Buscar

Felicidade_S.A._-_Alexandre_Teixeira

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 264 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 264 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 264 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ALEXANDRE TEIXEIRA
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FELICIDADE S.A.
Por que a satisfação com o trabalho é
a utopia possível para o século 21
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre /2012
 
© Alexandre Teixeira, 2012
 
 
Capa
Eder Redder
 
Revisão
Fernanda Nunes Barbosa
Tito Montenegro
Versão ebook
Cristiano Ferrazzo
 
Todos os direitos desta edição reservados a
 
ARQUIPÉLAGO EDITORIAL LTDA.
Avenida Getúlio Vargas, 901/1604
CEP 90150-003
Porto Alegre — RS
Telefone 51 3012-6975
www.arquipelagoeditorial.com.br
 
 
 
Para Gabriela, minha mulher, e Mara, minha mãe.
As mulheres da minha vida.
 
E para Oswaldo, meu avô, que tanto me ensinou.
 
Sumário
Prefácio
Introdução
PARTE I -O que nos faz felizes (ou infelizes) no trabalho
1. A caminho do trabalho
2. Motivação, propósito, valores... O que te tira da cama de manhã?
3. O que dinheiro tem a ver com felicidade
4. Metas (e bônus) na berlinda
5. Rebeldes com causa: negócios sociais e empresas com bandeiras
6. Autoconhecimento: Dilbert no divã
7. Liderança: por um mundo livre de babacas
8. Equilíbrio: meu nome não é (só) trabalho
PARTE II -Uma breve história da (in)felicidade no trabalho
9. Será que estou falando grego? Origens filosóficas do sofrimento dos
ocupados
10. A nova era do quê? Transcendência, empatia e outras pequenas
rebeldias
PARTE III - A geoeconomia do bem-estar e nosso lugar neste mapa
11. A copa do mundo da felicidade
12. Felicidade Interna Bruta: o que há para medir além do PIB
13. Uma economia sem crescimento?
14. O homem cordial tipo exportação
15. Do paternalismo da empresa de dono à meritocracia à brasileira
PARTE IV -Um novo mundo (mais feliz) para o trabalho
16. Sem escritório, sem horários... com resultados
17. Enquanto o mundo novo não vem (e o velho não volta)
PARTE V -Empresas felizes
18. A transformação do homem transforma a empresa
19. “Tire seu sonho da gaveta”:a história do Laboratório Sabin
20. Funcionário patrão: os donos da Promon são os próprios empregados
21. Felicidade, com o nome limpo na Serasa
22. Gestão de palhaços: o caso dos Doutores da Alegria
23. A transformação do homem transforma a empresa II
24. A “desterceirização” da Vivo
Por que ser feliz é estratégico
Notas
Prefácio
“No meio da jornada da minha vida, eu me vi em
uma floresta escura, por ter perdido o rumo certo.”
DANTE
 
 
 
Em 1936, recuperando-se de um período em que, por assim dizer, perdeu o
eixo, F. Scott Fitzgerald escreveu uma série de três ensaios para a revista
Esquire em que relata a experiência com rara honestidade. A breve trilogia foi
reunida em um livrinho chamado The crack-up. Há ali uma passagem que de
algum modo parece resumir minha sensação depois de sair da revista onde
trabalhei e fui feliz por quatro anos.
 
“Assim, já não havia mais um ‘eu’, não havia uma base em que eu
pudesse organizar a minha autoestima, salvo a minha capacidade
ilimitada de trabalho que eu parecia não possuir mais. Era estranho não
ter um eu, ser como uma criança abandonada, sozinha numa casa imensa,
que sabe que agora pode fazer tudo o que quiser, mas descobre que não há
nada que queira fazer.”1
 
Neste final de junho de 2012, a dias de completar um ano desde que deixei
Época Negócios, ainda me sinto um pouco como o garoto pequeno na casa
grande — embora com 41 anos e voluntariamente confinado em um
apartamento de 74 metros quadrados.
 
 
Fitzgerald encerra sua narrativa num tom de resignação austera e triste. “Isto é
o que penso hoje: que o estado natural do adulto senciente é uma infelicidade
qualificada”, afirma.
Prefiro acreditar que o “crack-up” é o possível início de algo novo,
diferente, talvez melhor. “Uma crise é uma coisa terrível para se desperdiçar”,
escreve o consultor David Ulrich em The why of work, um livro de um
universo tão distante quanto se pode conceber da obra de Fitzgerald.
“Felizmente, quando as crises nos param em nossas trilhas, elas podem
também nos fazer parar e pensar, e pensar pode ser o início do processo de
criar sentido no trabalho e em todo o resto.” Dito de outro modo, para deixar
Fitzgerald em paz na companhia de outro gigante, “uma vez que somos jogados
para fora de nossos rumos habituais, pensamos que tudo está perdido; mas é só
aí que o novo e o bom começam”. É o que pensava Leon Tolstói.
Este é um livro sobre felicidade no trabalho inspirado, em boa medida, pela
ausência dela. Ela emana de amigos bem e mal empregados. De gente bem-
sucedida e mal resolvida. De pessoas fazendo força para se manter em
empregos que não toleram — ou enfrentando o desafio de mudar de vida com
a vida andando, em busca de satisfação, aventura e significado.
É inspirado, também, pelas exceções. Na alegria entusiasmada que às vezes
surge meio que do nada quando a “pessoa certa” desembarca na “empresa
certa”. Ofereço um flagrante de um raro momento desses, na forma de um e-
mail que uma amiga me enviou em março, depois de umas poucas semanas em
seu emprego novo.
 
