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Dossie_Historia_da_Cultura_Escrita

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http://www.rbhe.sbhe.org.br 
p-ISSN: 1519-5902 
e-ISSN: 2238-0094 
http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v16i1.775.0 
 
Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 16, n. 1 (40), p. 207-214, jan./abr. 2016 
Dossiê - Apresentação 
 
Dossiê: História da Cultura Escrita 
 
Ana Maria de Oliveira Galvão 
Isabel Cristina Alves da Silva Frade 
 
O número de estudos sobre história da cultura escrita tem aumentado 
muito em diversos países nas últimas décadas. Esses estudos, que mantêm 
uma interface estreita com áreas correlatas, como a história do livro e da 
leitura, a história da educação e a história da alfabetização, possuem 
especificidades que lhes atribuem contornos próprios, sobretudo em 
algumas tradições disciplinares e culturais. Já consolidada, a produção de 
alguns autores e grupos internacionais tem tido grande impacto nas 
pesquisas que vêm sendo realizadas no Brasil. Entre tais autores, 
destacam-se Armando Petrucci, na Itália, Antonio Castilho Gómez, na 
Espanha, de Roger Chartier, Jean Hébrard e Anne-Marie Chartier, na 
França. Na produção nacional, juntam-se a eles os que, embora realizem 
trabalhos semelhantes em seus propósitos e fontes, advêm de outros 
países, como os anglo-saxônicos, em que a própria expressão história da 
cultura escrita não tem sido a mais utilizada: em lugar dela, é utilizada a 
denominação history of literacy. Nessa direção, autores como Harvey 
Graff e David Vincent também têm contribuído para a configuração do 
campo em nosso país. 
O uso de diferentes denominações para o estudo desse fenômeno em 
uma abordagem histórica é compreensível. Se considerarmos cultura 
escrita como o lugar simbólico e material que o escrito ocupa em 
determinados grupos sociais, comunidades e sociedades, em épocas 
distintas (Galvão, 2010), são muitas as “entradas”1 (Chartier, 2002) que 
podem ser utilizadas para estudá-la: as instâncias ou instituições que 
 
1 Um detalhamento dessas “entradas” e um balanço da produção no campo nos 
últimos anos podem ser encontrados em Galvão (2010). 
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ensinam ou possibilitam a circulação do escrito; os objetos que lhe dão 
suporte; os próprios suportes nos quais o escrito é difundido e ensinado; os 
sujeitos que o utilizam (ou não); os seus meios de produção e transmissão. 
Nessa direção, o campo de estudos sobre história da cultura escrita 
necessariamente dialoga com um conjunto de abordagens que têm tido um 
papel fundamental na renovação observada, desde o final dos anos 1980 
no Brasil, no campo da História da Educação. A princípio, portanto, se 
desejássemos expressar o contexto de produção da maioria dos artigos 
aqui reunidos, poderíamos nomear o dossiê de, pelo menos, três diferentes 
modos: história da alfabetização, história do letramento e história da 
cultura escrita. No entanto, como compreendemos que a história da 
alfabetização está centrada na compreensão do fenômeno da 
aquisição/apropriação de uma nova tecnologia e seus materiais e que a 
história do letramento focaliza os usos sociais da leitura e da escrita, 
optamos pela última denominação. Como discutimos acima, a expressão 
cultura escrita é capaz de abarcar um conjunto mais amplo de objetos e 
abordagens. Evidentemente, essa tentativa de delimitar campos cujas 
fronteiras são tão tênues não está isenta de polêmicas, principalmente 
porque, em torno dessas expressões, está também a tradução da palavra 
literacy, como mostram os dois primeiros textos publicados. 
É nesse contexto de polêmicas e de um campo ainda em construção 
no Brasil que propomos o presente dossiê. Com ele, objetivamos 
apresentar contribuições que reforcem a produção de estudos cada vez 
mais sólidos, rigorosos e complexos sobre a temática. Buscamos também 
estreitar o diálogo com pesquisadores que, há cerca de três décadas, vêm 
renovando os estudos realizados no campo da História da Educação no 
Brasil e constituem o principal público leitor da RBHE. 
A proposição deste dossiê também foi motivada pela presença de 
dois renomados pesquisadores, Harvey Graff (Ohio State University) e 
Anne-Marie Chartier (Laboratoire de Recherche Historique Rhône-
Alpes/École Normal Supérieure de Lyon), como professores visitantes2 em 
universidades brasileiras (Universidade Federal de Minas Gerais e 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro), em agosto de 2014. Entre as 
diversas atividades por eles realizadas no país, destaca-se a participação na 
mesa redonda Perspectivas para uma história do letramento e da 
 
