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Tipos de personalidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Caracterizar tipos de personalidade, a partir da abordagem tipológica de Carl Jung. � Reconhecer testes psicológicos validados no Brasil para avaliação da personalidade. � Relacionar transtornos de personalidade com motivação para crimes. Introdução Por mais de 20 anos Carl Jung estudou a personalidade, identificando processos psicológicos básicos e sua forma de interação para definir a personalidade de um indivíduo. Em 1921, publicou a obra “Tipos Psi- cológicos”. Jung (2012) definiu “tipo” como as atitudes observáveis nos indivíduos, caracterizadas pelos interesses, referências e habilidades, ou seja, o estado da psique disposto para uma ação ou reação a uma situação determinada. No que concerne à avaliação, a personalidade está ligada principalmente aos traços psicológicos, aos estados valores, aos interesses, às atitudes, ao senso de humor, aos estilos cognitivos e comportamentais e/ou às características individuais. O Indicador Tipológico Myers-Briggs (Myers-Briggs Type Indicator, MTBI), instrumento utilizado com frequência para avaliar aspectos da personalidade dos indivíduos, foi desenvolvido pelas estudiosas Katharine Cook Briggs e Isabel Briggs Myers com base no trabalho de tipos psicológicos de Jung. Neste capítulo você aprenderá sobre a tipologia de Carl Jung, os testes psicológicos validados no Brasil para avaliação da personalidade e a relação dos transtornos de personalidade com a motivação para crimes. Tipos de personalidade – abordagem tipológica de Carl Jung Carl Jung (1875 - 1961), psiquiatra suíço e psicanalista, foi o fundador da Psicologia Analítica. Em 1921 publicou sua obra sobre os tipos psicológicos (JUNG, 2012), na qual apresenta as duas direções principais da libido – enten- dida como energia psíquica – conhecidas como extrovertida e introvertida, dois conceitos teorizados. Jung (2012) acreditava que todos os indivíduos estariam em alguma dessas posições quanto ao interesse pelo objeto ou pelo sujeito ou, na movimentação da libido, em direção ao objeto ou ao sujeito. Porém ambas as posições existem dentro do indivíduo, sendo uma delas desenvolvida com o objetivo de adaptação. Na extroversão (iniciativa e ação prática) é dado enfoque ao objeto e, na introversão (reflexão), ao sujeito. Na atitude extrovertida, a libido, isto é, a energia psíquica, volta-se naturalmente para o mundo externo de objetos, fatos e pessoas, caracterizando uma disposição para a ação, a impulsividade, a comunicabilidade, a sociabilidade e a facilidade de expressão oral. Na atitude introvertida, a atenção do indivíduo é voltada para o seu mundo interior – suas impressões, emoções e pensamentos –, favorecendo características como a hesitação, o pensar antes de agir, a maneira reservada, o retraimento social, a retenção de emoções, a discrição e a facilidade de expressão no campo da escrita, com uma ênfase à subjetividade. Além desses dois tipos básicos, Jung identificou diferenças individuais entre os extrovertidos e os introvertidos, que atribuiu às diversas maneiras com que o indivíduo utiliza a mente, ou melhor, às funções psíquicas e/ou processos mentais que utiliza para se relacionar com o mundo externo ou interno (LESSA, 2012). De acordo com Feist, Feist e Roberts (2015, p. 81): [...] tanto a introversão quanto a extroversão podem se combinar com uma ou mais das quatro funções, formando oito orientações possíveis, ou tipos. As quatro funções – sensação, pensamento, sentimento e intuição – podem ser brevemente resumidas da seguinte forma: a sensação diz às pessoas que algo existe; o pensamento lhes possibilita reconhecer seu significado; o sen- timento lhes diz seu valor; e a intuição lhes permite saberem a seu respeito sem saber como. Diariamente as pessoas utilizam essas quatro funções, sendo que, por meio da sensação e da intuição, a situação é percebida diretamente, sem a intermediação de um juízo ou uma verificação. A sensação é uma função dos Tipos de personalidade2 sentidos, que traz as percepções do mundo através dos órgãos dos sentidos. Segundo Lessa (2012, documento on-line), pessoas com essa função predo- minante são aquelas que: [...] acreditam nos fatos, têm facilidade para lembrar-se deles e importam-se com o presente, com foco no real e no concreto, são voltadas para