 
Olá Alex,
 
Que bom ter notícias suas.
Estou AMANDO o trabalho novo. Amando! O ambiente é incrível, só
trabalho com pessoas brilhantes, de backgrounds muito diferentes
(publicitários, jornalistas, artistas, músicos, arquitetos, designers,
driel
Realce
sociólogos, psicólogos, pesquisadores, etc.) e supercriativas. Só chegam
referências bacanas o dia inteiro, é uma curva de trends, música, eventos,
tecnologia, moda, design, etc. que ainda estou aprendendo a processar.
A empresa é totalmente orgânica, com alma feminina e 100% focada nas
pessoas. Uma delícia! Me sinto em casa.
E meu núcleo é o mais incrível de todos! Todos os projetos são de
cocriação. Criamos desde briefings para produtos e serviços, plataformas
de relacionamento, processos, modelos de negócio, you name it!
Permissão para quebrar e repensar tudo. Uma delícia!!
 
 
Se isso não é felicidade no trabalho, convenhamos que passa bem perto —
para o caso de ter ficado curioso, a tal “empresa totalmente orgânica, com
alma feminina” é a Box1824, uma companhia de pesquisa e inovação
especializada em tendências de consumo e comportamento jovem, que é uma
das personagens do livro.
Das mais de 30 entrevistas que fiz para escrever este livro, uma das mais
inspiradoras foi com Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria,
o primeiro grupo de palhaços a “invadir” enfermarias, UTIs e quartos de
hospitais no Brasil. Foi uma conversa sobre gestão. De gente. Wellington
emprega 75 pessoas em sua ONG, sendo 50 palhaços. Administrar gente de
nariz vermelho, pintura no rosto e sapatão parece mais engraçado de longe do
que é na prática. Palhaços são artistas e, como tais, difíceis de cativar,
inquietos, avessos à rotina.
Ao reproduzir parte da conversa com Wellington na entrevista que fiz com
Sergio Valente, presidente e sócio da agência DM9DDB, ele me disse que, na
essência, o desafio é o mesmo que ele encara à frente de sua equipe de
publicitários. “No fundo, o que todo mundo está buscando hoje é a recompensa
social. E, nessa busca, as pessoas vão quebrar todos os paradigmas
corporativos”, me disse Valente.
A chave para a compreensão do atual momento histórico — e a tese que
constitui a espinha dorsal deste livro — é a redução, em termos relativos, do
papel do dinheiro na nossa relação com o trabalho. Com a supervalorização
da recompensa financeira a partir da virada dos anos 70 para os 80 do século
passado, a lógica trabalhista durante décadas resumiu-se a, com uma licença
nada poética, engolir sapos em troca de um bom salário. Se é verdade, como
tentarei demonstrar daqui em diante, que o peso do dinheiro na nossa “equação
de felicidade” começou lentamente a diminuir no dia em que o Lehman
Brothers fechou suas portas com um estrondo, abre-se espaço para outras
variáveis crescerem em importância. Como a recompensa social mencionada
por Valente.
Aprendo com meu trabalho? Minha função é criativa? Convivo com gente
bacana? Meu chefe é um cara inspirador? Se é assim, posso abrir mão de um
salário maior para trabalhar em um lugar onde encontro mais desses
ingredientes. Claro que, se puder conciliartudo, o pacote será melhor. O ponto
a enfatizar é a decadência da monocultura financeira.
Essa é a visão do cenário pela ótica do empregado. Pela ótica do
empregador, a recompensa sócio-intelectual é um instrumento de retenção
inteligente. Não ficar refém do aumento de salário para manter um empregado
significa sair da ciranda financeira. Significa ter outros elementos para
compor um pacote de compensação pelo trabalho.
 
 
Minha intenção aqui é aprofundar temas sobre os quais escrevi nos últimos
anos, em reportagens para Época Negócios, como estilos de liderança e
cultura organizacional, e enriquecê-los com teoria e prática sobre motivação,
remuneração, propósito, valores, ética, etc. O que me interessa é discutir:
• O que faz as pessoas felizes (ou infelizes) no trabalho.
 
• Quem são as pessoas (físicas e jurídicas) que decidiram levar a sério
essa questão e estão criando ambientes de trabalho onde se persegue a
felicidade.
 
• Que momento é este, em que o mundo do trabalho (empresas,
empreendedores, executivos, trabalhadores) se deu conta de que a
felicidade das pessoas é um fator que se pode e deve gerenciar para
conseguir melhores resultados.
 
• Será que já se pode falar em uma contribuição original brasileira
para a discussão internacional sobre satisfação e engajamento no
trabalho?
 
• Como se gerencia a felicidade no trabalho — seja o nosso
autogerenciamento, seja a gestão do trabalho alheio pelas lideranças em
organizações.
 
• Por que vale a pena investir em felicidade no trabalho.
 
Este livro nasce com a ambição de trazer alguma contribuição para um
movimento, ainda difuso e subterrâneo, pela reforma das práticas de
administração usadas no dia a dia das organizações — empresas, órgãos
governamentais, ONGs e cruzamentos entre eles. Essas práticas são, em sua
maioria, as mesmas dos tempos da Revolução Industrial, pouco adequadas
para este início de século 21.
Talvez seja este o aspecto mais negligenciado de todo o debate sobre
sustentabilidade. Faz sentido que uma empresa se preocupe com o meio
ambiente enquanto seus funcionários vivem existências infelizes dentro dela?
Graças ao avanço da neurologia e das ciências cognitivas, a felicidade é um
tema em voga, esmiuçado por psicólogos sociais, filósofos e economistas
comportamentais, há mais de uma década. Em paralelo, gestão de pessoas
talvez seja o tópico mais em evidência do estudo de administração de
empresas no mesmo período, devido ao esgotamento de um modelo que se
convencionou chamar de “comando e controle” e da entrada no mercado de
trabalho de uma geração pouco afeita à disciplina de inspiração militar das
empresas tradicionais.
O cruzamento de dois temas tão explorados se justifica, a meu ver, pela
tentativa de lançar um olhar jornalístico e brasileiro sobre debates dominados
por acadêmicos americanos. Com subsídios fornecidos por uma parcela
especial da elite empresarial do país. A discussão sobre uma cultura nacional
de administração de empresas, por exemplo, é uma ousadia a que só me
permito por estar em boa companhia. Muito do que há nas próximas páginas é
fruto de conversas com algumas das melhores cabeças do mundo corporativo
brasileiro. Empreendedores tão diferentes entre si como Antonio Luiz Seabra,
da Natura, e Abilio Diniz, do Pão de Açúcar. Executivos de estilos distintos
como Fábio Barbosa, ex-Real e Santander, hoje na Abril, e Fabio Coelho,
presidente do Google Brasil. Gestores consagrados como Roberto Lima,
Cássio Casseb e Enéas Pestana. E outsiders como Wellington Nogueira.
As reclamações generalizadas sobre jornadas de trabalho intermináveis, a
ditadura do Blackberry e a busca de sentido para o que fazemos todo dia no
escritório sugerem que este é um bom momento para discutir modelos
alternativos. A felicidade no trabalho, insisto, é o lado menos visível da
sustentabilidade, ainda que talvez seja a utopia certa para o século 21.
 
