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Autoras: Profa. Silmara Cristina Ramos Quintana Profa. Carla da Silva Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudella Profa. Maria Francisca S. Vignoli Profa. Daniela Emilena Santiago Dias de Oliveira Projetos de Pesquisa em Serviço Social Professoras conteudistas: Silmara Cristina Ramos Quintana / Carla da Silva Silmara Cristina Ramos Quintana Graduada em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social de Araraquara (1983); especialista em Psiquiatria e Psicologia de Adolescentes pela Faculdade de Ciência Médicas/Unicamp (1990), Psicodrama Pedagógico/Animus (1996) e Orientação Educacional e Vocacional/CBA (1994); Mestre em Medidas Socioeducativas pela Uniban (2010). Atualmente é coordenadora e professora do curso de Serviço Social (UNIP – Campinas), professora do curso de pós-graduação (lato sensu) em Gestão Social de Políticas Socais (UNIP Interativa – 2010-atual) e professora conteudista convidada pelo Grupo Unisepe. Também é consultora, assessora e supervisora na área de políticas públicas (planejamento, execução e avaliação). Tem experiência na área da docência e coordenação de curso de graduação e de pós-graduação em Serviço Social e Gestão Pública, nas modalidades presencial e EaD e experiência como assistente social, atuando principalmente nos seguintes temas: criança e adolescente, pessoa com deficiência, família, proteção social básica e especial, políticas publicas, sistema de garantia de direitos e justiça restaurativa. É pesquisadora na área da justiça restaurativa. Carla da Silva Graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) em 2005. É pesquisadora e membro do grupo de estudos da ONG SOS Ação Mulher e Família e bolsista do CNPQ, doutoranda em Serviço Social com ênfase em Políticas Sociais e Movimento Social, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Serviço Social (2011) e especialista em Serviço Social, Saúde e Violência Urbana pelo Programa de Aprimoramento Profissional da FCM da Unicamp (2007). Tem experiência como assistente social, proteção básica, no Centro de Convivência Inclusivo e Intergeracional (Casa dos Sonhos), em parceria com o Hospital Dr. Cândido Ferreira (saúde mental); proteção especial de média e alta complexidade (atendimento a mulheres, crianças e adolescentes em situação de violência). Também tem experiência na docência desde 2011, tendo ministrado disciplinas de graduação, curso de Serviço Social, e de pós-graduação, das instituições Unisepe-Unifia (Centro Universitário Amparense), 2011-2014; Faculdade de Serviço Social do Instituto Superior de Ciências Aplicadas (Isca-Limeira), 2011-2013; e UNIP (Campinas/Swift), 2013-2016. Atualmente é docente da Faculdade de Serviço Social PUC-Campinas, lecionando as disciplinas com ênfase em Gênero, Política Social e Pública, Supervisora Acadêmica; e estágio em Direitos Humanos. Consultora de equipes de trabalho da Política de Assistência Social. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Q7p Quintana, Silmara Cristina Ramos. Projetos de Pesquisa em Serviço Social / Silmara Cristina Ramos Quintana, Carla da Silva. - São Paulo: Editora Sol, 2020. 204 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Projetos de pesquisa. 2. Pré-projeto. 3. Procedimentos. I. Silva, Carla da. II. Título. CDU 001.8 U505.83 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Juliana Maria Mendes Luanne Batista Jacinara Albuquerque Sumário Projetos de Pesquisa em Serviço Social APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 CONSTRUÇÃO DO PRÉ-PROJETO DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL ....................................... 11 1.1 Por que pesquisamos? ........................................................................................................................ 11 1.2 Levantamento dos temas e da literatura que circunscreve o assunto da pesquisa ..................................................................................................................................................... 22 1.3 Levantamento dos temas de interesse dos alunos ................................................................. 30 1.3.1 Crianças ...................................................................................................................................................... 31 1.3.2 Adolescentes ............................................................................................................................................. 31 1.3.3 Políticas públicas de educação .......................................................................................................... 34 1.3.4 Políticas públicas de habitação ......................................................................................................... 36 1.3.5 Temas estruturantes .............................................................................................................................. 37 1.3.6 Sistema de garantia de direitos ........................................................................................................ 40 1.3.7 Levantamento de literatura que circunscreve o assunto de cada pesquisa ................... 44 1.3.8 Escolha do tema ...................................................................................................................................... 47 2 ELABORAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO ............................................................................................... 47 2.1 Estrutura .................................................................................................................................................. 48 2.1.1 Identificação ............................................................................................................................................. 48 2.1.2 Localização e compilação .................................................................................................................... 49 2.1.3 Fichamento ................................................................................................................................................ 49 2.1.4 Análise e interpretação ......................................................................................................................... 50 2.1.5 Redação ...................................................................................................................................................... 50 3 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E DO OBJETO DA PESQUISA ........................................................... 52 3.1 Delimitaçãodo problema da pesquisa ........................................................................................ 52 3.2 Delimitação do objeto de pesquisa ............................................................................................... 55 4 RELEVÂNCIA DA PESQUISA: SOCIAL, TÉCNICA E CIENTÍFICA ........................................................ 56 4.1 Definição dos objetivos da pesquisa ............................................................................................ 59 4.2 O marco teórico conceitual da pesquisa .................................................................................... 60 4.3 Formulação de hipóteses .................................................................................................................. 64 Unidade II 5 A METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................................................................ 73 5.1 Delimitação da metodologia da pesquisa .................................................................................. 73 5.2 O campo da pesquisa e o trabalho de campo .......................................................................... 79 5.3 Abordagem da pesquisa .................................................................................................................... 80 5.3.1 Pesquisa quantitativa ............................................................................................................................ 80 5.3.2 Pesquisa qualitativa ............................................................................................................................... 83 5.3.3 Comparações entre as abordagens: quantitativa e qualitativa ........................................... 87 5.4 Tipos de pesquisa .................................................................................................................................. 89 5.4.1 Pesquisa com objetivo exploratório ................................................................................................ 89 5.4.2 Pesquisa com objetivo descritivo ..................................................................................................... 90 5.4.3 Pesquisa com objetivo explicativo ................................................................................................... 91 5.5 Procedimentos para a pesquisa ...................................................................................................... 91 5.5.1 Pesquisa com procedimento bibliográfico ................................................................................... 92 5.5.2 Pesquisa com procedimento documental .................................................................................... 94 5.5.3 Pesquisa de laboratório ........................................................................................................................ 