o ‘aqui- -agora’, sendo práticas e realistas; preocupam-se mais em manter as coisas funcionando do que em conceber novos caminhos. Feist, Feist e Roberts (2015, p. 82) referem que “[...] as pessoas com sensação extrovertida percebem os estímulos externos de modo objetivo, de uma forma muito parecida como esses estímulos existem na realidade”. Suas sensações não são tão influenciadas por suas atitudes subjetivas. Por outro lado, ainda segundo os autores: [...] as pessoas com sensação introvertida são influenciadas por suas sensações subjetivas de visão, audição, olfato e tato, sendo guiadas por sua interpretação dos estímulos sensoriais, não pelos estímulos em si; é uma interpretação subjetiva dos fenômenos objetivos e, quando esta atitude é levada ao extre- mo, pode resultar em alucinações (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015, p. 82). Na função intuição, a percepção ocorre por meio do inconsciente, e o entendimento ou a compreensão do ambiente externo ocorre por meio de pressentimentos, palpites ou inspirações. As pessoas do tipo intuição veem o todo e não as partes, tendo dificuldades em verificar detalhes. Segundo Feist, Feist e Roberts (2015, p. 82): [...] as pessoas intuitivas extrovertidas são orientadas para a percepção externa de maneira subliminar, podem criar coisas que atendem a uma ne- cessidade que apenas poucas pessoas perceberam que existia. [...] as pessoas intuitivas introvertidas são guiadas pela percepção inconsciente de fatos que são basicamente subjetivos e têm pouca ou nenhuma semelhança com a realidade externa. Por estarem relacionadas ao ato de julgar e serem influenciadas pela re- flexão que propicia o modo de tomada de decisão, as funções pensamento e sentimento são consideradas racionais, sendo também denominadas funções de julgamento; a palavra que melhor expressa estas funções é “apreciação”. Na função pensamento é instituída a conexão lógica e conceitual dos eventos e situações apreendidas. As pessoas que utilizam a função pensamento são 3Tipos de personalidade julgadoras e categorizadoras e distinguem um fato de outro sem envolver a afetividade. Orientam-se pela razão, sendo mais neutras nos seus posicionamen- tos e julgamentos. A função que se contrapõe ao pensamento é o sentimento. As pessoas que utilizam essa função valorizam mais os sentimentos nas suas avaliações e decisões, atentando mais para a harmonia do clima social; suas decisões seguem mais o coração (LESSA, 2012). Segundo Feist, Feist e Roberts (2015, p. 81): [...] as pessoas com pensamento extrovertido contam com pensamentos concre- tos, mas elas também podem usar ideias abstratas se estas foram transmitidas de fora, por exemplo, por pais e professores. Matemáticos, engenheiros e contadores fazem uso frequente do pensamento extrovertido, pois precisam ser objetivos. [...] as pessoas com pensamento introvertido reagem aos estí- mulos externos, porém sua interpretação de um evento é mais colorida pelo significado interno que trazem consigo do que pelos fatos objetivos em si. [...] quando levado ao extremo, o pensamento introvertido resulta em pensamentos místicos improdutivos, os quais são tão individualizados que acabam sendo inúteis para qualquer outra pessoa. A função sentimento deve ser diferenciada da emoção. Por sentimento entende-se a avaliação de cada atividade consciente, sem necessariamente ter uma emoção. As emoções apresentam-se em qualquer uma das quatro funções quando suas forças forem aumentadas. Para Feist, Feist e Roberts (2015, p. 82): [...] as pessoas com sentimento extrovertidousam dados objetivos para fa- zerem avaliações. Elas não são tão guiadas por sua opinião subjetiva, mas pelos valores externos e por padrões de julgamento aceitos. [...] as pessoas geralmente gostam delas, devido a sua socialização, mas, em sua busca de se adequarem aos padrões sociais, elas podem parecer artificiais, superficiais e não confiáveis. [...] as pessoas com sentimento introvertido baseiam seus julgamentos de valor principalmente em percepções subjetivas, em vez de fatos objetivos. [...] elas ignoram opiniões e crenças tradicionais, e sua indiferença quase completa pelo mundo objetivo (incluindo as pessoas), muitas vezes, faz os indivíduos à sua volta se sentirem desconfortáveis. Analisando a dinâmica da personalidade, Jung (2012) constatou que uma das funções se torna distinta e adquire