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ALEXANDRE TEIXEIRA FELICIDADE S.A. Por que a satisfação com o trabalho é a utopia possível para o século 21 Porto Alegre /2012 © Alexandre Teixeira, 2012 Capa Eder Redder Revisão Fernanda Nunes Barbosa Tito Montenegro Versão ebook Cristiano Ferrazzo Todos os direitos desta edição reservados a ARQUIPÉLAGO EDITORIAL LTDA. Avenida Getúlio Vargas, 901/1604 CEP 90150-003 Porto Alegre — RS Telefone 51 3012-6975 www.arquipelagoeditorial.com.br Para Gabriela, minha mulher, e Mara, minha mãe. As mulheres da minha vida. E para Oswaldo, meu avô, que tanto me ensinou. Sumário Prefácio Introdução PARTE I -O que nos faz felizes (ou infelizes) no trabalho 1. A caminho do trabalho 2. Motivação, propósito, valores... O que te tira da cama de manhã? 3. O que dinheiro tem a ver com felicidade 4. Metas (e bônus) na berlinda 5. Rebeldes com causa: negócios sociais e empresas com bandeiras 6. Autoconhecimento: Dilbert no divã 7. Liderança: por um mundo livre de babacas 8. Equilíbrio: meu nome não é (só) trabalho PARTE II -Uma breve história da (in)felicidade no trabalho 9. Será que estou falando grego? Origens filosóficas do sofrimento dos ocupados 10. A nova era do quê? Transcendência, empatia e outras pequenas rebeldias PARTE III - A geoeconomia do bem-estar e nosso lugar neste mapa 11. A copa do mundo da felicidade 12. Felicidade Interna Bruta: o que há para medir além do PIB 13. Uma economia sem crescimento? 14. O homem cordial tipo exportação 15. Do paternalismo da empresa de dono à meritocracia à brasileira PARTE IV -Um novo mundo (mais feliz) para o trabalho 16. Sem escritório, sem horários... com resultados 17. Enquanto o mundo novo não vem (e o velho não volta) PARTE V -Empresas felizes 18. A transformação do homem transforma a empresa 19. “Tire seu sonho da gaveta”:a história do Laboratório Sabin 20. Funcionário patrão: os donos da Promon são os próprios empregados 21. Felicidade, com o nome limpo na Serasa 22. Gestão de palhaços: o caso dos Doutores da Alegria 23. A transformação do homem transforma a empresa II 24. A “desterceirização” da Vivo Por que ser feliz é estratégico Notas Prefácio “No meio da jornada da minha vida, eu me vi em uma floresta escura, por ter perdido o rumo certo.” DANTE Em 1936, recuperando-se de um período em que, por assim dizer, perdeu o eixo, F. Scott Fitzgerald escreveu uma série de três ensaios para a revista Esquire em que relata a experiência com rara honestidade. A breve trilogia foi reunida em um livrinho chamado The crack-up. Há ali uma passagem que de algum modo parece resumir minha sensação depois de sair da revista onde trabalhei e fui feliz por quatro anos. “Assim, já não havia mais um ‘eu’, não havia uma base em que eu pudesse organizar a minha autoestima, salvo a minha capacidade ilimitada de trabalho que eu parecia não possuir mais. Era estranho não ter um eu, ser como uma criança abandonada, sozinha numa casa imensa, que sabe que agora pode fazer tudo o que quiser, mas descobre que não há nada que queira fazer.”1 Neste final de junho de 2012, a dias de completar um ano desde que deixei Época Negócios, ainda me sinto um pouco como o garoto pequeno na casa grande — embora com 41 anos e voluntariamente confinado em um apartamento de 74 metros quadrados. Fitzgerald encerra sua narrativa num tom de resignação austera e triste. “Isto é o que penso hoje: que o estado natural do adulto senciente é uma infelicidade qualificada”, afirma. Prefiro acreditar que o “crack-up” é o possível início de algo novo, diferente, talvez melhor. “Uma crise é uma coisa terrível para se desperdiçar”, escreve o consultor David Ulrich em The why of work, um livro de um universo tão distante quanto se pode conceber da obra de Fitzgerald. “Felizmente, quando as crises nos param em nossas trilhas, elas podem também nos fazer parar e pensar, e pensar pode ser o início do processo de criar sentido no trabalho e em todo o resto.” Dito de outro modo, para deixar Fitzgerald em paz na companhia de outro gigante, “uma vez que somos jogados para fora de nossos rumos habituais, pensamos que tudo está perdido; mas é só aí que o novo e o bom começam”. É o que pensava Leon Tolstói. Este é um livro sobre felicidade no trabalho inspirado, em boa medida, pela ausência dela. Ela emana de amigos bem e mal empregados. De gente bem- sucedida e mal resolvida. De pessoas fazendo força para se manter em empregos que não toleram — ou enfrentando o desafio de mudar de vida com a vida andando, em busca de satisfação, aventura e significado. É inspirado, também, pelas exceções. Na alegria entusiasmada que às vezes surge meio que do nada quando a “pessoa certa” desembarca na “empresa certa”. Ofereço um flagrante de um raro momento desses, na forma de um e- mail que uma amiga me enviou em março, depois de umas poucas semanas em seu emprego novo. Olá Alex, Que bom ter notícias suas. Estou AMANDO o trabalho novo. Amando! O ambiente é incrível, só trabalho com pessoas brilhantes, de backgrounds muito diferentes (publicitários, jornalistas, artistas, músicos, arquitetos, designers, driel Realce sociólogos, psicólogos, pesquisadores, etc.) e supercriativas. Só chegam referências bacanas o dia inteiro, é uma curva de trends, música, eventos, tecnologia, moda, design, etc. que ainda estou aprendendo a processar. A empresa é totalmente orgânica, com alma feminina e 100% focada nas pessoas. Uma delícia! Me sinto em casa. E meu núcleo é o mais incrível de todos! Todos os projetos são de cocriação. Criamos desde briefings para produtos e serviços, plataformas de relacionamento, processos, modelos de negócio, you name it! Permissão para quebrar e repensar tudo. Uma delícia!! Se isso não é felicidade no trabalho, convenhamos que passa bem perto — para o caso de ter ficado curioso, a tal “empresa totalmente orgânica, com alma feminina” é a Box1824, uma companhia de pesquisa e inovação especializada em tendências de consumo e comportamento jovem, que é uma das personagens do livro. Das mais de 30 entrevistas que fiz para escrever este livro, uma das mais inspiradoras foi com Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria, o primeiro grupo de palhaços a “invadir” enfermarias, UTIs e quartos de hospitais no Brasil. Foi uma conversa sobre gestão. De gente. Wellington emprega 75 pessoas em sua ONG, sendo 50 palhaços. Administrar gente de nariz vermelho, pintura no rosto e sapatão parece mais engraçado de longe do que é na prática. Palhaços são artistas e, como tais, difíceis de cativar, inquietos, avessos à rotina. Ao reproduzir parte da conversa com Wellington na entrevista que fiz com Sergio Valente, presidente e sócio da agência DM9DDB, ele me disse que, na essência, o desafio é o mesmo que ele encara à frente de sua equipe de publicitários. “No fundo, o que todo mundo está buscando hoje é a recompensa social. E, nessa busca, as pessoas vão quebrar todos os paradigmas corporativos”, me disse Valente. A chave para a compreensão do atual momento histórico — e a tese que constitui a espinha dorsal deste livro — é a redução, em termos relativos, do papel do dinheiro na nossa relação com o trabalho. Com a supervalorização da recompensa financeira a partir da virada dos anos 70 para os 80 do século passado, a lógica trabalhista durante décadas resumiu-se a, com uma licença nada poética, engolir sapos em troca de um bom salário. Se é verdade, como tentarei demonstrar daqui em diante, que o peso do dinheiro na nossa “equação de felicidade” começou lentamente a diminuir no dia em que o Lehman Brothers fechou suas portas com um estrondo, abre-se espaço para outras variáveis crescerem em importância. Como a recompensa social mencionada por Valente. Aprendo com meu trabalho? Minha função é criativa? Convivo com gente bacana? Meu chefe é um cara inspirador? Se é assim, posso abrir mão de um salário maior para trabalhar em um lugar onde encontro mais desses ingredientes. Claro que, se puder conciliartudo, o pacote será melhor. O ponto a enfatizar é a decadência da monocultura financeira. Essa é a visão do cenário pela ótica do empregado. Pela ótica do empregador, a recompensa sócio-intelectual é um instrumento de retenção inteligente. Não ficar refém do aumento de salário para manter um empregado significa sair da ciranda financeira. Significa ter outros elementos para compor um pacote de compensação pelo trabalho. Minha intenção aqui é aprofundar temas sobre os quais escrevi nos últimos anos, em reportagens para Época Negócios, como estilos de liderança e cultura organizacional, e enriquecê-los com teoria e prática sobre motivação, remuneração, propósito, valores, ética, etc. O que me interessa é discutir: • O que faz as pessoas felizes (ou infelizes) no trabalho. • Quem são as pessoas (físicas e jurídicas) que decidiram levar a sério essa questão e estão criando ambientes de trabalho onde se persegue a felicidade. • Que momento é este, em que o mundo do trabalho (empresas, empreendedores, executivos, trabalhadores) se deu conta de que a felicidade das pessoas é um fator que se pode e deve gerenciar para conseguir melhores resultados. • Será que já se pode falar em uma contribuição original brasileira para a discussão internacional sobre satisfação e engajamento no trabalho? • Como se gerencia a felicidade no trabalho — seja o nosso autogerenciamento, seja a gestão do trabalho alheio pelas lideranças em organizações. • Por que vale a pena investir em felicidade no trabalho. Este livro nasce com a ambição de trazer alguma contribuição para um movimento, ainda difuso e subterrâneo, pela reforma das práticas de administração usadas no dia a dia das organizações — empresas, órgãos governamentais, ONGs e cruzamentos entre eles. Essas práticas são, em sua maioria, as mesmas dos tempos da Revolução Industrial, pouco adequadas para este início de século 21. Talvez seja este o aspecto mais negligenciado de todo o debate sobre sustentabilidade. Faz sentido que uma empresa se preocupe com o meio ambiente enquanto seus