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TEXTO 3 HBR As 15 doenças da liderança, segundo o Papa Francisco

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HARVARD BUSINESS REVIEW - BR 
As 15 doenças da 
liderança, segundo o Papa 
Francisco 
Gary Hamel 
DEZEMBRO 2015 
 
 
O Papa Francisco deixou bem clara a sua intenção de reformar radicalmente as 
estruturas administrativas da Igreja Católica, em sua opinião, pouco receptivas, 
presunçosas e burocráticas. Para o pontífice, num mundo em intensa atividade, 
o líder autocentrado, que não tem um olhar para o outro, representa uma 
limitação. 
No ano passado, pouco antes do Natal, o Papa se dirigiu aos líderes da Cúria 
Romana – os Cardeais e outras autoridades encarregadas de gerir a complexa 
rede dos órgãos administrativos da Igreja. A mensagem do pontífice aos seus 
colegas foi sem rodeios. Os líderes estão suscetíveis a uma série de mazelas, 
http://hbrbr.uol.com.br/as-15-doencas-da-lideranca-segundo-o-papa-francisco/
incluindo arrogância, intolerância, miopia e mesquinhez. Essas doenças, 
quando não são tratadas, vão enfraquecendo a própria organização. Para se ter 
uma Igreja saudável, precisamos de líderes saudáveis. 
Por muitos anos, venho ouvindo dezenas de especialistas em gestão 
enumerarem as qualidades dos grandes líderes. É raro, no entanto, apontarem 
os “males” da liderança. O Papa é mais direto. Compreende que como seres 
humanos, temos certas inclinações – nem todas elas nobres. No entanto, deve-
se esperar muito de um líder, já que o alcance de sua influência torna suas 
enfermidades especialmente contagiosas. 
A Igreja Católica é uma burocracia: uma hierarquia povoada de almas bem 
intencionadas, porém longe da perfeição. Nesse sentido, não é muito diferente 
de sua organização. É por isso que o conselho do pontífice é relevante a líderes 
em todo o mundo. 
Pensando nisso, dedique algumas horas à adaptação do discurso do Papa para 
trazê-lo mais próximo da linguagem corporativa. (Não sei se há alguma 
proibição em se parafrasear pronunciamentos papais, mas como não sou 
católico, estou disposto a correr o risco). 
Seguem então, as palavras do Papa (mais ou menos): 
A equipe de liderança é constantemente convocada a melhorar e se desenvolver 
no que diz respeito a relacionamentos e inteligência, a fim de realizar 
plenamente sua missão. E ainda assim, como qualquer corpo, como qualquer 
corpo humano, também está exposta a doenças, defeitos e enfermidades. 
Gostaria de mencionar algumas dessas “doenças [da liderança]”. São doenças e 
tentações que podem enfraquecer de modo perigoso a eficácia de qualquer 
organização. 
1. O mal de se pensar que somos imortais, imunes ou 
absolutamente indispensáveis, [e consequentemente], 
de se negligenciar a necessidade de fazer check-
ups regulares. Uma equipe de liderança que não tem 
autocrítica, que não se atualiza e que não busca estar mais 
preparada, é um corpo adoecido. Uma simples visita ao 
cemitério bastaria para ver os nomes de muitas pessoas que 
se julgavam imortais, imunes e insubstituíveis! É o mal 
daqueles que se tornam senhores e donos, que acreditam 
estar acima dos outros e não a seu serviço. É a patologia do 
poder que se origina de um complexo de superioridade, de 
um narcisismo que faz com que o indivíduo mire tão 
intensamente a sua própria imagem que não consegue 
enxergar a face do outro, especialmente do mais fraco e mais 
necessitado. O antídoto para essa praga se encontra na 
humildade; em dizer do fundo do coração: “Sou um mero 
servo. Só fiz o que era meu dever”. 
2. Um outro mal é o trabalho em excesso. É encontrado 
naqueles que mergulham no trabalho e inevitavelmente 
deixam de “reservar um tempo para descanso”. Não se 
permitir o descanso necessário leva ao estresse e agitação. 
Um tempo de descanso, para aqueles que concluíram seu 
trabalho é necessário, obrigatório e deve ser levado a sério: 
ao despender tempo com a família e respeitar os feriados 
como momentos de recarregar as baterias. 
3. Então temos o mal do “empedernimento” mental e 
[emocional]. É encontrado nos líderes que têm um 
coração de pedra, nos “arrogantes”; naqueles que com o 
tempo perdem sua serenidade interior, presença de espírito 
e ousadia, e se escondem atrás de uma pilha de papéis, 
transformando-se em burocratas e não homens e mulheres 
de compaixão. É perigoso perder a sensibilidade humana 
que nos permite chorar com aqueles que choram e celebrar 
com aqueles que celebram! Pois à medida que o tempo 
passa, nossos corações se tornam rígidos e somos incapazes 
de amar aqueles que nos rodeiam. Ser um líder humano 
significa possuir os sentimentos de humildade e altruísmo, 
desprendimento e generosidade. 