2 Com o apoio do CNPq, dos Programas de Pós-Graduação da UFMG e da UERJ e do 
Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale/UFMG). 
Ana Maria de Oliveira GALVÃO e Isabel Cristina Alves da Silva FRADE 
 
 
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alfabetização, no V Colóquio Internacional sobre Letramento e Cultura 
Escrita, realizado em Belo Horizonte e organizado pelo Centro de 
Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale/UFMG). 
O dossiê é aberto, assim, por ensaios desses dois autores, 
reconhecidos internacionalmente pelo conjunto de suas obras. Nesses 
textos, eles retomam as principais questões que têm constituído a trajetória 
do campo de estudos sobre a história da literacy, nas tradições norte-
americana e europeia. Com base nessa revisitação das grandes discussões 
que têm marcado a área, eles apresentam proposições que podem ser lidas 
como um grande programa de pesquisas que pode conduzir a um avanço 
de fato na produção do conhecimento sobre os fenômenos da 
alfabetização, do letramento e da cultura escrita. Entre essas proposições, 
destaca-se a necessidade de superar dicotomias tradicionalmente marcadas 
nos debates e compreendê-las como dimensões indissociáveis na pesquisa: 
oralidade e escrita, estudos históricos, sociológicos e históricos e práticas 
pedagógicas, prescrições e usos; idealizações e materialidade. 
O artigo de Harvey Graff, o primeiro do dossiê, com um olhar 
comparativo voltado para uma abordagem intelectual, cultural, histórica e 
institucional, ajuda-nos a problematizar o lugar ocupado pelo letramento 
no plano simbólico e nas práticas. Na tradição de seus trabalhos, o autor 
recupera a noção de mito do letramento, reforçando a forma como o 
próprio Iluminismo e a ideia de modernidade foram amparados na crença 
na superioridade da tecnologia da escrita para a cognição, para a moral, 
para o controle social. Essas noções, construídas, pelo menos, desde a 
Renascença, por mais que tenham sido problematizadas em estudos 
acadêmicos e nas promessas não cumpridas das próprias práticas sociais, 
permanecem fortes no imaginário de pesquisadores, dos cidadãos e dos 
governos. O autor, ao reconstruir a trajetória dos estudos sobre letramento, 
localizando os principais trabalhos por volta dos anos 1920 e 1930, 
relaciona as viradas paradigmáticas neles observadas a crises sociais de 
diversas ordens, como guerras, migração, taxas de fertilidade, mudanças 
tecnológicas, entre outras, que põem em questão o mito do letramento e 
fazem avançar as tentativas de estudos interdisciplinares. Ao fazer uma 
análise do lugar institucional que os estudos sobre letramento ocupam na 
hierarquia das disciplinas, inclusive naquelas que tomam para si o status 
de ciências de base e se proclamam como novidade, o autor nos alerta para 
o passado, o presente e o futuro dos estudos, apresentando alguns 
caminhos-questionamentos para o avanço em uma direção interdisciplinar. 
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Desafiam-nos, assim, a pensar o campo, seu status e reputação: ao mesmo 
tempo em que são vistos como inseparáveis das práticas educativas, os 
estudossobre letramento ocupam espaços diferenciados nas ciências 
sociais e em outras áreas. Ao problematizar os termos letramento e cultura 
escrita, assim como algumas abordagens atuais, o texto convoca-nos a 
realizar uma permanente metarreflexão em torno de noções que têm sido 
repetidas em nossas produções acadêmicas sem que dimensionemos seu 
poder para instituir realidades. Como propor novos olhares que façam 
complexificar e provocar fissuras nas cômodas análises que temos 
realizado? Em que o lugar ocupado pelos estudos sobre letramento na 
hierarquia do “panteão das disciplinas” impõe limites e, ao mesmo tempo, 
aponta possibilidades para abordagens mais rigorosas, menos 
salvacionistas, mais voltadas para a compreensão das práticas e dos usos, 
mais interdisciplinares? 
É exatamente a reflexão sobre o entre-lugar ocupado por 
pesquisadores que se interessam pela história do letramento, de um lado, e 
pelo ensino da leitura, de outro, que está no cerne da discussão contida no 
segundo artigo do dossiê, de autoria de Anne-Marie Chartier. Baseado em 
memórias pessoais e em estudos acadêmicos, o texto apresenta-nos os 
principais debates que estiveram no centro das reflexões dessas duas 
grandes áreas, principalmente nos últimos cinquenta anos. Por muito 
tempo, a pedagogia e as ciências a ela aplicadas (como a psicologia, a 
neurologia e a sociologia) situaram os estudos sobre a alfabetização e sua 
história no âmbito das práticas escolares, buscando respostas para os 
problemas cotidianamente enfrentados, contribuindo para construção de 
prescrições e para uma didática da leitura. Os historiadores, os 
antropólogos e os sociólogos, ao realizar estudos sobre letramento e 
cultura escrita em diferentes épocas e sociedades, por sua vez, quase 
sempre ignoraram os debates ocorridos entre aqueles que viviam os 
dilemas das práticas pedagógicas. Ao trabalhar com os dois domínios, 
Anne-Marie Chartier nos alerta para uma espécie de cegueira: a ausência 
de diálogo de um domínio com o outro torna-nos um pouco ingênuos em 
relação às formas instituídas e instituintes da cultura escrita. Reunindo 
esses dois domínios, a autora apresenta reflexões sobre que significa ler, o 
que significa ler partindo do ato de escrever e também sobre o papel da 
materialidade dos objetos que transmitem/portam a leitura. Esse último 
elemento, o da materialidade, por exemplo, transforma uma leitura de 
recepção em uma leitura para comunicação, alterando as relações entre 
quem pode escrever para que outros leitores recebam seus escritos e quem 
Ana Maria de Oliveira GALVÃO e Isabel Cristina Alves da Silva FRADE 
 