95 5.5.4 Pesquisa de levantamento .................................................................................................................. 95 5.5.5 Pesquisa de campo ................................................................................................................................. 98 5.5.6 Estudo de caso ......................................................................................................................................... 98 5.5.7 Pesquisa-ação........................................................................................................................................... 99 5.5.8 História de vida ......................................................................................................................................101 5.6 Coleta de dados ..................................................................................................................................104 5.6.1 Instrumentos de coleta de dados ...................................................................................................107 5.7 Análise e interpretação dos dados ..............................................................................................122 5.7.1 Categorias de análise ......................................................................................................................... 123 5.7.2 Preparação dos dados ........................................................................................................................ 125 5.7.3 Análise ...................................................................................................................................................... 125 5.7.4 Considerações finais ou conclusões ............................................................................................. 127 6 QUALIFICAÇÃO DO PRÉ-PROJETO DE PESQUISA ..............................................................................128 6.7.1 Revisão do pré-projeto de pesquisa ............................................................................................. 128 6.1 Entrega do projeto de pesquisa ....................................................................................................130 6.2 Entrega do relatório de pesquisa .................................................................................................133 Unidade III 7 INICIANDO A ELABORAÇÃO DO PROJETO ...........................................................................................141 7.1 Observação ............................................................................................................................................141 7.2 Tema ........................................................................................................................................................145 7.3 Problema ................................................................................................................................................147 7.4 Hipótese .................................................................................................................................................149 7.5 Objetivo ..................................................................................................................................................151 7.6 Metodologia .........................................................................................................................................153 7.6.1 Quanto ao método racional de abordagem .............................................................................. 154 7.6.2 Quanto ao objetivo ............................................................................................................................. 155 7.6.3 Quanto aos procedimentos ............................................................................................................. 156 7.6.4 Quanto à técnica de pesquisa ........................................................................................................ 157 7.6.5 Quanto ao objeto ................................................................................................................................. 158 7.6.6 Quanto ao tipo de amostragem..................................................................................................... 159 7.6.7 Quanto à abordagem do problema .............................................................................................. 160 7.6.8 Instrumentos ..........................................................................................................................................161 7.7 Comitê de Ética ...................................................................................................................................164 7.8 Revisão bibliográfica .........................................................................................................................165 7.9 Ética e plágio ........................................................................................................................................168 7.10 Cronograma.......................................................................................................................................169 7.11 Projeto ...................................................................................................................................................170 7.12 Resumo ................................................................................................................................................171 8 MODELO DE PROJETO ..................................................................................................................................173 9 APRESENTAÇÃO Convidamos você a trilhar, através deste livro-texto, os percursos dos processos investigativos, como dimensão constitutiva do trabalho do assistente social – subsídio para a produção do conhecimento sobre processos sociais – e como fortalecimento do objeto da ação profissional. Para tanto, abordaremos a pesquisa como espaço para o exercício da práxis profissional, contando com a articulação entre o conhecimento teórico-metodológico e o técnico-operativo na compreensão da realidade social, com vistas à produção do conhecimento científico. Vamos pensar juntos na concepção, elaboração e realização de seu projeto de pesquisa, lembrando sempre que esse poderá ser o primeiro de muitos projetos de pesquisa na sua trajetória profissional. Assim, por agora, teremos como objetivos: problematizar a investigação como dimensão constitutiva do trabalho do assistente social, como subsídio para a produção do conhecimento sobre processos sociais e como reconstrução do objeto da ação profissional; fortalecer em você, aluno, uma atitude investigativa diante da realidade social; compreender e discutir a natureza, o método e o processo de construção de conhecimento, bem como o debate teórico-metodológico na área. Esses objetivos serão alcançados a partir de uma discussão aprofundada sobre o olhar estabelecido pelo aluno para com a realidade social, por meio de experimentação, com a Teoria da Pesquisa Social, que se fortalece e instrumentaliza por meio da inclusão no estágio, espaço privilegiado de investigação e elaboração do conhecimento teórico, que é agregado à vivência técnico-operativa. Nesse espaço, a experiência gera a análise e o confronto das teorias, estimulando a investigação, donde nasce um novo saber-fazer teórico e prático. Maria Liduína Silva (2011) afirma que o pesquisador tem possibilidade de interpretar e transformar a realidade, estabelecendo-se assim o método dialético. Na lógica de se estimular a concretização da pesquisa social, em que se estabeleça a práxis profissional do Serviço Social, partiremos para o desenho do modelo de projeto de pesquisa, organizando o pensamento e delineando os caminhos a serem traçados. Para tal, cumpriremos os seguintes objetivos específicos: escolher e delimitar o objeto de estudo, contando com a orientação e o acompanhamento do professor; elaborar o pré-projeto de pesquisa e apresentá-lo a uma banca examinadora, com vistas a qualificá-lo para desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Se de um lado estão os métodos que nos indicam os caminhos da práxis profissional, de outro, simultaneamente, existe a necessidade de saber registrar os achados de pesquisa. Para ter um ordenamento, deveremos planejar um caminho para a pesquisa e seu registro, nascendo assim o projeto de pesquisa. INTRODUÇÃO Ao longo do curso você, aluno, teve de estabelecer critérios de tempo, disponibilidade emocional e aprendizado para sua formação profissional. Não tem sido fácil, com certeza. Afinal, temos de fazer escolhas e, com isso, deixamos para outro momento atividades que nos são importantes e prazerosas. 