um estágio de dominância, de função dominante ou principal. Outra função pode ter um desenvolvimento com menor intensidade e vir a tornar-se uma função auxiliar da primeira. As outras duas funções (terciária e inferior) permanecerão no inconsciente. Tipos de personalidade4 A função dominante manifesta-se pelo exercício maior na utilização desta função do que as demais, ficando mais desenvolvida, pois as pessoas buscam sempre resultados melhores na sua luta pela existência e na adaptação ao meio. Quanto à função auxiliar ou secundária, por ter se desenvolvido menos, servirá de apoio à função dominante ou principal, para dar equilíbrio entre a extroversão e a introversão, e entre o julgamento e a percepção. A função terciária é o complemento na dinâmica consciente/inconsciente. A função inferior é a menos desenvolvida, contrapõe-se à função dominante e faz a ponte para o inconsciente; ou seja, se a função dominante/principal for a intuição, a função inferior será a sensação que é o seu oposto. Caso a função inferior ganhe energia e emerja no consciente, será de forma arcaica e infantil, levando ao desequilíbrio e à neurose (LESSA, 2012). Segundo Feist, Feist e Roberts (2015, p. 89): [...] a abordagem de Jung da personalidade foi muito influente no início do desenvolvimento da psicologia da personalidade. [...] Hoje, a maior parte das pesquisas relacionadas a Jung foca suas descrições dos tipos de personalidade. O Indicador Tipológico Myers-Briggs (Myers-Briggs Type Indicator, MTBI; Myers, 1962) é a medida usada com mais frequência baseada nos tipos de personalidade de Jung. O MTBI acrescenta uma quinta e uma sexta funções, julgamento e percepção, à tipologia original de Jung, criando um total de 16 tipos de personalidade possíveis. O Quadro 1 apresenta os oito tipos de personalidade junguianos. Fonte: Adaptado de Feist, Feist e Roberts (2015, p. 83). Funções Atitudes Introversão Extroversão Pensamento Filósofos, cientistas teóricos, alguns inventores Cientistas, pesquisadores, contadores, matemáticos Sentimento Críticos de cinema subjetivos, avaliadores de arte Avaliadores imobiliários, críticos de cinema Sensação Artistas, músicos clássicos Degustadores de vinho, revisores, músicos populares, pintores de casa Intuição Profetas, místicos, fanáticos religiosos Alguns inventores, reformadores religiosos Quadro 1. Exemplos dos oito tipos junguianos. 5Tipos de personalidade Testes psicológicos validados no Brasil para avaliação da personalidade A avaliação psicológica é uma técnica utilizada pelos psicólogos para análise de determinada pessoa, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a dinâmica de sua personalidade para elaborar diagnósticos, prognósticos e pareceres sobre o seu comportamento. Para tanto, o avaliador deverá organizar todo os dados e integrar técnicas e metodologias. As avaliações envolvem várias técnicas, como a entrevista psicológica, as observações, as dinâmicas de grupo e os testes psicométricos e projetivos. A utilização dos testes psicológicos visa à obtenção de dados mais objetivos que auxiliarão na tomada da decisão final do parecer do psicólogo. A inter- pretação dos dados obtidos nos escores e o respeito às normas de aplicação possibilitam a inferência de hipóteses, pois, a partir da normatização, os testes oferecem um parâmetro de comparação do sujeito ou da situação a outros, que evidenciam características similares. A aplicabilidade dos testes psicológicos abrange todas as áreas da psicologia que requerem uma avaliação para a análise do sujeito ou de uma situação, como a psicologia clínica, a psicologia escolar, a pesquisa, a neuropsicologia, a psicologia organizacional, a psicologia jurídica, a psicologia do esporte e a psicologia do trânsito. Os testes projetivos são mais utilizados para a análise da dinâmica da personalidade do sujeito, e os testes psicométricos são baseados em recursos estatísticos e teorias de medida. Para Hutz, Bandeira e Trentini (2015): [...] o teste é conceituado, conforme a Lei nº 4.119/62, como um instrumento de mensuração de características psicológicas, considerado como método de uso privativo do psicólogo. É um procedimento sistemático, voltado para a observação e o registro de comportamentos e das características psicológicas dos indivíduos, nas suas mais diversas formas de expressão. Cohen, Swerdlik e Sturman (2014, p. 34) refere que os testes