 
Introdução
“A palavra felicidade simplesmente não é mais útil, porque a
aplicamos a coisas diferentes demais.”
DANIEL KAHNEMAN, pai da economia comportamental
 
 
 
O que é felicidade? Depende. De onde e quando você nasceu. Da sua
formação intelectual. Da sua profissão. Depende, a rigor, de tanta coisa que é
quase inútil procurar uma resposta universal. Quase. Algumas definições
ajudam a delimitar, de cara, o terreno em que vamos caminhar. A felicidade
que nos interessa aqui não é a da neurolinguística dos livros de autoajuda. É a
da neurociência dos livros de psicologia, economia, negócios, criatividade,
inovação e — por que não? — filosofia contemporânea. Duas tentativas de
conceituação de dois pioneiros da psicologia positiva ajudam a aplainar o
caminho.
Para Sonja Lyubomirsky, psicóloga russo-americana autora de A ciência da
felicidade, ser feliz é experimentar emoções positivas com frequência e sentir
que a vida é boa.
Seu colega húngaro Mihalyi Csikszentmihalyi (pronuncia-se Mirrai
Tiksenmirrai) desenvolveu o conceito de “flow”, ou fluxo, um estado no qual a
pessoa está tão envolvida no que faz que nada mais parece importar. É um
nível de concentração e envolvimento que não exige esforço mental, uma
imersão completa na atividade. Para atingi-lo, é preciso encontrar o equilíbrio
entre habilidades e desafios, perceber o resultado imediato das suas ações e
ter objetivos claros.
A primeira definição é boa para qualquer conversa sobre felicidade. A
segunda ajuda a falar, em particular, sobre felicidade no trabalho.
O economista Eduardo Giannetti é um dos intelectuais brasileiros mais
engajados na discussão sobre o que torna as pessoas felizes. Para o autor de
Felicidade, existem duas dimensões de satisfação com a vida. A primeira é
objetiva e, como tal, pode ser medida “de fora” e transformada em
indicadores, por exemplo, de moradia, nutrição, renda per capita e saúde. A
segunda é subjetiva, interior. Logo, só existe na mente do indivíduo e só pode
ser mensurada com base em impressões pessoais. A felicidade, para Giannetti,
é algo que sucede na confluência dessas duas dimensões.
É instintivo pensar que a primeira dimensão determina a segunda. Quanto
melhor moramos e comemos, mais alto nosso salário, mais saudáveis e
protegidos nossos filhos, maior nossa impressão de satisfação com a vida. A
tal dimensão objetiva seria, então, econômica. Deveríamos falar de felicidade
comprada pelo trabalho. Ignoraríamos, assim, um arsenal de evidências
científicas recentes que demonstram o quanto essa relação de causa e efeito é
mais tênue e complicada do que parece à primeira vista.
É mais fácil perceber certas sutilezas partindo do macro para chegar ao
micro. Do pós-Segunda Guerra até o fim do século 20, os Estados Unidos, a
Europa e o Japão viveram tempos de prosperidade sem precedentes.
Paradoxalmente, a proporção entre cidadãos felizes e infelizes nos países mais
desenvolvidos do mundo quase não mudou naquele meio século. Por outro
lado, em países emergentes como o Brasil, nos quais uma massa de indivíduos
antes sem acesso a um mínimo de conforto de padrão contemporâneo ascendeu
ao mercado de consumo nos últimos dez ou 15 anos, a média da população se
declara mais feliz. A aparente discrepância na relação entre crescimento
econômico e aumento da satisfação com a vida sugere que o trabalho e a renda
são capazes, apenas, de comprar felicidade em países pobres.
A partir do momento em que as nações atingem um patamar razoável de
renda, a expansão adicional do PIB faz pouco pela felicidade de um povo. Os
números variam de uma pesquisa para outra, mas US$ 10 mil anuais per
capita parecem uma cifra respeitável.
Quando se troca a lente global por uma de foco mais estreito, de alcance
nacional, verifica-se que a relação entre renda e felicidade segue o mesmo
padrão dentro de cada país. Há uma proporção maior de gente feliz entre os
ricos do que entre os pobres, embora os acréscimos de renda em cada degrau
da pirâmide social tornem-se menos relevantes à medida que nos afastamos da
base. De novo, os valores dependem da fonte de dados utilizada. Nos Estados
Unidos,mais dinheiro para quem já ganha cerca de US$ 20 mil anuais não
significa quase nada em termos de satisfação com a vida. A partir desse
patamar, promoções, bônus e outras recompensas financeiras só têm efeito de
curto prazo sobre a felicidade do indivíduo.
É como se continuar ou não trabalhando fizesse pouca diferença, uma vez
assegurada a poupança suficiente. A felicidade no trabalho se tornaria
irrelevante para a felicidade geral.
Mas não é. Também neste particular, a relação entre as dimensões objetiva e
subjetiva do bem-estar psicológico é mais complicada do que parece.
Entre os cidadãos desempregados do mundo todo, registram-se taxas
maiores de infelicidade e suicídio do que na média das populações
investigadas. Isso é verdade, inclusive, nos países europeus com os mais
generosos estados de bem-estar social, onde o seguro-desemprego é suficiente
para reduzir a níveis quase indolores o efeito da perda de renda que
acompanha o desligamento do trabalho. O desemprego aparece sempre
relacionado, por exemplo, com menor expectativa de vida e maiores riscos de
ataque cardíaco. Exceto pelos casos de estresse severo causado pelo
desespero de ordem econômica, o problema é psicológico e tem relação direta
com a perda de sentido para as vidas de quem deixa de trabalhar. Mesmo
quando não há uma queda dramática no padrão de vida.
 