10 Agora temos um novo desafio para você. Não basta desejar, “arrumar um tempinho”. Será necessário muito mais: chegou o tempo de intensificar essa dedicação, a fim de ter uma produção científica. Aqui, teremos o objetivo de desconstruir o medo de escrever e buscar sua criatividade de expressar tudo aquilo que vem vivenciando durante as aulas, as leituras, os estudos e o estágio. Outro desafio importante é saber que o projeto de pesquisa poderá ser elaborado com outras pessoas; para que isso se traduza em avanço e crescimento, você precisará identificar características convergentes e divergentes para os participantes se complementarem, pois vão trabalhar durante dois anos: juntos, iniciarão o projeto, realizarão a pesquisa e elaborarão o relatório da pesquisa – TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Perceba que estamos falando de um tempo longo e que precisa ser planejado de forma que alinhe todas as demandas (pessoais, familiares, profissionais e de estudo e pesquisa). Precisamos estar bem próximos, a fim de que, à medida que formularmos o conhecimento teórico sobre projetos, identifiquemos os caminhos a serem trilhados. Expostas essas nossas demandas relacionais, vamos abordar alguns conceitos importantes para a nossa tarefa. A pesquisa social tem um cunho científico, portanto gera conhecimento, ou seja, seu trabalho não pode ser considerado algo isolado: pelo contrário, deverá ter a função de construir conhecimento. Nessa lógica vamos apresentar o referencial teórico sobre elaboração do projeto de pesquisa a partir de três unidades correlacionadas, de forma que, ao finalizar esses estudos, consiga ter elaborado seu projeto de pesquisa que culminará no seu TCC. Inicialmente, versaremos sobre a principiologia da pesquisa considerando sua cientificidade e importância para o serviço social, focando em duas vertentes a pesquisa: para o campo profissional e para o campo do referencial teórico. Discutiremos a delimitação do tema, do problema e as hipóteses do projeto de pesquisa. Em seguida discorremos sobre a metodologia da pesquisa, etapa a etapa, conceituado cada uma. Passaremos pelos procedimentos de pesquisa e prosseguiremos pela coleta e análise de dados, considerando os métodos de pesquisa, sempre com ênfase no método dialético. E então discorremos sobre a apresentação do projeto de pesquisa, sua qualificação e o relatório final. Por fim apresentamos um modelo de projeto de pesquisa com todas as fases para que o aluno exercite seu aprendizado. Simultaneamente aos estudos empreendidos essa disciplina solicitará a elaboração de um projeto de pesquisa que receberá orientação de um professor, através da plataforma blakboard - AVA. 11 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Unidade I 1 CONSTRUÇÃO DO PRÉ-PROJETO DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL 1.1 Por que pesquisamos? Para reconhecer a importância da pesquisa, nos valemos de alguns estudiosos sobre o assunto, que fundamentam a relevância do conhecimento científico, e que sustentam toda a intervenção cotidiana, em diversas áreas do saber, sendo que aqui delimitamos as ciências sociais, posto que o serviço social recorre a essa ciência. Numa trajetória do desenvolvimento do conhecimento científico, na área das ciências sociais que compreende o estudo das relações humanas em sociedade, é onde o indivíduo se relaciona e atua coletivamente quando em vivência e convivência na sociedade. Assim na antropologia temos a preocupação do Homo sapiens com o conhecimento da realidade (MINAYO 2008 apud VOGEL, 2011). Em que a autora destaca que as tribos primitivas explicavam a vida e a morte e suas relações individuais e sociais como “mitos”. Historicamente, tivemos as religiões como impulsionadoras da chamada moral para deliberar sobre as relações individuais, sociais e espirituais, impetrando poder à ordem de seus superiores, em nome do extranatural. Simultaneamente, a filosofia teve a responsabilidade de explicar a existência individual e a coletiva, creditando a si todo o saber, conforme o olhar do filósofo/estudioso. Também o artista, por meio da sua arte, seja ela escrita, plástica, musical ou interpretativa, teve o papel de registrar o consciente e o subconsciente das relações humanas/individuais e sociais/coletivas. Contudo,é a ciência “não exclusiva, não conclusiva, não definitiva” (MYNAIO, 2011, p. 9) que coloca à prova o conhecimento passado, o presente e o futuro, com sua função investigativa, que delimita o problema, estabelece o foco de atenção, registra suas múltiplas relações e reações com seu entorno direto e indireto, contudo não o limita; pelo contrário, insere-o, sempre que pertinente, em novas reações, a partir de novas variáveis. Vogel (2011) lembra que a ciência é permeada por conflitos e contradições, sendo um dos embates o existente entre ciências sociais e ciências naturais. Minayo (2008 apud VOGEL, 2011) aponta que, para alguns autores, existe uma uniformidade: eles indicam que o natural deve se equiparar ao social, pois somente assim poderá receber o título de ciência. Outros estudiosos, no entanto, defendem que as diferenças, singularidades e peculiaridades dessas áreas devem prevalecer. 12 Unidade I O campo científico possui ao mesmo tempo dois polos: um de unidade, pois pode existir a semelhança em todas as atividades que partem da ideia do conhecimento construído por meio de conceitos; e outro de diversidade, pois o campo da ciência não pode ser reduzido a uma única forma de conhecer, mas ela contém maneiras diversas de realização (BRUYNE apud MINAYO, 2011, p. 10). Vogel (2011) prossegue, afirmando que, diante de inúmeros questionamentos sobre a configuração das ciências sociais na lógica de conhecimento científico, Minayo propõe a ponderação sobre os seguintes dilemas: “seguir os caminhos das ciências estabelecidas e empobrecer seu próprio objeto? Ou encontrar seu núcleo mais profundo, abandonando a ideia de cientificidade?” (MINAYO, 2008 apud VOGEL, 2011, p. 11). Minayo (2008 apud VOGEL, 2011, p. 11) ainda lembra também que para discutir as ciências sociais em sua singularidade, essa autora utiliza cinco critérios (listados a seguir), que as diferenciam, mas que não as desvinculam dos princípios da cientificidade: O primeiro é que o objeto das ciências sociais é histórico, ou seja, cada sociedade humana se constrói de maneira diferente, porém aquelas que vivenciam o mesmo período histórico têm traços em comum devido à influência das comunicações, e as sociedades presentes são marcadas pelo seu passado e constroem o seu futuro. O segundo é que o objeto das ciências sociais possui consciência histórica [...], não é apenas o investigador que tem capacidade de dar sentido ao seu trabalho intelectual, mas todos os seres humanos dão sentidos às suas ações, explicitam suas intenções [...], planejam o seu futuro, portanto o nível de consciência histórica das ciências sociais se refere ao nível de consciência histórica da sociedade de seu tempo. O terceiro critério é que nas ciências sociais existe uma identidade entre sujeito e objeto, pois lida com seres humanos, que por seus traços como classe, faixa etária etc., se aproximam do investigador. O quarto critério é que as ciências sociais são intrínseca e extrinsecamente ideológicas, pois não existe ciência neutra [mas] apresenta[m] uma visão de mundo [que] implica [...] todo o processo de conhecimento, desde a escolha do objeto, a aplicação e o resultado, e isso ocorre também nas ciências naturais, de forma diferente, mas que aparece quando se escolhem ou descartam temas, métodos e técnicas. O último critério é que o objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo, pois elas possuem instrumentos e teorias que permitem a aproximação da existência dos seres humanos em sociedade, abordando o conjunto das expressões humanas nas estruturas, processos, representações, símbolos e significados. 13 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Ao considerarmos os critérios de identificação do objeto das ciências sociais pelas lentes da autora, passamos a considerar que a vivência do indivíduo se reflete junto aos demais, em que um sujeito se conecta ao outro em suas múltiplas experiências de inserção ou de exclusão na sociedade, tendo como causa o conjunto sócio-histórico, econômico e político que sustenta as relações de potência e impotência, que estabelecem a hierarquia de poder ou submissão nas relações coletivas. Sendo essa leitura de mundo e de relações interpessoais e sociais que estabelecem com qual lente conceitua-se a metodologia da pesquisa, que para a visão do serviço social Minayo (2008 apud VOGEL, 2011, p. 14-15) tem a melhor aproximação: Afirmando que [...] a metodologia inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade), [...] metodologia é muito mais que técnicas, mas é a própria articulação entre a teoria e a realidade dos pensamentos sobre a realidade [...]. Minayo (2008, p. 15) prossegue afirmando que, com base em Lenin, para quem “o método é a alma da teoria”, nada substitui a criatividade do pesquisador, e que tanto segundo Feyerabend quanto Kuhn, o progresso da ciência ocorre de forma mais veemente quando as regras são violadas, e não quando são seguidas. Dilthey (apud MINAYO, 2008) complementa que apesar de precisarmos de determinados parâmetros para produzirmos conhecimento, assim sendo a criatividade passa a ser considerada fundamental. A pesquisa é uma atividade basilar da ciência, que investiga para construir a realidade. Mesmo sendo uma prática teórica, ela vincula o pensamento à ação, donde se tem que qualquer pesquisa deve ser iniciada com uma pergunta ou uma dúvida, que para ser respondida, demanda articulação dos conhecimentos anteriores ou a criação de novos conhecimentos. Para entendermos melhor, apresentamos a seguir várias definições de pesquisa, dadas por diversos pesquisadores e compiladas por Silva e Menezes (2001 apud, p. 19): Minayo (1993, p. 23), vendo por um prisma mais filosófico, considera a pesquisa como: “atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados”. Demo (1996, p. 34) insere a pesquisa como atividade cotidiana considerando-a como uma atitude, um “questionamento sistemático crítico e criativo, mais a intervenção competente na realidade, ou o diálogo crítico permanente com a realidade em sentido teórico e prático”. 