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A Teoria Tridimensional do Direito
Miguel Reale.
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Publicado por Douglas Rocha
há 3 anos
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Douglas Rocha Lemos[1]
RESUMO
“O Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores”. Essa é a denominada fórmula realeana, em que apresenta uma maneira singular e inovadora de avaliar o Direito. A teoria Tridimensional ganhou visibilidade por Miguel Reale e defende a existência de três etapas que devem ser levadas em conta e estudadas em um caso jurídico: o Fato, o Valor e a Norma. Assim, Miguel não é o primeiro a falar sobre o Tridimensionalismo, mas alguns já utilizavam essa teoria, reduzindo, no entanto, o papel do estado e/ou da sociedade – daí a originalidade de Reale, em que se consegue unir todos os fatores do Direito. O presente artigo dedica-se a sintetizar essa teoria que tanto contribui ao mundo Jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria Tridimensional; Miguel Reale; Direito; Fato; Valor; Norma; Introdução ao Estudo do Direito; Filosofia do Direito.
ABSTRACT
"The law is a normative integration of facts according to values". This is the so-called Realean formula, in which it presents a unique and innovative way of evaluating law. The three-dimensionality of law is a theory that gained visibility by Miguel Reale who advocates the existence of three stages that must be taken into account and studied in a legal case: fact, value and norm. Thus, Miguel is not the first to talk about three-dimensionalism, but some have already used this theory, reducing, however, the role of the state and / or society - hence the originality of Reale, in which one can unite all the factors of the right. The present article is devoted to synthesize this theory that contributes so much to the Legal world.
KEY-WORDS: Three-dimensional Theory; Miguel Reale; Right; Fact; Value; Standard; Introduction to the study of law; Philosophy of law.
1. QUEM FOI MIGUEL REALE?
Miguel Reale nasceu em São Bento do Sapucaí – SP, aos 06 de novembro de 1910 e faleceu em São Paulo aos 14 de abril de 2006. Filho do Dr. Braz Reale e de Dona Felicidade Chiarardia Reale. Ingressou na universidade em 1930, aos 20 anos de idade. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) em 1934. Possui um Curriculum Vitae riquíssimo como advogado, jurista, filósofo, político, ensaísta, poeta e memorialista. A sua bibliografia fundamental compõe-se de obras de Filosofia, Filosofia Jurídica, Teoria Geral do Direito, Teoria Geral do Estado, além de vários trabalhos nos ramos do Direito Público e Privado. Conquistou, por concurso, a cátedra de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em 1941, apresentando a tese os fundamentos do Direito, em que já estabelece as bases de sua Teoria Tridimensional do Direito, com a qual tem início nova fase na doutrina jurídica nacional. Seu livro Teoria do Direito e do Estado (1940), de concepção geminada, é considerado uma das obras básicas nesse campo do conhecimento jurídico-político. Integra o Conselho Administrativo do Estado de São Paulo, de 1942 a 1945, tendo sido autor de várias reformas fundamentais na legislação paulista, principalmente na área da educação e da cultura. Em 1947 foi Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, instituindo o Departamento Jurídico do Estado e criando a primeira "Assessoria Técnico Legislativa" do país, que serviu de modelo para outros Estados. Entre 1949 e 1950 foi Reitor da Universidade de São Paulo – USP e, nessa década, foi convidado a ministrar cursos e conferências sobre Filosofia do Direito em vários países da América Latina e da Europa. Sem prejuízo de suas atividades docentes, manteve sempre escritório de advocacia elaborando trabalhos forenses e pareceres, diversos deles publicados em livros e opúsculos. Foi homenageado, um ano antes de falecer, pela Academia Brasileira de Filosofia.[2]
2. TRIDIMESNIONALISMO FORA DE REALE
Como o próprio Miguel Reale menciona, (REALE; 2002. P.346) o tridimensionalismo manifesta-se ao longo da história; ao longo do desenvolvimento das ciências jurídicas. Todavia, essa visão tri encontra-se em grandes correntes de pensamento, em grandes pensadores, em épocas especificas e também em lugares específicos - antes de sua síntese apresentada por Miguel. Coube a ele apenas uma visão que ainda não tinha sido observada por seus antecessores, uma união de elementos que vinham sendo apresentados ao longo do desenvolvimento do direito em sua totalidade. A ideia do direito substanciado por valores, normas e fatos, apresenta-se especifico em determinados países, estudados e apresentados ao longo das obras de Reale (1930 – 2002).[3] Vejamos:
a) TRIDIMENSIONALIDADE NA ALEMANHÃ
Aqui destacam-se Emil Lask (1875–1915) e Gustav Radbruch (1878–1949) que sem abandonar os pressupostos da filosofia de Kant[4], pretenderam superar as contradições deixadas por este, entre o mundo da natureza e o mundo da liberdade. Os dois jusfilosofos recorreram a um elemento intermediário de ligação, posto entre os valores ideais e os dados concretos da experiência jurídica: essa ponte, na verdade, é uma conexão entre a realidade empírica e o ideal do direito – que é um conjunto de bens espirituais e materiais construídos pelo homem no decorrer do tempo. 