 
UMA EPIDEMIA DE (IN)FELICIDADE
 
A antropóloga americana Susan Andrews, radicada no Brasil há 20 anos, é
uma pioneira da convergência entre felicidade e sustentabilidade. Em um livro
e em um artigo sobre o tema publicados em 2011, ela chama a atenção para o
que considera uma epidemia de estudos sobre felicidade. Pelas suas contas,
nos primeiros cinco anos da década de 80, foram publicados apenas 200
artigos acadêmicos sobre a satisfação com a vida. Em contrapartida, só no
período de 18 meses encerrado em agosto de 2011, esse número chegou a
27.335.1
Do outro lado dessa moeda, há uma epidemia de infelicidade bem
documentada. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão era o
quarto maior problema de saúde pública do planeta em 2010 e avançava para
se tornar a segunda causa de invalidez até 2020.
A procura da felicidade é uma indústria em crescimento. Livros de
autoajuda geram cerca de US$ 1 bilhão em vendas anuais — uma fração
modesta dos US$ 17 bilhões movimentados no mercado global de
antidepressivos.2
O mundo do trabalho é um palco privilegiado para esse drama. Em 2005, a
Towers Perrin, uma empresa de consultoria, conduziu uma pesquisa com 86
mil funcionários de grandes e médias companhias em 16 países. Uma
pontuação agregada foi calculada para cada participante, medindo o quanto ele
ou ela estava “altamente engajado”, “moderadamente engajado” ou “não
engajado” no trabalho. Cerca de 85% dos participantes enquadraram-se em
uma das duas últimas categorias. Em diversos países desenvolvidos, o
engajamento dos trabalhadores está no nível mais baixo de todos os tempos. O
Índice de Bem-Estar Gallup-Healthways, que tem consultado mais de mil
adultos todos os dias desde janeiro de 2008, mostra que os americanos hoje se
sentem pior do que nunca em relação a seus empregos e a seus ambientes de
trabalho. Perto de um terço deles, em todas as faixas de idade e renda, se
declara infeliz ou desmotivado profissionalmente.
Durante a última década, Teresa Amabile, uma professora da escola de
negócios de Harvard, e Steven Kramer, um pesquisador independente,
coletaram quase 12 mil registros em diários eletrônicos de 238 profissionais
em sete companhias dos Estados Unidos. O estudo mapeou o estado
psicológico de cada pessoa a cada dia e pediu aos participantes para
descrever um evento que se destacou a cada 24 horas. Em um terço dos 12 mil
registros, o trabalhador estava infeliz, desmotivado ou ambos — um número
consistente com a pesquisa Gallup-Healthways, mais ampla e menos
profunda.3
O Gallup estima o custo da crise de desengajamento americana em US$ 300
bilhões anuais em perda de produtividade. “Quando as pessoas não ligam para
seus empregos ou seus empregadores, elas não comparecem consistentemente,
produzem menos ou a qualidade de seu trabalho sofre”, escreveram Teresa e
Steven em um artigo para o New York Times.4
A julgar pelos resultados dos raros estudos feitos no Brasil, a situação nas
organizações daqui pode ser ainda pior. Uma pesquisa da consultoria de
recursos humanos Right Management com 5.685 trabalhadores brasileiros
obteve 48% de respostas negativas à pergunta “Você é feliz no seu trabalho
atual ou na sua última ocupação?”.
Coordenada por Elaine Saad, vice-presidente da Associação Brasileira de
Recursos Humanos, a enquete foi divulgada em agosto de 2011, durante o
Conarh ABRH: Congresso Nacional Sobre Gestão de Pessoas. De acordo com
ela, há mais mulheres infelizes com seus trabalhos (59% da amostra) do que
homens (41%). Mais da metade dos participantes apenas graduados (53%) se
declararam “não felizes” com o trabalho. Entre os profissionais com
doutorado, a infelicidade não passa de 41%.
Como a pesquisa se limitou a uma única pergunta, é difícil tirar conclusões
sobre as razões para esses níveis altos de insatisfação com o trabalho. Em uma
segunda etapa do trabalho é que Elaine pretende perguntar o porquê da
(in)felicidade. O peso da autonomia, de todo modo, parece evidente. Donos de
empresas e autônomos têm nível de felicidade mais alto do que empregados.
Dos “sócios de empresas” que responderam à enquete, 79% se disseram
felizes. Que não se confunda empreender com viver de bico. Entre os
trabalhadores informais, 67% responderam “não” à questão sobre felicidade.
Contrariando o senso comum, houve mais respostas positivas entre
funcionários públicos (52%) do que entre trabalhadores do setor privado
(50%). Já a distribuição da felicidade pela pirâmide organizacional não trouxe
surpresas. O maior índice de felicidade foi verificado entre os presidentes de
empresa (82%). E o menor, entre assistentes (37%). Dentre os profissionais
formados em administração de empresas, 51% se disseram “não felizes”.
 
 
À CUSTA DE QUÊ?
 