psicológicos podem diferenciar-se no conteúdo, no formato, nos procedimentos de admi- nistração e pontuação, bem como na interpretação e na qualidade técnica. Os testes, mesmo tendo como objetivo medir o mesmo conteúdo, como a personalidade, podem diferir em função das visões distintas que os seus de- senvolvedores possuem sobre a personalidade e das convicções e orientações teóricas que os subsidiaram. O entendimento e a definição de personalidade abrangem diferentes significados conforme a orientação dos teóricos e suas linhas de atuação Tipos de personalidade6 (psicodinâmica, cognitivista, behaviorista, etc.). No que concerne à avaliação da personalidade, sua definição está ligada principalmente aos traços psicoló- gicos, aos estados valores, aos interesses, às atitudes, ao senso de humor, aos estilos cognitivos e comportamentais e/ou às características individuais. Para Cohen, Swerdlik e Sturman (2014, p. 394), os traços psicológicos são vistos como “[...] atribuições feitas na tentativa de identificar linhas de consistência nos padrões comportamentais”. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia desenvolveu o SATESPI, um sistema de avaliação de testes psicológicos cujo objetivo é divulgar informa- ções à comunidade e aos psicólogos sobre os testes psicológicos disponíveis. Abaixo estão listados os principais testes de personalidade validados para aplicação no Brasil: 1. Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo – EFN (2001 – Casa do Psicólogo) 2. Inventário Fatorial de Personalidade – IFP-R (1999 – LabPam/Univer- sidade de Brasília) 3. HTP – Casa/árvore/pessoa (2003 – Vetor) 4. DFH III – O desenho da figura humana: avaliação do desenvolvimento (2003 – LAMP – Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas – PUC Campinas) 5. Inventário de expressão de raiva como estado e traço (1992 – Vetor) 6. Inventário de expectativas e crenças pessoais acerca do álcool (1996 – Casa do Psicólogo) 7. Inventário de sintomas de stress para adultos de Lipp – ISSL (Casa do Psicólogo) 8. Z-teste – Teste de Zulliger (2004 – Casa do Psicólogo) 9. Rorschach Clínico (2007 – Terceira Margem Editora Didática Ltda.) 10. Escala de Personalidade de Comrey (2009 – Vetor) 11. FTT – Teste de contos de fadas (CEPA) 12. ETPC- Escala de traços de personalidade para crianças (2004 – Vetor) 13. Teste palográfico na avaliação de personalidade (2004 – vetor) 14. Escala de Autenticidade, Agressividade e Inibição – EdAAI (2004 – LabPam) 15. As Pirâmides Coloridas de Pfister (2005 – Casa do Psicólogo) 16. Rorschach – Teoria e desempenho (Sistema Klopfer) (2005 – Editora Manole Ltda.) 17. Desenho da figura humana – DFH – Escala Sisto (2005 – Vetor) 7Tipos de personalidade 18. Teste Gestáltico Viso-Motorde Bender – Sistema de pontuação gradual – B-SPG (2005 – Vetor) 19. Escala Fatorial de Socialização – EFS (2007 – Casa do Psicólogo) 20. EFEx – Escala Fatorial de Extroversão (Casa do psicólogo) 21. Inventário de Personalidade NEO – NEO PI-R – Revisado (2010 – Vetor) 22. Inventário de Cinco Fatores NEO – FFI-R – versão curta (2010 – Vetor) 23. Bateria Fatorial de Personalidade – BFP (2010 – Casa do Psicólogo) 24. Myers-Briggs Type Indicator – MBTI – Inventário de Tipos Psicológicos (2010 – Fellipelli Instrumentos de Diagnóstico e Desenvolvimento Organizacional) 25. Inventário de Depressão de Beck – BDI-II (2010 – Casa do Psicólogo) 26. Escala de Avaliação Tipológica – EAT 27. Escala de avaliação da impulsividade – Formas A e B (2013 – Vetor) 28. Escala para avaliação de tendência à agressividade (2005 – Casa do Psicólogo) 29. Inventário de expressão de raiva como estado e traço – STAXI 2 (2010 – Vetor) 30. Teste de Zulliger no Sistema Compreensivo – ZSC – forma individual (2009 – Casa do Psicólogo) 31. Questionário de Personalidade para Crianças e Adolescentes (2012 – Vetor) 32. Inventário Fatorial de Personalidade – IFP-II (2012 – Casa do Psicólogo) 33. Inventário Reduzido dos Cinco Fatores de Personalidade (LabPam – Universidade de Brasília) 34. Inventário Fatorial de Personalidade – Revisado – Forma reduzida (2013 – LabPam Saber e Tecnologia) 35. Inventários dos Seis Fatores de Personalidade – IFP6 (2015 – LabPam Saber e Tecnologia) 36. Z-teste coletivo e individual – Técnica de Zulliger (2016 – Hogrefe) 37. Inventário Dimensional Clínico da personalidade 2- IDCP-2 (2017- Pearson). Segundo Louzã Neto et