funcionários vivem existências infelizes dentro dela? Graças ao avanço da neurologia e das ciências cognitivas, a felicidade é um tema em voga, esmiuçado por psicólogos sociais, filósofos e economistas comportamentais, há mais de uma década. Em paralelo, gestão de pessoas talvez seja o tópico mais em evidência do estudo de administração de empresas no mesmo período, devido ao esgotamento de um modelo que se convencionou chamar de “comando e controle” e da entrada no mercado de trabalho de uma geração pouco afeita à disciplina de inspiração militar das empresas tradicionais. O cruzamento de dois temas tão explorados se justifica, a meu ver, pela tentativa de lançar um olhar jornalístico e brasileiro sobre debates dominados por acadêmicos americanos. Com subsídios fornecidos por uma parcela especial da elite empresarial do país. A discussão sobre uma cultura nacional de administração de empresas, por exemplo, é uma ousadia a que só me permito por estar em boa companhia. Muito do que há nas próximas páginas é fruto de conversas com algumas das melhores cabeças do mundo corporativo brasileiro. Empreendedores tão diferentes entre si como Antonio Luiz Seabra, da Natura, e Abilio Diniz, do Pão de Açúcar. Executivos de estilos distintos como Fábio Barbosa, ex-Real e Santander, hoje na Abril, e Fabio Coelho, presidente do Google Brasil. Gestores consagrados como Roberto Lima, Cássio Casseb e Enéas Pestana. E outsiders como Wellington Nogueira. As reclamações generalizadas sobre jornadas de trabalho intermináveis, a ditadura do Blackberry e a busca de sentido para o que fazemos todo dia no escritório sugerem que este é um bom momento para discutir modelos alternativos. A felicidade no trabalho, insisto, é o lado menos visível da sustentabilidade, ainda que talvez seja a utopia certa para o século 21. Introdução “A palavra felicidade simplesmente não é mais útil, porque a aplicamos a coisas diferentes demais.” DANIEL KAHNEMAN, pai da economia comportamental O que é felicidade? Depende. De onde e quando você nasceu. Da sua formação intelectual. Da sua profissão. Depende, a rigor, de tanta coisa que é quase inútil procurar uma resposta universal. Quase. Algumas definições ajudam a delimitar, de cara, o terreno em que vamos caminhar. A felicidade que nos interessa aqui não é a da neurolinguística dos livros de autoajuda. É a da neurociência dos livros de psicologia, economia, negócios, criatividade, inovação e — por que não? — filosofia contemporânea. Duas tentativas de conceituação de dois pioneiros da psicologia positiva ajudam a aplainar o caminho. Para Sonja Lyubomirsky, psicóloga russo-americana autora de A ciência da felicidade, ser feliz é experimentar emoções positivas com frequência e sentir que a vida é boa. Seu colega húngaro Mihalyi Csikszentmihalyi (pronuncia-se Mirrai Tiksenmirrai) desenvolveu o conceito de “flow”, ou fluxo, um estado no qual a pessoa está tão envolvida no que faz que nada mais parece importar. É um nível de concentração e envolvimento que não exige esforço mental, uma imersão completa na atividade. Para atingi-lo, é preciso encontrar o equilíbrio entre habilidades e desafios, perceber o resultado imediato das suas ações e ter objetivos claros. A primeira definição é boa para qualquer conversa sobre felicidade. A segunda ajuda a falar, em particular, sobre felicidade no trabalho. O economista Eduardo Giannetti é um dos intelectuais brasileiros mais engajados na discussão sobre o que torna as pessoas felizes. Para o autor de Felicidade, existem duas dimensões de satisfação com a vida. A primeira é objetiva e, como tal, pode ser medida “de fora” e transformada em indicadores, por exemplo, de moradia, nutrição, renda per capita e saúde. A segunda é subjetiva, interior. Logo, só existe na mente do indivíduo e só pode ser mensurada com base em impressões pessoais. A felicidade, para Giannetti, é algo que sucede na confluência dessas duas dimensões. É instintivo pensar que a primeira dimensão determina a segunda. Quanto melhor moramos e comemos, mais alto nosso salário, mais saudáveis e protegidos nossos filhos, maior nossa impressão de satisfação com a vida. A tal dimensão objetiva seria, então, econômica. Deveríamos falar de felicidade comprada pelo trabalho. Ignoraríamos, assim, um arsenal de evidências científicas recentes que demonstram o quanto essa relação de causa e efeito é mais tênue e complicada do que parece à primeira vista. É mais fácil perceber certas sutilezas partindo do macro para chegar ao micro. Do pós-Segunda Guerra até o fim do século 20, os Estados Unidos, a Europa e o Japão viveram tempos de prosperidade sem precedentes. Paradoxalmente, a proporção entre cidadãos felizes e infelizes nos países mais desenvolvidos do mundo quase não mudou naquele meio século. Por outro lado, em países emergentes como o Brasil, nos quais uma massa de indivíduos antes sem acesso a um mínimo de conforto de padrão contemporâneo ascendeu ao mercado de consumo nos últimos dez ou 15 anos, a média da população se declara mais feliz. A aparente discrepância na relação entre crescimento econômico e aumento da satisfação com a vida sugere que o trabalho e a renda são capazes, apenas, de comprar felicidade em países pobres. A partir do momento em que as nações atingem um patamar razoável de renda, a expansão adicional do PIB faz pouco pela felicidade de um povo. Os números variam de uma pesquisa para outra, mas US$ 10 mil anuais per capita parecem uma cifra respeitável. Quando se troca a lente global por uma de foco mais estreito, de alcance nacional, verifica-se que a relação entre renda e felicidade segue o mesmo padrão dentro de cada país. Há uma proporção maior de gente feliz entre os ricos do que entre os pobres, embora os acréscimos de renda em cada degrau da pirâmide social tornem-se menos relevantes à medida que nos afastamos da base. De novo, os valores dependem da fonte de dados utilizada. Nos Estados Unidos,mais dinheiro para quem já ganha cerca de US$ 20 mil anuais não significa quase nada em termos de satisfação com a vida. A partir desse patamar, promoções, bônus e outras recompensas financeiras só têm efeito de curto prazo sobre a felicidade do indivíduo. É como se continuar ou não trabalhando fizesse pouca diferença, uma vez assegurada a poupança suficiente. A felicidade no trabalho se tornaria irrelevante para a felicidade geral. Mas não é. Também neste particular, a relação entre as dimensões objetiva e subjetiva do bem-estar psicológico é mais complicada do que parece. Entre os cidadãos desempregados do mundo todo, registram-se taxas maiores de infelicidade e suicídio do que na média das populações investigadas. Isso é verdade, inclusive, nos países europeus com os mais generosos estados de bem-estar social, onde o seguro-desemprego é suficiente para reduzir a níveis quase indolores o efeito da perda de renda que acompanha o desligamento do trabalho. O desemprego aparece sempre relacionado, por exemplo, com menor expectativa de vida e maiores riscos de ataque cardíaco. Exceto pelos casos de estresse severo causado pelo desespero de ordem econômica, o problema é psicológico e tem relação direta com a perda de sentido para as vidas de quem deixa de trabalhar. Mesmo quando não há uma queda dramática no padrão de vida. UMA EPIDEMIA DE (IN)FELICIDADE A antropóloga americana Susan Andrews, radicada no Brasil há 20 anos, é uma pioneira da convergência entre felicidade e sustentabilidade. Em um livro e em um artigo sobre o tema publicados em 2011, ela chama a atenção para o que considera uma epidemia de estudos sobre felicidade. Pelas suas contas, nos primeiros cinco anos da década de 80, foram publicados apenas 200 artigos acadêmicos sobre a satisfação com a vida. Em contrapartida, só no período de 18 meses encerrado em agosto de 2011, esse número chegou a 27.335.1 Do outro lado dessa moeda, há uma epidemia de infelicidade bem documentada. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão era o quarto maior problema de saúde pública do planeta em 2010 e avançava para se tornar a segunda causa de invalidez até 2020. A procura da felicidade é uma indústria em crescimento. Livros de autoajuda geram cerca de US$ 1 bilhão em vendas anuais — uma fração modesta dos US$ 17 bilhões movimentados no mercado global de antidepressivos.2 O mundo do trabalho é um palco privilegiado para esse drama. Em 2005, a Towers Perrin, uma empresa de consultoria, conduziu uma pesquisa com 86 mil funcionários de grandes e médias companhias em 16 países. Uma pontuação agregada foi calculada para cada participante, medindo o quanto ele ou ela estava “altamente engajado”, “moderadamente engajado” ou “não engajado” no trabalho. Cerca de 85% dos participantes enquadraram-se em uma das duas últimas categorias. Em diversos países desenvolvidos, o engajamento dos trabalhadores está no nível mais baixo de todos os tempos. O Índice de Bem-Estar Gallup-Healthways, que tem consultado mais de mil adultos todos os dias desde janeiro de 2008, mostra que os americanos hoje se sentem pior do que nunca em relação a seus empregos e a seus ambientes de trabalho. Perto de um terço deles, em todas as faixas de idade e renda, se declara infeliz ou desmotivado profissionalmente. Durante a última década, Teresa Amabile, uma professora da escola de negócios de Harvard, e Steven Kramer, um pesquisador independente, coletaram quase 12 mil registros em diários eletrônicos de 238 profissionais em sete companhias dos Estados Unidos. O estudo mapeou o estado psicológico de cada pessoa a cada dia e pediu aos participantes para descrever um evento que se destacou a cada 24 horas. Em um terço dos 12 mil registros, o trabalhador estava infeliz, desmotivado ou ambos — um número consistente com a pesquisa Gallup-Healthways, mais ampla e menos profunda.3 O Gallup estima o custo da crise de desengajamento americana em US$ 300 bilhões anuais em perda de produtividade. “Quando as pessoas não ligam para seus empregos ou seus empregadores, elas não comparecem consistentemente, produzem menos ou a qualidade de seu trabalho sofre”, escreveram Teresa e Steven em um artigo para o New York Times.4 A julgar pelos resultados dos raros estudos feitos no Brasil, a situação nas organizações daqui pode ser ainda pior. Uma pesquisa da consultoria de recursos humanos Right Management com 5.685 trabalhadores brasileiros obteve 48% de respostas negativas à pergunta “Você é feliz no seu trabalho atual ou na sua última ocupação?”