Do desengajamento nos Estados Unidos à infelicidade com o trabalho no
Brasil, há um pano de fundo comum que podemos chamar de crise de
propósito. Desafiando sem querer as evidências científicas, muitos de nós
continuamos a trabalhar (só) por (mais) dinheiro. Mesmo sem precisar. No
livro Qual é a tua obra?, de 2007, o filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella
formula perguntas pertinentes sobre isso: “Até onde eu, executivo, vou levar
minha vida ao esgotamento, à custa de quê? De ter mais relógios, canetas,
carros, de poder consumir mais? Se eu estou perdendo a vida, estou vendendo
a minha alma”.
O trabalho alienado é um tema caro às mais diferentes escolas filosóficas.
Ocuparam-se dele, de Demócrito, no quinto século antes de Cristo — “A
labuta contínua torna-se mais fácil de suportar à medida que nos habituamos a
ela” —, a Adorno, em meados do século passado — “Só o astucioso
entrelaçamento de trabalho e felicidade deixa aberta, debaixo da pressão da
sociedade, a possibilidade de uma experiência propriamente dita. Ela é cada
vez menos tolerada.” Poucos trataram tanto do assunto como Nietzsche — “O
que debilita mais rapidamente do que trabalhar, pensar, sentir sem uma
necessidade interna, sem uma profunda escolha pessoal, sem alegria, como um
autômato do ‘dever’?” Freud, Hegel, Engels, Mill, todos tinham algo relevante
a dizer sobre a alienação.
Essa preocupação pode ser rastreada até a “escola de Chicago”, berço do
que alguns chamam de neoliberalismo. “Quando refletimos que a atividade
produtiva ocupa a maior parte das horas que a grande maioria da humanidade
passa acordada, decerto não se pode supor sem investigação ou exame que a
produção é tão somente um meio, um mal necessário, um sacrifício feito em
nome de algum bem inteiramente fora do processo de produção”, escreveu
Frank Knight, um dos fundadores da faculdade de economia da Universidade
de Chicago.
Também entre os economistas, o trabalho alienado é um ponto de
convergênciapara várias correntes há mais de um século. A novidade é que,
além de ser condenável por motivos éticos, o trabalho alienado agora é visto
como um péssimo negócio. Se não se sente parte do negócio, empregado
nenhum leva sua criatividade para o trabalho todo dia.
Talvez nunca tenha levado, é verdade. Braços costumavam interessar mais
às empresas do que cérebros. Até que, com o desenvolvimento da tecnologia
da informação, as legiões de “autômatos do dever” tornaram-se menos
valiosas.
Pelo menos nos setores associados à economia do conhecimento, a maioria
dos trabalhadores já não tem (ou não precisaria ter) uma jornada imposta de
fora para dentro, como no processo produtivo tradicional. A cada avanço
tecnológico, a produção de bens e serviços passa a demandar mais iniciativa.
Em contrapartida, o profissional não vende mais sua força de trabalho. Vende
criatividade e diligência. Não pode mais esperar ordens para agir.
Essa mudança de paradigma tem menos a ver com um aumento do nível de
consciência dos empresários do que com a velha e conhecida necessidade de
maximizar os lucros. De produzir sempre mais e mais rapidamente. Atingiu-se,
do meio para o fim do século passado, o ápice dos ganhos de produtividade
arrancados do trabalhador alienado pelo aperfeiçoamento dos sistemas de
punição e recompensa. Desde então, o mundo empresarial vem procurando
novas formas de motivação para manter o sistema acelerando.
É uma volta ao princípio. “O prazer aperfeiçoa a atividade”, dizia
Aristóteles. Hoje se entende, na maioria das organizações, que um bom líder
tem de estar preocupado com o nível de prazer que seus liderados extraem do
trabalho cotidiano. Se não obtiverem satisfação o bastante, esses
trabalhadores não vão se tornar exímios em seja lá o que fazem.
Se a nova orientação é essa, por que as pesquisas mostram tão baixo
engajamento? Por que tantos trabalhadores estão infelizes com o que fazem?
Se você procura respostas, olhe para a cúpula das empresas. A crise
desencadeada em 2007 e 2008 uniu consumidores, trabalhadores e
investidores em uma profunda reprovação dos padrões de conduta no mundo
dos negócios.
A rigor, a tolerância com malfeitos de executivos vinha se esgotando desde
os primeiros anos deste século, devido a escândalos corporativos como os da
Enron e da WorldCom. Uma enquete do Centro de Pesquisas em Opinião
Pública Roper, conduzida em julho e agosto de 2005, revelou que só 2% dos
investidores americanos acreditavam que os presidentes de grandes
companhias eram “muito confiáveis”, e 72% acreditavam que agir errado é
lugar-comum nas empresas. Um trabalho semelhante feito pela Yankelovich,
especialista em pesquisas de mercado, mostrou que 80% dos consumidores
americanos julgavam que o mundo dos negócios estava preocupado demais em
produzir lucros e relutante em assumir responsabilidades com trabalhadores,
clientes, comunidades e meio ambiente.
Os avanços tecnológicos das últimas décadas resultaram em um crescimento
exponencial da produtividade geral. Mas não no aumento da satisfação dos
trabalhadores com suas atividades. Os sobreviventes das reengenharias dos
anos 90 produzem hoje o mesmo que três pessoas produziam no passado. Nem
por isso recebem o triplo — e, quando recebem, estão exaustos demais para
desfrutar do rendimento extra. Criou-se um contrassenso. Os empregados se
sentem sobrecarregados e frustrados pelo progresso de suas empresas.
Uma saída enganosamente simples é levar o sistema de punição e
recompensa a um novo patamar, premiando o bom desempenho além do
imaginável poucas décadas atrás. O sistema financeiro fez isso melhor do que
qualquer outro setor nas últimas décadas. Estamos todos pagando o preço
dessa experiência no momento. Inclusive a mão de obra de Wall Street. Uma
pesquisadora da Universidade do Sul da Califórnia, Alexandra Michel, relatou
os efeitos do ambiente de trabalho estressante dos bancos de investimento
americanos, citando insônia, alcoolismo, palpitações, desordens alimentares e
temperamento explosivo entre os malefícios para a saúde desse tipo de
emprego. Vamos dar uma boa olhada nesse universo no capítulo 5.
Há uma outra abordagem para o problema da infelicidade no trabalho
ganhando força. Ela é em tudo oposta à dos bancos de investimento. Tem
pouco a ver com o darwinismo corporativo levado ao paroxismo da década
passada e tudo a ver com idealismo e renovação. Por isso mesmo, é mais
visível no universo jovem e na cultura pop.
Em meados de 2011, o New York Times mediu a frequência das palavras-
chave em 40 das centenas de discursos de formatura proferidos na primavera
daquele ano nos Estados Unidos.5 Talvez por causa da periclitante condição da
economia americana, os vocábulos “mundo”, “país”, “amor” e “serviço”
apareceram mais que “dinheiro” e “sucesso”. Para muita gente, o emprego
ideal se metamorfoseou daquele que oferece mais dinheiro para o que oferece
