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Material escrito por Paulo Everton Ferraz de Sá – Oficial de Justiça Avaliador Federal Fontes principais: material do Emagis (www.emagis.com.br); material do Legislação Destacada (www.legislacaodestacada.com.br); caderno do Eduardo Belisário; caderno da “Dicas de ex concurseira”. Drive: https://drive.google.com/drive/folders/1mW1d8_vyamFGnK31m3CmbZUzJ9kqT6nw Instagram: ojaf.magis INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL* * Ao redigir simplesmente “CF”, estou a me referir à CRFB/1988. * Ao redigir simplesmente “CC”, estou a me referir ao CC/02. * Ao redigir simplesmente “CPC”, estou a me referir ao CPC/2015. QUADRO EVOLUTIVO DO DIREITO CIVIL NO BRASIL O Direito Civil brasileiro surgiu sob a influência do Code de France/1804 – marcou o início da codificação do direito privado -, outorgado por Napoleão Bonaparte. Por ser resultado dos eventos relacionados à Revolução Francesa, o Código Civil francês era marcado pelas seguintes características: o liberdade individual / de iniciativa privada; o consolidação do liberalismo político e econômico; o favorecimento dos interesses da burguesia; o liberdade de pensamento; o liberdade religiosa; o direito à propriedade privada; o discriminação da mulher. Enfim, trazia como valores fundamentais o INDIVIDUALISMO e o PATRIMONIALISMO. O Direito Civil brasileiro, por ter recebido influência marcante do Code de France/1804, nasceu embasado nesses valores. Em 1855, o jurista baiano Augusto Teixeira de Freitas foi encarregado de elaborar o primeiro código civil brasileiro. Em 1962, ele entregou o seu rascunho de código, porém o governo brasileiro o rejeitou, tendo, alfim, sido aproveitado pelo governo argentino. Em 1899, o cearense Clóvis Beviláqua – que lecionava na Faculdade de Direito de Olinda (atual Faculdade de Direito do Recife) – recebeu a missão de elaborar o referido diploma legal. Clóvis Beviláqua apresentou seu projeto de código - inspirado nos códigos francês e alemão – e, em 1916, o mesmo foi aprovado, tendo entrado em vigor em 1917. Suas marcas eram o INDIVIDUALISMO e PATRIMONIALISMO. No decorrer do século XX, principalmente a partir da década de 30, surgiu um movimento de descodificação - visando atender às demandas sociais, tornou-se necessária a criação de um conjunto forte e sólido de leis especiais que viessem a regular, de maneira setorial, a atividade privada. Trata-se do processo de descentralização ou descodificação do direito civil. Surgiram várias leis especiais (microssistemas jurídicos). Exs.:Lei n. 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos -; Lei n. 6.404/1976 – Lei das Sociedades Anônimas – etc). Esse movimento foi chamado de o ”ocaso das codificações” e retrata o período em que o código civil começa a perder o status de diploma que resolveria todos os litígios sociais. Percebeu-se que o CC/1916 tinha vantagens (transmitia segurança), mas trazia também desvantagens (engessava o direito e suas normas). O código não podia conter todas as normas especificamente necessárias à vida social, porquanto as relações tornavam-se cada vez mais complexas devido às evoluções históricas e sociais. Desse modo, no decorrer do século XX o CC/1916 foi perdendo sua importância. Por sua vez, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, ganhou força o movimento de constitucionalização do direito – defende que o direito deve ser criado, interpretado e aplicado à luz dos valores constitucionais. Através do movimento de constitucionalização, o direito civil ganhou uma nova estrutura. O direito civil passou a constar na Constituição. O eixo fundamental do direito civil deixou de ser o código civil e passou a ser a Constituição. Todas as constituições brasileiras – afora a CF/1988 – foram neutras e indiferentes ao direito civil. Constitucionalização do direito civil x publicização do direito civil: a constitucionalização do direito civil é a interpretação dos institutos do direito civil à luz da Constituição; a publicização do direito civil ou dirigismo contratual é a presença do Estado numa relação privada com vistas a assegurar a igualdade entre as partes. Ex.: a atuação das agências regulamentadoras. Num mesmo diploma legal podemos ter a constitucionalização do direito civil e o dirigismo contratual, como no Código de Defesa do Consumidor (CDC). CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL PUBLICIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL/DIRIGISMO CONTRATUAL Interpretação dos institutos do direito civil à luz da CF. É a presença do Estado numa relação privada, com vistas a assegurar a igualdade entre as partes. A CF (1988) tratou do público e do