14 Unidade I Para Gil (1999, p. 42), a pesquisa tem um caráter pragmático, é um “processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos”. Assim estabelecemos que a pesquisa na área social tem intrinsecamente como objeto a realidade sócio-histórica e a forma como essa reverbera nas relações pessoais e coletivas, portanto Minayo (2008, p. 17 apud VOGEL, 2011) reflete sobre a necessidade da teoria, que é: [...] construída para explicar ou para compreender um fenômeno, um processo ou um conjunto de fenômenos e processos”, e que tem como funções esclarecer melhor o objeto de pesquisa, fornece[r] elementos para questionamentos e o estabelecimento de hipóteses, colabora[r] na organização dos dados com mais nitidez e guiar a análise [destes]. E para complementar essa linha de conceituação sobre a importância da teoria, Vogel (2011) aponta ainda que: A teoria pode ser o conhecimento de um determinado assunto construído cientificamente por outros pesquisadores e que esses subsidiam novas pesquisas, como, por exemplo, as grandes teorias (macroteorias) que são [propostas] por autores de referência, sendo [...] as quatro principais [...] o positivismo, o marxismo, a teoria da ação, e o compreensivismo, mas há [outras] teorias menores, que se baseiam em alguma grande teoria e especificam a explicação e a interpretação de um fenômeno(VOGEL, 2011, p. 12). Percebe-se com esses autores que não criamos uma nova teoria ao pesquisarmos, mas que a partir de sustentação teórica anterior, e com avanços científicos, implementam-se informações a partir de novas investigações. Contudo é mister considerar que se faz necessário ter um ponto de partida que sustenta o posicionamento ético-político e ideológico, que é a linha teórica que subsidia a leitura, a compreensão e a análise do fenômeno perquirido, ou seja a linha teórica macroestrutural e as microestruturais. Entretanto devemos considerar que surgem problemas que as teorias existentes não abrangem, ou não são suficientes para esclarecer, posto que a realidade está em movimento. Portanto faz-se necessária a pesquisa exploratória, na qual é proposta uma nova interpretação. Nenhuma teoria, por mais bem- formulada que seja, tem o potencial de explicar todos os fenômenos e processos (VOGEL, 2011), posto que o tempo é contínuo. Nesse sentido, a teoria se baseia em um conjunto de proposições, que são as hipóteses cujo referencial teórico cientifico vem comprovando. Quando elencadas, devem ser claras, possibilitando o fácil entendimento e trazendo, em sua apresentação, as relações abstratas, para que estas norteiem as questões inseridas no cotidiano. 15 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL A partir da teoria, especialmente aquela que sustenta o referencial da delimitação do tema escolhido pelo pesquisador, e que subsidiará o(s) conceito(s) que norteará(ão) a pesquisa, que segundo Vogel tem uma abrangência sobre conceitos, aqui referidos: São os temas mais significativos num discurso científico, são eles que focalizam e delimitam o tema de estudo e são carregados de sentido, já que uma mesma palavra pode ter conceitos diferentes em teorias distintas. Minayo (2008) aponta quatro características do conceito que devem estar claras para o pesquisador: o conceito tem que ser valorativo (explicitação da corrente teórica onde os conceitos foram concebidos), pragmático (descrição e interpretação da realidade) e comunicativo (nítidos, inteligíveis, abrangente e específico ao mesmo tempo). Os três tipos de conceitos são os teóricos (compõem o discurso da pesquisa), de observação direta (definem os termos para serem trabalhados em campo ou nas análises documentais), e de observação indireta (relacionam o contexto da pesquisa com os conceitos da observação direta). A autora afirma que tanto as teorias como os conceitos são fundamentais para qualquer pesquisa, porém eles não podem ser camisas de força (VOGEL, 2011, p. 13). Nesse sentido, a delimitação do tema deve estar sustentada por uma teórica estrutural, por teóricas subjacentes e específicas, e essas demarcam os conceitos estruturantes sobre o olhar do pesquisador. Esse olhar é a explicitação de seu posicionamento ético e político frente ao recorte da realidade pesquisada. Portanto, para iniciar uma pesquisa, é necessário reconhecer as correntes de pensamento existentes e como elas dialogam com as hipóteses, e a partir dessa identificação estabelecer critérios para suas escolhas. Para alguns autores, como Minayo (2007), Demo (1996 apud SILVA; MENEZES, 2001), Severino (2007) e Gil (1997, 2002, 2008), é necessário reconhecer os métodos de pesquisa para poder identificar qual o mais apropriado à realidade que se apresenta, ou mesmo considerar o diálogo entre eles, para então iniciar o percurso da elaboração do conhecimento. Esse conhecimento pode ser adquirido de diversas formas, e para a pesquisa de cunho científico se estabelece a partir de parâmetros de como se busca a informação contida nos referenciais teóricos, na coleta de dados no campo onde se encontra o fenômeno em eminência e no processo de análise dos dados investigados. A forma como se vê, sente, lê, escreve e explica o fenômeno é identificada como o método da pesquisa, e é lançada a partir de uma conceituação de alguns autores que apresentamos, por exemplo: “é um esforço para atingir um fim, investigação, estudo, caminho pelo qual se chega a um determinado resultado” (LALANDE, 1999, p. 678); e outro: “método significa uma investigação que segue um modo ou uma maneira planejada e determinada para conhecer alguma coisa; procedimento racional para o conhecimento seguindo um percurso fixado” (CHAUÍ apud SILVA, 2011, p. 5). Também se entende método de pesquisa como: Caminho pelo qual se atinge um objetivo; estrada, simultaneamente, rumo, discernimento da direção; panorama que regula várias operações, técnicas; via de acesso, onde se constrói o conhecimento científico; como fazer 16 Unidade I (modo de fazer); melhor maneira para compreender o objeto, objetivos; uma abordagem teórico-metodológica escolhida pelo pesquisador (conceitual e operacional); escolha de instrumentos, técnicas de coletas e análise; é um jogo de quebra cabeça (criação/encantamento/revelação) (SILVA, 2011, p. 5). Assim, verificamos que, para se pensar em construção de conhecimento, precisamos identificar um caminho a percorrer, em que se estabeleça um ponto de partida, um como sair, como caminhar e como retornar. Com isso, sabemos da necessidade de ter um método para se investigar as múltiplas expressões da questão social, objeto do Serviço Social, por exemplo, a violência, a pobreza, a fome, a miséria etc. Mas, como fazer esse caminho? Veja, precisamos reconhecer que a investigação científica depende de um “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos” para que seus objetivos sejam atingidos: são os métodos científicos, “conjunto de processos ou operações mentais que se devem empregar na investigação. É a linha de raciocínio adotada no processo de pesquisa” (GIL, 1999, p. 26 apud SILVA; MENEZES, 2001). Os métodos que fornecem as bases lógicas da investigação são: dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico. Para facilitar o entendimento, vamos descrevê-los seguir: Quadro 1 – Métodos de investigação Método Propositores Compreensão Dedutivo Racionalistas: Descartes, Spinoza e Leibniz Só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio dedutivo tem o objetivo de explicar o conteúdo das premissas. Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chega a uma conclusão. Usa o silogismo, construção lógica para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira logicamente derivada das duas primeiras, a que se denomina conclusão. Indutivo Empiristas Bacon, Hobbes, Locke e Hume Considera que o conhecimento é fundamentado na experiência, não levando em conta princípios preestabelecidos. No raciocínio indutivo, a generalização deriva de observações de casos da realidade concreta. As constatações particulares levam à elaboração de generalizações. Hipotético- dedutivo Popper Quando os conhecimentos disponíveis sobre determinado assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar as dificuldades expressas no problema, são formuladas conjeturas ou hipóteses. Dialético Hegel, Marx As contradições se transcendem, dando origem a novas contradições que passam a requerer solução. É um método de interpretação dinâmica e totalizante da realidade. Considera que os fatos não podem ser levados em conta fora de um contexto social, político, econômico etc. Fenomenológico Husserl Não é dedutivo nem indutivo. Preocupa-se com a descrição direta da experiência tal como é. A realidade é construída socialmente e entendida como o compreendido, o interpretado, o comunicado. Portanto não é única: existirão tantas realidades quantas forem as suas interpretações e comunicações. O sujeito/ator é reconhecidamente importante no processo de construção do conhecimento. Compreensivista Max Weber A análise deveria se dar por meio da compreensão do sentido existente na ação social dos indivíduos movida por valores, e não por determinantes econômicos ou pela força da sociedade sobre o indivíduo. Adaptado de: Gil(1999, p. 26 apud SILVA; MENEZES, 2001). 