mais significado — de preferência, com um salário competitivo. As pessoas
estão rejeitando trabalhos em instituições financeiras de moral questionável.
Trocando contracheques gordos por cargos que as façam se sentir bem.
Empreendendo.
Em The start-up of you, Reid Hoffman, um dos fundadores da rede social
LinkedIn, sustenta que não podemos mais cultivar a expectativa de encontrar
um emprego satisfatório. Em vez disso, devemos criar nossos empregos.
O mundo do trabalho mudou na última década. Mudou na direção das
estruturas organizacionais menos hierárquicas e mais colaborativas. Na
direção das empresas conectadas, das redes de informação internacionais e
multiculturais. O que talvez esteja faltando, para elevar os níveis de satisfação
e engajamento, é um tipo peculiar de despoluição do ambiente empresarial.
Algo capaz de conectar felicidade no trabalho e sustentabilidade.
A palavra poluição foi cunhada no século 14, com um sentido espiritual,
imaterial. Poluir significava dessacralizar o corpo e a alma. Só no fim do
século 19 é que a palavra adquiriu o sentido que tem hoje. “Tragicamente, com
a mudança do significado de poluição, nos tornamos cada vez mais
preocupados com a contaminação de nosso ambiente externo, natural, enquanto
ignoramos a dessacralização de nosso ambiente interno, mental”, escreveu o
ativista americano Micah White, editor da revista Adbuster e pai da ideia do
movimento Ocupe Wall Street. Por essa lógica, o trabalho alienado é uma
forma de poluição. Assim como o trabalho (só) por mais dinheiro. A meta (só)
pelo bônus. A produção (só) pelo crescimento.
Em uma edição recente sobre felicidade no trabalho, a revista Harvard
Business Review pergunta: “Por que falar de felicidade quando boa parte da
economia mundial segue prostrada e gente do mundo todo sabidamente anda
infeliz?” A resposta: “Porque novas descobertas na neurociência, na
psicologia e na economia tornam absolutamente claro o elo entre uma força de
trabalho feliz e contente e resultados melhores para a atividade empresarial. A
felicidade pode ter um impacto tanto para a empresa como para um país. E o
movimento para medir o bem-estar nacional com outros critérios que não o
PIB pode ser um divisor de águas: como sabemos, o que é medido é
administrado. A ciência da felicidade já avançou muito. Seria tolice não tirar
proveito desse conhecimento.” Faço minhas essas palavras.
Se felicidade é viver emoções positivas com frequência e sentir que a vida é
boa; se uma das grandes emoções positivas é um envolvimento tão intenso com
o que fazemos que nada mais parece importar, não faz sentido continuar
usando o trabalho para financiar a busca da satisfação — a ser gozada em
casa com a família, na rua com os amigos, ou em qualquer outro lugar bem
longe do escritório. As vidas pessoal e profissional estão se fundindo de um
modo inédito. Logo, quem não busca felicidade no trabalho, não busca
felicidade na vida.
A corrida para comprar felicidade, pela via do consumo, está na origem da
epidemia de infelicidade dos últimos anos. Da crise de propósito.
Patrocinada, de bom grado, pelo capitalismo financeiro contemporâneo. Se omundo corporativo já constatou que o trabalho alienado não é mais suficiente
para maximizar os lucros, está criada a oportunidade para a tal volta ao
princípio. Para a saída de cena (gradual) do sistema extremado de punição e
recompensa. E o florescimento da nova abordagem “despoluidora”.
Na primeira parte deste livro, vamos discutir um modelo de motivação
centrado em propósito e valores e questionar (mas não contestar) o papel da
remuneração financeira, das metas e dos bônus nos pacotes de felicidade das
organizações contemporâneas. Como se verá, há misturas diferentes desses
ingredientes que resultam em receitas apetitosas para uns e indigestas para
outros. Essa é a ideia. Respeitados os princípios éticos, uma cultura
organizacional não é melhor que outra. O segredo está em identificar e atrair
as pessoas certas para cada tipo de organização — e manter ambientes
saudáveis, propícios ao desenvolvimento pessoal. Daí a discussão sobre
autoconhecimento, liderança e equilíbrio entre trabalho e lazer.
A segunda parte do livro é uma tentativa de contextualizar toda essa
conversa sobre (in)felicidade no trabalho. Vamos partir da má fama original
da labuta — coisa de escravos na Antiguidade — e avançar até os dias dos
filósofos iluministas que colocaram a felicidade (ou utilidade, como se dizia
então) no centro de seus sistemas. Seguiremos pela trilha dos grandes
pensadores da economia e da administração (Smith, Taylor, Drucker e grande
elenco) até chegar aos reformistas do presente. À “Era da Transcendência”.
A discussão sobre os limites do PIB como indicador de desenvolvimento
dos países — e as possíveis alternativas — está concentrada na Parte III.
Felicidade Interna Bruta, Índice do Planeta Feliz, o conceito de economia sem
crescimento e comparações entre os níveis de felicidade dos países serão
cobertos ali. Com ênfase, claro, no Brasil. Somos vistos como um dos países
mais felizes do mundo. Certamente, o mais confiante no futuro. Mas estamos
no meio de uma transição do paternalismo legado pelos nossos capitães da
indústria a algo que pode se tornar um modelo brasileiro de meritocracia. Há
dores nesse crescimento. Mas, sendo otimista, podemos estar presenciando a
criação de uma cultura empresarial própria, centrada em nossa proverbial
cordialidade, com alguma perspectiva de exportação.
A penúltima parte do livro trata do novo mundo do trabalho. Um mundo
habitado por autônomos, free lancers, empreendedores e cocriadores. Em que
nossas casas e os Starbucks da vida têm tanto apelo quanto escritórios de
última geração. Onde matar o tempo é obrigatório. Como tudo isso ainda é
futuro para a maioria, convém investigar e entender o que as boas companhias
do mundo estão fazendo hoje para injetar felicidade em suas sedes.
A quinta e última parte é dedicada a exemplos de empresas felizes. Aqui
tampouco há práticas universais. Virando Tolstói de ponta-cabeça, dá para
dizer que todas as empresas infelizes se parecem, mas cada empresa feliz é
feliz à sua maneira. Tendências, é claro, existem e podem ser replicadas. As
melhores prestadoras de serviços, por exemplo, estão deixando para trás o
clichê do foco no resultado e se concentrando na sua gente. Líderes
empresariais em processo de transformação pessoal estão transformando suas
organizações. Sejam empresários já consagrados preocupados com seus
legados, como Abilio Diniz, ou executivos ambiciosos em busca de
iluminação, como Sergio Chaia, o presidente budista da Nextel.
No Epílogo, um apanhado de boas razões para se colocar a vida boa, no
sentido filosófico do termo, no centro de nossos modelos de negócio — como
pessoas físicas e/ou jurídicas. Porque a felicidade, além de fazer bem, pode
ser lucrativa.
 