privado; com isso, a propriedade, o contrato e a família – temas que jamais foram tratados nas Constituições brasileiras - passaram a constar no texto constitucional. Mais: a CF trouxe uma tábua axiológica (igualdade substancial, dignidade da pessoa humana, liberdade, solidariedade social etc.) revolucionária e reforçou a necessidade de aprovação de um novo código civil. Por fim, em todo o mundo, o direito civil passou a viver um movimento de repersonalização, preocupado com a pessoa humana (e não com o patrimônio). Assim, tornou-se premente a necessidade de edição de um novo código civil. A elaboração do novo código civil foi confiada a Miguel Reale, auxiliado por diversos juristas. Concluído o projeto, a tramitação do mesmo não avançou – em que pese ter sido aprovado na Câmara dos Deputados, em 1983, só foi sancionado em 2002, por FHC. Isso se deu porque o mesmo sofreu inúmeras críticas, a considerar que não incorporou temas atuais e relevantes para a sociedade brasileira. A evolução da ciência e o desenvolvimento tecnológico - que permite a circulação da informação com abrangência e rapidez - criam e difundem novas necessidades, tornando textos normativos, por vezes, obsoletos. Por isso, para resguardar o novo Código do anacronismo, foram encartadas normas abertas, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. O Código Civil de 2002 sofreu duras críticas, principalmente por conta de seu teor conservador, fruto do entendimento de que se devia garantir a unidade e sistematização, não refazendo integralmente o texto e, assim, tentando preservar tudo quanto fosse possível manter, modificando somente o necessário para a modernização do direito. Esta opção metodológica, porém, é reveladora de uma das faces do culturalismo, que é a valorização dos bens culturais que são reconhecidos e aceitos por uma dada comunidade. Miguel Reale fora taxado de conservador, mas seu culturalismo tem esse caráter, cujo resultado é a modificação somente daquelas situações em que há reclamos pela modificação, e não a execução de uma revolução na seara do direito civil. O Código Civil é a expressão maior do direito privado no Brasil, é a lei que mais se aproxima do cidadão. Conquanto não seja revolucionário, caracteriza-se metodologicamente pela aderência aos problemas da sociedade brasileira, pela unidade sistemática determinada pela parte geral, pela unificação linguística e unidade valorativa, pelo sentido de "concreção" de que as normas se revestem, atendendo e buscando aliar os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência ao direito vivido pelas diversas categorias profissionais. Não são justas as críticas feitas quanto à suposta improvisação e elaboração às ocultas do Código, pois ele teve ampla divulgação para o recebimento de críticas e sugestões, e representa o resultado de um esforço comum - inclusive dos que o criticaram construtivamente. O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E OS SEUS PARADIGMAS O maior desafio do CC foi garantir ao direito civil compatibilidade com a Constituição, adequando as relações privadas a um novo ambiente constitucional. A doutrina aponta os seguintes valores (princípios norteadores) do Código Civil/2002: o Eticidade -> Impõe que as relações civis sejam pautadas na boa-fé. Corolário desse valor é o princípio da boa- fé objetiva. Ex.: No contrato, as partes tem que agircomo boa-fé em todas as suas fases; o Operabilidade -> Impõe soluções viáveis, operáveis e sem grandes dificuldades na aplicação do direito. A regra tem que ser aplicada de modo simples; o Socialidade -> Impõe prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, respeitando os direitos fundamentais da pessoa humana. Ex.: princípio da função social da propriedade. NORMAS DE DIREITO CIVIL A norma jurídica – o que abrange a norma de direito civil – pode ser: i. Norma-regra -> É formulada para ser aplicada a uma situação determinada, o que significa, em outras palavras, que é elaborada para um determinado número de atos ou fatos. É específica; ii. Norma-princípio -> São pautas genéricas, que estabelecem verdadeiros programas de ação para o legislador e para o intérprete. É mais geral que a norma porque comporta uma série indeterminada de aplicações. Colisão entre regra (norma-regra) e princípio (norma-princípio): aplica-se a regra, pois é específica para o caso prático; Colisão entre regra e regra: tem-se um conflito de normas. Aplicam-se os critérios de solução de antinomias (lacunas de conflito) - metacritérios clássicos construídos por Norberto Bobbio, em sua Teoria do ordenamento jurídico (ver esquema); Colisão entre princípio e princípio: aplica-se a técnica da ponderação de interesses. Nota-se que a disposição dos critérios clássicos de solução de antinomias, consoante esquema supra, respeita a ordem de FORÇA (do mais fraco para o mais forte): cronológico -> especialidade -> hierárquico. DERROTABILIDADE: uma norma pode deixar de ser aplicada num caso concreto, quando a sua aplicação impuser a violação dos princípios do sistema. Ex.: irmãos casados há 14 anos, com 4 filhos e que descobrem que são irmãos. Aplicar a regra de impedimento matrimonial (que é válida e está em consonância com os valores constitucionais) seria desproteger a família. Casos em que a força normativa da vida/dos fatos é maior que a força do direito. Esta técnica é expecionalíssima. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DO DIREITO CIVIL O tópico trata da interpretação das normas do Direito Civil e da possibilidade de diálogo das fontes. Em regra, a norma especial afasta a norma geral. Porém, com o CC, que trouxe os valores da CF, pode haver, no CC, uma norma mais favorável ao sujeito do que a norma correlata da lei especial. Daí, afasta-se, episodicamente, o VALORES DO CC/02 ETICIDADE OPERABILIDADE SOCIALIDADE principio da especialidade e garante-se a aplicação da norma mais protetiva. A isso se dá o nome de diálogo das fontes: a aplicação da norma mais protetiva ao sujeito de direito, mesmo que ela esteja na norma geral (CC) e não na norma especial (CDC). Ex.: para a reclamação de vícios redibitórios, os arts.26 e 27 do CDC estabelecem o prazo de 30 dias (bens não duráveis) ou 90 dias (bens duráveis); contudo, o CC, no art.445, §1º, estabelece que esse prazo pode ser de ate 180 dias, se móvel; e 1 ano, se imóvel. Se o vício redibitório for de difícil constatação, o prazo do CC pode ser mais favorável do que o prazo do CDC. Daí, utiliza-se o prazo do CC (diálogo das fontes). A teoria do diálogo das fontes foi idealizada na Alemanha pelo jurista Erik Jayme, professor da Universidade de Heidelberg e trazida para o Brasil por Claudia Lima Marques, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A teoria surge para fomentar a ideia de que o Direito deve ser interpretado de forma sistemática e coordenada. Pela teoria do diálogo das fontes, deve-se buscar a aplicação, tanto quanto possível, de todas as normas que tratem do tema, gerais ou especiais, de modo a garantir a tutela mais efetiva ao grupo vulnerável protegido pela lei, o que pode levar, por exemplo, à aplicação do Código Civil (CC) em detrimento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), quando o primeiro, em que pese ser norma geral, trouxer previsão mais favorável ao consumidor. A aludida teoria concebe três espécies de diálogos, a saber: diálogo de coerência, diálogo de complementaridade e diálogo de coordenação. O diálogo de coerência prescreve a aplicação simultânea de duas leis para o mesmo caso concreto. Já no diálogo de complementaridade, há uma aplicação coordenada de duas leis de modo que uma vem a completar a outra de forma subsidiária naquilo que lhe faltar. Por fim, o diálogo de coordenação e adaptação sistemática pressupõe troca de influências recíprocas de modo que o sistema especial influencia o geral e o sistema geral influencia o especial. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O STF se manifestou no sentido de que os direitos e garantias fundamentais incidem também nas relações privadas. EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitosfundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (RE 201819, Relator(a): ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821) É a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Exs: art.1.336, §2º e art.1.337, CC —> aplicação de multa ao condômino anti-social. Esta multa depende do devido processo legal, a partir de uma interpretação conforme a Constituição. Desse modo, atualmente, é pacífico que os direitos e garantias fundamentais não se aplicam apenas nas relações verticais (Estado-cidadão), mas também nas relações horizontais (cidadão-cidadão). Reza a doutrina: “(…) sem dúvida, cresce a teoria da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas (‘eficácia horizontal’), especialmente diante de atividades privadas que tenham um certo ‘caráter público’, por exemplo, em escolas (matrículas), clubes associativos, relações de trabalho etc.”1 Por sua vez, Ingo Wolfgang Sarlet2 defende que há duas considerações a respeito da aplicação da teoria da eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas: Primeiro, quando há relativa igualdade das partes figurantes da relação jurídica, caso em que deve prevalecer o princípio da liberdade para ambas, somente se admitindo eficácia direta dos direitos fundamentais na hipótese