitucional positivo, são validadas pela norma fundamental pressuposta no ato originário e não põem em causa a continuidade do sistema jurídico. Norma fundamental, validade e eficácia. As normas do sistema têm de ser válidas 8 . Vimos que são válidas se são criadas de acordo com o disposto por normas superiores e vimos que as normas de topo do sistema jurídico-positivo – as normas da constituição em sentido lógico-jurídico – são válidas se fundamentadas na norma fundamental. Ora o comportamento dos indivíduos pode não corresponder ao modo prescrito pelas normas. Coloca-se aqui uma questão de eficácia, entendida como «o facto de que o seu comportamento concreto corresponde ao sistema jurídico» (Kelsen H. 1992, p. 60). A possibilidade desta divergência entre comportamento e prescrição normativa leva a que «a validade de um sistema jurídico que governa o comportamento de seres humanos concretos depende de certa maneira … da eficácia do sistema» (idem). Por isso, «a eficácia da ordem jurídica como um todo e a eficácia de uma norma jurídica singular são – tal como o acto que estabelece a norma – condição da validade. Tal eficácia é condição no sentido de que uma ordem jurídica como um todo e uma norma jurídica singular já não são consideradas como válidas quando cessam de ser eficazes» (Kelsen H. 1984, p. 297). No caso da constituição jurídico-positiva, a mesma «é eficaz se as normas postas de conformidade com ela são, globalmente e em regra, aplicadas e observadas» (idem, p. 291). De facto, «quem são aqueles que mantêm a Constituição …? Pois são os indivíduos que 8 A validade traduz-se em que «dizer que uma norma que se refere à conduta de um indivíduo “vale” (é “vigente”), significa que ela é vinculativa, que o indivíduo se deve conduzir do modo prescrito pela norma» (Kelsen H. 1984, p. 267). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 10 criaram a Constituição e os indivíduos que aplicam a Constituição enquanto criam normas de conformidade com ela e fazem a aplicação dessas normas. Nisto reside a eficácia da Constituição e da ordem jurídica criada de harmonia com ela» (Kelsen H. 1984, p. 283, nota). Tendo presente que «a eficácia de uma ordem jurídica não é, tão-pouco como o facto que a estabelece, fundamento de validade» (idem, p. 297), torna-se, assim, necessário conciliar o impacto da eficácia do sistema e das suas normas com a validade normativa. A norma fundamental permite essa conciliação pois «a eficácia é estabelecida na norma fundamental como pressuposto da validade» (idem, p. 288). À luz do que já foi dito, esta referência da norma fundamental à eficácia respeita em primeiro lugar à constituição em sentido jurídico-positivo. O sentido da norma fundamental é precisamente o de que «devemos agir de harmonia com uma Constituição efectivamente posta, globalmente eficaz, e, portanto, de harmonia com as normas efectivamente postas de conformidade com esta Constituição e globalmente eficazes. A fixação positiva e a eficácia são pela norma fundamental tornadas condição da validade» (idem, p. 297; no mesmo sentido, p. 283, nota). Apreciação crítica A Teoria Pura do Direito de Kelsen constitui uma tentativa de integração das componentes do sistema jurídico num todo conceptual formal. Para o alcançar Kelsen procedeu a uma série de reduções ou cortes nos quadros de entendimento do direito que convém realçar: Elimina a dicotomia entre situações jurídicas e normas jurídicas. Tudo o que no direito seja declarativo é reduzido a norma do sistema; tudo o que seja executivo é colocado fora do sistema de normas. Coloca fora da normatividade, logo fora do sistema jurídico, a questão de facto, seja na perspetiva da aplicação do direito, seja do ponto de vista da estrutura da norma. Põe fora do sistema a conformação do conteúdo da previsão normativa: questão de «conhecimento», «estado preparatório», constitui na Teoria Pura do Direito um desempenho extra-sistemático por parte dos agentes do sistema. Também deixa fora do sistema o conteúdo da norma, as proposições jurídicas, definidas em termos formais e externos, não são analisáveis. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 11 Elimina a distinção entre interpretação da norma e criação da norma, as quais se fundem num momento único. Recusa a noção de fontes do direito a favor de um conceito de norma jurídica reconstruída, eliminando no processo qualquer referencial orientador à tradição jurídica a favor do produto do labor do teorizador. O desenho do sistema jurídico feito por Kelsen acaba assim por ser completamente dissociado dos sistemas jurídicos efectivamente existentes. O direito proposto pela Teoria Pura do Direito surge-nos comoum produto intelectual, um equivalente jurídico das múltiplas realidades artificiais ou realidades virtuais que a ciência moderna tem vindo a criar. No que respeita à fundamentação do direito, a norma fundamental constitui «um conceito, não só controverso na sua interpretação, mas também efetivamente nebuloso» (Castelani A. 2011, p. 503), donde levantar-se-nos um conjunto de questões adicionais: Não sendo uma norma positiva, posta, sendo apenas uma norma pressuposta, como é que a mesma se revela e exprime? Kelsen não coloca a questão, limita-se a afirmar dogmaticamente a norma fundamental. Ora aqui, das duas uma: ou a norma fundamental não é positivável, mas então remetemo-nos para a posição de um jus naturalista – ou não se desse o caso de que «pode, pois, pensar-se uma legislação exterior que contenha somente leis positivas; mas então deveria ser precedida por uma lei natural que fundamentasse a autoridade do legislador» (Kant I. 2005, p. 35) 9 ; ou a norma fundamental tem uma base positiva mas, nesse caso, ela é uma criação doutrinária e vale o que vale a doutrina como fonte de direito. Num caso ou noutro, excluindo, da parte do leitor da Teoria Pura do Direito, um ato de fé naquilo que nesta obra lê, dificilmente cumpre a norma fundamental a função que Kelsen lhe atribui. 9 Noção que não terá escapado ao próprio Kelsen. Como refere José Lamego, «noutros lugares da sua obra, Kelsen diz que a norma fundamental (Grundnorm), como pressuposição logico-formal, ao permitir compreender como relações jurídicas uma serie de situações fácticas de poder, constitui uma espécie de equivalente da doutrina jusnaturalista do contrato social, como protótipo da ideia de vinculação social e fundamento de validade do Direito positivo» (Lamego J. 2008, p. 354). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 12 Em segundo lugar, há que observar que a norma fundamental, tal como descrita por Kelsen, se demarca claramente das normas positivas: Norma Fundamental Norma Positiva Comprovação Pressuposta Posta Formação Conhecimento Vontade Estrutura Proposição imperativa Proposição hipotética Conteúdo “Remissão formal” 10 “Material” Inserção sistemática Extra sistemática Intra sistemática Se a norma fundamental é tão diferente da norma positiva, então porquê chamá-la de norma? Não deveria antes Kelsen separar claramente norma fundamental de norma positiva? O problema está em que, a fazê-lo, teria de teorizar a fundamentação do direito em termos marcadamente diversos daquele que faz e teria de ponderar de outra maneira a relação entre factualidade e normatividade. Para evitar estes problemas Kelsen recorre a três estratégias: Apresenta a norma fundamental em termos meramente hipotéticos: «dada a pressuposição de que a norma fundamental é válida, o sistema jurídico que nela se baseia também é válido» (Kelsen H. 1992, p. 58). Coloca a norma fundamental fora do sistema jurídico positivo. Define a norma fundamental como pressuposto indemonstrado e indemonstrável (pois para ser demonstrada teria de ser «posta»). Mas estas estratégias remetem-nos para uma mera petição de princípio: a norma fundamental fundamenta o direito porque Kelsen diz que fundamenta; e Kelsen diz que a norma fundamental fundamenta porque ela fundamenta. O nosso autor acaba, no fundo, por se colocar na mesma posição do indiano de Locke, «o qual, dizendo que o mundo era suportado por um grande elefante, foi-lhe perguntado o que suportava o elefante, ao que a sua resposta foi, uma grande tartaruga; mas sendo de novo pressionado para se saber o que dava suporte à tartaruga de costas largas, respondeu, algo que não sabia o que fosse. E então aqui, como em 10 Estamos aqui a colocar a hipótese, que não vamos aprofundar, de se aproximar a norma fundamental de Kelsen das normas de conflitos que operam por remissão formal em Direito Internacional Privado. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 13 todos os casos em que usamos palavras sem ter ideias claras e distintas, falamos como crianças que, sendo questionadas sobre o que é tal coisa que não sabem o que seja, dão de imediato esta resposta satisfatória de que é algo» (Locke J. 1977, p. 132). Assim seria se Kelsen se ficasse por aqui. Felizmente ele tem mais a dizer sobre o direito e é naquilo que ele diz a mais que a sua Teoria Pura se torna algo de mais interessante do que um mero dogma ou um simples exercício especulativo sobre o que pode ser o direito. A revolução como ‘facto do direito’ Vimos que Kelsen regride até uma constituição estadual originária, posta num ato originário do legislador originário, ato contemporâneo da pressuposição da norma fundamental. Ora diz-nos o nosso pensador que esta constituição estadual originaria «é uma Constituição estadual que surgiu revolucionariamente, quer dizer, rompendo com uma Constituição anteriormente existente» (Kelsen H. 1984, p. 276). O ato instituidor do sistema jurídico é, assim, uma revolução 11 . A importância da revolução está em que «a significação da norma fundamental torna-se especialmente clara quando uma Constituição não é constitucionalmente modificada mas é revolucionariamente substituída por uma outra, quando a existência – isto é, a validade – de toda a ordem jurídica imediatamente assente na Constituição é posta em questão» (idem, p. 289). A consequência da revolução é que «o velho sistema deixa de ser efetivo e o novo sistema torna-se efetivo porque o comportamento atual dos seres humanos para quem o sistema afirma ser válido não mais corresponde ao velho sistema mas, em geral, ao novo sistema. … Pressupõe-se uma nova norma fundamental» (Kelsen H. 1992, p. 59), ou seja, «com o tornar-se eficaz da nova Constituição, modificou-se a norma fundamental, quer dizer, o pressuposto sob o qual // o facto constituinte e os factos postos em harmonia com a Constituição podem ser pensados como factos de produção e aplicação de normas jurídicas» (Kelsen H. 1984, pp. 290-291). Vemos desta forma que em Kelsen o que funda e fundamenta o sistema jurídico não é um pressuposto que não se sabe o que seja. Antes, o fundamento do sistema jurídico é um 11 Em Kelsen «uma revolução … é toda a modificação ilegítima da Constituição, isto é, toda a modificação da Constituição, ou a sua substituição por uma outra, não operadas segundo as determinações da mesma Constituição» (Kelsen H. 1984, p. 290). Para uma análise da relação entre norma fundamental, constituição e revolução, cf. o estudo de Theodor Schilling que referimos no início da presente comunicação (Schilling T. 2012). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 14 ato, o ato revolucionário, que é um ato eficaz, quer dizer, susceptível de substituir efectivamente uma ordem jurídica por outra. Este ato é simultaneamente facto da ordem do ser, facto executivo, e ato normativo declarativo da instituição do sistema jurídico, logo norma individual no sentido de Kelsen. Como refere Castelani, «Kelsen faz, pois, claramente referência a uma situação de facto, o dado objetivo da formação de um ordenamento jurídico. Mas define este fenómeno como norma jurídica» (Castelani A. 2011, p. 504). Paradoxalmente, se «a indagação de Kelsen tem que ver com análise das condições formais, independentes do conteúdo da experiência, que são necessárias para o conhecimento científico (dogmático) do Direito» (Lamego J. 2010, p. 56), ela acaba por remeter a fundamentação do direito para uma experiência limite. É certo que, como refere Castelani, Kelsen operaum corte entre o facto pré jurídico de que emerge o sistema e o sistema jurídico originado nesse facto (Castelani A. 2011, p. 507-8). Porém, este corte é um postulado não justificado nem demonstrado, quer dizer, puramente dogmático, Kelsen não oferece nenhum argumento que justifique a correção desta separação entre pré jurídico e jurídico. Porque é que o nosso teórico tem de operar esta cisão? Possivelmente porque não o fazer poria em causa alguns dos dogmas da sua construção: O dogma da cientificidade vs. ideologia. O ato revolucionário é o ato ideológico por essência. O dogma da hierarquia das normas que coloca no topo normas gerais e na base normas individuais. Se o ato revolucionário é uma norma individual, inverte-se a hierarquia. O dogma da estrutura da norma previsão+estatuição, em que a estatuição é uma sanção. No ato revolucionário não há previsão, só há estatuição. O dogma da divisão estrita entre ser e dever ser (Lamego J. 2008, p. 347). Sobretudo, põe em causa o dogma da norma fundamental – a grande descoberta de Kelsen – pois esta é perfeitamente dispensável numa concepção do direito que fundamente o sistema no ato revolucionário. Para além do que Kelsen no diz, fiquemo-nos pela seguinte constatação: a Teoria Pura do Direito aponta para a fundamentação do sistema jurídico na revolução, incontornável ‘facto do direito’. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 15 A FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO EM HART Hart distingue dois tipos de regras jurídicas: as regras primárias que «dizem respeito às ações que os indivíduos devem ou não fazer»; as regras secundárias que «especificam os modos pelos quais as regras primárias podem ser determinadas de forma concludente, ou ser criadas, eliminadas e alteradas, bem como o facto de que a respectiva violação seja determinada de forma indubitável» (Hart H. 1986, p. 104). Há, desta maneira, três tipos de regras secundárias, o primeiro dos quais – as regras que permitem determinar ou criar regras primárias – Hart designa de regra de reconhecimento. A regra de reconhecimento «especificará algum aspecto ou aspectos cuja existência numa dada regra é tomada como uma indicação afirmativa e concludente de que é uma regra do grupo que deve ser apoiada pela pressão social que ele exerce» (idem), aspeto ou aspetos esses que se traduzem na previsão de «critérios dotados de autoridade para a identificação das regras válidas do sistema» (idem, p. 274), tendo presente que «dizer que uma dada regra é válida é reconhecê-la como tendo passado todos os testes facultados pela regra de reconhecimento e, portanto, como uma regra do sistema» (idem, p. 114). Tal como Kelsen, Hart coloca a questão em termos de hierarquia de regras pois «se for levantada a questão de saber se uma certa regra é juridicamente válida, devemos, para lhe responder, usar um critério de validade facultado por uma outra regra qualquer» (idem, p. 118). No limite temos a regra de reconhecimento que se distingue das demais regras pois «não // há regra que faculte critérios para a apreciação da sua própria validade jurídica» (idem, pp. 118-119). Hart identifica assim a regra de reconhecimento como uma das «condições mínimas necessárias e suficientes para a existência de um sistema jurídico» (idem, p. 128). Introduz uma delimitação importante neste domínio 12 : as «regras de reconhecimento … e as suas regras de alteração e de julgamento devem ser efectivamente aceites como padrões públicos e 12 Ele também se questiona sobre o impacto do cumprimento das regras (a sua eficácia) para a existência do sistema jurídico e elege essa eficácia geral – Ou seja, o respeito pela regra na generalidade dos casos mas não na totalidade dos mesmos – como a segunda condição mínima, necessária e suficiente para a existência do sistema jurídico. Sem prejuízo disso, «as regras jurídicas legisladas … podem existir como regras jurídicas desde o momento da sua emissão, antes de verificada qualquer ocasião para a sua prática» (Hart H. 1986, p. 318). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 16 comuns de comportamento oficial pelos seus funcionários», seus do sistema jurídico (Hart H. 1986, p. 128) 13 . O direito funda-se no seu reconhecimento pelos agentes institucionais ao serviço da sua componente institucional. Sucede apenas que «normalmente, quando um jurista, que age dentro do sistema, afirma que certa regra concreta é válida, ele não afirma explicitamente mas pressupõe tacitamente o facto de que a regra de reconhecimento (por referência à qual ele testou a validade da regra concreta) existe como regra de reconhecimento aceite do sistema» (idem, p. 275), por isso, «na maior parte dos casos a regra de reconhecimento não é enunciada, mas a sua existência manifesta-se no modo como as regras concretas são identificadas, tanto pelos tribunais ou outros funcionários, como pelos particulares ou seus consultores» (idem, p. 113). Em conclusão, a regra de reconhecimento «é efectivamente uma forma de regra judicial costumeira, que somente existe se for aceite e executada nos actos dos tribunais de identificação do direito e de aplicação deste» (idem, p. 318) 14 . Hart combina a sua teorização da regra de reconhecimento com a sua tese da dupla perspetiva sobre as normas, interna e externa, ao considerar que «o uso pelos tribunais e outras entidades de regras de reconhecimento não afirmadas, para identificar as regras concretas do sistema, é característico do ponto de vista interno» (idem, p. 113). Recordemos que o ponto de vista interno significa que «alguns membros [do grupo social], pelo menos, devem ver no comportamento [prescrito pela regra] em questão um padrão geral a ser observado pelo grupo como um todo» (idem, p. 65), enquanto o ponto de vista externo consiste no registo descritivo do comportamento «em termos de regularidades observáveis de conduta, de predições, de probabilidades e de sinais» (idem, p. 99). Dado que, para Hart, o uso da regra de reconhecimento manifesta o ponto de vista interno, «aqueles que as usam deste modo manifestam através desse uso a sua própria aceitação das regras como regras de orientação e, relativamente a esta atitude, está associado um vocabulário característico diferente das expressões naturais do ponto de vista externo» (idem, p. 113). 13 Quanto ao cidadão comum, a única coisa que se lhe exige é que satisfação a condição da eficácia do sistema (passagem citada). 14 Esta ideia não é alheia a Kelsen que se demarca da mesma quando nos diz que «a teoria da norma fundamental não é … uma teoria do reconhecimento. Esta afirma que o Direito positivo é válido quando é reconhecido pelos indivíduos que lhe estão subordinados» (Kelsen H. 1984, p. 305, nota 2). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 17 Análise crítica O primeiro ponto que cumpre destacar é o facto de Hart associar a regra de reconhecimento a um costume. Isto é essencial para a sua construção pois permite-lhe lidar com a questão da forma de revelação da regra de reconhecimento enquanto regra jurídica. Porém, em boa verdade isto cria uma dificuldade de monta. Vejamos, a concepção do direito de Hart incorpora uma diferenciação de duas perspetivas sobre o direito, a perspetiva externa e a perspetiva interna. Ora o costume carateriza-se por constituir uma prática reiterada acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade (Ascensão J. 1978, p. 219; Larenz K. 1989, p. 429-430; Rotolo A. 2005, p.180ss; Shiner R. 2005, p. 71). É patente que há aqui uma correspondência entre as caraterísticas do costume e os doispontos de vista sobre o direito de Hart: a prática reiterada é a componente externa do costume; a convicção da obrigatoriedade é a componente interna. Acresce que as normas emanadas de outras fontes (legislação, doutrina, jurisprudência) têm para Hart de ser eficazes, ou seja, têm de dar lugar a uma prática reiterada que em geral corresponda ao que dita a norma. Têm também de ser acompanhadas por adesão interna dos agentes jurídicos. A consequência é que, em boa verdade, legislação, jurisprudência e doutrina também exigem convicção de obrigatoriedade / adesão interna e prática reiterada / expressão externa. Aparentemente o que distinguirá o costume das demais fontes é a informalidade da expressão interna e externa da norma, quer dizer, o costume não tem associado um ato formal de institucionalização da proposição normativa. Esta é uma perspetiva que, em traços gerais, partilhamos com Hart. Porém, como já tivemos ocasião de explicitar (Mascarenhas S. 2011), para nós as caraterísticas prática reiterada, convicção da obrigatoriedade e formalismo institucionalizador são componentes de todas as fontes do direito. O problema está em que, a ser assim, a norma de reconhecimento manifesta-se em toda a prática conforme ao direito e não apenas na prática dos agentes institucionais do sistema. Além disso, a norma de reconhecimento e as instâncias em que a sua aplicação é suscitada torna-se indistinguível da norma por ela validada e das instâncias de aplicação desta norma. Ou