 
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lê e escreve para se conectar aos outros na sociedade contemporânea. Não 
há desenvolvimento linear e evolutivo nas relações entre o oral e o escrito 
ou entre os poderes que definem quem transmite e quem aprende em 
determinado contexto. Os estudos históricos são uma porta de entrada para 
pensar momentos em que determinados poderes não estão nas mãos da 
escola: ora eles estão em instituições como a igreja, ora na sociedade e em 
suas práticas sociais, ora nas tecnologias. A contribuição de Anne-Marie 
Chartier permite problematizar esses poderes ao trabalhar alguns modelos 
dominantes de transmissão e aprendizagem da leitura, percorrendo um 
período que vai do século XVI ao XXI. Nesse estabelecimento de diálogo 
entre períodos tão distintos, ganham relevo aspectos que determinaram 
mudanças mais radicais nas práticas de leitura. Aos jovens pesquisadores 
fica o apelo para que, mesmo quando problematizam fenômenos da cultura 
escrita próprios do século XXI, operem com a ideia de que esses 
fenômenos somente podem ser compreendidos em sua historicidade. 
Os três artigos seguintes, por sua vez, apresentam resultados de 
pesquisas empíricas com foco no caso brasileiro. Neles, é possível 
visualizar a operacionalização de algumas teorizações e pressupostos 
discutidos nos dois primeiros artigos. 
No artigo de Isabel Cristina Alves da Silva Frade e Ana Maria de 
Oliveira Galvão são apresentados resultados de um estudo empírico sobre 
instrumentos e suportes de escrita prescritos e aqueles que eram 
cotidianamente utilizados por pessoas comuns para viabilizar seu próprio 
processo de escolarização nas primeiras décadas do século XX. Ao 
abordar elementos que têm se cruzado pouco nos estudos brasileiros, como 
a relação entre os objetos e os comportamentos, os gestos, as formas e os 
gêneros que podem ser praticados no ato de escrever, as autoras destacam 
o papel da materialidade na definição dos usos e práticas pedagógicas, 
como também é ressaltado no ensaio anterior. Apresentam, portanto, a 
possibilidade de relacionarmos base material e pensamento, materialidade 
e memória-uso, suporte e instrumento. Faz-nos compreender, como, no 
cotidiano da maior parte da população brasileira do período – professores, 
alunos e suas famílias –, era preciso produzir táticas para atender às 
exigências do processo de escolarização. A modernidade pedagógica e 
suas prescrições, que apostavam na homogeneidade do 
acesso/distribuição/usos dos objetos de escrita, pareciam muito distantes 
dos sujeitos que viviam, em grande parte, em comunidades regidas pelas 
lógicas da oralidade e pela (quase) ausência de materiais escritos. Os 
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testemunhos analisados reforçam a realidade heterogênea, as apropriações 
criativas e a força dos objetos na constituição de determinadas práticas de 
escrita escolar. O estudo favorece que a análise ultrapasse a dimensão do 
dever-ser da realidade social, justificando tanto a produção quanto o uso 
de teorias pedagógicas para prescrever e, ao mesmo tempo, idealizar 
aquilo que se considerava como a melhor forma de inscrever e o melhor 
suporte para receber o traçado. Auxilia-nos, portanto, a entender o 
fenômeno da cultura escrita (ou melhor, das culturas do escrito) em 
contextos localizados e heterogêneos, centrados nos usos e nos sujeitos e, 
assim, relativiza, uma vez mais, o letramento e seus mitos. 
Se, no artigo anterior, o foco da análise estava na escrita, os dois 
últimos artigos do dossiê tomam por objeto materiais de leitura. Nesses 
estudos, também problematizando a base material da produção, as autoras 
se dedicam à análise de livros e põem em relevo aspectos materiais que 
explicam seus processos de produção, circulação e uso. Utilizando como 
base a história do livro e da edição e/ou a história da educação, deixam 
importantes contribuições para o campo de estudos da cultura escrita. 
No Brasil, no final do Império, tem início a produção de cartilhas 
por autores de renome, professores e inspetores de escolas, tais como: 
Abílio Cesar Borges, Tomaz Galhardo, Felisberto de Carvalho e Hilário 
Ribeiro. Vários estados brasileiros passaram a construir suas políticas com 
base nas inovações pedagógicas. No início do século XX, buscavam-se 
modelos europeus e americanos para produzir cartilhas ou pré-livros e 
tornar a prescrição dos métodos analíticos uma constante. No entanto, ao 
mesmo tempo, uma produção diferenciada instalava-se no contraponto 
dessas prescrições: a de professores que experimentavam alguns métodos 
considerados próprios, de estrutura mais simples e que pareciam falar a 
língua de seus pares. No esgotamento de determinado modelo de inovação 
e pela legitimação que os docentes dão a certos materiais é que aparecem 
brechas para divulgação de algumas propostas. No entanto, para que sua 
abrangência não seja local, é preciso fazer com que o governo os adote, 
sob a forma de indicação, coedição. É o caso de um best-seller que marcou 
a experiência de alfabetizar e de se tornar alfabetizado para muitos 
professores e leitores brasileiros: o livro Caminho Suave.Recuperando 
fontes pouco trabalhadas em outros estudos, como a imprensa periódica 
destinada ao grande público, e cruzando aspectos editoriais e pedagógicos, 
por meio da análise de contratos de edição e coedição, o texto de Eliane 
Peres e colaboradoras apresenta dados que reforçam que o poder público 
Ana Maria de Oliveira GALVÃO e Isabel Cristina Alves da Silva FRADE 
 
