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O DIREITO DE MORRER NO BRASIL: ESTUDOS ACERCA DAS MANIFESTAÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE Caroline Leite de Camargo Mestre em Direito. Professora Adjunto II na UniRV. Coordenadora do Projeto de pesquisa. GT 2 -Ciclo de Políticas Públicas e Interfaces com o Direito Resumo expandido O presente resumo expandido tem seu fundamento no projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvido de forma voluntária na Universidade de Rio Verde, desde fevereiro de 2019, tendo como principal objetivo investigar a possibilidade de um direito de morrer com dignidade no Brasil, bem como os reflexos desse direito para a medicina e demais ciências da saúde e para o direito. O envelhecimento da população, graças aos incontáveis avanços que as ciências da saúde encontraram no último século tem propiciado que muitos indivíduos se tornem centenários, gozando de relativa qualidade de vida, tendo em vista que é comum algumas limitações em decorrência do próprio envelhecimento. Contudo, o grande problema se encontra quando o envelhecimento não se dá de forma saudável e o indivíduo vem a desenvolver doenças, que em muitos casos podem ser degenerativas e debilitantes, que trazem grande sofrimento, como é o caso de muitos tipos de Câncer, Mal de Parkinson e Alzheimer. Diante dessas doenças, em que há poucas chances de cura, o indivíduo passa a enfrentar um fim de vida angustiante, em que começa a se tornar dependente de outras pessoas para executar tarefas básicas, e nessas circunstâncias, quando se está em uma situação terminal, o prolongamento artificial da vida ou mesmo o uso desmedido de tecnologias pode se tornar um verdadeiro tormento, violando a dignidade da pessoa. Infelizmente, muito embora a vida e a morte sejam inerentes a todo ser vivo, ainda há um grande tabu no Brasil a respeito do assunto, sendo que muitas pessoas tentam fugir do assunto, e a ciência, em grande parte, tenta desenvolver mecanismos para se retardar ou mesmo evitar a morte, porém, esta é inevitável e faz parte da própria vida, devendo ser respeitada e encarada como um processo, que deve ser vivenciado da melhor forma possível (ARANTES, 2016). Os indivíduos humanos são os únicos seres vivos que possuem plena consciência da finitude da vida, o que gera uma infinidade de sentimentos, como a tentativa de retardar a chegada da morte. E tanto a vida como a morte possuem interferência estatal na tentativa de regulamentar as situações, contudo, é indispensável que o indivíduo seja respeitado em sua integridade e vontade, incluindo a forma pela qual deseja vivenciar seus últimos momentos de vida (GOZZO; LIGIEIRA, 2012). Nessa seara, o biodireito é uma das áreas do direito que tem se concretizado nos últimos anos, diante da necessidade de mecanismos de regulamentação, proteção e garantias inerentes à vida diante do desenvolvimento da ciência. E, de forma interdisciplinar, atua juntamente com a bioética e ciências como a medicina, a fim de tentar encontrar pontos em comum. (MALUF, 2020) A problemática que envolve o desenvolvimento da pesquisa pode ser resumida da seguinte forma: até que ponto é possível se falar em vida com dignidade quando se está em estado terminal, passando por grande sofrimento? É possível se falar em um direito de morrer com dignidade para pessoas que se encontram em estado terminal e manifestem sua vontade antecipadamente tendo como intuito o não prolongamento artificial da vida? A ausência de legislação específica acerca do exercício da autonomia de vontade do paciente nos últimos momentos de sua vida trazem uma infinidade de problemas, que envolvem tanto o paciente e sua família, que podem discordam a respeito do assunto, como também para os profissionais da saúde, que não possuem segurança jurídica para exercerem sua atividade. O Conselho Federal de Medicina, visando amenizar o problema elaborou resoluções, como a Resolução 1.805/06 e 1.995/12, que tratam da ortotanásia, ou seja, da possibilidade do médico, visando respeitar a vontade do paciente ou mesmo evitar o