. Coordenada por Elaine Saad, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, a enquete foi divulgada em agosto de 2011, durante o Conarh ABRH: Congresso Nacional Sobre Gestão de Pessoas. De acordo com ela, há mais mulheres infelizes com seus trabalhos (59% da amostra) do que homens (41%). Mais da metade dos participantes apenas graduados (53%) se declararam “não felizes” com o trabalho. Entre os profissionais com doutorado, a infelicidade não passa de 41%. Como a pesquisa se limitou a uma única pergunta, é difícil tirar conclusões sobre as razões para esses níveis altos de insatisfação com o trabalho. Em uma segunda etapa do trabalho é que Elaine pretende perguntar o porquê da (in)felicidade. O peso da autonomia, de todo modo, parece evidente. Donos de empresas e autônomos têm nível de felicidade mais alto do que empregados. Dos “sócios de empresas” que responderam à enquete, 79% se disseram felizes. Que não se confunda empreender com viver de bico. Entre os trabalhadores informais, 67% responderam “não” à questão sobre felicidade. Contrariando o senso comum, houve mais respostas positivas entre funcionários públicos (52%) do que entre trabalhadores do setor privado (50%). Já a distribuição da felicidade pela pirâmide organizacional não trouxe surpresas. O maior índice de felicidade foi verificado entre os presidentes de empresa (82%). E o menor, entre assistentes (37%). Dentre os profissionais formados em administração de empresas, 51% se disseram “não felizes”. À CUSTA DE QUÊ? Do desengajamento nos Estados Unidos à infelicidade com o trabalho no Brasil, há um pano de fundo comum que podemos chamar de crise de propósito. Desafiando sem querer as evidências científicas, muitos de nós continuamos a trabalhar (só) por (mais) dinheiro. Mesmo sem precisar. No livro Qual é a tua obra?, de 2007, o filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella formula perguntas pertinentes sobre isso: “Até onde eu, executivo, vou levar minha vida ao esgotamento, à custa de quê? De ter mais relógios, canetas, carros, de poder consumir mais? Se eu estou perdendo a vida, estou vendendo a minha alma”. O trabalho alienado é um tema caro às mais diferentes escolas filosóficas. Ocuparam-se dele, de Demócrito, no quinto século antes de Cristo — “A labuta contínua torna-se mais fácil de suportar à medida que nos habituamos a ela” —, a Adorno, em meados do século passado — “Só o astucioso entrelaçamento de trabalho e felicidade deixa aberta, debaixo da pressão da sociedade, a possibilidade de uma experiência propriamente dita. Ela é cada vez menos tolerada.” Poucos trataram tanto do assunto como Nietzsche — “O que debilita mais rapidamente do que trabalhar, pensar, sentir sem uma necessidade interna, sem uma profunda escolha pessoal, sem alegria, como um autômato do ‘dever’?” Freud, Hegel, Engels, Mill, todos tinham algo relevante a dizer sobre a alienação. Essa preocupação pode ser rastreada até a “escola de Chicago”, berço do que alguns chamam de neoliberalismo. “Quando refletimos que a atividade produtiva ocupa a maior parte das horas que a grande maioria da humanidade passa acordada, decerto não se pode supor sem investigação ou exame que a produção é tão somente um meio, um mal necessário, um sacrifício feito em nome de algum bem inteiramente fora do processo de produção”, escreveu Frank Knight, um dos fundadores da faculdade de economia da Universidade de Chicago. Também entre os economistas, o trabalho alienado é um ponto de convergênciapara várias correntes há mais de um século. A novidade é que, além de ser condenável por motivos éticos, o trabalho alienado agora é visto como um péssimo negócio. Se não se sente parte do negócio, empregado nenhum leva sua criatividade para o trabalho todo dia. Talvez nunca tenha levado, é verdade. Braços costumavam interessar mais às empresas do que cérebros. Até que, com o desenvolvimento da tecnologia da informação, as legiões de “autômatos do dever” tornaram-se menos valiosas. Pelo menos nos setores associados à economia do conhecimento, a maioria dos trabalhadores já não tem (ou não precisaria ter) uma jornada imposta de fora para dentro, como no processo produtivo tradicional. A cada avanço tecnológico, a produção de bens e serviços passa a demandar mais iniciativa. Em contrapartida, o profissional não vende mais sua força de trabalho. Vende criatividade e diligência. Não pode mais esperar ordens para agir. Essa mudança de paradigma tem menos a ver com um aumento do nível de consciência dos empresários do que com a velha e conhecida necessidade de maximizar os lucros. De produzir sempre mais e mais rapidamente. Atingiu-se, do meio para o fim do século passado, o ápice dos ganhos de produtividade arrancados do trabalhador alienado pelo aperfeiçoamento dos sistemas de punição e recompensa. Desde então, o mundo empresarial vem procurando novas formas de motivação para manter o sistema acelerando. É uma volta ao princípio. “O prazer aperfeiçoa a atividade”, dizia Aristóteles. Hoje se entende, na maioria das organizações, que um bom líder tem de estar preocupado com o nível de prazer que seus liderados extraem do trabalho cotidiano. Se não obtiverem satisfação o bastante, esses trabalhadores não vão se tornar exímios em seja lá o que fazem. Se a nova orientação é essa, por que as pesquisas mostram tão baixo engajamento? Por que tantos trabalhadores estão infelizes com o que fazem? Se você procura respostas, olhe para a cúpula das empresas. A crise desencadeada em 2007 e 2008 uniu consumidores, trabalhadores e investidores em uma profunda reprovação dos padrões de conduta no mundo dos negócios. A rigor, a tolerância com malfeitos de executivos vinha se esgotando desde os primeiros anos deste século, devido a escândalos corporativos como os da Enron e da WorldCom. Uma enquete do Centro de Pesquisas em Opinião Pública Roper, conduzida em julho e agosto de 2005, revelou que só 2% dos investidores americanos acreditavam que os presidentes de grandes companhias eram “muito confiáveis”, e 72% acreditavam que agir errado é lugar-comum nas empresas. Um trabalho semelhante feito pela Yankelovich, especialista em pesquisas de mercado, mostrou que 80% dos consumidores americanos julgavam que o mundo dos negócios estava preocupado demais em produzir lucros e relutante em assumir responsabilidades com trabalhadores, clientes, comunidades e meio ambiente. Os avanços tecnológicos das últimas décadas resultaram em um crescimento exponencial da produtividade geral. Mas não no aumento da satisfação dos trabalhadores com suas atividades. Os sobreviventes das reengenharias dos anos 90 produzem hoje o mesmo que três pessoas produziam no passado. Nem por isso recebem o triplo — e, quando recebem, estão exaustos demais para desfrutar do rendimento extra. Criou-se um contrassenso. Os empregados se sentem sobrecarregados e frustrados pelo progresso de suas empresas. Uma saída enganosamente simples é levar o sistema de punição e recompensa a um novo patamar, premiando o bom desempenho além do imaginável poucas décadas atrás. O sistema financeiro fez isso melhor do que qualquer outro setor nas últimas décadas. Estamos todos pagando o preço dessa experiência no momento. Inclusive a mão de obra de Wall Street. Uma pesquisadora da Universidade do Sul da Califórnia, Alexandra Michel, relatou os efeitos do ambiente de trabalho estressante dos bancos de investimento americanos, citando insônia, alcoolismo, palpitações, desordens alimentares e temperamento explosivo entre os malefícios para a saúde desse tipo de emprego. Vamos dar uma boa olhada nesse universo no capítulo 5. Há uma outra abordagem para o problema da infelicidade no trabalho ganhando força. Ela é em tudo oposta à dos bancos de investimento. Tem pouco a ver com o darwinismo corporativo levado ao paroxismo da década passada e tudo a ver com idealismo e renovação. Por isso mesmo, é mais visível no universo jovem e na cultura pop. Em meados de 2011, o New York Times mediu a frequência das palavras- chave em 40 das centenas de discursos de formatura proferidos na primavera daquele ano nos Estados Unidos.5 Talvez por causa da periclitante condição da economia americana, os vocábulos “mundo”, “país”, “amor” e “serviço” apareceram mais que “dinheiro” e “sucesso”. Para muita gente, o emprego ideal se metamorfoseou daquele que oferece mais dinheiro para o que oferece mais significado — de preferência, com um salário competitivo. As pessoas estão rejeitando trabalhos em instituições financeiras de moral questionável. Trocando contracheques gordos por cargos que as façam se sentir bem. Empreendendo. Em The start-up of you, Reid Hoffman, um dos fundadores da rede social LinkedIn, sustenta que não podemos mais cultivar a expectativa de encontrar um emprego satisfatório. Em vez disso, devemos criar nossos empregos. O mundo do trabalho mudou na última década. Mudou na direção das estruturas organizacionais menos hierárquicas e mais colaborativas. Na direção das empresas conectadas, das redes de informação internacionais e multiculturais. O que talvez esteja faltando, para elevar os níveis de satisfação e engajamento, é um tipo peculiar de despoluição do ambiente empresarial. Algo capaz de conectar felicidade no trabalho e sustentabilidade. A palavra poluição foi cunhada no século 14, com um sentido espiritual, imaterial. Poluir significava dessacralizar o corpo e a alma. Só no fim do século 19 é que a palavra adquiriu o sentido que tem hoje. “Tragicamente, com a mudança do significado de poluição, nos tornamos cada vez