Assim, fala-se no Plano do dever ser, plano do ser e plano do ser referido ao dever ser. É bem aparente a ideia da tridimensionalidade aqui, onde vemos juízos de valor (dever ser); juízos de realidade (ser); e juízos referidos a valores (ser referido ao dever ser). Dessa maneira, a categoria da cultura dava cômodo a uma distribuição de pesquisa. O filosofo estuda os valores, o sociólogo os fatos do direito e o jurista as normas. Novamente a presença do direito divido em três categorias, agora no campo dos estudos.
Esse é o mesmo propósito de Hans Welzel (1904-1977), em uma visão que leva em conta os fatores da ordem moral, a ordenação legal e o efetivo comportamento dos consociados. Põe, no entanto, a norma acima dos outros fatores, “sem positividade o Direito é simples abstração ou aspiração ideal”, diz ele.[5]
B) TRIDIMENSIONALIDADE NA ITÁLIA
Nesse cenário, aparece a figura de Norberto Bobbio (1909-2004) estabelecendo a Filosofia do Direito ao estudo da Metodologia Jurídica e teoria da justiça, objetivando os fins; a sociologia jurídica a indagação dos meios; e, finalmente, Teoria Geral do Direito estabelecendo a forma dentro das quais os meios devem alcançar os fins. Assim, Bobbio focaliza a experiência jurídica em uma tridimensionalidade: fim, meio e forma (BOBBIO; 1995)
Giuseppe Lumia (1960-) também apresenta uma visão tridimensional do direito. Segundo ele, o filósofo e o jurista quando observam o direito não se acham perante duas realidades distintas - mas uma realidade somente - considerada, no entanto, por dois pontos de vistas diferentes. Essas não se excluem, mas se complementam – é um conhecimento integrado do fenômeno jurídico. 
Por último, temos a contribuição significativa de Luigi Bagolini:
“O Direito não poder visto como puro fato, bem como pura norma, nem como puro valor ideal, nem como puro conteúdo intencional, mas sim como objetivação normativa da justiça” (BANGOLINI: 1952. P. 27) 
Segundo Bagolini as expressões da experiência jurídica são apelativas a um fato, levando sua solução normativa em determinado “tempo cultural”.
c) TRIDIMENSIONALIDADE NA FRANÇA
Segundo Paul Roubier (1886-1964) a Teoria Tridimensional do Direito focaliza o ordenamento jurídico em três fins principais: segurança jurídica, justiça e progresso social. A segurança obtém-se através de ordem - condição primeira ao desenvolvimento das sociedades humanas. Mas, pondera Roubier, essa decomposição é esquemática, pois a vida social jamais exclui-se em uma dessas tendências: ao contrário, ela se mistura na cena jurídica.
Michel Virally (1922-1989), cuja obra La Pensée Juridique é em grande parte destinada à investigação das dimensões do Direito. Em sua concepção, a experiência jurídica divide-se em três dimensões: histórico-normativa, fática e axiológica. Virally não apresentao Direito como puro juízo lógico, mas correlacionado entre o caráter histórico e normativo. 
d) TRIMENSIONALIDADE NOS PAÍSES IBÉRICOS
Para tanto, Recaséns Siches (RECASÉNS; 1963) elaborou um perspectivismo que exerceu influencia no mundo jurídico latino americano. “O Direito possui a dimensão de referir-se a valores sob força normativa”- ou seja, o direito é norma, elaborada pelo homem como o propósito de realizar certos valores. Nessa concepção – continua Recaséns – Direito é uma obra humana social de forma normativa destinada a realização de valores.
É de grande destaque ainda Cabral de Moncada (1888-1974) que escreve a obra Tridimensionalidade do Direito positivo, onde mostra como o Tridimensionalismo relaciona-se com as fontes do Direito, pois o costume significa o fato da conduta humana; a norma legal expressa o pensamento do dever ser; a jurisprudência corresponde a uma atualização de valores, aplicação pratico-concreta de critérios, extraídos da lei, cultura e valores.