4. O mal do planejamento excessivo e do 
funcionalismo. Quando um líder planeja tudo até o último 
detalhe e acredita que com o planejamento perfeito tudo se 
encaixará, ele se torna um contador ou um gerente de 
escritório. As coisas devem ser bem preparadas, mas sem 
nunca cair na tentação de tentar eliminar a espontaneidade, 
que sempre é mais flexível do que qualquer planejamento 
humano. Contraímos essa doença pois é fácil e confortável 
nos organizarmos em nossas próprias formas sedentárias e 
regulares. 
5. O mal da má coordenação. Quando os líderes perdem o 
sentido de comunidade, o corpo perde seu funcionamento 
harmônico e equilíbrio; torna-se então uma orquestra que 
produz ruído: seus membros já não trabalham em conjunto 
e perdem o espírito de camaradagem e de trabalho em 
equipe. Quando o pé diz para o braço: “não preciso de você”, 
ou a mão diz para a cabeça “sou eu que estou no comando”, 
acabam por criar desconforto e paroquialismo. 
6. Há também um tipo de “mal de Alzheimer da 
liderança”. Consiste em perder a memória daqueles que 
cuidaram de nós, que foram nossos mentores e nos 
apoiaram em nossas jornadas. Vemos essa mazela naqueles 
que perderam a memória de seus encontros com os grandes 
líderes que os inspiraram; naqueles que estão 
completamente aprisionados no momento presente, em suas 
paixões, caprichos e obsessões; naqueles que erguem muros 
e rotinas em torno de si, tornando-se então cada vez mais 
escravos de ídolos esculpidos por suas próprias mãos. 
7. O mal da rivalidade e da vanglória. Quando as 
aparências, os privilégios e os títulos se tornam o propósito 
primordial da vida, nos esquecemos do dever fundamental 
como líderes -—de “não agir por força do egoísmo ou 
vaidade, mas sim da humildade, e de modo que os outros 
contem mais do que nós mesmos”. [Como líderes, temos por 
obrigação] não olhar somente para [nossos] próprios 
interesses, mas também aos interesses dos outros. 
8. O mal da esquizofrenia existencial. Esse é o mal 
daqueles que vivem uma vida dupla, o fruto daquela 
hipocrisia típica dos medíocres e de um vazio emocional 
progressivo que nenhum [feito ou] título é capaz de 
preencher. É uma doença que costuma afetar aqueles que 
não estão mais em contato direto com clientes e funcionários 
“do baixo clero”, restringindo-se a questões burocráticas, 
perdendo assim o contato com a realidade e com pessoas 
concretas. 
9. O mal da fofoca, queixumes e difamação. Essa é uma 
doença insidiosa que começa de forma simples, talvez 
mesmo em uma conversa casual e que acaba por dominar o 
indivíduo, tornando-o um “semeador de ervas daninhas” e 
em muitos casos, um assassino a sangue frio da boa 
reputação de colegas. É a doença de pessoas covardes que 
não têm a coragem de se pronunciar diretamente, e falam 
pelas costas das pessoas. Fiquemos atentos contra o 
terrorismo da fofoca! 
10. O mal de se idolatrar os superiores. Essa é a 
doença daqueles que cortejam seus superiores na esperança 
de ganhar seus favores. São vítimas do carreirismo e 
oportunismo; exaltam pessoas [ao invés da missão da 
organização como um todo]. Pensam somente naquilo que 
podem obter e não naquilo que devem oferecer; são pessoas 
tacanhas, infelizes e inspiradas somente por seu próprio 
egoísmo letal. Os próprios superiores podem ser afetados 
por esse mal, quando tentam obter a submissão, lealdade e 
dependência psicológica de seus subordinados, tendo como 
resultado final uma cumplicidadedeletéria. 
11. O mal da indiferença pelos outros. Esse mal se 
identifica quando cada líder só pensa em si mesmo, 
perdendo a sinceridade e o calor que caracterizam as 
relações humanas genuínas. Há muitas formas de se 
manifestar: quando se detém um maior conhecimento, mas 
esse saber não é disponibilizado aos colegas menos 
conhecedores da matéria; quando se aprende algo e se 
guarda para si ao invés de compartilhar de forma útil com os 
demais; quando por inveja ou despeito se deleita ao ver os 
outros caírem ao invés de ajudá-los a se erguer e encorajá-
los. 
12. O mal da fisionomia sombria. Essa doença é 
aparente naquelas pessoas pessimistas e austeras que 
acreditam que para ser sério é preciso fazer uma cara de 
melancolia e gravidade, e tratar os outros- especialmente 
aqueles que consideramos nossos subalternos- com rigor, 
rudez e arrogância. Na verdade, demonstrações de 
austeridade e pessimismo estéreis costumam ser sintomas 
de medo e insegurança. Um líder tem de se esforçar para ser 
cortês, sereno, entusiasmado e alegre, uma pessoa que 
transmite alegria onde quer que vá. Um coração feliz irradia 
uma alegria contagiante: logo se percebe! Dessa forma um 
líder nunca deve perder esse espírito animado, bem 
humorado e mesmo modesto que torna as pessoas 
agradáveis até em situações difíceis. Como faz bem uma boa 
dose de humor! 