mais preocupados com a contaminação de nosso ambiente externo, natural, enquanto ignoramos a dessacralização de nosso ambiente interno, mental”, escreveu o ativista americano Micah White, editor da revista Adbuster e pai da ideia do movimento Ocupe Wall Street. Por essa lógica, o trabalho alienado é uma forma de poluição. Assim como o trabalho (só) por mais dinheiro. A meta (só) pelo bônus. A produção (só) pelo crescimento. Em uma edição recente sobre felicidade no trabalho, a revista Harvard Business Review pergunta: “Por que falar de felicidade quando boa parte da economia mundial segue prostrada e gente do mundo todo sabidamente anda infeliz?” A resposta: “Porque novas descobertas na neurociência, na psicologia e na economia tornam absolutamente claro o elo entre uma força de trabalho feliz e contente e resultados melhores para a atividade empresarial. A felicidade pode ter um impacto tanto para a empresa como para um país. E o movimento para medir o bem-estar nacional com outros critérios que não o PIB pode ser um divisor de águas: como sabemos, o que é medido é administrado. A ciência da felicidade já avançou muito. Seria tolice não tirar proveito desse conhecimento.” Faço minhas essas palavras. Se felicidade é viver emoções positivas com frequência e sentir que a vida é boa; se uma das grandes emoções positivas é um envolvimento tão intenso com o que fazemos que nada mais parece importar, não faz sentido continuar usando o trabalho para financiar a busca da satisfação — a ser gozada em casa com a família, na rua com os amigos, ou em qualquer outro lugar bem longe do escritório. As vidas pessoal e profissional estão se fundindo de um modo inédito. Logo, quem não busca felicidade no trabalho, não busca felicidade na vida. A corrida para comprar felicidade, pela via do consumo, está na origem da epidemia de infelicidade dos últimos anos. Da crise de propósito. Patrocinada, de bom grado, pelo capitalismo financeiro contemporâneo. Se omundo corporativo já constatou que o trabalho alienado não é mais suficiente para maximizar os lucros, está criada a oportunidade para a tal volta ao princípio. Para a saída de cena (gradual) do sistema extremado de punição e recompensa. E o florescimento da nova abordagem “despoluidora”. Na primeira parte deste livro, vamos discutir um modelo de motivação centrado em propósito e valores e questionar (mas não contestar) o papel da remuneração financeira, das metas e dos bônus nos pacotes de felicidade das organizações contemporâneas. Como se verá, há misturas diferentes desses ingredientes que resultam em receitas apetitosas para uns e indigestas para outros. Essa é a ideia. Respeitados os princípios éticos, uma cultura organizacional não é melhor que outra. O segredo está em identificar e atrair as pessoas certas para cada tipo de organização — e manter ambientes saudáveis, propícios ao desenvolvimento pessoal. Daí a discussão sobre autoconhecimento, liderança e equilíbrio entre trabalho e lazer. A segunda parte do livro é uma tentativa de contextualizar toda essa conversa sobre (in)felicidade no trabalho. Vamos partir da má fama original da labuta — coisa de escravos na Antiguidade — e avançar até os dias dos filósofos iluministas que colocaram a felicidade (ou utilidade, como se dizia então) no centro de seus sistemas. Seguiremos pela trilha dos grandes pensadores da economia e da administração (Smith, Taylor, Drucker e grande elenco) até chegar aos reformistas do presente. À “Era da Transcendência”. A discussão sobre os limites do PIB como indicador de desenvolvimento dos países — e as possíveis alternativas — está concentrada na Parte III. Felicidade Interna Bruta, Índice do Planeta Feliz, o conceito de economia sem crescimento e comparações entre os níveis de felicidade dos países serão cobertos ali. Com ênfase, claro, no Brasil. Somos vistos como um dos países mais felizes do mundo. Certamente, o mais confiante no futuro. Mas estamos no meio de uma transição do paternalismo legado pelos nossos capitães da indústria a algo que pode se tornar um modelo brasileiro de meritocracia. Há dores nesse crescimento. Mas, sendo otimista, podemos estar presenciando a criação de uma cultura empresarial própria, centrada em nossa proverbial cordialidade, com alguma perspectiva de exportação. A penúltima parte do livro trata do novo mundo do trabalho. Um mundo habitado por autônomos, free lancers, empreendedores e cocriadores. Em que nossas casas e os Starbucks da vida têm tanto apelo quanto escritórios de última geração. Onde matar o tempo é obrigatório. Como tudo isso ainda é futuro para a maioria, convém investigar e entender o que as boas companhias do mundo estão fazendo hoje para injetar felicidade em suas sedes. A quinta e última parte é dedicada a exemplos de empresas felizes. Aqui tampouco há práticas universais. Virando Tolstói de ponta-cabeça, dá para dizer que todas as empresas infelizes se parecem, mas cada empresa feliz é feliz à sua maneira. Tendências, é claro, existem e podem ser replicadas. As melhores prestadoras de serviços, por exemplo, estão deixando para trás o clichê do foco no resultado e se concentrando na sua gente. Líderes empresariais em processo de transformação pessoal estão transformando suas organizações. Sejam empresários já consagrados preocupados com seus legados, como Abilio Diniz, ou executivos ambiciosos em busca de iluminação, como Sergio Chaia, o presidente budista da Nextel. No Epílogo, um apanhado de boas razões para se colocar a vida boa, no sentido filosófico do termo, no centro de nossos modelos de negócio — como pessoas físicas e/ou jurídicas. Porque a felicidade, além de fazer bem, pode ser lucrativa. PARTE I - O que nos faz felizes (ou infelizes) no trabalho 1. A caminho do trabalho “Uma profissão nos torna irrefletidos; nisso está sua maior bênção.” NIETZSCHE Por mais de 60 anos, desde os tempos de Sigmund Freud, a psicologia se concentrou em descobrir o que há de errado com as pessoas — e ajudá-las a seguir adiante. Foi bem sucedida, sem dúvida. Ainda assim, alguma coisa ficou faltando. “Esquecemos de melhorar a vida das pessoas comuns. De tornar mais felizes, realizadas e produtivas as pessoas relativamente sem problemas”, afirmou Martin Seligman, um professor de psicologia da Universidade da Pensilvânia, em uma palestra feita em fevereiro de 20041, que se tornou disponível no site do TED mais de quatro anos depois e já foi vista mais de 1,1 milhão de vezes. Em 1998, Seligman se envolveu em um estudo sobre pessoas felizes. Com base em entrevistas e observação, constatou que elas não eram mais religiosas, não estavam em melhor forma física, não tinham mais dinheiro, não eram mais bonitas e não passavam por mais situações boas nem menos situações ruins do que as pessoas reunidas em um grupo de controle, com níveis mais baixos de felicidade. A única maneira pela qual se diferenciavam era por uma sociabilidade bem acima da média. O indivíduo de felicidade excepcional, confirmava-se no estudo, era aquele do tipo que nunca fica sozinho, que mantém relacionamentos amorosos e amizades duradouras. O interesse em aprofundar a pesquisa e compreender, com método científico, o que nos faz mais ou menos infelizes deu origem a uma nova disciplina — “uma ciência do que faz a vida valer a pena”, batizada por Seligman de psicologia positiva. Logo de início, uma de suas providências foi, com o auxílio de um colega chamado Chris Peterson, compilar uma lista de “sintomas” da felicidade — “o oposto de um manual de diagnóstico de insanidades”, como definiu Seligman. Em um primeiro momento, a dupla pesquisou toda lista de virtudes que pôde encontrar. Das inscritas nos livros sagrados até, sem exagero, as recitadas no juramento do escoteiro-mirim. Com esse banco de dados em mãos, Seligman e Peterson criaram tabelas de virtudes e trataram de identificar meia dúzia comum a quase todas as listas: sabedoria, coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência. Vários caminhos levam a cada uma delas, o que permitiu aos pesquisadores preparar uma relação de 34 fortalezas psicológicas associadas às seis virtudes universais. Com o perdão dos epicuristas, hinduístas, budistas e estoicos, essa é a melhor resposta articulada até hoje para a eterna pergunta: o que, afinal, faz o homem feliz? Faltava tratar do “como”. Conhecer os caminhos do bem não é garantia de trilhá-los. Já dizia Medeia, nas Metamorfoses de Ovídio: “Desejo e razão estão puxando em direções diferentes. Eu vejo o caminho certo e o aprovo, mas sigo o errado”. Seligman recrutou uma tropa de elite da psicologia para trabalhar com ele nos procedimentos para desenvolver as tais fortalezas psicológicas que levam à felicidade. Mihalyi Csikszentmihalyi, Dan Gilbert e Nancy Etcoff estavam entre esses pioneiros e transformaram-se em estrelas da psicologia positiva. Conforme os estudos avançaram, foram propostas 120 intervenções capazes de tornar as pessoas mais felizes. Uma das mais conhecidas e recomendadas por terapeutas cognitivos são as visitas de gratidão, transformadas em um exercício de autodesenvolvimento. Lembre de alguém que fez algo importante que mudou sua vida para melhor, a quem você nunca agradeceu. Escreva um depoimento de 300 palavras para essa pessoa, telefone para ela e pergunte se pode visitá-la — mas não diga por quê. Apareça na porta da casa dela e leia o depoimento. Sucessivos testes, com rigor científico, sugerem que, seja uma semana, um mês ou três meses depois dessa experiência, tanto quem agradece quanto quem ouve o agradecimento se revela mais feliz e/ou menos deprimido. Estudando essas intervenções, Seligman e seus companheiros identificaram três tipos (diferentes e complementares) de vidas felizes: • A vida prazerosa. “Uma vida na qual você tem tantas emoções positivas quanto puder e as habilidades para amplificá-las”, nas palavras de Seligman.2 • A vida envolvente. “Uma vida de trabalho, cuidado com os filhos, amores, lazeres.” • A vida comsignificado. Seligman já entendia, àquela