 
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ora acompanha a produção, ora prescreve, ora legitima materiais para uso 
em sala de aula. Teria o livro de Branca Alves da Lima tanta circulação se 
não fossem as coedições? Ou é a força de sua proposta que faz com que os 
professores ainda o utilizem? É interessante observar que, em um primeiro 
momento, é o próprio esgotamento do contexto de inovações propostas no 
início do século XX que, entre as décadas de 1940 e 1990, propicia a 
grande utilização da proposta da autora; em um segundo momento, novas 
promessas pedagógicas de resolução dos problemas de alfabetização – 
representadas pelo construtivismo – é que explicam o seu declínio. Nesse 
último caso, o mesmo poder oficial promove uma exclusão brutal da 
proposta da autora: aparentemente, não há forma de adaptação da cartilha 
possível de ser executada. Como no artigo anterior, temos aqui uma 
relação complexa entre prescrições e usos: se a circulação oficial é 
impossibilitada, que utilizações são possíveis? A circulação 
contemporânea do livro é um mistério a ser desvendado e o artigo das 
autoras nos incita a pensar novos circuitos do livro. Por todas essas razões, 
traz contribuições significativas para a compreensão da história do livro 
escolar no Brasil e, mais amplamente, para a história da cultura escrita no 
país. 
Ainda na linha de estudos sobre circulação de livros didáticos, o 
artigo que encerra o dossiê, de autoria de Estela Bertoletti e Márcia Cabral 
da Silva, apresenta os resultados de um estudo de caso sobre livros que 
circularam em duas escolas de referência no ensino primário do município 
Paranaíba, no Mato Grosso do Sul, entre 1928 e 1961. Ao se voltar para 
um contexto específico – situado fora do circuito dos estados que foram os 
principais produtores de livros no Brasil – as autoras abordam alguns 
elementos que nos auxiliam, uma vez mais, a pensar a cultura escrita em 
sua pluralidade, em sua heterogeneidade. Nas listas analisadas, por 
exemplo, há indicação de uso de cartas de ABC, atestando a permanência 
desse impresso nas escolas brasileiras, mesmo quando a produção nacional 
já dispunha, na década de 1920, de obras de grande alcance nacional. A 
menção à cartilha Caminho Suave corrobora o estudo anterior, mostrando 
o alcance dessa obra. O artigo também nos coloca questões que nem 
sempre são tematizadas em outros estudos, como o uso concomitante de 
livros didáticos e de outros materiais, como histórias em quadrinhos ou 
periódicos infantis. Apresenta também indícios de que as escolas tinham 
relativa autonomia para a compra direta de materiais. Reforça, por fim, a 
importância do estado de São Paulo como polo editorial produtor-
comercializador. Algumas indagações são suscitadas pela leitura do artigo: 
Dossiê - Apresentação 
 