13. O mal do acúmulo. Esse mal ocorre quando um líder 
tenta preencher um vazio existencial em seu coração ao 
acumular bens materiais, não por necessidade, mas a fim de 
se sentir seguro. A verdade é que não seremos capazes de 
carregar conosco os bens materiais quando deixarmos essa 
vida, já que “a mortalha não tem bolsos” e nossos tesouros 
nunca serão capazes de preencher aquele vazio; pelo 
contrário, o tornarão mais profundo e problemático. O 
acúmulo de bens somente representa um fardo e 
inexoravelmente retardam a jornada! 
14. O mal dos círculos fechados. Acontece quando 
pertencer a um “grupo restrito” se torna mais importante do 
que nossa identidade compartilhada. Esse mal começa 
também com boas intenções, mas com o passar do tempo 
escraviza seus membros e se torna um câncer que ameaça a 
harmonia da organização causando imenso dano, 
especialmente àqueles que tratamos como “não pertencentes 
ao grupo”. O “fogo amigo” de nossos próprios soldados 
representa o perigo mais insidioso. É o mal cujo ataque 
parte da própria esfera interna. Como reza a Bíblia: “Todo 
reino dividido contra si mesmo é um reino desolado”. 
15. Por fim: o mal da extravagância e 
exibicionismo. Esse mal se manifesta quando um líder 
transforma seus serviços em poder, utilizando esse mesmo 
poder para ganhos materiais ou para adquirir ainda mais 
poder. É a doença de pessoas que, insaciáveis, tentam 
acumular poder e para esse fim estão dispostas a difamar, 
caluniar e prejudicar a reputação dos outros; que se exibem 
para mostrar que são mais capazes do que os outros. Essa 
mazela traz grandes prejuízos pois leva as pessoas a 
justificarem o uso de quaisquer meios que sejam a fim de 
alcançar seus fins, na maioria das vezes invocando a justiça e 
transparência! Aqui caberia lembrar um líder que costumava 
chamar jornalistas para contar e inventar assuntos 
particulares e confidenciais envolvendo seus colegas. Tudo 
que lhe importava era ter a possibilidade de aparecer nas 
primeiras páginas do jornal, já que isso fazia com que se 
sentisse poderoso e glamoroso, embora causasse um enorme 
prejuízo aos outros e à organização. 
Amigos, essas doenças constituem um perigo para todo o líder e toda a 
organização, e podem acometer tanto indivíduos como comunidades. 
E então, você é um líder saudável? Utilize o inventário das doenças da liderança 
enumeradas pelo Papa para descobrir. Pergunte a si mesmo, numa escala de 1 a 
5, até que ponto: 
Sinto-me superior aos que trabalham para mim? 
Demonstro um desequilíbrio entre trabalho e outras áreas da vida? 
Substituo formalidade por uma verdadeira intimidade humana? 
Confio excessivamente nos planos e não o suficiente na intuição e improviso? 
Despendo pouco tempo para romper silos e construir pontes? 
Costumo deixar de reconhecer a dívida que tenho para com meus mentores e 
outros? 
Sinto uma satisfação exacerbada quanto às minhas regalias e privilégios? 
Isolo-me dos clientes e dos funcionários do “baixo-clero”? 
Tenho por hábito denegrir os motivos e realizações dos outros? 
Exibo ou encorajo deferência ou servilismos excessivos? 
Coloco meu próprio sucesso à frente do sucesso dos outros? 
Deixo de cultivar um ambiente de trabalho animado e cheio de alegria? 
Exibo traços de egoísmo quando se trata de compartilhar recompensas e 
elogios? 
Encorajo o paroquialismo ao invés do espírito de comunidade? 
Comporto-me de forma que pareça egocêntrica àqueles que me rodeiam? 
Como em todas as questões de saúde, é sempre bom ter uma segunda ou 
terceira opiniões. Peça aos seus colegas que o avaliem em relação a esses 
mesmos quinze itens. Não se surpreenda se disserem: “Puxa chefe, você não 
está parecendo bem hoje”. Como uma bateria de exames médicos, essas 
perguntas podem ajudá-lo a voltar sua atenção para oportunidades de prevenir 
doenças e melhorar sua saúde. Uma avaliação de liderança de autoria do Papa 
pode parecer um pouco exagerada. Mas lembre-se: suas responsabilidades como 
líder e sua influência sobre a vida das outras pessoas podem ser profundas. Por 
que não recorrer ao Papa – um líder espiritual dos líderes- em busca de 
sabedoria e conselhos? 
Um pensador influente de gestão, Gary Hamel é professor convidado na 
London Business School e co-fundador do projeto MIX (The Management 
Innovation Exchange). Seu último livro é “What Matters Now.”

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