17 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Observação Existem outros métodos, entretanto os apresentados oferecem a potência para o foco da investigação, tendo como objetivo a realidade e os fenômenos que a envolvem. Das hipóteses formuladas, deduzem-se consequências que deverão ser testadas ou falseadas. Falsear significa tornar falsas as consequências deduzidas das hipóteses. Enquanto no método dedutivo se procura a todo custo confirmar a hipótese, no método hipotético-dedutivo procuram-se evidências empíricas para derrubá-la (GIL, 1999, p. 11-5 apud SILVA; MENEZES, 2001). Saiba mais Há diversos sites com informações importantes sobre a vida dos pensadores que propuseram os métodos de investigação. Para saber mais sobre cada um, acesse: www.filosofia.com.br/ Assim as hipóteses sustentam o caminho teórico e a visão de realidade do pesquisador sobre a problematização a ser pesquisada, sendo fundamental estruturar seu pensamento e consequentemente planejar através do projeto de pesquisa a delimitação do tema, do problema e das hipóteses, e a partir de um referencial teórico perquirir através do método o levantamento e análise do fenômeno. Contudo, ao planejar é necessário identificar qual será a natureza da pesquisa em tela, conforme esclarece Gil, pode ser de natureza: Básica/pura: objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses universais. Aplicada: objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais (GIL, 2008, 26-27). Para os assistentes sociais, muitas pesquisas são de natureza aplicada, pela base profissional ser interventiva, contudo muitas pesquisas em nossa área têm apresentado a reflexão sobre o objeto do serviço social, que é a questão social, e sua reverberação na realidade sócio-histórica. Nesse sentido, não tem a natureza mais ou menos apropriada, pelo contrário, ambas são presentes e de real significado para a profissão e seu comprometimento com a justiça social. 18 Unidade I Bem, caminhamos percorrendo os conceitos das etapas metodológicas da pesquisa científica, no campo do serviço social, reconhecendo sua expressiva importância, nos aspectos do referencial teórico, do método da percepção e interpretação das múltiplas expressões da questão social, seja no campo da estrutura macroteórica, seja das microteóricas, mas para ambas é necessário se considerar a forma como se aborda a delimitação do problema. Assim sendo, do ponto de vista da forma de abordagem do problema, pode ser: Quantitativa: considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las. Requer o uso de recursos e de técnicas estatísticas (percentagem, média, moda, mediana, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise de regressão etc.). Qualitativa: considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem (MYNAIO, 2007, p. 26). A autora apresenta o conceito de duas abordagens, sendo que podem ser utilizadas separadamente ou simultaneamente, uma pesquisa pode ter abordagem apenas qualitativa, apenas quantitativa, ou quantiqualitativa. O que define essa abordagem são os referenciais teóricos e a linha teórica que sustenta a pesquisa, e a captura do campo de pesquisa empírica, que pode suscitar mais que uma abordagem, quando apresenta dados tanto numéricos e objetivos como dados que descrevem as interlocuções do(s) indivíduo(s) com a realidade sócio-histórica. A abordagem estabelecida no planejamento aponta os objetivos desta, que para Gil (2008) podem ser: Exploratória: visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses. Envolve levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; análise de exemplos que estimulem a compreensão. Assume, em geral, as formas de pesquisas bibliográficas e estudos de caso. Descritiva: visa descrever as características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolve o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados: questionário e observação sistemática. Assume, em geral, a forma de levantamento. Explicativa: visa identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Aprofunda o conhecimento da realidade 19 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL porque explica a razão, o “porquê” das coisas. Quando realizada nas ciências naturais, requer o uso do método experimental, e nas ciências sociais requer o uso do método observacional. Assume, em geral, as formas de pesquisa experimental e pesquisa expost-facto (GIL, 2008, p. 27-8). De acordo com esses objetivos verifica-se que uma pesquisa pode assumir um ou mais objetivos complementarmente, e estão intrinsecamente relacionados à natureza da pesquisa, posto que a delimitação do tema pode caminhar para uma problematização macroestrutural, que no caso do serviço social vem a ser a questão social, ou de em suas múltiplas expressões, e para as quais a intervenção do fazer profissional se concretiza, mas que ainda nesse caso demandará por uma delimitação do problema, posto que essas expressões se avolumam em múltiplas violências e violações de direitos, através de desenhos diversos. E em considerando o campo da coleta de dados a serem analisados, se apresentam procedimentos técnicos descritos por (SEVERINO, 2007), como sendo na ordem de: Bibliográfica: quando elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na internet. Documental: quando elaborada a partir de materiais que não receberam tratamento analítico. Experimental: quando se determina um objeto de estudo, selecionam-se as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo, definem-se as formas de controle e de observação dos efeitos que a variável produz no objeto. Levantamento: quando a pesquisa envolve a interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. Estudo de caso: quando envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento. Expost-facto: quando o “experimento” se realiza depois dos fatos. Pesquisa-ação: quando concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo. Os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Pesquisa participante: quando se desenvolve a partir da interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas (SEVERINO, 2007, p. 120-124). 20 Unidade I Observação Uma pesquisa que requeira participação do pesquisador merece atenção redobrada, para que os dados sejam fidedignos e tenham credibilidade científica. Corre-se o risco de comprometer os resultados, portanto é necessário ter clareza de que, mesmo com lisura e ética, o processo contará com essa participação, que nunca será neutra. Pois a neutralidade não existe em serviço social, considerando-se o posicionamento ético-político e ideológico do profissional pesquisador. Retomando não podemos acreditar que uma pesquisa seja a finalização de um saber. Pelo contrário, no campo dapesquisa social, ela poderá indicar novos caminhos de intervenção, considerando que, em ciências sociais, o movimento é constante, cíclico e espiral, demandando continuidade na investigação. Contudo, somente a partir do reconhecimento das histórias de vida e, simultaneamente, das histórias sociais é que teremos a identificação do lócus da política que agrega ou desagrega as relações sociais. Assim, estabelecemos aqui as dimensões da profissão de serviço social para os conhecimentos fundantes (econômico-sociais, políticos e ideoculturais) e interventivos. Em relação a esse tema, Guerra esclarece: O que chamamos de dicotomia teoria/prática, em muitos casos, tem sido resultado do desprezo pela teoria por parte dos praticistas, e do descaso pela intervenção sobre variáveis empíricas que produz uma alteração no contexto social, por parte dos teoricistas, o que conduz à ruptura da unidade (que não significa identidade) teoria/prática que se materializa na práxis, enquanto ação consciente, transformadora e autotransformadora. O menosprezo por um dos polos da relação leva, de um lado, à aceitação, em última instância, do papel determinante da teoria em detrimento das atividades prático- materiais, ou o seu inverso: a prévia determinação de instrumentos e técnicas a serem utilizados na intervenção e, consequentemente, a pauta do “como fazer” (GUERRA, 1998, p. 6). Assim, toda pesquisa, seja ela de cunho teórico ou teórico-prático, o assistente social, ao inseri-la no fazer profissional, estabelece o compromisso com o projeto ético-político (PEP) da categoria ao que afirma Guerra (1998), é necessário haver reflexão sobre a existência ou não de novos processos de produção do conhecimento. Como afirmamos, a produção do conhecimento está assentada em pressupostos teórico-metodológicos, na base dos quais localizam-se princípios e fundamentos filosóficos e ético-políticos. Em outras palavras, em determinadas concepções de razão e de história. Esta relação entre teorias sociais e referências filosóficas é uma relação necessária e se expressa em várias dimensões, sendo o método a dimensão mais determinante desta relação (GUERRA, 1998 p. 9). 