PARTE I -
O que nos faz felizes
(ou infelizes) no trabalho
 
1. A caminho do trabalho
“Uma profissão nos torna irrefletidos;
nisso está sua maior bênção.”
NIETZSCHE
 
 
 
Por mais de 60 anos, desde os tempos de Sigmund Freud, a psicologia se
concentrou em descobrir o que há de errado com as pessoas — e ajudá-las a
seguir adiante. Foi bem sucedida, sem dúvida. Ainda assim, alguma coisa
ficou faltando. “Esquecemos de melhorar a vida das pessoas comuns. De
tornar mais felizes, realizadas e produtivas as pessoas relativamente sem
problemas”, afirmou Martin Seligman, um professor de psicologia da
Universidade da Pensilvânia, em uma palestra feita em fevereiro de 20041, que
se tornou disponível no site do TED mais de quatro anos depois e já foi vista
mais de 1,1 milhão de vezes.
Em 1998, Seligman se envolveu em um estudo sobre pessoas felizes. Com
base em entrevistas e observação, constatou que elas não eram mais
religiosas, não estavam em melhor forma física, não tinham mais dinheiro, não
eram mais bonitas e não passavam por mais situações boas nem menos
situações ruins do que as pessoas reunidas em um grupo de controle, com
níveis mais baixos de felicidade. A única maneira pela qual se diferenciavam
era por uma sociabilidade bem acima da média. O indivíduo de felicidade
excepcional, confirmava-se no estudo, era aquele do tipo que nunca fica
sozinho, que mantém relacionamentos amorosos e amizades duradouras.
O interesse em aprofundar a pesquisa e compreender, com método
científico, o que nos faz mais ou menos infelizes deu origem a uma nova
disciplina — “uma ciência do que faz a vida valer a pena”, batizada por
Seligman de psicologia positiva.
Logo de início, uma de suas providências foi, com o auxílio de um colega
chamado Chris Peterson, compilar uma lista de “sintomas” da felicidade — “o
oposto de um manual de diagnóstico de insanidades”, como definiu Seligman.
Em um primeiro momento, a dupla pesquisou toda lista de virtudes que pôde
encontrar. Das inscritas nos livros sagrados até, sem exagero, as recitadas no
juramento do escoteiro-mirim. Com esse banco de dados em mãos, Seligman e
Peterson criaram tabelas de virtudes e trataram de identificar meia dúzia
comum a quase todas as listas: sabedoria, coragem, humanidade, justiça,
temperança e transcendência. Vários caminhos levam a cada uma delas, o que
permitiu aos pesquisadores preparar uma relação de 34 fortalezas
psicológicas associadas às seis virtudes universais.
Com o perdão dos epicuristas, hinduístas, budistas e estoicos, essa é a
melhor resposta articulada até hoje para a eterna pergunta: o que, afinal, faz o
homem feliz?
Faltava tratar do “como”. Conhecer os caminhos do bem não é garantia de
trilhá-los. Já dizia Medeia, nas Metamorfoses de Ovídio: “Desejo e razão
estão puxando em direções diferentes. Eu vejo o caminho certo e o aprovo,
mas sigo o errado”.
Seligman recrutou uma tropa de elite da psicologia para trabalhar com ele
nos procedimentos para desenvolver as tais fortalezas psicológicas que levam
à felicidade. Mihalyi Csikszentmihalyi, Dan Gilbert e Nancy Etcoff estavam
entre esses pioneiros e transformaram-se em estrelas da psicologia positiva.
Conforme os estudos avançaram, foram propostas 120 intervenções capazes
de tornar as pessoas mais felizes. Uma das mais conhecidas e recomendadas
por terapeutas cognitivos são as visitas de gratidão, transformadas em um
exercício de autodesenvolvimento. Lembre de alguém que fez algo importante
que mudou sua vida para melhor, a quem você nunca agradeceu. Escreva um
depoimento de 300 palavras para essa pessoa, telefone para ela e pergunte se
pode visitá-la — mas não diga por quê. Apareça na porta da casa dela e leia o
depoimento. Sucessivos testes, com rigor científico, sugerem que, seja uma
semana, um mês ou três meses depois dessa experiência, tanto quem agradece
quanto quem ouve o agradecimento se revela mais feliz e/ou menos deprimido.
Estudando essas intervenções, Seligman e seus companheiros identificaram
três tipos (diferentes e complementares) de vidas felizes:
 
• A vida prazerosa. “Uma vida na qual você tem tantas emoções
positivas quanto puder e as habilidades para amplificá-las”, nas palavras
de Seligman.2
 
• A vida envolvente. “Uma vida de trabalho, cuidado com os filhos,
amores, lazeres.”
 