de lesão ou ameaça ao princípio da dignidade da pessoa humana ou aos direito aos direitos da personalidade. Segundo: quando a relação privada ocorre entre um indivíduo (ou grupo de indivíduos) e os detentores de poder econômico ou social, caso em que, de acordo com o referido autor, há consenso para se admitir a aplicação da eficácia horizontal, pois tal relação privada assemelha-se àquela que se estabelece entre os particulares e o poder público (eficácia vertical). CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO DIREITO CIVIL O tema se refere à incidência direta dos tratados e convenções internacionais nas relações privadas (convencionalização do Direito Civil). A eficácia dos tratados internacionais sobre o direito privado pode se dar em 3 (três) diferentes níveis: i. Tratados internacionais que NÃO versam sobre direitos humanos -> Serão incorporados como norma infraconstitucional. Ex.: Convenção de Varsóvia, que disciplina o transporte aéreo. “(...) cabe ressaltar que a questão a respeito das Convenções de Varsóvia e de Montreal ALTEROU-SE no âmbito da jurisprudência nacional, uma vez que, em maio de 2017, o Pleno do Supremo Tribunal Federal acabou por concluir pelas suas prevalências sobre o CDC (Recurso Extraordinário 636.331 e Recuso Extraordinário no Agravo 766.618). De acordo com a publicação constante do Informativo n. 866 da Corte, referente a tal mudança de posição, ‘nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e de Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. (...). No RE 636.331/RJ, o Colegiado assentou a prevalência da Convenção de Varsóvia e dos demais acordos internacionais, subscritos pelo Brasil em detrimento do CDC, não apenas na hipótese de extravio de bagagem. Em consequência, deu provimento ao recurso extraordinário para limitar o valor da condenação por danos materiais ao patamar estabelecido na Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Afirmou que a antinomia ocorre, a princípio, entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de Varsóvia, que fixa limite máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação. Afastou, de início, a alegação de que o princípio constitucional que impõe a defesa do consumidor [Constituição Federal (CF), arts. 5º, XXXII, e 170, V] impediria a derrogação do CDC por norma mais restritiva, ainda que por lei especial. Salientou que a proteção ao consumidor não é a única diretriz a orientar a ordem econômica. Consignou que o próprio texto constitucional determina, no art. 178, a observância dos acordos 1 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva. 2011. 2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 392-400. internacionais, quanto à ordenação do transporte aéreo internacional. Realçou que, no tocante à aparente antinomia entre o disposto no CDC e na Convenção de Varsóvia – e demais normas internacionais sobre transporte aéreo -, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Todos têm estatura de lei ordinária e, por isso, a solução do conflito envolve a análise dos critérios cronológico e da especialidade’. A solução pelos critérios da especialidade e cronológico é que conduziu à prevalência das duas Convenções sobre o CDC, infelizmente.”3 ii. Tratados internacionais que versam sobre direitos humanos e que foram incorporados na forma da EC 45/04 (art.5º, §3º, da CF - 2 turnos de votação e com maioria de 3/5): são incorporados como norma constitucional. Ex.: Convenção de Nova Iorque (incorporada pelo Decreto Legislativo n. 186/2008), que versa sobre a proteção das pessoas com deficiência. Esta Convenção deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência; iii. Tratados que versam sobre direitos humanos, mas que NÃO foram incorporados na forma da EC 45/04: serão incorporados com status supralegal (acima das leis, mas abaixo da CF). Ex.: tratados e convenções internacionais que já existiam antes da EC 45/04, como o Pacto de San José da Costa Rica (ou Convenção Interamericano de Direitos Humanos, CADH). A questão da prisão do depositário infiel. A prisão civil do depositário infiel é constitucional; mas a CF diz que esta prisão se dará na forma da lei. O CC, no art.652, diz que pode ser preso por prazo de até 1 ano; porém, acima do CC, está a CADH, e esta permite apenas a prisão civil daquele que não paga pensão alimentícia, revogando a legislação ordinária. SV nº 25 (STF): é ILÍCITA (é constitucional, porém ilícita, pois não tem lei a sustentá-la) a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. 3 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10 ed. Rio de Janeiro: Método, São Paulo, 2020, p. 73-75.
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