al. (2011, p. 73): [...] o desenvolvimento de testes e provas psicológicas segue a diversidade teórica e metodológica da psicologia e das concepções sobre personalidade; cada um desses entendimentos subsidia diferentes instrumentais de avalia- ção. [...] Tanto o teste de associação de palavras quanto o Indicador de Tipos de Myers-Briggs são estruturados a partir da abordagem de C.G. Jung. As teorias dos traços de personalidade sustentam a elaboração dos instrumentos Tipos de personalidade8 preferenciais para pesquisas com grandes grupos de indivíduos, inventários e escalas, como os que foram concebidos pelos autores pioneiros destas teorias, G. Allport, R. Cattel e H. Einsenck. Uma das concepções mais recentes [...] possibilitou a elaboração do Inventário de Temperamento e Caráter. Nessa mes- ma época, surgiu o modelo teórico mais utilizado na atualidade, o modelo dos “Cinco Grandes Fatores da Personalidade”, de McCrae e Costa, que descreve as dimensões humanas básicas, sendo estatisticamente consistente com o que se encontra em uma série de instrumentos anteriores, como o 16-PF, o MMPI, a Escala de Necessidades de Murray, as escalas de Comrey, entre outros. Estes autores salientam que nenhum teste por si só é um diagnóstico psico- lógico, pois possuem limitações na compreensão da personalidade. A avaliação da personalidade exige o máximo de detalhes possíveis, coletados por meio da anamnese, com a escuta de dados manifestos e latentes nas entrevistas clínicas. Os resultados dos testes e sua interpretação dizem respeito ao comporta- mento da pessoa ao longo da avaliação, às suas condições cognitivas, sociais e culturais, e à confrontação de resultados diversos. O psicólogo faz uso de diversos instrumentos que abrangem os conceitos do modelo psicodinâmico, com a utilização de testes projetivos (HTP, Rorschach, Zulliger, etc.), e utiliza inventários e outros testes psicométricos mais objetivos para o entendimento dos traços de personalidade. Relação dos transtornos de personalidade com a motivação para crimes Os transtornos de personalidade são perturbações graves que caracterizam os indivíduos que possuem uma forma diferenciada de se relacionar com a sociedade, que afeta os aspectos de sua vida, suas emoções e sentimentos. Emergem como anomalias no desenvolvimento, consideradas perturbações da saúde mental. Segundo Louzã Neto et al. (2011, p. 19-20): [...] a décima edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da organização Mundial da Saúde, considera três possibilidades etiológicas de transtorno da personalidade: transtornos decorrentes de doença, lesão e disfunções cerebrais (F07); transtornos específicos de personalidade (F60) e alterações permanentes de personalidade, não atribuíveis a lesão ou doença cerebral (F62). No CID-10 (1993), a codificação F07 corresponde a mudanças de persona- lidade decorrentes de doenças cerebrais, como tumores, epilepsia, AVC, etc., e o código F60 representa transtornos decorrentes de fatores constitucionais 9Tipos de personalidade e ambientais, caracterizados por padrões rígidos de comportamento e desa- daptação interpessoal e social. Em 1980, no DMS-III (Manual de Diagnóstico e Estatística das Pertur- bações Mentais, terceira revisão), foi apresentado o termo transtorno de conduta, compreendido como um conjunto de comportamentos agressivos e antissociais recorrentes, manifestados por crianças e adolescentes (AME- RICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1980). Estes comportamentos são comuns em determinadas faixas etárias e não indicam uma patologia. Nos critérios atuais do DSM-V-TR (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIA- TION, 2014), o transtorno de conduta (TC) aparece associado ao transtorno desafiador de oposição (TDO), que emerge mais precocemente, apresentando comportamentos menos graves que antecedem os transtornos de conduta. O Quadro 2 apresenta as principais características de ambos os transtornos, em material formulado por Louzã Neto et al. (2011). Transtorno desafiador de oposição – TDO a) Um padrão de comportamento negativista, hostil e desafiador com a duração mínima de 6 meses, durante os quais quatro (ou mais) dos seguintes estiveram presentes: 1. frequentemente perde a calma 2. frequentemente discute com adultos 3. frequentemente desacata ou recusa-se ativamente a obedecer a solicitações ou regras dos adultos 