seja, decorre do que Hart nos diz que (a) observamos que num dado caso se aplica uma norma primária (perspectiva externa); (b) porque essa norma é aplicada, inferimos a adesão do agente ao direito (perspectiva interna); (c) porque observamos (a) e inferimos (c), afirmamos a existência da regra de reconhecimento e a sua aplicação no contexto do caso. Tudo isto tendo presente que o agente concreto nem sequer tem de ter consciência de que Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 18 adere ao direito com base numa regra de reconhecimento. O problema está em que não há qualquer índice específico de verificação ou afirmação da regra de reconhecimento que se demarque da verificação e aferição da regra primária. Embora Hart nos diga que «a regra última de reconhecimento pode ser vista de duas perspectivas: uma está expressa na afirmação externa de facto de que a regra existe na prática efectiva do sistema; a outra está expressa nas afirmações internas de validade, feitas por aqueles que a usam para identificar o direito» (Hart H. 1986, p. 123); a verdade é que não nos dá qualquer critério para se poder procede a esta afirmação externa (não há qualquer prática externa que seja identificável como expressão da regra de reconhecimento ou, pelo menos, Hart não nos indica qual ela seja); e que as «afirmações internas de validade» são afirmações sobre o sistema e sobre as suas normas, não são afirmações sobre a regra de reconhecimento. Hart não nos dá qualquer critério que nos permita afirmar que existe uma regra de reconhecimento em concreto e que esta é admitida pelos agentes e participantes no sistema jurídico. Em suma, não estamos, também aqui, longe do indiano de Locke. Toda a construção de Hart assenta numa petição de princípio indemonstrada e indemonstrável, a regra de reconhecimento existe porque Hart nos diz que existe 15 . A regra de reconhecimento e o ‘facto do direito’ Porém, tal como Kelsen, Hart não se fica por aqui. Diz-nos ele que «a asserção de que [a regra de reconhecimento] existe só pode ser uma afirmação externa de facto. … a regra de reconhecimento apenas existe como uma prática complexa, mas normalmente concordante, dos tribunais, dos funcionários e dos particulares, ao identificarem o direito por referência a certos critérios. A sua existência é uma questão de facto» (idem, p. 121). Como referimos, Hart identifica uma dupla perspetiva sobre a regra de reconhecimento: «o argumento para chamar à regra de reconhecimento “direito” é o de que a regra que faculta os critérios para a identificação das outras regras do sistema pode bem ser concebida como um elemento 15 É interessante observar que Hart identifica três tipos de regras secundárias mas não explora nem aprofunda as demais com o mesmo desenvolvimento que reserva para a regra de reconhecimento. Ora as regras secundárias de alteração e julgamento são regras positivas como as regras primárias e, como estas, carecidas de validação pela regra de reconhecimento. Uma análise mais apurada deste conjunto de regras poderia ter levado Hart a aperceber-se de forma mais precisa dos problemas que a sua proposta levanta. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 19 definidor de um sistema jurídico e, portanto, digna ela mesma de se chamar “direito”; o argumento a favor de a considerar “facto” é o de que afirmar que tal regra existe é, na verdade, produzir uma afirmação externa de um facto real dizendo respeito à maneira por que as regras de um sistema “eficaz” são identificadas» (Hart H. 1986, p. 123). Decorre da segunda perspectiva que a regra de reconhecimento «é considerada em todo este livro como uma questão de facto empírica, embora complexa» (idem, p. 274), «é uma questão de facto, embora seja uma questão acerca da existência e conteúdo de uma regra» (idem, p. 275). Temos assim um facto, o facto de que o sistema jurídico existe, é válido e eficaz, facto empiricamente observável. Da observação deste facto infere-se que o mesmo se tem de basear numa regra, infere-se a existência desta regra – regra essa que nunca é enunciada e que não tem índices de positividade independentes do próprio comportamento do sistema jurídico positivo. Ora se a regra de reconhecimento não é enunciada nem positivada, não há nada que demonstre a sua existência (para além da crença teórica de Hart). Mas resta a observação da existência do direito e do sistema jurídico. No limite fica-nos apenas este facto, o ‘facto do direito’. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 20 A FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO EM KANT 16 17 Na Crítica da Faculdade de Juízo Kant enuncia o plano do seu sistema filosófico dividindo a filosofia em parte teórica e parte prática, em que a primeira tem por domínio a natureza (CFJ, p. 51), legisla mediante a faculdade de entendimento (idem, p. 55) e representa os seus objetos na intuição como fenómenos (idem, p. 56). Já a parte prática da filosofia respeita ao conceito de liberdade (idem, p. 51), legisla mediante a faculdade de razão (idem, p. 55) e representa no seu objeto a coisa em si (idem, p. 56). Uma e outra respeitam à determinação das leis ou regras a que a pessoa está sujeita nas circunstâncias concretas do seu agir. Entre componente teórica e componente prática encontra-se a faculdade de juízo como termo médio sem domínio próprio (idem, p. 58) mas que constitui a pedra mestra ou pedra- angular que, para Kant, «procura reconciliar entre si os dois domínios da natureza e da liberdade, do conhecimento e da acção» (Morão A. 1988, pp. 469-470). A razão prática exerce-se independentemente do exercício da razão teórica 18 «dado que a razão prática não tem a ver com objectos para os conhecer, mas com a sua própria faculdade de tornar reais aqueles … isto é, com uma vontade, que é uma causalidade» (CRPr, p. 105). A razão prática concretiza-se em metafísica dos costumes, sistema de leis a priori da moralidade (MC, p. 5), e esta tem por contraponto a antropologia moral 19 «como o outro 16 As obras de Kant são referidas na sequência do texto pelas seguintes abreviaturas: CFJ Críticada faculdade do juízo (Kant I. 1992); CRP Crítica da Razão Pura (Kant I. 1985); CRPr Crítica da razão prática (Kant I. 1986a); FMC Fundamentação da Metafísica dos Costumes (Kant I. 1986b); L Logique (Kant I. 1979); MC A metafísica dos Costumes (Kant I. 2005). 17 Um dos pressupostos que orientam o nosso estudo é o entendimento de que o pensamento de Kant foi profundamente marcado por um quadro de referência jurídico. No Anexo I explicitamos de forma mais desenvolvida este ponto. 18 Por isso «à lei da liberdade (enquanto causalidade não sensivelmente condicionada), por conseguinte, também ao conceito do bem incondicionado, não se pode proporcionar como base nenhuma intuição, portanto, nenhum esquema, em vista da sua aplicação in concreto» (CRPr, p. 83). 19 Ou antropologia prática (FMC, p. 12-13). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 21 elemento da divisão da filosofia prática em geral … doutrinas e preceitos fundados na experiência» (MC, p. 24; Guyer P. 1998b, p. xv). Como faculdade intermédia, a faculdade de juízo intervém mediante dois procedimentos ou dois exercícios judicativos, a faculdade de juízo determinante e a faculdade de juízo reflexiva. A primeira estabelece a relação entre a ação possível e uma lei dada. Opera por subsunção e no caso do juízo prático traduz-se na imputação do ato ao agente (MC, p. 372). A faculdade de juízo reflexiva realiza a operação inversa, parte da situação dada para a determinação da lei, do particular para chegar ao universal. No juízo reflexivo «a vontade, que não se refere senão à lei, não pode ser denominada de livre ou não livre, porque não se refere às acções mas directamente à legislação concernente às máximas das acções (a própria razão prática, portanto)» (MC, p. 37). O exercício da razão reflexiva prática consiste assim na determinação da legislação que rege a ação 20 , ou seja, «aqui não se trata do esquema de um 20 Daí que «julgar se alguma coisa é ou não um objecto da razão pura prática é apenas a distinção entre a possibilidade ou impossibilidade de querer essa acção pela qual, se para ela tivéssemos o poder (acerca do que deve a experiência julgar), um certo objecto se realizaria» (CRPr, p. 71), sublinhado nosso. A dimensão fenoménica, empírica, da ação não é questão que se coloque ao juízo reflexivo, antes é questão que se coloca em sede de juízo determinante. Os termos em que isso ocorre não cabem no âmbito da presente comunicação. Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 22 caso produzido segundo leis, mas do esquema (se é que o termo é aqui adequado) de uma lei em si mesma» (CRPr, p. 83). A determinação das leis morais pressupõe um critério de fundamentação das mesmas, «o sistema pressupõe a Fundamentação da Metafísica dos Costumes» (CRPr, p. 16). A questão a que a Fundamentação procura dar resposta é a de saber qual o critério que permite identificar as proposições normativas que constituem leis da moralidade e que integram o sistema dos costumes. Uma tal lei é, na terminologia de Kant, um imperativo categórico: «há por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente este comportamento. Este imperativo é categórico» (FMC, p. 52) 21 . Kant dificulta a compreensão do seu pensamento ao utilizar em vários sentidos a expressão ‘imperativo categórico’, sentidos que convém distinguir para se evitarem mal entendidos: ‘Imperativo categórico’ como conceito22. Na sequência referiremos o conceito de imperativo categórico com maiúsculas, ‘Imperativo Categórico’. ‘Imperativo categórico’ como imperativo categórico concreto. Referiremos os imperativos categóricos concretos com minúsculas, ‘imperativo categórico’. ‘Imperativo categórico’ como lei ou norma universal moral. Utilizaremos a expressão ‘lei moral’ para referimentos o imperativo categórico neste sentido. ‘Imperativo categórico’ como teste de determinação da lei moral. Referiremos este teste como ‘teste da imperatividade categórica’. Independentemente do sentido da expressão imperativo categórico que temos em mente, a questão para o agente concreto nas circunstâncias concretas em que pretende empreender a ação, é a de determinar qual o imperativo que lhe permite configurar o comportamento que em geral é devido para, depois, agir em conformidade com esse comportamento devido em geral. Daí que o imperativo categórico «não se relaciona com a matéria da acção e com o que 21 No universo dos imperativos há os que são categóricos e os que não o são, os que se enquadram no conceito de imperativo categórico e os que se enquadram nos conceitos de outros imperativos. 22 Por exemplo, diz-nos Kant que «o imperativo categórico é portanto só um único» (FMC, p. 59). O que Kant quer enfatizar com isto é que há um único conceito de imperativo categórico, por contraste com o conceito de imperativo hipotético que se desdobra em imperativo problemático ou técnico e imperativo pragmático ou assertórico-prático (FMC, pp. 50 e 53). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 23 dela deve resultar, mas com a forma e o princípio de que ela mesma deriva» (FMC). Temos, pois, aqui duas operações consistentes com as modalidades de juízo que referimos antes: primeiro, uma aferição do mandamento (idem, p. 53) que fornece o critério para a ação, ou seja, de apuramento de qual é a lei moral a que o agente deve obedecer – operação a realizar mediante um juízo reflexivo; segundo, determinação do imperativo categórico (ou seja, uma aferição da conformidade da máxima da ação ou da ação com a lei) – operação a concretizar através de um juízo determinante. No presente trabalho interessam-nos em particular os dois últimos sentidos da expressão ‘imperativo categórico’ pois a nossa questão incide, precisamente, sobre como se determinam as normas que regem a ação, como se fundamenta a normatividade destas. A Fundamentação não se limita a definir o que são imperativos categóricos, ela centra- se antes na questão de saber em que termos se estabelecem imperativos, para o que propõe um conjunto de testes com base nos quais se pode verificar se uma dada proposição normativa ou máxima (CRPr, p. 29) constitui ou não uma lei moral. Quais são esses testes que permitem determinar qual é a lei moral que rege a ação? Kant toma como ponto de partida o próprio conceito de Imperativo Categórico: «vamos primeiro tentar se acaso o simples conceito de imperativo categórico não fornece a sua fórmula, fórmula que contenha a proposição que só por si possa ser um imperativo categórico» (FMC, p. 58) 23 . A fórmula dá-nos o que importa fazer, o procedimento que permite responder à questão de saber se uma máxima se pode constituir em imperativo categórico 24 . Corrija-se, as 23 Na Crítica da Razão Prática Kant especificou e clarificou o alcance desta etapa no desenvolvimento do seu sistema moral: «quem sabe o que para um matemático significa uma fórmula, que determina muito exactamente o que importa fazer para tratar uma questão e não a deixa falhar, não considerará como insignificante e dispensável uma fórmula, que faz o mesmo relativamente a todo o dever em geral» (CRPr, p. 16, nota 1). 24 Vários intérpretes destacam o carater procedimental do Imperativo Categórico que faz dele um teste de imperatividade categórica: para Günter Elscheid ele «deve ser entendido como uma instrução sobre a forma de introduzir questões morais num certo processo intelectual» (Ellscheid G. 2009, p. 246);Shelly Kagan considera que a fórmula da lei universal é um teste de máximas (Kagan S. 2002, p. 122ss); de forma mais limitada Christine Korsgaard refere que «a Fórmula da Lei Universal é configurada como um processo de decisão» (Korsgaard C. 1996, p. 39); Allen Wood também entende que a primeira formulação da primeira fórmula Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 24 fórmulas pois na Fundamentação Kant não dá uma, dá três, de que a primeira se desdobra em duas formulações. Temos assim quatro proposições que correspondem às três fórmulas da imperatividade categórica 25 : Primeira fórmula, primeira formulação 26 : «Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal» (FMC, p. 59). Primeira fórmula, segunda formulação: «Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza» (idem). Segunda fórmula (princípio da humanidade e de toda a natureza racional em geral ou imperativo prático): «Age de tal maneira que uses a tua humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio» (idem, p. 69). constitui um teste de normatividade (Wood A. 2006, p. 11), porém previne contra o que há de excessivo e redutor na ênfase exagerada numa leitura da teoria moral de Kant como «um tipo qualquer de procedimento de decisão racional» (Wood A. 2002b, p. 167). 