altura, que a vida prazerosa tem, pelo menos, dois limitadores. O primeiro diz respeito à descoberta de que nossa capacidade de maximizar as emoções positivas é cerca de 50% hereditária. O segundo tem a ver com o fato de que nos acostumamos em pouco tempo com cada nova emoção positiva (ou negativa), o que nos obriga a perseguir uma depois da outra, sem cessar, para manter um padrão alto de felicidade. Já o segundo conceito de felicidade, o do envolvimento, é do tipo que se pode desenvolver e cujos avanços são cumulativos. No terceiro, o autodesenvolvimento consiste em buscar significado para tudo o que fazemos. Sem prejuízo do cultivo de uma vida interior, espiritualizada, é razoável supor que o mundo exterior, com seus prazeres e suas adversidades, tem influência em nossa felicidade. As questões relevantes são: quanta influência?, e quanto é possível manipulá-la a nosso favor? Nos primeiros anos deste século, Sonja Lyubomirsky, Ken Sheldon e David Schkade, três psicólogos radicados nos Estados Unidos, examinaram as evidências e perceberam que existem dois tipos de exterioridades: as condições da nossa vida e as atividades voluntárias. Parte das condições foge de nosso controle: sexo, etnia, idade e eventuais deficiências físicas, por exemplo. Outras são administráveis: local de residência, estado civil e situação financeira são ilustrativas. Já as atividades voluntárias, como o nome sugere, são coisas que decidimos fazer ou não a cada momento: estudar, exercitar-se, meditar e assim por diante. Uma das realizações mais impressionantes da psicologia positiva é o que esse grupo de pioneiros batizou de “fórmula da felicidade”. Em inglês, a equação é H = S+C+V (Happiness equals Set Point plus Conditions plus Voluntary Activities). Numa livre tradução, temos algo como F = P+C+A (Felicidade é igual ao Ponto Base mais as Condições Externas e Atividades Voluntárias). O Ponto Base corresponde aos 50% de nossa felicidade definidos pela genética. A outra metade é composta por apenas 10% de Condições Externas (ser mais rico ou pobre, feio ou bonito, saudável ou doente e assim por diante) e 40% de Atividades Voluntárias (ações intencionais que determinam nosso estilo de vida e nossa maneira de encarar a existência). Postas em perspectiva, as condições de vida parecem quase irrelevantes. Parte delas é dada, não podemos controlar. Além disso, somam apenas 10% da nota final. Ainda assim, estudos científicos demonstram que algumas condições são importantes quando se trata de potencializar a felicidade. Certas mudanças que podemos fazer em nossas vidas são capazes de nos tornar mais felizes de modo sustentável. Em certos casos, trata-se de evitar incômodos aos quais somos incapazes de nos adaptar. Barulho, por exemplo. As pesquisas mostram que as pessoas nunca se acostumam inteiramente a fontes crônicas de ruídos, seja uma rodovia movimentada próxima de sua casa ou um pianista de técnica duvidosa martelando as mesmas melodias por meses a fio um andar acima do seu (como o que, contra a minha vontade, fez a trilha sonora deste livro). O barulho, sobretudo quando variável e intermitente, dificulta a concentração e aumenta o estresse. Vale a pena, portanto, se esforçar para remover as fontes de ruído incômodas (mas não usar sua guitarra elétrica como instrumento de retaliação). O mesmo se aplica ao trânsito. Muita gente opta por se mudar para longe do trabalho em troca de uma casa maior. É um mau negócio, porque embora nos adaptemos em pouco tempo ao prazer de ter mais espaço, não nos acostumamos nunca aos deslocamentos maiores que somos obrigados a fazer. Sobretudo quando é preciso enfrentar tráfego pesado. Mesmo depois de anos fazendo o mesmo trajeto, quem passa muito tempo no trânsito continua chegando ao trabalho com níveis mais altos de hormônios relacionados ao estresse no sangue. Ainda que menor, um apartamento perto do escritório conta mais pontos no “felicitômetro”. Algumas condições de vida que nos deixam mais ou menos felizes são mais sutis. Ainda que, na média, as pessoas atraentes não sejam mais (nem menos) felizes que as feias, algumas melhorias na aparência levam a aumentos duradouros da felicidade. Gente que se submete a cirurgia plástica, por exemplo, relata efetivos aumentos na qualidade de suas vidas e reduções nos problemas de depressão e ansiedade nos anos que se seguem à operação. Os maiores ganhos foram relatados em operações de aumento ou redução dos seios. Jonathan Haidt, um psicólogo social, sugere que o modo de compreender os efeitos de tais mudanças é pensar sobre o poder da vergonha na vida cotidiana. “Mulheres jovens cujos seios são muito maiores ou menores que o ideal delas com frequência relatam sentir-se autoconscientes todos os dias sobre seus corpos. Muitas ajustam sua postura ou seu guarda-roupas em uma tentativa de esconder o que veem como uma deficiência pessoal”, escreve ele.3 Mais do que todas as demais condições de vida, os bons relacionamentos são apontados como decisivos para uma existência feliz. Leia-se “bons” tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Tanto como causa quanto como efeito da felicidade. “Bons relacionamentos fazem as pessoas felizes, e pessoas felizes desfrutam de mais e melhores relacionamentos do que as infelizes”, afirma Haidt.4 A via, neste particular, é sempre de duas mãos. Relacionamentos conflituosos, sejam com uma colega de trabalho, com o amigo com quem você divide o apartamento ou com seu marido, estão entre os modos mais seguros de reduzir sua felicidade. Somos capazes de nos adaptar a muita coisa ruim, mas não a conflitos interpessoais. “Faz mal todo dia, mesmo nos dias em que você não vê a outra pessoa, mas rumina sobre o conflito de todo jeito”, escreve Haidt. E quanto às atividades voluntárias? No que vale a pena se concentrar? Csikszentmihalyi inventou um método para investigar o impacto das mais diversas atividades sobre nosso nível de felicidade. Em seus estudos, os voluntários carregam um pager que apita diversas vezes por dia. A cada “bip”, o sujeito saca um caderninho e registra o que está fazendo no momento e o quanto está gostando. Milhares de pessoas foram “bipadas” dezenas de milhares de vezes nos experimentos, até que as conclusões começaram a brotar — uma delas sobre todas as demais. Existe um estado de espírito que, embora mundano, nos leva a uma espécie de iluminação. É o estado de imersão total em uma tarefa desafiadora, no limite das habilidades de uma pessoa. Csikszentmihalyi chamou tal estado de “fluxo”, porque ele é descrito com frequência como uma espécie de movimento sem esforço. Chega-se a ele em exercícios físicos, sobretudo os que demandam precisão e concentração extremos, como automobilismo ou esqui na neve. Entra-se em fluxo também pela arte, em especial quando há música envolvida e cria-se uma espécie de transe. Atividades criativas solitárias, como a pintura, também são propícias. O fundamental é que algumas condições estejam presentes: um desafio claro que atraia sua atenção, habilidades para encará-lo e um retorno imediato sobre como você está se saindo a cada passo — ultrapassar um adversário, marcar um gol, ser aplaudido... Atletas e artistas amadores à parte, a maioria das pessoas encontra seus momentos de fluxo enquanto ganha o pão. Se, no que diz respeito às condições de vida, usar bem nossa capacidade de amar é o melhor que podemos fazer para aumentar nosso nível de felicidade — além de evitar barulho, trânsito e seios grandes demais ou pequenos demais (se você for a dona deles) —, no âmbito das atividades voluntárias, o que faz a diferença é o trabalho. Então, vamos a ele. 2. Motivação, propósito, valores... O que te tira da cama de manhã? “Ser o homem mais rico do cemitério não importa para mim (...) Ir para a cama de noite dizendo que fizemos algo maravilhoso (...) isso importa para mim.” STEVE JOBS “Muitos de nós não trabalhamos por dinheiro apenas. Alguns querem mudaro mundo, outros, criar objetos de arte que permanecerão. Alguns batalham para ganhar a fama, enquanto outros ficam contentes em fazer o bem anonimamente. Para muitas pessoas, os efeitos visíveis do trabalho são a maior recompensa”, escreve o economista indiano Raghuran Rajan, ex-economista-chefe do FMI, em Fault lines, um estudo sobre a crise financeira global de 2008 que foi eleito o livro de negócios do ano pelo Financial Times em 2010.1 “Para o professor, testemunhar o momento eureca quando a compreensão enfim nasce em um estudante; para o médico, a alegria incrível de salvar a vida de um paciente; para o fazendeiro, a visão de acres e acres de trigo dourado oscilando gentilmente com a brisa — para todas essas pessoas, a motivação primária é saber que o trabalho faz do mundo um lugar melhor.” Rajan cita, em seu livro, um experimento feito por pesquisadores do MIT e da Universidade de Chicago sobre a importância de um significado para o trabalho. Observado por cientistas, um grupo de estudantes recebia peças de Lego para montar figuras humanas. Cada aluno tinha direito a uma recompensa por modelo montado, só que o pagamento era menor a cada homenzinho concluído, de modo que, em algum momento, o trabalho deixava de ser interessante do ponto de vista econômico. Numa das rodadas, os modelos montados eram deixados à frente do estudante à medida que ele ou ela trabalhava. Em outro momento, as figuras prontas eram desmontadas de imediato, e as peças voltavam a ser oferecidas. “A simples diferença entre permitir que o trabalho do participante permanecesse (ao menos pela duração de sua participação) e desfazê-lo de imediato, sem deixar vestígio, fez uma enorme diferença na disposição para trabalhar, ainda que os benefícios monetários fossem idênticos”, escreveu Rajan. Quando podiam ver o que estavam construindo, os estudantes montavam, em média, 10,6 homenzinhos cada um. Quando as figuras eram desfeitas, a média caía para 7,2. Professor de finanças na Universidade de Chicago, Rajan considera essa experiência de particular interesse para seus