21 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Entretanto, considerando que para sistematizar conhecimento é necessário método, que estabelece organicidade entre os fundamentos filosóficos e os pressupostos ético-políticos para a análise dos objetos sociais, ao olharmos para métodos ou matrizes clássicas, delimitamos o processo teórico-critico, que indica a lógica da leitura e análise do fenômeno. Essa lógica é o diálogo crítico, que o pesquisador estabelece com as linhas teóricas do método ao que Iolanda Guerra refere que não existe diálogo entre eles, por serem excludentes. O método estabelece uma determinada relação, necessária e constituinte, entre sujeito e objeto do conhecimento, podemos considerar que há entre eles três tipos de relação: a que atribui a prioridade do objeto sobre o sujeito (positivismo), a que prioriza o sujeito sobre o objeto (historicismo ou método compreensivo) e a que propõe a necessária autoimplicação entre sujeito e objeto (marxismo). Ainda que os objetos sociais, os fenômenos, processos e práticas sociais se modifiquem, os métodos de conhecimento sobre o social permanecem vinculados a uma das três formas de relação sujeito-objeto mencionadas. Estas três grandes matrizes metodológicas do nosso tempo possuem seus matizes (pense-se nas diferenças entre o estrutural-funcionalismo de Parsons e o historicismo-relativismo de Karl Manheimm, em que pese ambas permanecerem no nível da imediaticidade dos fenômenos sociais) e desdobram-se em teorias setoriais (recorde-se das teorias da ação social) (GUERRA, 2010, p. 11). Pesquisa científica é a concretização de uma investigação planejada, desenvolvida a partir de normas consagradas pela metodologia científica, considerando a visão de mundo do pesquisador e seu diálogo com correntes filosóficas, econômicas e políticas, e essa não se dissocia da metodologia científica. Assim sendo, a metodologia científica é entendida enquanto conjunto de etapas ordenadamente dispostas que você, pesquisador, precisa vencer na investigação de um fenômeno. Compreende a escolha do tema, o planejamento da investigação, o desenvolvimento metodológico, a coleta e a tabulação de dados, a análise dos resultados, a elaboração das conclusões e a divulgação de resultados, a partir de uma determinada criticidade, que para o serviço social é o método dialético que considera a teoria social crítica. Os tipos de pesquisa apresentados nas diversas classificações não são estanques. Uma mesma pesquisa pode estar, ao mesmo tempo, enquadrada em várias classificações, desde que obedeça aos requisitos inerentes a cada tipo. Realizar uma pesquisa com rigor científico pressupõe que você escolha um tema e defina um problema para ser investigado, elabore um plano de trabalho e, após a execução operacional desse plano, escreva um relatório final e que seja apresentado de forma planejada, ordenada, lógica e conclusiva. Assim, a partir de agora, vamos esquematizar um tema, para juntos trabalharmos nas etapas metodológicas da pesquisa social, concretizando-a com a elaboração do projeto de pesquisa. 22 Unidade I Vamos contar com o seu comprometimento ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo, que vem permeando sua formação acadêmica, acrescido de muita criatividade em todas as etapas, desde a elaboração do projeto de pesquisa, passando pela construção teórica do tema, pela pesquisa de campo e pela análise dos dados, até chegar ao relatório final. 1.2 Levantamento dos temas e da literatura que circunscreve o assunto da pesquisa Precisamos deixar claro que o ato de pesquisar não se limita a esse momento da graduação em serviço social, ou de qualquer outra graduação. Pesquisar é investigar, inquirir, buscar, reconhecer, olhar, escutar, aprofundar a realidade social e, consequentemente, as relações entre os sujeitos, reconhecendo a singularidade dos indivíduos no tecido social e suas relações interpessoais e sociais, no momento atual e na sua história de vida permeada e inserida em suas referências histórica, cultural, econômica e política, individual e coletivamente. Com esse olhar singular, devemos estar inseridos no campo profissional. Nesse momento, você vivencia o estágio curricular, deparando-se com a realidade social, mas, muitas vezes, sente dificuldade de identificar em que aspectos a ética, a política, a teoria e a metodologia podem ser inseridas. Essa dúvida não é apenas sua, mas também da maioria dos graduandos e – podemos dizer – de alguns profissionais. A dicotomia é o princípio que mostra uma situação com dois pontos de vista alternativos, que nem sempre são excludentes, podem ser complementares. Tal sensação é o que Guerra (2010) conceitua como dicotomia teoria/prática e não pode ser desconsiderada; pelo contrário, precisamos enfrentá-la para consolidarmos efetivamente nossa profissão e o compromisso com o projeto ético-político de serviço social. Assim, retomamos a demanda pelo reconhecimento da realidade social, que se dá, pedagogicamente, em quatro momentos: • Experimentar o espaço profissional, ou seja, entrar e atuar no campo profissional com todo o referencial técnico-operativo. • Identificar as relações de força entre os sujeitos sociais e as instituições de poder (Estado e demais instituições), com seu referencial ético-político, procurando ler e refletir sobre essas relações. • Investigar as formas de exclusão geradas nos chamados processos de inclusão, escutando o que reverbera dessa relação de forças nos sujeitos sociais e em sua relação social, política, cultural e econômica, balizando-se por seu referencial teórico-metodológico. • A partir da investigação e de sua análise, percorrer as novas possibilidades de conhecimento, intervindo na realidade e oferecendo espaço de empoderamento dos sujeitos sociais para traçarem novoscaminhos, sendo esse o momento de deparar-se com sua práxis profissional, que, conforme indica o projeto ético-político, utilizará instrumentos e técnicas para desvelar e transformar o projeto societário vigente. 23 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Lembrete Dicotomia mostra uma situação com dois pontos de vista alternativos, que nem sempre são excludentes, podendo ser complementares. Usando técnicas de articulação e mediação, nasce o projeto de intervenção profissional, não voltado para um fazer por si só, como profissionais fazedores e cumpridores de demandas burocráticas e mantenedoras do projeto societário de poder, mas para a busca incessante de desafios, na lógica da hegemonia de um projeto profissional que possibilite a libertação dos indivíduos e da coletividade. Escrever ou ler isso parece muito fácil, mas sabemos que não é, pois nessa perspectiva encaramos os conflitos e as contradições de nossa atuação. Contudo, temos de ser honestos e reconhecer que a simples e complexa ação de viver nos remete ao contraditório, e a vivência profissional nos instiga a romper com a hegemonia do poder institucional, articulando e potencializando novas formas de relação. Para tal, não podemos nos tornar simples executores de projetos político-partidários, apresentados como políticas públicas, mas, ao contrário, a partir de nossa inserção no cotidiano das políticas públicas, nos tornarmos questionadores e investigadores sobre a ação do Estado. Assim, diante dos instrumentos, das técnicas e das estratégias do serviço social, precisamos manter uma postura crítica, ética e política, não aceitando a manipulação que nos é imposta a todo tempo, conforme reflete Guerra: Implica na aceitação passiva de informações que nos chegam pelo cotidiano, pela necessidade de sobrevivência, de reprodução da existência. A este nível do conhecimento chamaremos de entendimento. O entendimento se localiza ao nível dos fenômenos, da epiderme do real. É um processo de reconhecimento que se traduz em imagens que são representações mais ou menos vividas da aparência do real, que nos permite identificarmos as coisas pela sua aparência, de modo imediato. Ele possibilita distinguir as coisas, determiná-las, compará-las, classificá-las a partir da sua imagem, da aparência, da forma. Para tanto, os sujeitos acionam o nível do intelecto. Assim, “o entendimento é posto como um modo operativo da razão, que não critica os conteúdos dos materiais sobre que incide” (NETTO, 1994, p. 29). Nesse nível predomina a racionalidade formal-abstrata. Esta, porque realiza suas operações de análise e síntese sobre as bases da positividade do mundo, “esgota-se e reduz a racionalidade aos comportamentos manipuladores do sujeito em face do mundo objetivo” (NETTO, idem, ibidem) (GUERRA, 2010, p. 2). 24 Unidade I Diante das demandas impostas pelo social, na qualidade de profissionais, urge avançarmos em nossos conhecimentos, encarando as contradições e buscando soluções, como nos inspira Guerra: O conhecimento resultante dos procedimentos da razão dialética vai além da apreensão da imediaticidade da vida cotidiana. Ele busca captar a processualidade contraditória de seus objetos e visa à refiguração, ao nível do pensamento, do seu movimento. O conhecimento se organiza mediante conceitos. Estes são sínteses mentais dos nossos esforços em compreender o real e de nos comportarmos adequadamente frente a ele. Os conceitos nos permitem compreender a lógica de constituição dos processos sociais. Daí que o conhecimento não é apenas um dado imediato da sociedade, já que nela imperam modos de pensar próprios à manutenção e reprodução ideológica dessa ordem social (GUERRA, 2010, p. 3). Observação Imediaticidade na prática profissional do assistente social é buscar a resolução de uma situação-problema sem uma prévia análise crítica, identificando que o fazer profissional só é competente quando busca a resolutividade prontamente. Cabe, portanto, ao profissional estar atento ao movimento societário imposto e desvelá-lo, fazendo o mesmo com seu papel como profissional e enquanto sujeito desse tecido social, pois exercemos dupla função: somos trabalhadores e profissionais, inseridos na mesma textura manipulada historicamente pela classe dominante, conforme nos apontam Marx e Engels (1989 apud GUERRA, 2010, p. 4): Diferentemente do conhecimento sobre a natureza, o conhecimento do social encontra-se intrinsecamente relacionado com o para que, com as finalidades, com a postura teleológica do sujeito, com valores e pressupostos ético-políticos e ideoculturais, donde a verdade é auferida não em termos de experimentação e controle, ou mesmo de adequação do objeto ao pensamento e vice-versa, mas pela prática sócio-histórica de homens reais e concretos. Diante disso, como agir? Verifica-se que a atuação profissional demanda não só reconhecimento do compromisso ético- político e ideocultural, mas também a imersão de cada pessoa e, consequentemente, de cada profissional nesse compromisso, o que fará toda a diferença no enfrentamento ou na manutenção do projeto societário vigente. 