4. frequentemente adota um comportamento deliberadamente incomodativo 5. frequentemente responsabiliza os outros por seus erros ou mau comportamento 6. frequentemente mostra-se suscetível ou irrita-se com facilidade 7. frequentemente enraivecido e ressentido 8. frequentemente rancoroso ou vingativo Nota: considerar o critério satisfeito apenas se o comportamento ocorrer com maior frequência do que se observa tipicamente em indivíduos de idade e nível de desenvolvi- mento comparáveis. b) A perturbação do comportamento causa comprometimento clinicamente significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. c) Os comportamentos não ocorrem exclusivamente durante o curso de um Transtorno Psicótico ou Transtorno de Humor. d) Não são satisfeitos os critérios para Transtornos de Conduta e, após os 18 anos, não são satisfeitos os critérios para Transtorno da Personalidade Antissocial. Quadro 2. Principais características do TDO e TC. (Continua) Tipos de personalidade10 Fonte: Adaptado de Louzã Neto et al. (2011, p. 91-92). Transtorno de conduta – TC a) Um padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos individuais dos outros, ou normas, ou regras sociais importantes próprias da idade, manifestado pela presença de três (ou mais) dos seguintes critérios nos últimos 12 meses, com presença de pelo menos um deles nos últimos 6 meses: Agressão a pessoas e animais: 1. provocações, ameaças e intimidações frequentes 2. lutas corporais frequentes 3. utilização de arma capaz de infligir graves lesões corporais (p. ex., bastão, tijolo, garrafa quebrada, faca, revólver) 4. crueldade física para com outras pessoas 5. crueldade física para com animais 6. roubo em confronto com a vítima (p. ex., bater carteira, arrancar bolsa, extorsão, assalto à mão armada) 7. coação para que alguém tivesse atividade sexual consigo Destruição do Patrimônio: 1. envolveu-se deliberadamente na provocação de incêndio coma intenção de causar sérios danos 2. destruiu deliberadamente o patrimônio alheio (diferente da provocação de incêndio) Defraudação ou furto: 1. arrombou residência, prédio ou automóvel alheios 2. mentiras frequentes para obter bens ou favores ou para esquivar-se de obrigações legais (i.e., ludibria pessoas) 3. roubo de objetos de valor sem confronto com a vítima (p. ex., furto em lojas, mas sem arrombar e invadir; falsificação) Sérias violações de regras: 1. frequente permanência na rua à noite, contrariando proibições por parte dos pais, iniciando antes dos 13 anos de idade 2. fugiu de casa à noite pelo menos duas vezes, enquanto vivia na casa dos pais ou lar adotivo (ou uma vez, sem retornar por extenso período) 3. gazetas frequentes, iniciando antes dos 13 anos de idade b) A perturbação do comportamento causa comprometimento clinicamente significativo do funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. c) Se o indivíduo tem 18 anos ou mais, não são satisfeitos os critérios para Transtorno da Personalidade Antissocial. Quadro 2. Principais características do TDO e TC. O quadro clínico dos jovens diagnosticados com transtornos de conduta apre- senta também outras disfunções, como baixo rendimento escolar, somatizações (Continuação) 11Tipos de personalidade mais frequentes e envolvimento em casos de bullying, tanto como vítima quanto como agressor. Podem, ainda, ser alvo de atos de violência, desenvolver outras doenças psiquiátricas e apresentar significativa intersecção com os déficits de atenção/hiperatividade e neurológicos e os transtornos bipolar e depressivo. Para se caracterizar um transtorno antissocial, é necessário que o transtorno de conduta se manifeste antes dos 15 anos, quando as bases biológicas são estabelecidas e, aliadas aos fatores de risco psicossociais, contribuem para o desenvolvimento patológico. Porém, nem toda criança ou adolescente que apresenta um quadro de transtorno de conduta será um adulto antissocial, e isto se deve aos processos transacionais presentes nas características do indivíduo e nos diferentes ambientes por onde circula (lar, escola, vizinhança, comunidade, cultura), que interagem de modo sinérgico. O aparecimento do transtorno de personalidade antissocial após os 20 anos sugeriria um quadro de origem orgânica. Ambos os transtornos, de conduta e de personalidade antissocial, são padrões de comportamento que se desviam das normas sociais. O transtorno de personalidade