25 Anote-se que a apresentação que aqui fazemos da diferenciação entre conceito e fórmulas e a própria identificação das fórmulas não é consensual. Por exemplo, Alexis Philonenko considera que a primeira proposição – a nossa primeira formulação da primeira fórmula – corresponde à noção de imperativo, noção essa separada das fórmulas, enquanto a nossa segunda formulação da primeira fórmula é, para este tradutor e intérprete de Kant, a expressão única da primeira fórmula (Philonenko A. 1989, p. 114 e 115). Sem prejuízo disso, Philonenko marca bem que as fórmulas não são derivadas do Imperativo Categórico, princípios especiais decorrentes deste, mas que são apenas outras tantas expressões do mesmo. Já Paul Guyer entende que «as formulações adicionais do IC [a segunda e a terceira, adicionais em relação à primeira] definem condições que também são necessárias para tornar inteligível as duas maneiras diferentes por que pode ser possível a adoção do PLU [princípio da legislação universal] por qualquer agente racional» (Guyer P. 1998c, p. 222). Gruyer não discute a diferença entre as duas formulações da primeira fórmula e desdobra a terceira fórmula em duas formulações. Apesar do mérito da sua abordagem, optámos, neste domínio, por nos mantermos fiéis à exposição de Kant. 26 «Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal» (CRPr, p. 42); «age segundo uma máxima que possa valer simultaneamente como lei universal» (MC, p. 35). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 25 Terceira fórmula (princípio da autonomia da vontade) 27 : «Age segundo máximas de um membro universalmente legislador em ordem a um reino dos fins somente possível» (FMC, p. 83). Estas quatro formulações dão-nos outras tantas apresentações do conceito de Imperativo Categórico. Dão-nos igualmente quatro testes de imperatividade categórica, quatro maneiras de identificarmos o que importa fazer. É sobre estes que vai incidir a continuação do nosso estudo (sobre o conceito de Imperativo Categórico, cf. mais desenvolvidamente o Anexo II). Antes de prosseguirmos para a análise dos testes da imperatividade categórica convém reiterar uma ideia chave que já mencionámos: estes testes não nos dão resposta à questão de se saber se a ação concreta é permitida ou proibida, dão antes resposta à questão de se saber se a máxima da ação corresponde ou não à lei moral que deve reger a ação, logo que permite determinar o imperativo categórico. Se uma máxima passa o teste da imperatividade categórica, essa máxima conforma-se com a lei moral e constitui o imperativo categórico que rege a ação, a ação é permitida se for conforme com tal imperativo; se o teste falhar, a máxima não corresponde à lei moral, logo não nos dá o imperativo categórico que rege a ação, a ação não deve conformar-se com tal máxima. Neste caso é necessário refazer todo o procedimento para se formular outra máxima que, por sua vez, deverá ser sujeita ao teste da imperatividade categórica. Este processo deverá ser feito tantas vezes quantas as necessárias para se chegar à formulação do imperativo que rege a ação (sendo certo que um juízo bem orientado não procederá às cegas na formulação das máximas) 28 . De facto, os testes da 27 Kant não apresenta uma formulação acabada na sua primeira abordagem à terceira fórmula, antes descreve esta como «a ideia da vontade de todo o ser racional concebida como vontade legisladora universal» (FMC, p. 72) «por meio de todas as suas máximas» (idem, p. 74), «o conceito segundo o qual todo o ser racional deve considerar-se como legislador universal por todas as máximas da sua vontade para, deste ponto de vista, se julgar a si mesmo e às suas acções» (idem, p. 75). Consideramos que ele acaba por dar uma formulação desta terceira fórmula na passagem citada no texto supra. Anote-se também que Kant se dispensou de fornecer exemplos de aplicação deste terceiro teste, ao contrário do que fez no caso das duas primeiras fórmulas (idem, p. 74 nota de Kant). 28 É comum a confusão entre as duas operações. Por exemplo, afirma Christine Korsgaard: «em termos gerais, se uma máxima passa o teste do imperativo categórico a ação é permitida; Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 26 imperatividade categórica consistem em juízos (reflexivos) que permitem verificar se a máxima corresponde à lei moral e constitui um imperativo categórico. Em consequência, da sua aplicação nós não podemos retirar a conclusão de que a ação é permitida (ou proibida), apenas podemos concluir se uma dada proposição constitui ou não uma lei prática, se permite ou não a determinação do imperativo categórico que rege a ação. Só assim «uma acção praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina; não depende portanto da realidade do objecto da acção, mas somente do principio do querer segundo o qual a acção, abstraindo de todos os objectos da faculdade de desejar, foi praticada» (FMC, p. 30). Identificada a lei prática, coloca-se então a questão de saber se a ação que o agente pretende realizar é permitida ou não, mas a resposta a esta questão implica um juízo sobre a moralidade da ação, juízo este determinante, onde se opera a subsunção da ação (ou da máxima da ação) à lei moral que rege esse juízo, tendo em vista a imputação do facto ao agente: «a moralidade é pois a relação das acções com a autonomia da vontade, isto é, com a legislação universal possível por meio das suas máximas. A acção que possa concordar com a autonomia da vontade é permitida; a que com ela não concorde é proibida» (idem, p. 84) 29 . As quatro formulações devem permitir testar proposições para determinar se estas são imperativos categóricos 30 , a cada uma daquelas correspondendo um diferente teste da imperatividade categórica 31 . Cumpre, assim, analisarmos cada um desses testes. Nase falhar, a ação é proibida e, nesse caso, o que é requerido é a ação ou omissão opostas» (Korsgaard C. 1998, p. xxi). 29 Em consequência, «a função de um princípio fundamental nunca pode ser diretamente pôr um termo a questões morais difíceis; pode apenas servir para dar enquadramento geral adequado no qual regras morais e questões controversas devem ser colocadas e discutidas. Mesmo então qualquer formulação do mesmo deve ser vista como provisória – um objeto de constante reflexão crítica e de continua reinterpretação e rearticulação» (Wood A. 2002b, p. 174). 