25 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Saiba mais Para uma maior compreensão do termo ideocultural, leia: ALECRIM, L. Expressão ideocultural de uma independência manipulada: Abraham Lincoln, o caçador de vampiros. Correio da Cidadania, São Paulo, set. 2012. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/index. php?option=com_content&view=article&id=7650:cultura210912& catid=29:cultura&Itemid=61. Acesso em: 3 mar. 2020. Antes de iniciar sua pesquisa, sugerimos também assistir ao filme que segue, com esse mesmo olhar crítico do assistente social autor da matéria indicada: ABRAHAM Lincoln: caçador de vampiros. Direção: Timur Bekmambetov. EUA: Fox Film, 2012. 105 min. Caso seja necessário, quando em campo profissional, recomenda-se ter na pesquisa social um instrumento permanente, que inclua em seu rol de instrumentos técnicas e estratégias, a serem inseridas no cotidiano, não como manutenção da hegemonia do poder, mas como instrumento de libertação do ranço da culpabilização do sujeito pela sua realidade social. Trata-se de um novo caminho, que desmistifica a culpabilização, aberto pelo da responsabilização, não do sujeito, mas do Estado, enquanto instituição de poder e mediador da corrupção e da desvalorização do povo. Encontramos, historicamente, um Estado que valoriza a economia e o capital, fortalecendo a hegemonia dominante, em detrimento da equidade dos cidadãos. Nessa perspectiva teórica utilizamos, assim, a pesquisa social enquanto: Investigação e interpretação da realidade, é um trabalho de desvendamento do real que exige, fundamentalmente, a intervenção da razão na organização dos princípios explicativos, na articulação dos conceitos. Daí que, à existência de diversos princípios teóricos explicativos, nem todos operam com uma razão inclusiva, crítica e dialética capaz de captar a estrutura, a forma de ser da realidade social. Aqueles que não apreendem a realidade social como uma totalidade social em movimento não dão conta da articulação e complementaridade entre subjetividade e objetividade, entre ser e consciência, entre teoria e prática. Mas a necessidade de os homens deterem o conhecimento, o mais correto possível, sobre a realidade na qual irão atuar, coexiste com a necessidade do 26 Unidade I mundo burguês de revestir os processos sociais de uma falsa objetividade, coisificar as relações sociais, regular juridicamente os conflitos sociais, justificar a práxis, tornando-a natural, aceitável, desejável. A prática profissional do assistente social, respeitadas as devidas singularidades, também exige o conhecimento da situação, do cotidiano da sua prática, dos meios e condições de realização, das possibilidades que a realidade contém e das tendências e contratendências que suas ações poderão desencadear (GUERRA 2010, p. 4). Temos o compromisso pessoal e profissionalde levar, para a nossa prática diária, esse conceito, não limitando a pesquisa social somente à utilização na academia, ou a uma exigência da graduação. Se assim a entendermos, estaremos restringindo nosso olhar e nosso saber fazer. Em vez disso, precisamos ter a pesquisa social como um instrumento cotidiano que nos impulsiona a desmistificar e desvendar a manipulação do projeto societário hegemônico. Nesse sentido, ainda temos de avançar nesses nossos questionamentos, pois quando nos deparamos com o ritual da prática, muitas vezes, tendemos a valorizar a rotina e até a acreditar que estamos cumprindo com os compromissos, contudo precisamos identificar se essa rotina não nos impele à manutenção da hipocrisia de um fazer aparente, em detrimento de um fazer que liberta sujeitos e transforma a realidade social. Leia a seguir o que GUERRA (2010) diz sobre esse assunto. O serviço social, configurado na sociedade burguesa como um trabalho, como um ramo específico da divisão social e técnica do trabalho, como um tipo de especialização do trabalho coletivo (cf. IAMAMOTO, 1992), como uma atividade profissional, não se constitui – sequer pode ter esta pretensão – numa ciência ou num ramo de saber científico. Se isso é verdade, a profissão tem que se reconhecer numa determinada realidade sócio-histórica, construída pela práxis das classes sociais, as quais reformulam as necessidades sociais e as transformam em demandas para a profissão. Se a sua legitimidade é produto das formas de objetivação das classes sociais, se a sua lógica de constituição e seus objetos de intervenção vinculam-se a uma determinada realidade histórico-social, seu substrato material é a realidade social, é a cotidianeidade de determinados segmentos da população; seus objetos são definidos pelas condições de vida desses mesmos segmentos, sua instrumentalidade encontra-se na manipulação de variáveis que possibilitem a alteração – ainda que temporária – do contexto social (NETTO, 1989), e por tudo isso tem de se referenciar pela e na realidade social. Partindo desta configuração sobre a natureza do serviço social é que podemos considerar sua vinculação orgânica com a realidade social, esta composta por elementos materiais e espirituais. A realidade social, constituída num campo de forças contraditórias que contempla um conjunto de determinações objetivas, moventes e movidas, só pode ser 27 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL apreendida a partir das formas mais complexas e gerais postas no modo de aparecer dos fatos, fenômenos, processos e práticas sociais, estes, como formas necessárias de determinados conteúdos. Mas a compreensão da realidade supõe partir da superação da imediaticidade, da mera aparência, por meio de procedimentos que neguem a mera objetividade, o dado imediato, a aparência, e resgatem os conteúdos concretos que os fenômenos, processos e práticas sociais portam. Há que se enfatizar que numa sociedade de classes há o predomínio da racionalidade formal-abstrata sobre a razão, da imagem sobre o conceito, do abstrato sobre o concreto, de procedimentos quantificáveis, do cálculo racional, de ações manipulatórias, da sociabilidade reificada e generalizada, pela extensão da racionalidade instrumental da relação homem-natureza para todas as dimensões da vida social, o que condiciona, em ampla medida, a elaboração teórico-filosófica. Com isso pretende-se afirmar que os procedimentos da intelecção, a racionalidade formal-abstrata, que exerce hegemonia na ordem burguesa, opera de maneira a obstaculizar a reflexão da razão. Fonte: GUERRA (2010, p. 5-6). O texto de Iolanda Guerra nos alimenta e incita a retomar o que foi apresentado anteriormente, no que concerne às metodologias para a pesquisa científica, e esclarece que na intervenção do profissional de serviço social nada pode estar restrito a um único olhar ou conceito, limitando a leitura crítica. Devemos abrir a metodologia para as “múltiplas determinações” (MARX, 1989 apud GUERRA, 2010), a fim de entendermos as singularidades num universo totalitário. No entanto, de qual método estamos falando? Esse método deve ter subjacente uma racionalidade que permita alcançar o concreto como síntese de múltiplas determinações (cf. MARX, [1989]), captar as relações sociais de maneira articulada, seus nexos e mediações, numa perspectiva de totalidade, para o que tem que ser histórico, dialético, inclusivo e crítico. A racionalidade crítico-dialética recolhe suas categorias analíticas na própria realidade, percorre-as, estabelece seus vínculos, sai em busca das mediações, satura seus objetos de determinações e reproduz, ao nível do pensamento, as múltiplas e complexas relações que se estabelecem na realidade. Nessa busca da totalidade, a inter-relação entre as categorias da realidade dão lugar a complexos cada vez mais abrangentes. É neste sentido que a perspectiva da totalidade deve ser compreendida, não como um fato formal do pensamento, mas como modo de ser do existente (GUERRA, 2010, p. 9). Estamos caminhando para reconhecer a pesquisa social, não apenas como um instrumento da pesquisa científica acadêmica, desvinculada da prática, mas como instrumento permanente, que sustenta uma nova práxis profissional, construída a partir da reflexão sobre as competências ético-políticas, teórico-metodológicas e técnico-instrumentais ou operativas. 