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“Eu me importo pelo fato de você ser você, me importo até o último momento de sua vida e faremos tudo que está ao nosso alcance, não somente para ajudar você a morrer em paz, mas também para você viver até o dia da sua morte.” Cicely Saunders Dedicado à enfermeira Vivian Marina Calixto Damasceno Spineli (in memorian). Autora: Paula Barrioso Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde com tema “Cuidados Paliativos na Atenção Primária à Saúde” da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Especialista em Oncologia pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Experiência com Assistência e Educação em Cuidados Paliativos. Conteudista do Nursebook. 1. Introdução Os profissionais de enfermagem são parte essencial do sistema de saúde brasileiro. Eles representam cerca de 1,8 milhão dos trabalhadores da área, um contingente que corresponde à segunda maior classe profissional do Brasil. Internacionalmente, são reconhecidos por representarem o maior grupo de profissionais de saúde. Preparados 24 horas por dia para a prestação dos cuidados, participam direta ou indiretamente em todos os níveis de atenção à saúde e estão presentes em catástrofes e zonas de guerra. Por estarem tão presentes no cotidiano de milhares de pessoas que necessitam de serviços de saúde, estes profissionais são estratégicos para o desenvolvimento e a inserção de novas tecnologias em saúde e outras abordagens assistenciais, como a dos cuidados paliativos (CP). Além disso, a formação educacional da enfermagem focada na integralidade do ser e na prestação cuidados holísticos (tendo como centro a pessoa por si só) são bases para que, com o tempo e treinamento adequado, os enfermeiros exerçam uma abordagem inicial de cuidados paliativos com competência. A enfermagem (auxiliares, técnicos e enfermeiros) pode desempenhar papéis importantes nas equipes de CP ou de forma independente nas consultas de enfermagem, avaliando os sintomas, gerenciando cuidados, mantendo a continuidade dentro das redes de atenção à saúde, auxiliando famílias no luto e tantas outras atividades. Vale enfatizar que, para haver um avanço nesta área, com uma prática assistencial de excelência, é urgente que haja a inserção de disciplinas que abordem temas relacionados aos cuidados paliativos em cursos de nível médio, graduações e pós-graduações de saúde pelo Brasil. Objetivo: Ressaltar a importância da inserção da abordagem dos Cuidados Paliativos para todos os profissionais de Enfermagem na missão de aliviar os sofrimentos de ordem física, emocional, espiritual e social de pacientes adultos e crianças com doenças graves e ameaçadores de vida. 2. Definição de Cuidados Paliativos Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), os cuidados paliativos (CP) são uma abordagem que melhora a qualidade de vida de adultos e crianças e suas famílias frente aos problemas associados às doenças graves progressivas e/ou ameaçadoras de vida. Isso ocorre por meio da prevenção e alívio dos sofrimentos, sejam eles de ordem física, emocional, social ou espiritual. Para saber mais: Considerações sobre cuidados paliativos pediátricos Cuidados Paliativos: quando o paciente nunca é a doença Figura 1: Demanda de cuidados paliativos no mundo | Adaptado de Organização Mundial de Saúde 3. Considerações sobre a abordagem É importante salientar que cuidados paliativos não é sinônimo de cuidados em fase final de vida. A recomendação é que esta abordagem seja realizada desde o diagnóstico das doenças progressivas e potencialmente fatais. Por ser uma área de atuação por definição, não existem gradações: cuidado paliativo exclusivo, cuidado paliativo proporcional, cuidado suportivo, cuidado da terminalidade, entre outros; Independente da fase de vida, quando instituído o cuidado paliativo, faz-se através de um plano de cuidados proporcional ao prognóstico do paciente. Não se fala mais em doença terminal, mas em doença crônica avançada progressiva; Evita-se utilizar palavras e expressões como: "não há nada a fazer" e "investir no paciente". No lugar, entende-se que o paciente está em uma situação irreversível e que se deve mudar o foco do cuidado para priorizar o conforto do paciente, respectivamente. Uma equipe mínima para realização da abordagem dos Cuidados Paliativos deve conter os seguintes profissionais: médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social e deverá contar com apoio eventual de outros profissionais de acordo com o perfil dos pacientes. 