antissocial ou psicopática é atribuído à personalidade adulta. Para Louzã Neto et al. (2011, p. 97), a Figura 1 exemplifica o desenvolvimento do transtorno de personalidade antissocial ao longo do tempo, demonstrando como os fatores de risco biológicos e psicossociais interagem. Figura 1. Exemplo de desenvolvimento do transtorno de personalidade antissocial ao longo do tempo. Fonte: Louzã Neto (2011). TDAH TDO TC Álcool e drogas TPAS Depres- são Negligência Abusos Traumatismo cranioencefálico Rejeição Fracasso escolar Educação Identidade Companhia Delinquência Desinibição Fissura Desemprego Criminalidade Autoavaliação Desesperança TPAS TC TDO TDAH Depressão Álcool e drogas Tipos de personalidade12 Segundo Cruz (2015), o transtorno de personalidade antissocial – psi- copatia – é de interesse particular para a psicologia forense, pois os seus portadores geralmente se envolvem em atos criminosos. Neste transtorno, a insensibilidade (ausência de remorso) se apresenta em grau extremo, com forte indiferença afetiva. Além disso, o indivíduo comumente apresenta pa- drão hostil de desrespeito e violação dos direitos dos outros, impulsividade e intolerância a frustrações. Ainda pode ser identificada capacidade pervertida para o amor, ao passo que as relações emocionais são passageiras e objetivam a satisfazer seus próprios desejos. Os psicopatas demonstram crueldade nos seus crimes, mentem para atrair suas vítimas, são solitários, mas apresentam características sociáveis e aspecto encantador, possuem plena convicção de que tudo é permitido e excitam-se com o risco e o proibido. Quando matam, buscam humilhar as suas vítimas para reafirmar a sua autoridade. Para o psicopata, o crime é secundário, interessando-se somente pelo desejo de dominar e sentir-se superior. Cruz (2015, p. 30) resume o estereótipo do psicopata: As análises dos perfis de personalidade estabelecem como estereótipos dos assassinos (existem exceções), homens jovens, de raça branca, que atacam preferencialmente mulheres, e cujo primeiro crime foi cometido antes dos 30 anos. Alguns têm histórico de infância traumática, devido a maus tratos físicos ou psíquicos, motivo pelo qual têm tendência a isolar-se da sociedade e/ou vingar-se dela. Essas frustrações os induzem a um mundo imaginário, melhor que o real, onde revivem os abusos sofridos, porém desta vez se identificando com o agressor. Por esta razão, sua forma de matar pode ser de contato direto com a vítima, utilizando armas brancas, estrangulando, golpeando, quando nunca utilizando arma de fogo. 13Tipos de personalidade AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM- III. 3rd ed. Washington, DC: APA, 1980. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. CID-10. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993. COHEN, R. J.; SWERDLIK, M. E.; STURMAN, E. D. Testagem e avaliação psicológica: intro- dução a testes e medidas. 8. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. CRUZ, D. A. Influência do transtorno de personalidade antissocial no cometimento de crimes. Revista Científica do ISCTAC, v. 2, n. 6, 2015. Disponível em: <http://isctac. org/revista/index.php/revistacientifica/article/view/52/45>. Acesso em: 30 mar. 2018. FEIST, J.; FEIST, J. G.; ROBERTS, T. A. Teorias da personalidade. 8. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. HUTZ, C. S.; BANDEIRA, D. R.; TRENTINI, C. (Org.). Psicometria. Porto Alegre: Artmed, 2015. JUNG, C. G. Tipos psicológicos. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. LESSA, E. A teoria dos tipos psicológicos. Rio de Janeiro: Instituto Junguiano, 2012. Dis- ponível em: <http://www.jung-rj.com.br/artigos/tipos_psicologicos.htm>. Acesso em: 27 abr. 2018. LOUZÃ NETO, M. R. et al. Transtornos da personalidade. Porto Alegre: Artmed, 2011. Leituras recomendadas FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. HALL, C. S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J. B. Teorias da personalidade. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. SILVA, I. B.; NAKANO, T. C. Modelo dos cinco grandes fatores da personalidade: análise de pesquisas. Avaliação Psicológica, v. 10, n. 1, p. 51-62, 2011. Disponível em: <http:// www.redalyc.org/html/3350/335027285007/>. Acesso em: 18 mar. 2018. Tipos de personalidade14 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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