alunos, colegas e futuros profissionais do ramo. Em diversas funções no setor financeiro, é difícil enxergar os efeitos do trabalho de cada um. “Como o trabalhador em uma linha de montagem, o corretor que vende títulos emitidos para um projeto de energia elétrica raramente vê a eletricidade que é produzida: ele tem pouca percepção de qualquer resultado material de seu trabalho”2, afirma ele em seu livro. A medida mais direta da contribuição dada por um trabalhador do setor financeiro é o dinheiro que ele ou ela ganha para a firma onde trabalha. Essa é a razão da eficiência do sistema e também de sua vulnerabilidade. “Estamos aprendendo que o lucro como motivo, potente como ele é, pode ser insuficiente tanto para indivíduos como para organizações”, afirma Daniel Pink, o mais prestigiado especialista em motivação da atualidade, em seu livro Drive.3 O JURAMENTO DO MBA Na primavera de 2009, com a economia global se recuperando do quase colapso de setembro de 2008, uns poucos estudantes da escola de negócios de Harvard “olharam no espelho e se perguntaram (...) se eles eram o problema”, relata Pink. Temeroso de que, depois da crise, um diploma da mais conhecida escola de negócios do mundo se tornasse um mico, um grupo de alunos do segundo ano concebeu, assinou e divulgou uma carta de intenções que foi batizada de “O Juramento do MBA”. Começa assim: “Como um administrador, meu propósito é servir o bem maior ao unir pessoas e recursos para criar um valor que nenhum indivíduo pode criar sozinho.” Como vimos antes (e veremos com mais detalhes no próximo capítulo), psicólogos e economistas já encontraram evidências de que a correlação entre dinheiro e felicidade é fraca. Passado certo nível, uma pilha maior de notas não nos leva a um nível superior de satisfação. Uma pesquisa com estudantes recém-formados na Universidade de Rochester comprova essa teoria e sugere que o juramento de Harvard pode oferecer àqueles futuros administradores mais do que uma imagem positiva. As pessoas que têm metas relacionadas a propósito e sentem que as estão atingindo nos primeiros dois anos depois da formatura relatam níveis mais altos de satisfação e bem-estar do que quando estavam na faculdade e níveis baixos de ansiedade. O mesmo não pode ser dito dos recém-formados com metas baseadas em lucro — mesmo quando atingem seus objetivos. Isso significa que a satisfação depende menos de ter metas do que daquilo que Pink define como ter os objetivos certos. Na definição inspirada de Tamara Erickson, uma professora da própria escola de negócios de Harvard, o significado é a nova moeda. “É o que as pessoas estão procurando no trabalho. Valores organizacionais claros, traduzidos no trabalho do dia a dia”, afirmou ela em um texto para a versão digital da revista Harvard Business Review.4 Tamara vem conduzindo pesquisas sobre motivação e novas carreiras focadas em criatividade e colaboração. Segundo ela, seu trabalho “tem mostrado claramente que níveis altos de engajamento e o esforço adicional associado a eles ocorrem quando nossas experiências no trabalho refletem um conjunto claro de valores que compartilhamos”. A moeda de troca mais bem recebida pelo trabalho muda durante a vida. Na juventude, é o aprendizado. Depois, passa a ser o dinheiro. Em seguida, vira poder. Mais tarde é o prestígio. Depois pode se tornar um misto de desafio intelectual e qualidade de vida. Em geral, termina sendo a possibilidade de retribuição. “Chega um momento em que você quer dar [alguma coisa] de volta para a sociedade. Você vai dar aula, participar de conselhos, montar uma ONG”, diz Cassio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil e do Pão de Açúcar. “Não adianta dar prestígio para um cara que precisa de dinheiro. Não adianta dar um curso para um cara que necessita de poder. Você tem que adequar as moedas aos momentos que as pessoas vivem.” Casseb diz ter cometido erros na gestão de pessoas no começo de sua carreira. Dois ou três de seus melhores funcionários nunca se formaram. Nos anos 80, ele recrutava estagiários na Poli, a faculdade de engenharia da Universidade de São Paulo, e os levava para trabalhar no mercado financeiro. “O cara ia bem? Grana. Ia bem de novo? Responsabilidade. Se superava? Cargo. O cara ia subindo e acabava largando a escola”, diz Casseb. Promover rápido demais ou para a posição errada, não raro, é um castigo involuntário. Não é todo mundo que vai ser feliz liderando. “Às vezes você tem um cara que é um típico especialista”, diz Casseb. “É um sujeito para quem se deve dar mais responsabilidade ou mais dinheiro para que permaneça na posição onde está. Mas, por engano, você o promove para uma posição onde ele não tem prazer no trabalho — e vira um desastre.” A relação entre subir na vida e ser feliz é mais tênue do que pode parecer. “Não vamos achar que ser presidente [de uma empresa] é a concretização da felicidade”, diz Fábio Barbosa, hoje presidente-executivo do Grupo Abril. Há respaldo teórico para essa afirmação. “O prazer de conseguir o que você quer é frequentemente fugidio. Você sonha em ser promovido, ser aceito em uma escola prestigiosa ou terminar um grande projeto. Você trabalha todo o tempo em que está acordado, talvez imaginando (sobretudo nas horas difíceis) o quão feliz seria se apenas pudesse atingir essa meta. Então você tem sucesso e, se tiver sorte, ganha uma hora, talvez um dia de euforia”, afirma o psicólogo Jonathan Haidt, no livro The happiness hypothesis. “Mais tipicamente, contudo, você não tem nenhuma euforia (...), a sensação é mais de alívio — o prazer do fechamento e da entrega.” A moral da história parece ser que o importante, também em uma carreira, não é aonde vamos chegar, mas o quanto vamos nos divertir no caminho. A MÁSCARA SOCIAL DO BRILHO NOS OLHOS Desde pequenos, aprendemos a separar trabalho e diversão no tempo e no espaço. De início, são os professores que nos ensinam que a sala de aula não é lugar de brincadeira. Enquantoisso, os demais adultos insistem em nos dizer que adoram seus trabalhos — embora quase nunca pareçam sinceros. Levamos um tempão para entender que se trata de uma espécie de máscara social que teremos de usar quando ficarmos mais velhos. Gente bem-sucedida, aprendemos mais tarde, precisa exibir “brilho nos olhos” o tempo todo. Os pais nem sempre são insinceros. Com frequência, chegam exauridos ou entediados do trabalho e nem tentam disfarçar. Dia após dia. Em algum momento, acabam revelando a verdade: fazem esse sacrifício para manter um padrão de vida elevado para a família. O exemplo seria positivo, se não tivesse alta probabilidade de inibir a busca da felicidade no trabalho quando os filhos tiverem de decidir o que fazer da vida. Quanto, afinal, precisamos gostar do que fazemos? Se ignorarmos essa pergunta por julgá-la fútil, corremos o risco de abandonar cedo demais a busca por nossa verdadeira vocação. “Você acabará fazendo alguma coisa escolhida para você pelos seus pais, ou pelo desejo de ganhar dinheiro ou prestígio — ou por pura inércia”, escreve Paul Graham, um capitalista de risco do Vale do Silício.5 Um parâmetro sugerido por ele é: “Você tem de gostar do que faz o bastante para que o conceito de ‘tempo livre’ pareça equivocado. O que não quer dizer que você tenha de passar todo o seu tempo trabalhando. Você só pode trabalhar por algum certo tempo antes de ficar cansado e começar a pisar na bola. Aí você vai querer fazer outra coisa — mesmo que seja algo estúpido. Mas você não vai considerar esse tempo um prêmio e o tempo que gastou trabalhando como uma dor que suportou para conquistá-lo”. Um bom teste, sugerido por Graham, para descobrir se as pessoas amam para valer o que fazem da vida é perguntar se elas o fariam mesmo se não fossem pagas — mesmo que tivessem de arranjar outro emprego para sobreviver. “Quantos advogados corporativos fariam seu trabalho se tivessem de fazê-lo de graça, em seu tempo livre, e trabalhar de garçom durante o dia para sobreviver?”, pergunta Graham. “Parece seguro dizer que há mais aspirantes a romancista cujos pais querem que eles sejam médicos do que aspirantes a médico cujos pais querem vê-los transformados em escritores.” O escritor suíço-britânico Alain de Botton, famoso por popularizar filosofia, literatura e religião, observou que vivemos em uma era na qual nossas vidas são sacudidas com regularidade por crises profissionais. “Talvez seja mais fácil do que nunca ganhar a vida e mais difícil do que nunca estar tranquilo, livre da ansiedade com a carreira”, disse ele em uma palestra em Oxford.6 Segundo De Botton, é tão improvável hoje que você fique rico como Bill Gates como era para um plebeu do século 17 chegar à aristocracia. A diferença é que não parece ser assim. Livros e revistas de autoajuda querem nos fazer crer que, se tivermos energia, ideias brilhantes e uma garagem, podemos começar uma nova Microsoft. “Em boa parte do tempo, nossas ideias sobre o que significaria viver com sucesso não são as nossas próprias”, afirma ele. “Elas foram sugadas de outras pessoas (...), da televisão à publicidade.” A busca do sucesso é uma necessidade instintiva. Na lógica evolutiva da sobrevivência dos mais aptos, ficou para trás o tempo em que a força física para matar o inimigo ou conseguir mais comida era fator de desequilíbrio na atração de parceiros. Fomos reprogramados, então, para buscar o sucesso. Com o tempo, ser bem-sucedido, sobretudo do ponto de vista financeiro, tornou-se a vantagem competitiva mais relevante — sem relação necessária com ser mais feliz. Por essa premência instintiva, o ser humano contemporâneo corre o risco, o tempo todo, de abrir mão da busca da felicidade em nome da busca por sucesso e dinheiro. Este é o tema do próximo capítulo. 