3. ACEPÇÕES DA PALAVRA DIREITO ANTES DO TRIDMENSIONAISMO
A priori, a posteriori e paralelas, às ideias da teoria tridimensional, tivemos deferentes visões do Direito. Essas acepções serão apresentadas brevemente, objetivando um maior entendimento da teoria de Miguel Reale e principalmente a sua importância. Vejamos:
a) CONCEPÇÃO DO JUSNATURALISMO
A Corrente do Jusnaturalismo defende que o Direito é independente da vontade humana, ele existe antes mesmo do homem e acima das leis do homem. Para os jusnaturalistas o direito é algo natural e tem como pressupostos os valores do ser humano, e busca sempre um ideal de justiça. Ou seja, para os jusnaturalistas imperam o ideal de valor do Direito.
Em destaque para Thomas Hobbes (1588-1679) em que se fala o homem estabelecer um contrato renunciando a uma parcela de sua liberdade individual por uma liberdade geral. No entanto, aquele responsável pelo controle geral da sociedade, soberano (legislador) deve submeter-se aos direitos naturais (vida, liberdade, ir e vir) podendo o povo retira-lo do poder quando houver violação. 
No entanto, o apontado como pai do Jusnaturalismo é Aristóteles que junto com seu mestre Platão apontavam uma subordinação de todos a um Direito natural. Com destaque, vários outros pensadores, como: os estoicos, Paulo de Tarso (5 a. C-67 d. C), Aquino (1225-1274), Hugo Grócio (1583-1645), John Locke (1632-1704), entre outros. Todos esses apontavam para subordinação da norma a valores que antecedem a norma - o Direito natural.
b) CONCEPÇÃO DA EXEGESE
A Escola da Exegese consistia na reunião de vários juristas que orientaram o processo de criação e de aplicação do Código de Napoleão (1804), especialmente no que se refere à exegese do texto legal. O Código Civil napoleônico buscava unificar e positivar o Direito como ferramenta de controle social e político – era a lei acima de tudo. Veja que essa escola valoriza a norma como sendo o princípio fundamentador do direito. É o “Fetichismo pela lei”, nas críticas de Bobbio[6]. 
Os principais representantes da Escola da Exegese são: Proudhon (1809-1865), Melville (1819-1891), Blondeau (1784-1854), Delvincourt (1888-1954), Laurent, Pothier (1699-1722) Baudry-Lacantinerie (1837-1913), entre outros manifestantes. 
c) CONCEPÇÃO NA CORRENTE DO DIREITO LIVRE
Aqui surge uma aversão a exegese, onde o juiz poderia ir contra a lei, mas somente em benefício da justiça. O compromisso do magistrado é com a justiça frente a sociedade, mesmo que para isso as leis fossem ignoradas. Novamente vemos uma acepção do direito em que o valor (justiça) está acima da norma (lei). Herman Kantorowicz (1877-1940) foi seu principal expoente.
d) CONCEPÇAO DO JUSPOSITIVISMO
O positivismo jurídico ou juspositivismo é uma corrente da teoria do Direito que procura explicar o fenômeno jurídico a partir do estudo das normas positivas, ou seja, daquelas normas postas pela autoridade soberana de determinada sociedade. Ao definir Direito, o positivismo o identifica, portanto, como efetivamente posto pelas autoridades que possuem o poder político de impor as normas jurídicas.
Com destaque para Augusto Comte (1798-1857), que desenvolveu sua corrente positivista neste contexto, a partir da ideia da "lei dos três estados”[7]. O último estado poderia ser caracterizado como um momento no qual o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e a destinação do universo e a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para tratar unicamente de descobrir, pelo uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, isto é, suas relações invariáveis de sucessão e similitude. 
Assim, nas palavras de Miguel Reale (REALE; 2002. P.412), no positivismo de Augusto Comte só é possível o conhecimento científico a partir de fatos ou de suas relações, sendo os fenômenos a essência do conhecimento. O saber, desta maneira, é constituído objetivamente, resultante da experiência. O conhecimento dos fenômenos está na dependência dos recursos das ciências positivas, culminando em uma síntese que outra coisa não é, senão a Filosofia. 