28 Unidade I Temos de avaliar como estamos utilizando essa última competência, para que seja efetivado o compromisso com as classes subalternas e expropriadas de seus direitos humanos, sociais, culturais, econômicos e políticos. Se muitas das requisições da profissão são de ordem instrumental (em nível de responder às demandas – contraditórias – do capital e do trabalho e em nível de operar modificações imediatas no contexto empírico), exigindo respostas instrumentais, o exercício profissional não se restringe a elas. Com isso queremos afirmar que reconhecer e atender as requisições técnico-instrumentais da profissão não significa ser funcional à manutenção da ordem ou ao projeto burguês. Isto pode vir a ocorrer quando se reduz a intervenção profissional à sua dimensão instrumental. Esta é necessária para garantir a eficácia e eficiência operatória da profissão. Porém, reduzir o fazer profissional à sua dimensão técnico-instrumental significa tornar o Serviço Social meio para o alcance de qualquer finalidade. Significa também limitar as demandas profissionais às exigências do mercado de trabalho. É também equivocado pensar que para realizá-las o profissional possa prescindir de referências teóricas e ético-políticas. Se as demandas com as quais trabalhamos são totalidades saturadas de determinações (econômicas, políticas, culturais, ideológicas), então elas exigem mais do que ações imediatas, instrumentais, manipulatórias. Elas implicam intervenções que emanem de escolhas, que passem pelos condutos da razão crítica e da vontade dos sujeitos, que se inscrevam no campo dos valores universais (éticos, morais e políticos). Mais ainda, ações que estejam conectadas a projetos profissionais aos quais subjazem referenciais teórico-metodológicos e princípios ético-políticos (GUERRA, 2010, p. 35). Existe uma demanda por “novos instrumentos operativos, [cuja] profissão carece de uma racionalidade, como fundamento e expressão das teorias e práticas, capaz de iluminar as finalidades” (GUERRA, 2010, p. 14). Ou seja, a autora nos diz que o que chamamos de instrumentos, técnicas e estratégias não podem ser considerados ações-fim da profissão, mas que é necessário compreendê-los como uma instrumentalidade com a qual os assistentes sociais, por meio da articulação e da mediação teórica voltada a fins específicos, atuam e transformam a realidade. Segundo Iamamoto e Carvalho (2009), as bases teórico-metodológicas são recursos essenciais que o assistente social aciona para exercer o seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade e imprimir rumosà ação, ao mesmo tempo que a moldam. Assim, o conhecimento não é só um verniz que sobrepõe superficialmente a prática profissional, podendo ser dispensado; mas é um meio pelo qual é possível decifrar a realidade e clarear a condução do trabalho realizado (p. 62-63). 29 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Iamamoto e Carvalho (2009) nos convidam a considerar uma razão: o referencial teórico permeia nossa prática com intensidade e intencionalidade para que não nos tornemos mecânicos e superficiais, mas estejamos abertos para identificar nosso objeto de trabalho. “O assistente social lida, no seu trabalho cotidiano, com situações [...] vividas por indivíduos e suas famílias, grupos e segmentos populacionais, que são atravessadas por determinações de classe” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2009, p. 33). Diante desse importante instrumento que é a pesquisa social, vamos a partir daqui sugerir uma metodologia para a elaboração do pré-projeto de pesquisa, nesse momento, vinculada à sua prática no estágio e ao referencial teórico estudado durante a graduação. Teremos como base a crítica na atuação profissional, na lógica do respeito ao sujeito social, inserido numa realidade histórica e atual. Reconhecendo que a produção do conhecimento retroalimenta a atuação prática e também insere novas perspectivas nos referenciais teóricos, temos duas possibilidades eminentes no resultado do relatório da pesquisa: • Uma nova concepção de atuação profissional, a partir de um posicionamento que vence a hegemonia do poder e fortalece a credibilidade no potencial humano de transformar a realidade social. • Acrescenta um novo capítulo à relação entre teoria e prática, por meio da práxis profissional, numa inserção dialética da leitura de realidade que redimensiona e amplia a teoria. Assim, acreditamos que estejamos prontos para entrar no universo da pesquisa, pois revisitamos conceitos importantes no âmbito da metodologia científica e transcendemos a práxis profissional do serviço social. É chegado o momento de decolarmos nessa viagem… mãos na massa… afinal, temos uma descoberta a ser realizada, então precisamos fazer algumas perguntas e buscar as respostas, segundo Gomes (2011, p. 38-39): • o que é pesquisa? (definição do problema, hipóteses, base teórica e conceitual); • para que pesquisar? (propósitos do estudo, seus objetivos); • por que pesquisar? (justificativa da escolha do problema); • como pesquisar? (metodologia); • por quanto tempo pesquisar? (cronograma de execução); • com que recursos? (orçamento); • a partir de quais fontes? (referências). 30 Unidade I O quê? Como? Por quê? Para quê? Onde? Quando? Quantos? Quais? Pesquisar Figura 1 – Pesquisa: questões essenciais 1.3 Levantamento dos temas de interesse dos alunos Você já teve contato com fundamentos históricos, técnicos e metodológicos, políticas públicas, Ética, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Direito etc. Já tem uma base sólida de conhecimento generalista e iniciou seu contato com a prática profissional no estágio. Isso lhe garante uma vivência em relação ao objeto do Serviço Social, que o embasa e habilita para fazer a escolha de um tema. Retomemos alguns dos assuntos que permeiam essa jornada. A ciência do Serviço Social pesquisa e atua em áreas que perpassam pelas questões sociais, que são consequência das desigualdades provocadas pela hegemonia do sistema capitalista, excluindo do mercado profissional os sujeitos que não tiveram acesso às condições de qualificação, muitas vezes, pela ausência de políticas públicas sociais. São temas de pesquisa relacionados a essa área, entre outros: • inclusão e exclusão social; • trabalho; • geração de renda; • direitos sociais; • direitos humanos; • trabalho coletivo; • políticas públicas sociais; • expropriação do trabalho profissional; 31 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL • competências do profissional de Serviço Social; • ética profissional. São temas fundantes que compõem o universo teórico/prático do serviço social. Cada um destes pode constituir ou gerar o tema do pré-projeto de pesquisa social. Podemos ainda pensar nos segmentos sociais, tais como os apontados a seguir. 1.3.1 Crianças Segundo a Convenção dos direitos humanos (ONU, 1989, p. 6), “a criança é definida como todo ser humano com menos de dezoito anos”. Nesse sentido não apenas a imagem a seguir nos remete a singeleza da criança, mas todo o seu contexto, e sem dúvida nos convida à pesquisa para entender seu universo de direitos e as violações a ele. Figura 2 – Criança 1.3.2 Adolescentes Eisenstein (2005) propõe a seguinte definição de adolescência: É o período de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. A adolescência se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica, além da integração em seu grupo social (p. 6). 32 Unidade I Mas para além de conceito da adolescência enquanto corpo físico e emoções, devemos considerar sua dinâmica quando inserida em certos contextos territoriais, econômicos, políticos, culturais. A imagem a seguir nos indica a grupalidade que a adolescência sugere, mas que muitas vezes está permeada por afetos e desafetos, inclusão e exclusão, contudo a imagem adolescente nos permite sempre acreditar na possibilidade da transformação. Tendo como delimitação da pesquisa adolescente a partir de um determinado recorte bem específico. Figura 3 – Adolescentes 1.3.2.1 Pessoas idosas Segundo o artigo 1º do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), são “pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. Que para além da angelitude nos remete aos direitos que lhe devem ser assegurados como indivíduos que tem uma história configurada na realidade sócio-histórica, na qual de alguma forma estamos submergidos. Figura 4 – Idosos 33 PROJETOS DE PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL 1.3.2.2 Pessoas com necessidades especiais Conforme o decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009: São aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009). Pessoas com deficiência são um universo de possibilidades para aprofundar conhecimento a partir da pesquisa. São inúmeras singularidades, sendo que em grande maioria refletem violação de direitos, especialmente quando observamos as fundamentações sobre direitos fundamentais apresentadas pela LBI – Lei Brasileira de Inclusão, lei n. 13.146 de 6 de julho de 2015. 1.3.2.3 Família Consideramos família como um grupo de pessoas que se encontram unidas, por um determinado período de tempo, com laços consanguíneos ou não, de afeto e cuidado de proteção. Sendo a família, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, merecedora de proteção social e garantia de direitos, na lógica da seguridade social, portanto, deve receber atenção das políticas públicas sociais e do profissional de serviço social, ente outros, evidenciando que a pesquisa social com o tema família é atual e necessário para o desenvolvimento e aprimoramento da ciência que busca atingir conhecimento para a equidade social. Especialmente quando as políticas públicas têm em sua lógica a atenção com matricialidade sociofamiliar. 1.3.2.4 Políticas públicas sociais As políticas públicas sociais são ações da gestão pública, desenvolvidas pelo Estado ou em parceria com a sociedade civil, por meio de serviços, programas, projetos, transferência de renda que visam proporcionar aos sujeitos sociais (cidadãos) a proteção social e a garantia de direitos, para uma vida com dignidade,
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