4. Principais Norteadores dos Cuidados Paliativos 1. Controle de dor e outros sintomas desagradáveis. 2. Afirmar a vida e compreender a morte como um processo natural. 3. Não acelerar e nem adiar a morte. 4. Incluir aspectos psicossociais e espirituais no cuidado ao paciente e sua família. 5. Disponibilizar um sistema de suporte para possibilitar que o paciente viva em sua plenitude e tão ativamente quanto possível até o último momento da sua vida. 6. Disponibilizar cuidado para auxiliar os familiares durante a doença, a sua progressão e ainda ao enfrentar o luto. 7. Abordagem em equipe multiprofissional para atender às necessidades do paciente e seus familiares. 8. Promover a melhora da qualidade de vida e influenciar de forma positiva na trajetória da doença. 9. Deve ser iniciado desde o diagnóstico em conjunto com as terapias modificadoras de doença (ex.: quimioterapia) e deve considerar investigações necessárias para compreender, diagnosticar e tratar situações estressoras (ex.: infecções). 5. Modalidade Assistencial A aplicação da abordagem pode ser realizada em diversas modalidades de assistência, e a equipe de enfermagem pode desempenhar inúmeras ações para garantir a continuidade dos cuidados aos pacientes e seus familiares dentro da rede de atenção à saúde. Exemplos: ● Atenção Primária à Saúde e Comunidade: Local onde a equipe de enfermagem pode monitorar a progressão da doença e gerenciar os sintomas angustiantes ou treinar e supervisionar voluntários comunitários; ● Atenção Domiciliar: Possibilita a permanência do paciente em seu lar, com sua família, por meio de inúmeras ações; ● Ambulatórios de Especialidades: Com consultas de enfermagem; ● Unidades de Internação: Lugar onde a equipe de enfermagem assume papel estratégico na resolução de demandas complexas; ● Hospices e Instituições de Longa Permanência: A equipe de enfermagem gerencia o cuidado e mantém a dignidade do paciente diante de déficits progressivos; ● Hospital Dia: Executa pequenos procedimentos. 6. Trajetória de Condições Crônicas e Provisão de Cuidados Paliativos A OMS recomenda que os pacientes recebam a abordagem dos CP desde o diagnóstico das doenças graves, associando-a ao tratamento modificador de doença. Na prática, quando o diagnóstico é realizado no início da doença, o paciente frequentemente não possui muitas demandas, sendo comum que haja apenas o fornecimento de uma abordagem paliativa (ações paliativas) ou cuidados paliativos gerais para necessidades pontuais (ex.: controle de dor leve ou elaboração de diretivas antecipadas de vontade). A partir do momento que a doença avança e a necessidade de prevenção, controle e alívio de sofrimentos aumenta (ex.: controle de dispneia intensa ou perda da via oral), os profissionais devem realizar uma abordagem mais intensa de CP. O paciente pode até ser encaminhado para equipes multiprofissionais de especialistas, com maior experiência, que realizam cuidados paliativos especializados. Comumente, estes estão alocados em níveis secundários ou terciários da atenção à saúde. Figura 2: Gráfico de Cuidados Paliativos. Trajetória de doença. Adaptado de banco de imagem.Para saber mais: Quando encaminhar o paciente com câncer para cuidados paliativos? Definição de cuidados paliativos pela OMS 7. Como as Equipes de Enfermagem Devem Prover Cuidados Paliativos nos Sistema de Saúde? Figura 3: Quem fornece cuidados paliativos e exemplos de trajetória de pacientes dentro da rede. Imagem