30 Que as fórmulas possam constituir testes decorre do próprio conceito de fórmula, entendido por Kant como consistindo em «regras de que a expressão serve de modelo à imitação» (L, p. 86). 31 Do ponto de vista do caso concreto, o teste da imperatividade categórica «não é proposto como um algoritmo para decidir todas as questões morais com precisão. Ele reduz Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 27 demonstração seguiremos a ordenação que nos foi dada pelo próprio Kant: a primeira fórmula corresponde ao método rigoroso a aplicar no juízo moral mas, para dar à lei moral «acesso às almas», convém proceder previamente à aplicação dos testes das demais fórmulas (FMC, p. 80). A nossa ordem será, pois, a seguinte: segunda fórmula; terceira fórmula; primeira fórmula, segunda formulação; primeira fórmula, primeira formulação. Segunda fórmula: o Imperativo Categórico modelado no costume Vimos que a segunda fórmula diz: Age de tal maneira que tu e cada um usem sempre e simultaneamente, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, da humanidade como fim, conforme uma lei universal. Para Kant os «seres racionais estão pois todos submetidos a esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si» (idem, p. 76). Para o nosso propósito as expressões chave são, «age», «usem sempre» e «se trate» 32 . Saliente-se, não há aqui invocação expressa da máxima da ação, a moralidade exprime- se no comportamento. Ora «a aquisição de um hábito ou a sua perda consiste em estabelecer em si uma inclinação persistente sem a intervenção de qualquer máxima, através da satisfação reiterada dessa inclinação, e isso é não um princípio do modo de pensar, mas um mecanismo do modo de sentir» (MC, p. 439). É no uso, na forma de tratar, mecanismo do modo de sentir, que se revela o imperativo sem a mediação da expressão do mesmo em proposição normativa, princípio do modo de pensar. De acordo com Kant, para o homem comum a moralidade exprime-se no comportamento concreto, não no entendimento abstrato 33 . grandemente a indeterminação moral. E para além disto, a sua engenhosidade consiste em que facilita a decisão ao transformar a mesma de uma respeitante ao sujeito numa situação concreta (onde pode ser bastante difícil evitar a má fé e a desonestidade) numa respeitante ao mundo em geral. Aqui o imperativo categórico é, como deve ser, um procedimento geral para a construção de experiências mentais moralmente pertinentes» (Pogge T. 1998, p. 206). 32 Todas as traduções para língua inglesa que consultámos traduzem «se trate» por «treat» (FMC 1997, p. 41; FMC 2002, p. 51;FMC 2008, p. 32; FMC 2009, p. 35). Já quanto a «usem», não existe idêntico consenso. Mary Gregor e Allen Wood traduzem por «use» (FMC 1997, p. 38; FMC 2002,p. 47), enquanto Thomas Abbot e Jonathan Bennett traduzem por «treat» (FMC 2008, p. 29; FMC 2009, p. 32). 33 «Se, porém, se perguntar – o que é, então, verdadeiramente a pura moralidade na qual, como pedra-de-toque, se deve ponderar o conteúdo moral de cada acção? – … na razão Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 28 O uso pode exprimir a moralidade e é necessário que o faça, tanto mais que a moralidade não se forma apenas com o exercício filosófico da razão 34 . Pelo contrário, ninguém mais do que o filósofo deve reconhecer que «diante de um homem de classe inferior, um burguês ordinário, no qual percepciono uma rectidão de carácter de um grau tal que eu, no que me toca, não tenho consciência de possuir, o meu espírito inclina-se, quer eu queira quer não e por muito que eu levante a cabeça para que não lhe passe despercebida a superioridade da minha condição» (CRPr, pp. 92) 35 . Do uso ou forma de tratar conforme à lei, espera-se que seja constante e que não varie de ação para ação (no sentido amplo que inclui a omissão), que seja idêntico em todas as situações «sempre e simultaneamente». Por outras palavras, espera- se que seja habitual, tendo em atenção que o «hábito (habitus) é uma destreza para agir e uma perfeição subjectiva do arbítrio» (MC, p. 326). Suscita-se aqui um problema: «em toda a destreza desse tipo [do hábito] é um hábito livre (habitus libertatis); porque quando é costume (assuetudo) dessa liberdade, quer dizer, uma conformidade que se converteu em necessidade por repetição frequente da acção, não é um hábito que proceda da liberdade e, portanto, não é um hábito moral. Deste modo, a virtude não pode ser definida como o hábito de praticar acções conformes à lei» (idem), daí que «as máximas morais, ao contrário das técnicas, não podem fundar-se no costume (pois que este releva da componente física da determinação da vontade), uma vez que, mesmo que a prática das máximas morais se tornasse costume, o sujeito perderia com isso a liberdade de adoptar as suas máximas, liberdade essa que caracteriza a acção praticada por dever» (idem, p. 330). Não comum dos homens, ela [esta questão] está já há muito resolvida, não certamente mediante fórmulas gerais abstractas, mas pelo uso habitual» (CRPr, p. 175). 34 Menos ainda com esse exercício pelo filósofo Kant «como se, antes dele, o mundo estivesse totalmente na ignorância ou no erro acerca da natureza do dever» (CRPr, p. 16, nota 1). 35 O caminho que levou Kant até uma tal posição não foi direto nem imediato. Como ele próprio referiu num momento de autoanálise, «por inclinação sou inquisidor. Sinto uma sede abrasadora de conhecimento, a agitação que acompanha o desejo de progredir no mesmo, e a satisfação em cada avanço nele. Houve um tempo quando cria que ele constituía a honra da humanidade e em que desprezava quem nada sabe. Nisto Rousseau corrigiu-me … Aprendi a honrar os homens e considerar-me-ia mais inútil do que um trabalhador comum se não cresse que esta minha forma de ver pode dar valor a todos os outros no estabelecimento dos direitos da humanidade» (Korsgaard C. 1996, p. 37). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 29 é assim qualquer uso que permite revelar a existência de um imperativo categórico por detrás da ação que lhe é conforme. A questão é pois a de se saber como e em que termos o uso, o hábito, podem ser práticas conformes à moralidade, tendo presente o «valor do carácter, que é moralmente sem qualquer comparação o mais alto, que consiste em fazer o bem, não por inclinação, mas por dever» (FMC, p. 29). Como passar do «mecanismo do modo de sentir» para «um princípio do modo de pensar»? Isso pode ocorrer «se se acrescentasse: “determinar-se a agir pela representação da lei”; e, nesse caso, o hábito não é uma disposição do arbítrio, mas da vontade, a qual, com a regra que adopta, é ao mesmo tempo uma faculdade de desejar universalmente legisladora,e só um hábito semelhante pode ser considerado como virtude» (MC, p. 326), o que é, no fundo, possível porque «o entendimento mais vulgar pode discernir sem instrução qual a forma que, na máxima, se presta à legislação universal, e qual a que não» (CRPr, p. 38). A moralidade pré-existe à expressão do seu conceito e das respetivas fórmulas a que só o filosofar pode dar corpo. Pré-existe porque a ação não está necessariamente dependente da razão discursiva, antes