Buscar

O CENTENÁRIO DE TIA OLINA

Prévia do material em texto

O CENTENÁRIO DE TIA OLINA
PAULO CESAR FRANCO 
Próxima à foz do rio Ribeira de Iguape e de seu último afluente, o rio Suamerim, em plena comunidade da Barra do Ribeira, reside a mulher mais idosa do vilarejo. Conhecida por tia Olina de lima, a caiçara é muito bem cuidada pelos filhos, netos, bisnetos e tataranetos. No centenário dessa maravilhosa caiçara, Tapari foi visitá-la em sua casa. Em conversa com o visitante, tia Olina relatou que seu nascimento ocorreu no município de Pedro de Toledo, Vale do Ribeira, no dia 30 de setembro de 1920, numa casinha de palha em meio a exuberante Mata Atlântica. A localidade de seu nascimento é conhecida por rio do Peixe, mas ela brinca que lá tinha de tudo, menos os peixes que dava o nome ao rio... Na sua lucidez, contou que ainda criança aprendeu com seus pais o ofício da agricultura caiçara e que nunca deixou de participar de mutirão de coivara que é um trabalho de retirada dos galhos das árvores do terreno onde será abrigada a roça caiçara. Muitos dos mutirões serviam para plantar a rama da mandioca que é a matéria-prima para fazer a farinha torrada a ser usada no preparo do pirão. Falando em pirão ela lembrou das comidas típicas de sua mocidade que hoje em dia não se come mais. No desenrolar da boa prosa ela ainda contou que veio morar com seus pais no município de Iguape quando tinha seus vinte poucos anos de idade e que nunca mais voltou para sua terra natal. Pela região do Prelado, próximo ao morro da Jureia, tia Olina conta que conheceu seu esposo que era europeu e tinha a experiência de navegação marítima e por causa dessa atividade adquiriu o apelido de marinheiro. Com o seu marido marinheiro constituiu sua família que é formada por seis mulheres e quatro homens. Ela relata ainda que a vinda lá do rio dos Peixes para Iguape não foi uma caminhada suave, pois a trilha que faziam ultrapassava o morro do Itatins onde haviam os despenhadeiros com subidas e descidas desafiadoras. Morando na proximidade da vila do Prelado dificilmente perdia um baile de fandango de carnaval e de outras festividades. Naquele tempo, relata tia Olina, as moças mandavam comprar na cidade os cortes de vestidos para usarem nos bailes, mas também era costume adquirir os tecidos com os mascates que passavam pelo vilarejo de tempo em tempo. Das modas de fandango que ouvia dos afamados violeiros tem lembrança dos versos que falavam da vila do Prelado, do lencinho branco e de outros causos engraçados. Também relatou com saudade o tempo que seguiam para o rio Comprido para plantar o arroz. Fixando-se temporariamente numa região chamada forquilha, onde o rio Comprido sofre bifurcação, permaneciam na terra por um período suficiente para plantar e colher o arroz do brejo. Nas épocas de enchentes ficavam ilhados nos estirões de terra até que as águas abaixassem. Durante esses períodos costumavam participar do fandango de mutirão que acontecia numa localidade do rio Comprido conhecido por “Empresa”, propriedade onde havia uma fábrica de produzir farinha de ostras provenientes de três sambaquis gigantescos que a Empresa explorava para obtenção da cal. Além do Fandango, tia Olina também conta que seguiam para a cachoeira do Guilherme, que fica no coração da Jureia, onde participavam da reza do senhor Sátiro Tavares e também do passadinho. Num gesto memorável ela dizia que seguiam tantas canoas pelo rio Comprido que parecia uma interminável procissão! Ainda se tratando de arroz, falou do rio Acaraú que vinha paralelo lá da serra da Jureia até o rio Suamerim por onde era escoada a produção do valioso grão que dava o nome ao seu produtor de Papo Amarelo. Enquanto o vento leste refrescava a tarde de seu centenário, tia Olinda ainda lembrou dos cafezinhos no bule que costumava saborear com seus amigos na companhia de uma panelada de pegoavas e siris tingas sem esquecer da cuia de farinha manema que namorava uma posta e tainha defumada e assada na brasa. Por falar em companhia, tia Olina recebeu seus parabéns de centenário ao lado de seu irmão Florêncio Estevam Franco de 80 anos. E assim foi a entrevista com a tia Olina. Ao fim desse texto, quero deixar registrado meu agradecimento à vida da caiçara e centenária tia Olina!!! 
Paulo Cesar Franco é caiçara, professor de filosofia e educador popular. E-mail: pcfranco15@gmail.com

Continue navegando