adaptada. A maioria dos pacientes necessitará apenas da abordagem paliativa, com ações paliativas. Logo, a recomendação é que todos os profissionais de saúde possuam, no mínimo, uma disciplina durante a graduação que aborde os aspectos gerais dos cuidados paliativos, em seu processo de formação. O objetivo é que todos os profissionais estejam aptos a prestar a abordagem paliativa em pacientes com doenças ameaçadoras de vida. Equipes de enfermagem alocadas em especialidades que lidam, diariamente, com condições crônicas de saúde ameaçadoras de vida devem dispor de conhecimento e habilidades para solucionar as demandas de maior complexidade. Para isso, deverão possuir maior carga horária relacionada aos CP em sua formação profissional. Enfermeiros que realizam cuidados paliativos gerais possuem papel fundamental na assistência, na elaboração de protocolos institucionais, na disseminação de conhecimento, entre outras atividades. Idealmente, se o provimento de CP for bem estruturado dentro do sistema de saúde, poucos pacientes terão demandas de alta complexidade. Sendo assim, a recomendação é que as equipes de enfermagem que estejam alocadas neste nível de atuação possuam, para além de uma formação especializada em cuidados paliativos com carga horária intensa, um nível maior de experiência. Geralmente, o enfermeiro com esse nível de conhecimento e experiência é a referência educacional e assistencial para outras equipes de enfermagem e demais profissionais de saúde. Recomendações educacionais para países de baixa e média renda (OMS, 2018) 8. Indicadores de Assistência de Qualidade em Cuidados Paliativos segundo a OMS Todos os profissionais que realizam esta abordagem devem: 1. Reconhecer a estrutura dentro do sistema de saúde e os processos de atendimento, proporcionando continuidade de cuidados. Além disso, devem saber proporcionar educação e treinamento para profissionais da saúde. 2. Dominar aspectos físicos da assistência. Ex.: reconhecer os principais sintomas; saber avaliar, mensurar e documentar os sintomas e necessidades físicas dos pacientes; e gerenciar a adesão ao tratamento proposto e os efeitos colaterais. Curso para profissionais que atuam na Atenção Primária a Saúde e Comunidade Nível básico mínimo de 20 a 40 horas Curso para profissionais que atuam em áreas especializadas (ex: oncologia, cardiologia, neurologia) Nível Intermediário mínimo 60 a 80 horas Equipe de especialistas em Cuidados Paliativos Nível avançado mínimo 3 a 6 meses com cargas horárias extensas. 3. Dominar aspectos emocionais. Ex.: saber avaliar, documentar e gerenciar ansiedade, depressão e outros sintomas psicológicos; e possuir habilidade para aconselhar e gerenciar problemas psicológicos, reações dos pacientes e familiares. 4. Dominar aspectos sociais. Ex.: realizar reuniões regulares com paciente e família; fornecer informações, discutir metas de atendimento e oferecer suporte ao paciente ou à família; e desenvolver e implementar planos abrangentes de atendimento social. 5. Dominar aspectos espirituais, religiosos e existenciais da assistência. Ex.: saber fornecer informações sobre a disponibilidade de serviços de assistência espiritual ao paciente ou à família. 6. Dominar aspectos culturais da assistência. Incorporar o aconselhamento cultural como o lócus da tomada de decisões, assim como as preferências do paciente ou da família em relação à divulgação de informações e verdades, linguagem e rituais. 7. Possuir habilidade e competência para realizar os cuidados com o paciente que está em fase final de vida. Ex.: reconhecer e documentar a transição para a fase ativa do morrer; apurar e documentar os desejos do paciente e da família sobre o local da morte; e implementar um plano de cuidados para a família durante o luto. 8. Dominar aspectos éticos e legais da assistência. Ex.: documentar as preferências do paciente, os objetivos do atendimento, opções de tratamento e ambiente de atendimento; fazer diretrizes antecipadas; e promover cuidados avançados e planejamento. 