 
Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 16, n. 1 (40), p. 207-214, jan./abr. 2016 214 
seriam os livros utilizados pelos alunos ou pelos professores? O uso de 
coleções seria continuado ou dependente de exemplares disponíveis? 
Quais seriam os quadrinhos adquiridos pela escola? Por que, mesmo com 
apelo para uma produção local, isso não se concretizou? Conforme nos 
alerta Roger Chartier (2002), não basta a existência de autores para que 
sejam publicados impressos; reforçamos, fazendo o raciocínio inverso, que 
não bastam apelos à produção, se não há autores ou autores com peso e 
legitimação para escrever. Enfim, o artigo nos faz pensar sobre a 
necessidade de novos estudos que, voltados para contextos de circulação e 
usos mais restritos, revelem a construção de culturas do escrito na 
diversidade da realidade brasileira, destacando possíveis especificidades, 
mas também aspectos comuns a outros contextos. 
Conscientes de que os estudos reunidos no dossiê não são capazes 
de abarcar, em sua amplitude, o crescimento do campo de estudos sobre a 
história da cultura escrita, a riqueza das abordagens utilizadas, a 
diversidade de temas e enfoques, apostamos que eles expressam, pelo 
menos em alguma medida, o debate que vem sendo realizado no Brasil e 
em outras partes do mundo. Nesse sentido, podem contribuir para o 
avanço das discussões, para a sinalização de temas emergentes para novas 
pesquisas e, por fim, para a internacionalização da produção científica 
brasileira. 
Referências 
Chartier, R. (2002). Os desafios da escrita. São Paulo, SP: Ed. Unesp. 
Galvão, A. M. (2010). História da cultura escrita: tendências e 
possibilidades de pesquisa. In M. Marinho, M., & G. Carvalho (Orgs.), 
Cultura escrita e letramento (p. 218-248). Belo Horizonte, MG: Ed. 
UFMG. 
Endereço para correspondência: 
Ana Maria de Oliveira Galvão 
Rua Roquete Mendonça, 417/401 – São José (Pampulha) 
Belo Horizonte – MG, CEP: 31.275-030 
E-mail: icrisfrade@gmail.com 
Isabel Cristina Alves da Silva Frade 
Rua Pioneiros da Paz, 252 - Santa Amélia | CEP 31555-320 
Belo Horizonte – MG 
E-mail: anamgalvao@uol.com.br 
Submetido em: 14/04/2015 
Aprovado em: 17/05/2015 
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