A forma como foram buscados estes limites deixa claro que o positivismo está na base da doutrina de Kelsen (1881-1973), na medida em que a Teoria Pura do Direito[8], quando reserva à ciência do Direito um papel meramente descritivo, sustenta-se em um pressuposto do positivismo. O Direito deixa, então, de ser uma ciência humana para ser uma ciência quase exata. Assim, fica explícito, nas palavras do próprio Kelsen (KELSEN: 1992. P.77), que o positivismo permeia suas ideias, não lhe interessando"os problemas de como deve ser ou de como se deve elaborar o Direito. ” Observa-se uma visão claramente normativa do direito, em que esse baseia-se sobretudo nas leis.
e) CRITICAL LEGAL STUDIES E LAN AN ECONOMICS CRITICAL 
Legal Studies baseia-se sobretudo nas ideias do Brasileiro Roberto Mangabeira, definindo o Direito como servidor de quem está no poder. Já a Law and Economics que possui origem nas ideias liberais de Adam Smith considera a decisões jurídicas como estando sujeitas a economia. Ou seja, essas duas correntes de pensamento consideram o direito como fato social.
4. TEORIA TRIDIMENSIONL DO DIREITO EM REALE
No campo da gnosiologia[9] haviam os racionalistas – segundo o quais a única maneira de chegar ao conhecimento é através da razão – e os empiristas – segundo os quais a única maneira de chegar ao conhecimento é através da experiência sensorial. Daí surge Kant, com seu apriorismo, dizendo que todo conhecimento inicia-se com a sensação; mas que está por si só, não origina o conhecimento, devendo este também passar pela razão. Kant une as duas teorias, que inicialmente divergiam.
Tangente a possiblidade de chegar ao conhecimento, havia o dogmatismo – defende a possiblidade de atingirmos a verdade – e o ceticismo – nega a possibilidade de atingirmos a verdade. Novamente Kant une as duas teorias, defendo a possibilidade de conhecer, mas somente através de um processo extremante criterioso e delicado.
Miguel Reale, - assim como fez Kant na gnosiologia - aparece unindo as teorias para uma melhor concepção do Direito, dando-lhe uma maior amplitude. Visto as preliminares à tridimensionalidade proposta por Reale, podemos enfim entender plenamente sua teoria. 
a) DEFINIÇÃO DE FATO, VALOR DE NORMA.
O que é valor? Valor é aquilo que busca a concretização do ideal de justiça, ligado a uma ação. O fenômeno jurídico nasce de valores existentes, para impor esses valores como regra geral; a sociedade anda, o direito segue seus passos. Na verdade, valor é um conjunto de condutas que são vistas como boas – por visarem o bem comum - eles existem para que a sociedade subsista, mantenha a integridade e possa se desenvolver. 
O que é fato? Fato aparece aqui segundo sua concepção durkheimiana. Para Durkheim (DURKHEIM: 2007), fato social consiste em maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo e dotados de um poder coercitivo em virtude do qual lhe impõem. Só há fatos sociais onde houver organização definida.O fato está intimamente relacionado com a história, cultura, sociedade como um todo, enfim.
O que é norma? Norma é o direito como é visto; escrito no papel; conteúdo da regra segundo uma concepção de utilidade; seu ordenamento. A norma descreve os valores que vão se concretizando na condicionalidade dos fatos sociais e históricos. A norma é a forma que o jurista usa para expressar o que deve ou não deve ser feita para a realização de um valor ou impedir a ocorrência de um desvalor.
b) O TRIDIMENSIONALISMO REALEANO 
Como exposto supra Jusfilosofos desenvolveram uma teoria dedicada aos fenômenos jurídicos; outra cuidando dos interesses e valores que atuam na experiência jurídica; e uma terceira, a normas jurídicas. Reale indaga-se: no fundo dessa divisão, não se esconde um problema quanto a estrutura jurídica? Não é necessário ir além de uma divisão metodológica para alcançar a experiência jurídica? Propõe então Miguel:
“Assim, a norma jurídica é apenas a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por determinada direção: o ponto de partida da norma é o fato, a chegada são os valores. Desse modo, o direito não é só norma, como quer Kelsen; Direito não é só fato como rezam os marxistas ou economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve produção econômica e nela interfere; o direito não é somente valor, como rezam os adeptos do direito natural, porque ao mesmo tempo o Direito é norma, é fato e é valor. ” O Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores” (REALE: 1976) 
Há, por exemplo, norma legal que prevê o pagamento de uma letra de câmbio na data de seu vencimento, sob pena do protesto do título e de sua cobrança, gozando o credor, desde logo, do privilégio de promover a execução do crédito. 