prolongamento do sofrimento, decide não usar métodos artificiais para o prolongamento da vida, permitindo que o paciente morra no tempo certo. Além disso, há previsão ainda das Diretivas Antecipadas de Vontade, em que o paciente pode manifestar as suas vontades, e o médico anota no prontuário, a fim de que possam ser consultadas quando em uma situação de terminalidade da vida. Porém, como o assunto ainda não está devidamente pacificado pela legislação, não raro situações envolvendo o assunto chegam aos Tribunais, em que pessoas buscam por um direito de morre com dignidade, como o STJ no caso AgR MI: 6825 DF – Distrito Federal- oo14429-87.2017.1.00.0000, Rel: Min. Edson Fachin, data do julgamento: 11/04/2019, Tribunal Pleno. A pesquisa tem acontecido através da realização de revisão de bibliografia, com a utilização do método hipotético-dedutivo, em que tem sido analisadas legislações, bem como Resoluções do Conselho Federal de Medicina a respeito da temática, além de material científico de cunho interdisciplinar. Quanto aos resultados alcançados até o presente momento, foi desenvolvida uma pesquisa Pivic a respeito da temática, e um projeto Pibic está sendo orientado no momento. Os resultados da pesquisa foram apresentados no Congresso de Iniciação Científica de Rio Verde – CICURV. Além disso, houve a publicação de ao menos dois artigos científicos acerca da temática, além de encaminhamento de outros artigos para avaliação em revistas, que estão aguardando parecer. Haverá ainda a participação no XVII Congresso Internacional de Direitos Humanos, que se realizará em novembro de 2020, com apresentação de um resumo expandido e um artigo completo, ambos já aprovados. Diante de todo o exposto, é possível concluir, de forma parcial, uma vez que o projeto de pesquisa ainda está em desenvolvimento que o direito de morrer com dignidade no Brasil deve ser reconhecido e devidamente regulamentado, tendo em vista se tratar de mais um dos contornos envolvendo os direitos de personalidade e a dignidade humana e, uma vez que a vida e a morte fazem parte da integridade de cada pessoa, sendo a morte inerente a todos os seres vivos, é essencial que o processo de morrer possa ser o mais tranquilo e com menos sofrimento possível. É essencial que políticas públicas possam ser desenvolvidas a fim de tornar o assunto mais conhecido, para que pessoas que se encontram em uma situação de terminalidade possam exercer seus direitos, como o direito de escolha e de manifestar sua vontade acerca de tratamentos e procedimentos que gostaria de receber e quais considera dignos. Assim, uma pessoa que esteja em estado terminal deve ter a sua vontade respeitada e, caso o indivíduo se manifeste contrário a manutenção artificial da vida, deve haver o respeito para tal manifestação, tanto por familiares como equipe médica. Ainda é cedo para se falar no país a respeito de eutanásia, contudo, a ortotanásia já é um procedimento defendido pelo Conselho Federal de Medicina e, visando sempre o bem-estar do doente em seu processo de morrer, deve ser respeitado. Insta salientar que o direito de morrer com dignidade deve ser analisado com muito cuidado e somente ser reconhecido em situações muito específicas, em que a pessoa está doente, em estado irreversível e a morte seja uma certeza e próxima, além disso, para que seja aplicado tal direito, é essencial que a pessoa manifeste sua vontade, bem como se encontre em uma situação de sofrimento. Palavras-chave: Dignidade Humana. Vida e morte. Autonomia de vontade. Referências ALVES, J. A. Lindgren. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2013. ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. 1. ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2016. BARBOZA, Heloisa Helena. A autonomia de vontade e a relação médico-pacienteno Brasil. In: Bioética e direitos da pessoa humana. Gustavo Pereira Leite Ribeiro; Ana Carolina Brochado Teixeira. (coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 53-66. BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. 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