3. O que dinheiro tem a ver com felicidade “O materialismo é prejudicial à felicidade.” ED DIENER, autor de Happy people live longer O dinheiro compra felicidade? Em 2010, cientistas reunidos para investigações conjuntas publicaram1 os resultados do mais ambicioso estudo já realizado a partir dessa questão. Daniel Kahneman, caso único de psicólogo premiado com um Nobel de Economia, e Angus Deaton, um microeconomista escocês de renome, analisaram as vidas e os rendimentos de quase meio milhão de cidadãos americanos aleatoriamente selecionados. De acordo com a pesquisa, nos Estados Unidos de hoje, a renda média necessária para ser feliz — ou “experimentar bem-estar emocional”, como definem os autores — é de US$ 75 mil por ano. São US$ 6.250 por mês, equivalentes a R$ 12,7 mil ao câmbio oscilante do final de maio de 2012. Passado esse ponto, observaram Kahneman e Deaton, ganhos adicionais de rendimento não afetam as sensações de felicidade, prazer, tristeza ou estresse. Ou seja, quem ganha US$ 250 mil por ano não tem maior bem-estar emocional no dia a dia do que quem recebe os mágicos US$ 75 mil anuais. O número exato depende do custo de vida local. Então, no Mississipi dá para ser feliz com um pouco menos do que isso, enquanto em Chicago é preciso um pouco mais — a mesma lógica distinguiria o “preço da felicidade”, digamos, no Maranhão e em São Paulo. O ponto a destacar é a evidência científica da existência de um teto para a relação entre riqueza e felicidade. Economistas e psicólogos passaram décadas estudando essa relação. As conclusões convergem para o mesmo ponto: a riqueza aumenta a felicidade quando nos leva da pobreza à classe média, e pouco importa desse ponto em diante. Uma vez satisfeitas as necessidades básicas, a felicidade que se tira do aumento da renda é, muitas vezes, consequência do que os sociólogos chamam de “ansiedade de referência” e os economistas de “percepção da renda relativa” — a tendência a nos compararmos a vizinhos, cunhados ou colegas de trabalho para saber quem está melhor de vida. É por isso que preferimos um salário de 10 mil reais, se nossos pares ganharem 5 mil, a um pagamento de 20 mil reais, se eles receberem 30 mil. A associação entre dinheiro e felicidade depois de atingido um nível de conforto não é nada saudável. Ela costuma levar a uma corrida consumista por “bens posicionais” — que se traduz, nas ruas e garagens da vida, num desavergonhado “o meu SUV é maior do que o teu!”. Esse é um fator que negligenciamos por nossa conta e risco, já que diversos estudos demonstram que, na realidade, há uma relação direta entre infelicidade e preocupação com valores como aparência e status econômico e social. Inclusive no trabalho. As pessoas precisam ganhar o bastante para que o dinheiro deixe de ser uma questão e elas possam se concentrar no trabalho e na busca de resultados. “Se você está batalhando pela sobrevivência, a busca por transcendência é uma preocupação de segunda ordem”, disse Daniel Pink em uma entrevista recente.2 No Brasil, o Movimento Novo Olhar Sobre as Relações Trabalhistas utiliza o conceito de “ponto de suficiência” — o patamar financeiro em que suas necessidades básicas estão cobertas e você pode optar por abrir mão de correr atrás de estilos de vida cheios de glamour em nome de mais paz de espírito. Como regra geral da relação entre dinheiro e felicidade, as pessoas precisam receber o suficiente para assegurar, com alguma sobra, seu sustento e o de sua família. “Em todas as empresas que enquadro na categoria de negócios conscientes, o funcionário médio é bastante bem pago. Mais bem pago, na média, que os empregados das demais companhias”, me disse Rajendra Sisodia, um professor de marketing na Bentley College que se tornou referência em estudos sobre capitalismo consciente e é coautor do livro Firms of endearment (traduzido no Brasil como O segredo das empresas mais queridas). “É uma maneira de garantir que o trabalhador possa se concentrar integralmente nas suas atividades, sem se preocupar com o dia de amanhã. Mas, uma vez que essa condição esteja satisfeita, o dinheiro se torna uma motivação menor do que a alegria intrínseca ao trabalho.” Se o trabalho é só um emprego para pagar as contas, tudo giraem torno do dinheiro. Não há emoções envolvidas. Pode-se, é verdade, construir boas carreiras sob essa perspectiva — ganhar mais dinheiro e ter mais responsabilidades. “Mas o trabalho pode ser um verdadeiro chamado, alguma coisa que você nasceu para fazer, que o apaixona e o faria voltar ao escritório mesmo se ganhasse na loteria”, diz Sisodia. “Precisamos criar as condições para que as pessoas passem a dizer ‘Graças a Deus, é segunda-feira’.” O EFEITO SUPERJUSTIFICATIVA Gente talentosa, em geral, não precisa de grandes incentivos para mostrar do que é capaz. “Encontrar uma pessoa que tenha escrito uma obra-prima no verso de um cardápio de café não me surpreenderia”, escreveu o cartunista Hugh MacLeod. “Mas encontrar alguém que escreva uma obra-prima com uma caneta tinteiro de prata da Cartier em uma escrivaninha de antiquário num loft do SoHo me surpreenderia seriamente.” Recompensas podem ter efeitos colaterais inesperados ao transformar uma tarefa interessante em algo que se faz por dinheiro. Ao tornar trabalho o que era brincadeira. Em Understanding motivation and emotion (“Compreendendo a motivação e a emoção”), o psicólogo social Jonmarshall Reeve escreve: “As pessoas usam recompensas esperando ganhar o benefício de melhorar a motivação e o comportamento de outra pessoa, mas, ao fazê-lo, frequentemente incorrem no custo não intencional e oculto de minar a motivação intrínseca dessa pessoa em relação àquela atividade”. Quando isso acontece, aplica-se a lei do mínimo esforço. Em ambientes nos quais as recompensas extrínsecas são predominantes, muita gente trabalha só o suficiente para garantir seu bônus — nem uma hora a mais do que isso. Ser pago para fazer o que já fazemos por prazer pode levar nosso amor pela tarefa a minguar. Isso tende a acontecer no momento em que passamos a atribuir nossa motivação à recompensa, e não mais aos sentimentos. É o que os pesquisadores da relação entre dinheiro e felicidade batizaram de “Efeito Superjustificativa”. Nada disso quer dizer que as recompensas sejam sempre contraproducentes. Em 1980, os psicólogos sociais David Rosenfield, Robert Folger e Harold Adelman, da Universidade Metodista do Sul, revelaram um modo de derrotar o “Efeito Superjustificativa”.3 Os resultados do estudo feito pelo trio sugerem que, quando somos premiados com base no quão bem desempenhamos uma tarefa, desde que os critérios estejam claros, as recompensas geram uma sensação de “validação intrínseca”. Fizemos bem porque gostamos de fazer (seja lá o que for), tivemos prazer durante o processo e ganhamos um afago extra no ego pela via do bolso. É diferente de saber que a recompensa será dada de qualquer jeito, desde que cumpramos a tarefa encomendada. É por isso que, em princípio, os sistemas de remuneração baseados em desempenho funcionam melhor para motivar do que salários altos. A remuneração variável só se tornou um problema quando se concentrou demais em resultados de curto prazo, uma tendência levada ao paroxismo nos últimos anos. Hoje está claro que os sistemas de recompensa precisam de reformas, como veremos no próximo capítulo. Assim como o modo de conquista da recompensa influencia nossa reação emocional ao prêmio, o modo como usamos o dinheiro ganho também faz toda a diferença para nosso nível de felicidade. Pesquisas recentes concluíram que os benefícios de fazer alguma coisa superam os de ter alguma coisa. Em um estudo coordenado pelos psicólogos Leaf van Boven e Tom Gilovich, voluntários que compraram uma experiência (uma viagem, um ingresso para um concerto ou um jantar num restaurante bacana) com dinheiro ganho pelo cumprimento de uma tarefa revelaram-se mais felizes ao pensar no que viveram do que aqueles que usaram o prêmio para comprar um objeto qualquer (roupas, joias ou eletrônicos).4 Van Boven e Gilovich concluíram que as experiências proporcionam mais felicidade, em parte porque têm maior valor social — em geral, são feitas com outras pessoas. Já quando compramos alguma coisa cara, queremos, pelo menos em parte, impressionar outras pessoas. “As atividades nos conectam com os outros; os objetos com frequência nos separam”, afirmou Jonathan Haidt, autor de The happiness hypothesis, ao comentar o estudo. Com alguma frequência, somos levados a acreditar que vivemos em tempos materialistas demais. O escritor Alain de Botton discorda. Acha, isto sim, que vivemos em uma sociedade que associa recompensas emocionais à aquisição de bens materiais. “Não são os bens materiais que queremos, mas as recompensas”, afirma ele.5 “Da próxima vez que você vir alguém dirigindo uma Ferrari, não pense que esse alguém é incrivelmente ganancioso. Pense que é alguém incrivelmente vulnerável e precisando de amor. Sinta simpatia em vez de desprezo”, disse De Botton, arrancando gargalhadas de uma plateia inglesa. Em uma cultura centrada no consumo, dinheiro é essencial. É a base sobre a qual você se posiciona como consumidor. Aos poucos, a acumulação monetária entra numa dimensão na qual não se justifica pelo desejo de comprar. Não há consumo possível para determinadas remunerações e riquezas. O dinheiro passa a funcionar como um termômetro de sucesso. A DESVALORIZAÇÃO DO DINHEIRO O Ocidente viveu até 2008 o auge da valorização do dinheiro como motivador para o trabalho. Foi um ciclo que começou pelo menos 30 anos antes, quando os governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan começaram a desregulamentar os mercados. O setor financeiro se expandiu e sofisticou a ponto de provocar um descolamento entre o valor monetário e o valor real de bens e serviços de qualquer natureza. Esse é o pano de fundo da crise de valores (sem trocadilho) deste início de século. A definição de sucesso e de contribuição para a sociedade tornou-se proporcional, com honrosas exceções, à quantidade de zeros que a pessoa acumula na coluna da direita de seu saldo bancário. É provável que tenhamos presenciado o apogeu dessa fase do capitalismo no período anterior ao estouro da bolha imobiliária americana, em julho de 2007, e à quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008. Desde então, uma mudança de paradigma que vinha se dando de maneira subterrânea ganhou visibilidade. À medida que o centro de gravidade de uma sociedade começa a se deslocar do consumo de bens materiais para a obtenção e o processamento de informação e conhecimento, essa sociedade cria outros vetores de satisfação para as pessoas. Por exemplo, sentir-se informado e ser reconhecido como uma referência em certa área de conhecimento. Esse processo de desmaterialização, é verdade, está em seus primeiros movimentos. Por enquanto, o dinheiro continua sendo decisivo. O anseio de consumo ainda é o motor principal da economia global. Paradoxalmente, a evolução dos sistemas produtivos, acelerada pelo consumismo das últimas décadas, está depreciando os bens materiais em uma escala nunca vista. A produção de bens de consumo chegou a um nível que permite fabricar itens cada vez melhores a custos marginais decrescentes, em qualquer lugar do mundo. “Se este é mesmo o quadro, não adianta ficar incentivando o artificial”, afirma o economista José Guimarães Monforte, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “A motivação através de dinheiro vai perder o sentido.” Se o dinheiro é o valor absoluto, devo tomar minhas decisões de carreira sempre priorizando a posição onde vou ganhar mais. Mas se o dinheiro é apenas um item de uma cesta de motivadores, posso preferir ganhar menos e trabalhar em um lugar onde enxergo um propósito maior e/ou que me propicia um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal — principal candidato a ocupar o espaço criado pela relativa desvalorização do dinheiro. Essa é uma potencial mudança de perspectiva com desdobramentos interessantes. “As pessoas sempre fazem escolhas de carreira baseadas em quanto dinheiro se veem ganhando agora ou no futuro. Pensam surpreendentemente pouco em como usarão seu tempo — se poderão controlá- lo, com quem o gastarão e a que atividadesirão dedicá-lo”, observou recentemente a pesquisadora Jennifer Aaker, professora da Universidade Stanford e coautora de um estudo intitulado “Se o dinheiro não te faz feliz, considere o tempo”.6 A tese dela é de que o tempo (e não o dinheiro) é nosso recurso mais precioso na atualidade. “Passamos a maior parte de nosso tempo no trabalho. Logo, entender como deveríamos passar esse tempo é mais importante do que as pessoas pensam”, afirma Jennifer. O conhecimento acumulado na tríplice fronteira entre psicologia, economia e administração de empresas sugere que, num futuro próximo, as pessoas inteligentes, bem formadas e bem informadas procurarão conforto financeiro, sim, mas não colocarão a remuneração como fator decisivo para a definição de suas carreiras. Não necessariamente um engenheiro competente escolherá trabalhar no banco de investimento que lhe pagar melhor. O fenômeno é global, mas bate com força em países emergentes, como o Brasil. “Ainda estamos vivendo a Era do Preciso, mas logo vamos entrar na Era do Quero”, me disse o publicitário Sergio Valente, presidente da agência DM9DDB. A Era do Preciso é definida pela ascensão social de dezenas de milhões de brasileiros. Essas pessoas estão satisfazendo as suas necessidades básicas, longe ainda do “número mágico” da felicidade calculado nos Estados Unidos. Em algum momento, a onda do “preciso” vai acabar. E dará lugar à fase do “quero” — que a velha classe média brasileira, bem como a classe alta, já vive faz tempo. A maioria absoluta da população terá, então, o direito de escolha. Seguir acelerando na corrida para o consumo? Ou optar pela busca de propósito e equilíbrio? Em alguma medida, essa possível mudança de paradigma já entrou na agenda das empresas. Porque este é o espírito do tempo, sim. Mas também porque, com o desenvolvimento econômico do país, o trabalhador brasileiro começa a ter mais opções, e já há escassez de talento no mercado. Convém ter em estoque as moedas adequadas para atrair e manter satisfeitas as melhores pessoas que se puder conseguir. Em paralelo, assistimos à ascensão do empreendedorismo por vocação — e não como “bico”, por necessidade. Uma vez assegurada a solidez do plano de negócios, hoje há dinheiro na praça para financiar qualquer projeto realmente bom. Os donos das boas ideias, não raro, se veem em condições de escolher qual dinheiro querem aceitar. Ganham, assim, uma chance de satisfazer outras necessidades que não apenas a financeira. É o “quero” tomando o lugar do “preciso” e trazendo para o primeiro plano os valores como fator de atração. A quem quero me associar? Será que compartilhamos os mesmos princípios? Estas são preocupações que tendem a se disseminar pelo ambiente empresarial. Elas são decisivas na busca da felicidade no trabalho. Quem pode escolher patrão ou sócio capitalista não tem desculpa para se associar a pessoas com padrões éticos diferentes dos seus. Por fim, a relativa desvalorização do dinheiro deve provocar um sutil, mas estratégico, reajuste nas prioridades empresariais, sobretudo no que diz respeito ao horizonte dos objetivos. “Lucro é uma consideração de curto prazo. Perenidade é uma consideração de longo prazo”, afirma Monforte. “Só que você não se torna perene se não gerar lucro. A questão não é, portanto, se uma organização deve gerar lucro, mas como ela deve gerar lucro.” Lucro bom é aquele que pode ser repetido no tempo. Lucro ruim é o que se obtém por poucos trimestres, em detrimento da saúde financeira da organização — e, muitas vezes, da de seus funcionários. Quem escolhe focar numa coisa ou na outra são os executivos-chefes e os demais diretores das empresas. E, como qualquer ser humano, eles fazem suas escolhas com base em incentivos. Por isso, o alongamento dos prazos considerados relevantes para avaliar o desempenho de uma companhia tem de começar pelos sistemas de remuneração. Por ora, o que está mudando é a composição das métricas de desempenho. Ou seja, que metas os altos executivos precisam atingir para receber seus prêmios. Monforte tem participado há décadas de conselhos de administração de algumas das principais empresas brasileiras: Vivo, Natura, Grupo Martins, Promon, etc. Segundo ele, ações de sustentabilidade, por exemplo, começam a ter algum peso na avaliação dos gestores dessas e de outras companhias. São indicadores mais qualitativos que quantitativos. Trata-se de uma evolução, e não de uma revolução. É bom que seja assim. Tentar promover na marra uma mudança dessa importância é, no mínimo, temerário. Se não for por autodeterminação, a transformação tende a ser de curta duração. 4. Metas (e bônus) na berlinda “Frequentemente tratamos nossos funcionários como ‘cachorros de Pavlov’: se lhes dermos incentivos financeiros adequados, podemos conseguir que façam qualquer coisa.” GARY HAMEL, consultor em inovação Uma pequena força-tarefa foi reunida em 2009, com pesquisadores de escolas de negócio de ponta, incluindo Harvard, Kellogg e Wharton, para questionar a eficácia da prescrição indiscriminada de metas para organizações em busca de melhor desempenho. “A fixação de metas”, sugere o relatório escrito pelo grupo ao final do trabalho, “deveria ser prescrita seletivamente, apresentada com um alerta no rótulo e monitorada de perto”.1 Bem-humorados, os professores trataram de, eles mesmos, escrever o alerta: “Metas podem causar problemas sistemáticos para organizações devido ao foco estreitado, comportamento antiético, tomada de risco aumentada, cooperação reduzida e motivação intrínseca diminuída. Tenha cuidado quando aplicar metas em sua organização”. Detrator público número 1 das metas, o escritor Daniel Pink, autor de quatro livros sobre as mudanças no mundo do trabalho, adorou. Pelo menos em parte, sua ressalva ao uso de metas é de natureza ética. “O problema de fazer de uma recompensa extrínseca o único destino que importa é que algumas pessoas escolherão a rota mais rápida para lá, mesmo se isso significar pegar uma estrada ruim”, afirma Pink em Drive.2 “Muitos dos escândalos e maus comportamentos que parecem endêmicos na vida moderna envolvem atalhos.” No dia 14 de março de 2012, o mundo dos bancos de investimento foi sacudido pela carta aberta de demissão de um profissional do ramo. A lavagem pública de roupa suja sobre a cultura do Goldman Sachs provocada pelo documento abriu um debate internacional sobre (a falta de) limites éticos para a busca de resultados a qualquer preço. Greg Smith era um executivo de 33 anos ocupando uma posição de nível médio no escritório do Goldman em Londres. Ele renunciou ao cargo com uma mensagem de e-mail para seus chefes, enviada às 6h40 da manhã, no horário londrino. O texto expressava preocupações com a cultura do banco, que teria se deteriorado ao pôr interesses próprios à frente dos de seus clientes.3 Quinze minutos depois, um artigo opinativo escrito por Smith foi publicado na página do New York Times. “Fico doente com o quão insensivelmente as pessoas ainda falam sobre passar os clientes para trás”, afirma o executivo. O texto, segundo o jornal americano, reacendeu o debate “sobre se Wall Street está corrompida pela ganância e pelo excesso”. Smith não era regiamente pago pelos padrões de seu setor. Recebeu cerca de US$ 500 mil em 2011. Era um banqueiro de investimentos no meio da carreira, descrito por ex-colegas como parte de um contingente de profissionais de médio escalão do Goldman frustrados com a adoção, nos últimos anos, de uma mentalidade que põe o lucro acima de tudo. POR QUE ESTOU DEIXANDO O GOLDMAN Os desvios de conduta do maior banco de investimento do mundo se tornaram públicos em 2010, num relatório da SEC. O órgão regulador do mercado de capitais americano o acusava de ter enganado certos clientes ao vender a eles um produto financeiro lastreado em hipotecas projetado por outro cliente que apostava que o mercado imobiliário iria desabar. Contra esse pano de fundo, a carta aberta que Smith publicou com o título “Por que estou deixando o Goldman Sachs”
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