Logo, diríamos: 
a) se há um débito cambiário (F), deve ser pago (P); 
b) se não for quitada a dívida (não P), deverá haver uma sanção penal (SP). 
Nesse exemplo, a norma de direito cambial representa uma disposição legal que se baseia num fato de ordem econômica (o fato de, na época moderna, as necessidades de o comércio terem exigido formas adequadas de relação) e que visa a assegurar um valor, o valor do crédito, a vantagem de um pronto pagamento com base no que é formalmente declarado na letra de câmbio. 
Como se vê, um fato econômico liga-se a um valor de garantia para se expressar através de uma norma legal que atende às relações que devem existir entre aqueles dois elementos. 
Pois bem, se estudarmos a história da letra de câmbio, que, numa explicação elementar e sumária, surgiu como um documento mediante o qual Fulano ordenava a Beltrano que pagasse a Sicrano determinada importância, à vista da apresentação do título; se estudarmos a evolução dessa notável criação do Direito mercantil, verificamos que ela veio sofrendo alterações através dos tempos, quer em virtude de mudanças operadas no plano dos fatos (alterações nos meios de comunicação e informação, do sistema de crédito ou organização bancária), quer devido à alteração nos valores ou fins econômico-utilitários do crédito e da circulação garantida da riqueza, até se converter num título de crédito de natureza autônoma, literal, abstrata e exequível. 
Desse modo, fatos, valores e normas se implicam e se exigem reciprocamente, o que, como veremos, se reflete também no momento em que o jurisperito (advogado, juiz ou administrador) interpreta uma norma ou regra de direito (são expressões sinônimas) para dar-lhe aplicação. 
Na concepção de Reale, o direito não é puro fato, nem pura norma. Mas é fato o fato social que lhe dá uma norma racionalmente promulgada por uma autoridade competente segundo uma ordem de valores. A princípio, esta parece uma afirmação um tanto complexa, explicaremos:
A tridimensionalidade é presente não somente nas leis, mas em todo os aspectos normativos da vida humana – inclusive a moral. Toda vida ética é tridimensional, pois implica um fato de uma ação subordinada à norma resultante de um valor (religioso, estético, moral).
Um digrama como contento o direito como um todo, e os princípios fundamentadores do direito – subpartes -, é útil para imaginarmos a tridimensionalidade do direito. Vejamos:
O Direito como um todo é composto por outras subpartes, os valores, os fatos sociais e as normas. Observe pelo diagrama que o valor influencia um 
fato, que por sua vez influencia a norma; a norma, influencia o fato, que por sua vez influencia o valor; o fato influencia o valor que influencia a norma. Enfim, observa-se que esses três elementos não se excluem, mas complementam-se; unem-se, correlacionando-se. Isso é o Direito.
5. DIVISÕES DO TRIDIMENSIONALISMO
A teorias tri, dividem-se em genéricas ou especificas, que por sua vez ramificam-se novamente. 
Tridimensionalismo genérico ou abstrato, é aquele que divide em “setores” o fenômeno jurídico; são separados entre si. Esse tridimensionalismo está presente nas ideias de Lask e Radbruch (já mencionados supra) uma vez que sua análise os conduz a conceber o direito como fato, norma e valor de maneira separada, singular.
Tridimensionalismo especifico é aquele que faz uma correlação dos elementos do direito entre si (fato, valor e norma) mostrando que eles sempre se implicam e correlacionam-se; estabelecem uma conexão necessária. Esse é dividido entre em estático e dinâmico. 
O tridimensionalismo especifico estático, é evolução do tridimensionalismo genérico. Tal concepção cessa de apreciar fator, valor e norma, como elementos separáveis da experiência jurídica e passa a como perspectivas, fatores e momentos – não elimináveis do Direito, mas ainda sem uma correlação geral. Aqui o tridimensionalismo é apenas uma justaposição de esferas autônomas, no fundo incomunicáveis. 
O tridimensionalismo especifico dinâmico, também chamado de concreto é o posto por Miguel Reale. Aqui encontra-se a visão mais completa do direito, como um conjunto total de todos os seus fundamentos (valor, norma, fato). O Direito não é visto mais como algo solto no espaço, alvo de abstração, mas sim imerso na vida humana (fato social), um complexo de sentimentos e estimativas.