9. Identificando Pacientes que Podem se Beneficiar da Abordagem dos Cuidados Paliativos Para além da elegibilidade que a própria definição de CP orienta, podemos contar com o auxílio da ferramenta de identificação SPICT™ (Supportive and Palliative Care Indicators Tool), que já foi traduzida para o português. O instrumento baseia-se em indicadores clínicos para pacientes com condições avançadas e pode ser aplicado por todos os profissionais de saúde e assistentes sociais que exerçam atividade na comunidade, domicílios e ambientes hospitalares. Como funciona? 1. O enfermeiro deve investigar a história clínica, a cronologia da doença principal e os indicadores gerais de piora da saúde. 2. Na segunda etapa, deve reconhecer indicadores clínicos de acordo com algumas das principais condições crônicas. 3. Na terceira etapa, o profissional poderá revisar o cuidado, reformular o plano de cuidado (se necessário) e planejar um plano de cuidados futuros junto ao paciente e seus familiares. Figura 2: Reprodução da ferramenta SPCIT. Disponível no site oficial. Para saber mais: Site SPCIT SPICT™: ferramenta simples para integração do Cuidado Paliativo na saúde 10. Recomendações para Enfermeiros sobre a Abordagem Paliativista Todos os enfermeiros que cuidam de pacientes com doenças graves e progressivas devem estar aptos a realizar ao menos a abordagem geral em cuidados paliativos. As habilidades e as competências necessárias deverão ser aperfeiçoadas e adquiridas à medida que o profissional atue em campos de atuação que exijam um conhecimento teórico-prático de maior profundidade e que as instituições forneçam treinamento periódicos de acordo com a demanda. Dicas para Melhoria da Assistência Principais ações para controle de sintomas, prevenção de sofrimentos e plano de cuidados ● Anamnese geral: Deve conter a cronologia da doença principal, as comorbidades, a revisão das medicações em uso e a biografia do paciente com a profissão de fé, as principais crenças, principais atividades de lazer e bem-estar, rede social e principais familiares envolvidos no cuidado; ● Avaliação do sintoma e necessidades: O paciente deve ser questionado sobre os principais sintomas e necessidades. Outras informações importantes são o início e a duração deles, as crenças relacionadas e as situações de melhora e piora, além de saber se o paciente faz uso de alguma medicação para controle ou não; ● Plano de cuidados: Ao final da avaliação dos sintomas, o enfermeiro deve elaborar junto ao paciente e seus familiares um plano de cuidados que contenha ações interdisciplinares para os principais sintomas e necessidades, além de medidas que previnam sofrimentos ou outras necessidades; ● Reavaliação: Diante de novas necessidades, deve ser sempre realizada para avaliar a resposta ao tratamento proposto e gerenciar efeitos colaterais, em caso de situações agudas que exijam rápidas intervenções ou de acordo com a periodicidade proposta para cada condição; ● Instrumentos: Para facilitar a avaliação dos sintomas, o profissional poderá utilizar um instrumento denominado Escala de Avaliação de Sintomas (ESAS), desenvolvido em Edmonton-Canadá (figura 3) e muito utilizado na área de CP. Por meio dele, o paciente deverá descrever a intensidade dos sintomas com valores de 0 a 10, sendo zero a ausência dosintoma e dez a sua maior intensidade. O questionário pode ser aplicado diariamente e conta com um décimo sintoma que pode ser determinado pelo próprio paciente. ● Pacientes que não são capazes de se comunicar podem ser avaliados por meio da observação de alterações no comportamento e sinais físicos realizada por um profissional. Além, claro, de contar com auxílio de familiares e cuidadores para responder aos questionamentos e instrumentos de avaliação. Figura 3: Escala de avaliação de sintomas Edmonton. Adaptado de banco de imagens. Para saber mais: E-book Cuidados Paliativos Xerostomia em cuidados paliativos: intervenções da enfermagem Morfina: mitos e verdades para boa prática em Cuidados Paliativos Dispneia em pacientes com doenças avançadas: ações da enfermagem O enfermeiro e a gestão da dor: bases para a prática profissional Delirium no idoso: intervenções da enfermagem na prevenção e tratamento Deglutição prejudicada: avaliação e intervenções de Enfermagem Comunicação A comunicação adequada é uma habilidade que deve ser aperfeiçoada pelos profissionais de enfermagem, pois é um aspecto fundamental na abordagem do CP. É importante lembrar que o processo de se comunicar envolve diversos interlocutores (outros profissionais e equipes, os familiares, a rede social e o próprio paciente - nosso principal foco de cuidado) e pode ser realizada de diversas maneiras (escrita, verbal e não verbal). Para além de ser uma ferramenta de interação social, no contexto de uma abordagem centrada na pessoa, a comunicação assume um papel terapêutico e pode ser a essência de um plano de cuidados efetivo com aderência dos pacientes e seus familiares. Principais estratégias de comunicação* Verbais Não Verbais Sempre que necessário repetir as informações. Escuta reflexiva Validar o que foi falado Empregar toque afetivo (utilizar mãos, braços e ombros) Utilizar sinceridade quando falar. Utilizar sorrisos Oferecer tempo adequado e sinalizar este momento para comunicação. Ter habilidade de estar em silêncio Estabelecer opções e demonstrar diversos pontos de vista Disponibilizar presença. Oferecer feedback (retorno) ao que o outro manifesta. Manter proximidade física (ex.: sentar-se próximo) Utilizar linguagem adequada, evitar termos técnicos e questionar compreensão Atenção as expressões faciais negativas Verbalizar: disponibilidade e presença para o cuidado, o não abandono. Identificar emoções e sentimentos nas expressões faciais do outro. Evitar a conspiração de silêncio. Importante que se fale sobre a doença, progressão e assuntos de interesse do interlocutor. Manter contato visual A repetição das últimas palavras ditas ajuda a pessoa continuar o assunto Atentar para postura corporal, evitar corpo tensionado ou gestos excessivos que demonstrem ansiedade. Estimular verbalização de medos e angústias. Manter um tom de voz adequado. Elogiar as conquistas do outro. Estar atento ao que o seu comportamento provoca no outro Questionamentos devem ser abertos para que outro possa expressar seus sentimentos e que haja reconhecimento dos sentimentos identificados Ter um ambiente tranquilo em que todos se sintam à vontade para dialogar. Realizar um plano de cuidados com metas e plano de ação para atingi-las que envolva paciente, cuidadores e familiares. Atentar para a maneira como se apresenta (vestuário, asseio) Valorizar todas as informações coletadas durante o diálogo Evitar ambientes ruidosos. Fonte: Silva MJP, Araújo MMT. Comunicação em Cuidados Paliativos. Manual da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. São Paulo, 2012. Para saber mais: Gestão de qualidade: a comunicação e a segurança do paciente Bons processos de comunicação podem aumentar a confiança e a esperança de pais de crianças com câncer 5 erros comuns na comunicação com o paciente Características gerais da atuação psicológica na doença crônica Olhar Ampliado do Enfermeiro: Aspectos Culturais, Sociais, Espirituais e Valores. Para realizar uma abordagem multidimensional em cuidados paliativos e dominar aspectos não muito comuns à prática, a equipe de enfermagem deve estar receptiva a compreender para além daquilo que já é pragmático na área da saúde. De fato, na prática, comumente, o enfermeiro lida com os aspectos físicos e fala-se muito sobre os aspectos psicológicos/emocionais dos pacientes e familiares. No entanto, por isso, o olhar do cuidado fica, muitas vezes, limitado naquilo que conseguimos ver ou escutar. Olhar para os aspectos multidimensionais e entender que um sintoma, sofrimento ou necessidade é muito mais do que aquilo que é observado ou expressado é de extrema importância. É preciso que os profissionais