também se exprime na razão comum, vulgar, e nesta ela pode formar- se com base no exemplo 36 . É este o caso do homem reto cujo «exemplo apresenta-me uma lei que confunde a minha presunção quando a comparo com a minha conduta e o seu cumprimento, por conseguinte, a sua praticalidade, vejo-a demonstrada diante de mim através da acção», ou seja, de «a lei, tornada concreta através de um exemplo» (exemplo que, diga-se de passagem, «confunde sempre o meu orgulho») (idem, pp. 92-93). Mas a questão não fica por aqui. É que «no que se refere à força do exemplo … aquele que os outros nos dão não pode fundar nenhuma máxima de virtude. Pois que esta consiste precisamente na autonomia subjectiva da razão prática de cada homem, por conseguinte, em que não é a conduta de outros homens que nos há-de servir de móbil, mas sim a lei» (MC, p. 440), por isso «o bom exemplo (a conduta exemplar) não deve servir de modelo, mas tão- somente como prova de que é factível aquilo que é prescrito pelo dever» (idem) 37 . O exemplo 36 Precisamente porque para Kant «o conhecimento do universal in concreto é conhecimento comum» (L, p. 28). 37 O exemplo permite sedimentar a clareza subjetiva, da intuição, necessária para a distinção estética (L, p. 68) entendida no sentido kantiano de sensível. Esta distinção, caraterística da razão comum, é insuficiente e pode, com facilidade, entrar em conflito com o seu contraponto, a distinção lógica, por conceitos. Sem prejuízo disso, «é pela conjugação das duas, a distinção estética ou popular e a distinção escolástica ou lógica, que consiste a lucidez Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 30 não pode redundar na repetição mecânica. Como fundamenta ele a formação moral do homem? O ponto de partida é a imitação que «é para o homem ainda inculto a primeira determinação da vontade para aceitar máximas que subsequentemente faz suas» (L, p. 439). Vemos que aquilo que a razão comum faz sem reflexão, pode a filosofia adotar como um primeiro passo no método para testar máximas para verificar se constituem imperativos categóricos, para que a pessoa se oriente no pensamento (L, p. 57). Este primeiro passo consiste assim em «fazer do juízo segundo leis morais uma ocupação natural, de certa maneira um hábito, que acompanhe todas as nossas próprias acções livres como igualmente a observação das acções livres dos outros, e de o tornar o mais penetrante perguntando, primeiramente, se a acção é objectivamente conforme à lei moral e a que [lei]» (CRPr, p. 179), pelo que «o meio experimental (técnico) para educar na virtude reside no bom exemplo que o professor ele próprio possa dar» (MC, p. 439). Sem prejuízo disto, o entendimento vulgar, concreto, baseado no exemplo empírico, não é suficiente para fundamentar a formação de leis morais pois pode induzir em erro, erro esse decorrente da «influência despercebida da sensibilidade sobre o entendimento ou, para melhor dizer, sobre o julgamento» (L, p. 59), da confusão «entre o que é simplesmente subjetivo com o que é objetivo» (idem). Torna-se assim patente porque é que a observação do uso constitui o primeiro teste de imperatividade categórica, teste que facilita o acesso às almas. Ora no direito o uso é a base do costume. Se a imperatividade categórica se revela nos usos e se apura pela observação dos mesmos, ela aproxima-se do costume jurídico que, também ele, se revela em termos semelhantes. Aparentemente Kant modela o teste da imperatividade da segunda fórmula no costume jurídico. Este teste é, porém, insuficiente pois, vimo-lo, falta-lhe rigor para fornecer o juízo definitivo da existência de um imperativo categórico 38 . São necessários outros testes para se poder extrair tal conclusão. … o talento de apresentação luminosa, adaptada à faculdade de compreensão do entendimento comum, de conhecimentos abstratos e profundos» (idem, p. 69). 38 Não surpreende esta desconfiança relativamente ao costume da parte de Kant, ela é consonante com a evolução que esta fonte do direito sofreu a partir da Idade Média (cf. Anexo I e Mascarenhas S. 2011). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen, Hart, Kant FDUNL, SPEED, 2012-05-30 31 Terceira fórmula: o Imperativo Categórico modelado no direito civil Acabamos de ver que podemos chegar à moralidade pela observação do comportamento, nosso e dos outros. Se dois sujeitos se observam mutuamente cada um deles pode destacar da ação concreta todas as suas máximas (FMC, p. 74), esteja em causa a sua própria ação ou a ação dos demais. Uns e outros podem dar um passo adicional e, tomando como base a simples observação do comportamento próprio e alheio, tomarem consciência de uma máxima comum ao comportamento dos vários participantes na interação. Além disso, a observação do comportamento alheio coloca os agentes em relação entre si, o que lhes permite estabelecer comunicação tendo em vista um acordo relativamente à máxima das respetivas ações e ao estabelecimento da lei que as rege. Quer dizer, podem criar «uma ligação sistemática de seres racionais por meio de leis objectivas comuns» (idem, p. 75) e constituir um reino em tais termos que «somos certamente membros legisladores de um reino moral, possível mediante a liberdade, proposto ao nosso respeito pela razão prática, mas ao mesmo tempo, no entanto, somos os seus súbditos, não o seu soberano» (CRPr, p. 98). Estamos aqui no âmbito da terceira fórmula do Imperativo Categórico, fórmula que abre a moralidade à intersubjetividade. Por esta via podemos chegar ao «conceito segundo o qual todo o ser racional deve considerar-se como legislador universal por todas as máximas da sua vontade» (FMC, p. 75), máximas essas que assim são suscetíveis de ser agregadas numa totalidade, num sistema (idem, p. 80) 39 . De onde vem esta constituição de um sistema de leis morais no contexto de um reino composto por seres racionais em interação legisladora? O seu modelo é o processo legislativo que tinha progredido ao longo de séculos e estava em vida de Kant a atingir a maturidade com a emergência dos seus instrumentos paradigmáticos: os estatutos (leis formais), os códigos e as constituições do direito civil dos estados modernos (cf. Anexo I). Para Kant o direito positivo é o direito legislado. A caraterização da autonomia, na Fundamentação, como sujeição à lei de que a pessoa é ela mesma autora (FMC, pp. 72ss) 40 , é consistente com o desenho que Kant dá do poder legislativo (MC § 46, pp. 179-182). 39 Esta operação implica uma alteração de fundo no procedimento moral pois dispondo de um sistema de máximas tornadas «leis objetivas comuns», o homem pode-se «julgar a si mesmo e às suas acções» por referência a esse sistema (FMC, p. 75). 40 «A vontade não está pois simplesmente submetida à lei, mas sim submetida de tal maneira que tem de ser considerada também como legisladora ela mesma, e exactamente por isso e só então submetida à lei (de que ela se pode olhar como autora)» (FMC, p. 72). Sérgio Mascarenhas de Almeida A fundamentação do direito: Kelsen,
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