6. CONSEQUENCIAS DA TEORIA TRIDIMESNIONAL DO DIREITO
O tridimensionalismo trouxe alguns grandes reflexos para o Direito. Vejamos:
a) DIVISÃO EM RAMOS
O Direito poderá ser estuda por diferentes prismas.
No primeiro caso, visa-se atingir a norma para interpreta-la e aplica-la. Isto é, estamos no campo das ciências jurídicas, jurisprudência (Sentido clássico da palavra). Qual ciência estuda o fato segundo a norma valorada? A sociologia jurídica, segundo caso. O sociólogo do direito visa conhecer o fato social. Por último temos a Filosofia do direito, estudando os valores do direito, partindo da norma e percorrendo os fatos. Assim, temos:
Onde quer que se encontre a experiência jurídica, sempre estarão presentes os elementos fato, valor e norma, advindos daí as seguintes perspectivas dominantes da palavra Direito: o direito como valor do justo, estudado pela Filosofia do Direito; o direito como norma ordenadora da conduta, objeto da Ciência do Direito ou Jurisprudência; e, finalmente, o direito como fato social e histórico, objeto de estudo da Sociologia. Essa relação é denominada por Reale de “concreta correlação dialética de fato, valor e norma em todos os campos do conhecimento jurídico”.
Assim sendo, tanto o filósofo quanto o sociólogo e o jurista não podem estar separados. Não se pode dividir o estudo do Direito em três compartimentos distintos e independentes, mas sim, considerar a correlação (dialética de complementaridade) existente entre fato, valor e norma.
b) EXTENSÃO/FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO
Para mostrar essa outra consequência da visão tridimensional do direito, nada melhor que citar o exemplo concreto ocorrido com o próprio Reale. 
Pois bem, a história reza-se na época do individualismo que se seguiu o código civil de 1916. Havia em São Paulo uma grande casa de modas, chamada casa vogue – que marcava o esplendorda moda feminina. Casa Vogue cresceu tanto que seu dono resolveu derruba uma parede para aumentar sua oficina Sabendo disso, o locador entrou em ação de despejo porque havia uma cláusula no contrato que proibia alterações no imóvel alocado. O inquilino procurou desesperadamente Miguel Reale, pois ia perder a oficina no coração de São Paulo. Reale disse ao tribunal de justiça de São Paulo o seguinte: “Ilustres desembargadores, o que houve foi uma mudança essencial no plano dos fatos. O Código Civil brasileiro foi feito numa época que as paredes sustentavam edifícios, mas, hoje em dia, quando os edifícios são de estrutura metálica, ou de cimento armado, as paredes internas são removíveis, não afetam a estrutura do edifício. Quando o inquilino sair, ao termino do contrato, ele porá a parede no lugar”. Reale ganhou a causa.
O que vemos aqui, é uma sustentação de tese que vai para além do Direito positivo. Esse é um exemplo da praticidade da tridimensionalidade do direito, sendo que se o direito fosse visto apenas como norma, a tese defendida não seria possível. No entanto ela baseia-se em fatos sociais (maior desenvolvimento civil, prédio) sustendo-se em valores. 
Assim, às luzes da teoria da tridimensionalidade do Direito, uma norma sem sofrer qualquer alteração, nem mesmo de uma virgula, passa a significar outra coisa. 
7. CONCLUSÃO
Miguel Reale proporciona novos rumos ao estudo da ciência jurídica. Apresenta uma visão inovadora e integrada no Direito, atingindo-o em sua plenitude. Assim, às luzes do tridimensionalismo realeano, novos mundos se descortinaram. Percebe-se que a nova visão conferida proporciona uma maior proximidade das leis com os ideais de justiça e uma sequência de normas que visam realmente servir e guiar o homem em seu desenvolvimento. 
Esta teoria, ao trabalhar com a experiência jurídica, tem como característica a própria atualização dos valores e o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico. Neste sentido, expõe que tais elementos ou fatores não podem existir separados um dos outros, coexistindo como uma unidade concreta. Pois, estes fatores não só se exigem de forma recíproca, mas atuam como uma ligação de um mesmo processo, sendo desta forma o Direito uma interação dinâmica e dialética dos três elementos que o integram. Desta forma, percebe-se que para ele o Direito é dinâmico e esta característica só pode ser compreendida se levarmos em consideração não só a dimensão norma, mas também as dimensões fato e valor. Por todo exposto, verifica-se a grande contribuição da Teoria tridimensional do Direito e a sapiência do jurista brasileiro ao desenvolve-la, com a consequente evolução do ordenamento jurídico como um todo.

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