compreendam que o paciente é o agente de sua história de vida e que ele está inserido em um contexto social, cultural e espiritual. Estes aspectos interferem diretamente na forma como ele experiencia o adoecimento e a proximidade de sua finitude. Principais Reflexões e Ações Deve-se compreender que o conceito de espiritualidade transcende o de religiosidade. O primeiro aborda questões existenciais e transcendentes de maneira equivalente; Espiritualidade pode ser definida como um “aspecto da humanidade que se refere à maneira como as pessoas procuram e expressam significado e sentido. Além disso, também é o modo como experimentam a conexão com o momento, a si mesmos, a natureza e aquilo que é significativo e sagrado” (ANCP; 2012); A cultura e/ou as crenças fazem parte de como o paciente experiencia o adoecer e o processo de proximidade de sua finitude. Portanto, quando se elabora um plano de cuidados, devem ser levadas em consideração as crenças pessoais do paciente e de seus familiares; Compreender os aspectos sociais, o papel que o paciente representa para sua família e o contexto social em que está inserido é importante para que os objetivos dos cuidados sejam alcançados; Um paciente em sofrimento social ou em situação de vulnerabilidade está exposto a múltiplas situações, para além do adoecimento, que devem ser levadas em consideração quando se elabora um plano de cuidados; Trabalhar em rede e contar com o apoio de outros setores sociais (intersetorialidade) que não sejam da área da saúde (ex.: igrejas, terreiros, líderes comunitários e organizações não governamentais) pode ser uma alternativa para implementação do melhor cuidado; Toda equipe de enfermagem deve estar treinada para respeitar os rituais e crenças relacionadas à fase final de vida e à morte do paciente; Adaptar a linguagem usada na comunicação às características culturais e de compreensão dos pacientes, familiares e cuidadores; Respeitar valores, escolhas e tabus culturais do doente e seus familiares para a fase final de vida; Encorajar o paciente a buscar apoio do líder religioso ou espiritual de sua profissão de fé; Ter competência para saber reconhecer a necessidade de assistência espiritual; Saber orientar o paciente, seus familiares e cuidadores quanto ao acesso aos recursos sociais disponíveis (ex.: medicações de alto custo e direitos da seguridade social); Auxiliar o paciente em CP e a família dele na reintegração social e domiciliar, após os períodos de internação hospitalar; Acima de tudo, para acessar um cuidado mais amplo, reconheça o trabalho em equipe e acione sempre o auxílio de outros profissionais, como: capelães, assistente sociais, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas, psicólogos, entre outros. Para saber mais: Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre espiritualidade Cuidados paliativos e atenção primária à saúde: proposição de um rol de ações de enfermagem Veja quatro motivos para abordar a espiritualidade no consultório O sofrimento humano e sua natureza holística Procedimentos em Cuidados Paliativos A demanda por conhecimento e habilidades práticas aos profissionais de enfermagem que realizam a abordagem dos CP pode aumentar de acordo com o grau de complexidade da condição de saúde do paciente ou com a progressão para fase final de vida dele. Recomenda-se que equipes de enfermagem recebam treinamentos periódicos para que aperfeiçoem suas habilidades e aprendam novas técnicas. Além disso, é importante que instituições possuam protocolos assistenciais específicos para procedimentos comumente realizados em cuidados paliativos. Principais Procedimentos Terapia Via Subcutânea e Hipodermóclise Administração e acompanhamento de sedação para sintomas e sofrimentos refratários Avaliação e manejo da dor e outros sintomas Atendimento ambulatorial Orientações para transição dentro da rede de atenção a saúde Curativos simples e complexos (ex: úlcera terminal de Kennedy, feridas oncológicas). Procedimentos em Emergências (ex.: hemorragias maciças). Cuidados com estomias e bolsas coletoras Troca e cuidados com dispositivos gerais (ex.: cateteres, gastrostomias…) Assistência na fase final de vida Cuidados com corpo pós morte Para saber mais: Úlcera Terminal de Kennedy: principais intervenções de enfermagem Hipodermóclise: quando o acesso subcutâneo é válido? O uso da via subcutânea em geriatria e cuidados paliativos Manual de hipodermóclise em pediatria 2019 Para saber mais: WHO definition of palliative care Palliative care as a human right: a fact sheet 11. Considerações Finais Os desafios para que a enfermagem contribua de forma significativa para integrar a abordagem dos cuidados paliativos em todos os níveis de atenção à saúde são inúmeros. No entanto, uma vez estabelecida a importância da enfermagem para a transformação da saúde e reconhecido o seu potencial para integrar os cuidados paliativos na forma de abordar os pacientes, certamente, teremos uma transformação profunda nos paradigmas do cuidado diante de pacientes que possuam doenças graves ameaçadoras de vida e seus familiares. 12. Autoria: Paula Barrioso: Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde com tema “Cuidados Paliativos na Atenção Primária à Saúde” da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Especialista em Oncologia pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Experiência com Assistência e Educação em Cuidados Paliativos. Conteudista do Nursebook. 13. Contribuições: Enfermeira Fabiana Chino: Enfermeira do Comitê de Enfermagem da Academia Nacional de Cuidados Paliativos- ANCP; Dra. Carolina Neiva: Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense. Medicina Paliativa pelo IAMSPE-SP e Pós-graduação em Cuidados Paliativos pelo Instituto Paliar. 14. Referências Bibliográficas: 1. Primary Palliative Care Researcher Group. Toolkit for the Development of Palliative Care in Primary Care. EAPC. [Internet]; 2019; [citado em dezembro de 2019]. 2. World Health Organization. Planning and implementing palliative care services: a guide for programme managers. [Internet]; 2016; [citado em dezembro de 2019]. 3. World Health Organization. Definition of Palliative Care. [Internet] s/data. [citado em dezembro de 2019]. 4. World Health Organization. Integrating palliative care and symptom relief into primary health care: a WHO guide for planners, implementers and managers. [Internet]; 2018; [citado em dezembro de 2019] 5. Pallium Canada. Toward Implementing a Palliative Care Approach throughout Healthcare in Ontario: Palliative Care Health Services Delivery Framework & Ontario Palliative Care Competency Framework. [Internet]; 2019; [citado em dezembro de 2019]. 6. Barrioso, PDC. Cuidados Paliativos e Atenção Primária a Saúde: proposição de um rol de ações de enfermagem. (dissertação). EEUSP. [Internet]; 2017; [citado em dezembro de 2019]. 7. Almeida KLS, Garcia DM. O uso de estratégias de comunicação em Cuidados Paliativos no Brasil: Revisão Integrativa. Cogitare Enferm. [Internet]; 2015; [citado em dezembro de 2019]: 20(4): 725-732 8. Araújo MMT, Silva MJP. A comunicação com o paciente em cuidados paliativos: valorizando a alegria e o otimismo. Rev. esc. enferm. USP [Internet]. 2007; [citado em dezembro de 2019]. 9. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. [Internet]; 2012; [citado em dezembro de 2019]. 10. Spineli, VMCD. Conhecimento e autoeficácia em cuidados paliativos de enfermeiros da atenção primária à saúde. (tese). EEUSP.[Internet]; 2019; [citado em dezembro de 2019]. 11. Corrêa SR, Mazuko C, Mitchell G, Pastrana T, De Lima L, Murray SA. Identifying patients for palliative care in primary care in Brazil: Project Estar ao Seu Lado ́s experience. Rev Bras Med Fam Comunidade. [Internet]; 2017; [citado em dezembro de 2019]: 12(39):1-8 12. SPICT-BR. Supportive and Palliative Care Indicators Tool (site). The Edinburgh University. [Internet]; 2016; [citado em dezembro de 2019].
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