• A vida comsignificado.
 
Seligman já entendia, àquela altura, que a vida prazerosa tem, pelo menos,
dois limitadores. O primeiro diz respeito à descoberta de que nossa
capacidade de maximizar as emoções positivas é cerca de 50% hereditária. O
segundo tem a ver com o fato de que nos acostumamos em pouco tempo com
cada nova emoção positiva (ou negativa), o que nos obriga a perseguir uma
depois da outra, sem cessar, para manter um padrão alto de felicidade.
Já o segundo conceito de felicidade, o do envolvimento, é do tipo que se
pode desenvolver e cujos avanços são cumulativos. No terceiro, o
autodesenvolvimento consiste em buscar significado para tudo o que fazemos.
Sem prejuízo do cultivo de uma vida interior, espiritualizada, é razoável
supor que o mundo exterior, com seus prazeres e suas adversidades, tem
influência em nossa felicidade. As questões relevantes são: quanta influência?,
e quanto é possível manipulá-la a nosso favor?
Nos primeiros anos deste século, Sonja Lyubomirsky, Ken Sheldon e David
Schkade, três psicólogos radicados nos Estados Unidos, examinaram as
evidências e perceberam que existem dois tipos de exterioridades: as
condições da nossa vida e as atividades voluntárias. Parte das condições foge
de nosso controle: sexo, etnia, idade e eventuais deficiências físicas, por
exemplo. Outras são administráveis: local de residência, estado civil e
situação financeira são ilustrativas. Já as atividades voluntárias, como o nome
sugere, são coisas que decidimos fazer ou não a cada momento: estudar,
exercitar-se, meditar e assim por diante.
Uma das realizações mais impressionantes da psicologia positiva é o que
esse grupo de pioneiros batizou de “fórmula da felicidade”. Em inglês, a
equação é H = S+C+V (Happiness equals Set Point plus Conditions plus
Voluntary Activities). Numa livre tradução, temos algo como F = P+C+A
(Felicidade é igual ao Ponto Base mais as Condições Externas e Atividades
Voluntárias). O Ponto Base corresponde aos 50% de nossa felicidade
definidos pela genética. A outra metade é composta por apenas 10% de
Condições Externas (ser mais rico ou pobre, feio ou bonito, saudável ou
doente e assim por diante) e 40% de Atividades Voluntárias (ações
intencionais que determinam nosso estilo de vida e nossa maneira de encarar a
existência).
Postas em perspectiva, as condições de vida parecem quase irrelevantes.
Parte delas é dada, não podemos controlar. Além disso, somam apenas 10%
da nota final. Ainda assim, estudos científicos demonstram que algumas
condições são importantes quando se trata de potencializar a felicidade.
Certas mudanças que podemos fazer em nossas vidas são capazes de nos
tornar mais felizes de modo sustentável.
Em certos casos, trata-se de evitar incômodos aos quais somos incapazes de
nos adaptar. Barulho, por exemplo. As pesquisas mostram que as pessoas
nunca se acostumam inteiramente a fontes crônicas de ruídos, seja uma rodovia
movimentada próxima de sua casa ou um pianista de técnica duvidosa
martelando as mesmas melodias por meses a fio um andar acima do seu (como
o que, contra a minha vontade, fez a trilha sonora deste livro). O barulho,
sobretudo quando variável e intermitente, dificulta a concentração e aumenta o
estresse. Vale a pena, portanto, se esforçar para remover as fontes de ruído
incômodas (mas não usar sua guitarra elétrica como instrumento de
retaliação).
O mesmo se aplica ao trânsito. Muita gente opta por se mudar para longe do
trabalho em troca de uma casa maior. É um mau negócio, porque embora nos
adaptemos em pouco tempo ao prazer de ter mais espaço, não nos
acostumamos nunca aos deslocamentos maiores que somos obrigados a fazer.
Sobretudo quando é preciso enfrentar tráfego pesado. Mesmo depois de anos
fazendo o mesmo trajeto, quem passa muito tempo no trânsito continua
chegando ao trabalho com níveis mais altos de hormônios relacionados ao
estresse no sangue. Ainda que menor, um apartamento perto do escritório conta
mais pontos no “felicitômetro”.
Algumas condições de vida que nos deixam mais ou menos felizes são mais
sutis. Ainda que, na média, as pessoas atraentes não sejam mais (nem menos)
felizes que as feias, algumas melhorias na aparência levam a aumentos
duradouros da felicidade. Gente que se submete a cirurgia plástica, por
exemplo, relata efetivos aumentos na qualidade de suas vidas e reduções nos
problemas de depressão e ansiedade nos anos que se seguem à operação. Os
maiores ganhos foram relatados em operações de aumento ou redução dos
seios. Jonathan Haidt, um psicólogo social, sugere que o modo de
compreender os efeitos de tais mudanças é pensar sobre o poder da vergonha
na vida cotidiana. “Mulheres jovens cujos seios são muito maiores ou menores
que o ideal delas com frequência relatam sentir-se autoconscientes todos os
dias sobre seus corpos. Muitas ajustam sua postura ou seu guarda-roupas em
uma tentativa de esconder o que veem como uma deficiência pessoal”, escreve
ele.3
Mais do que todas as demais condições de vida, os bons relacionamentos
são apontados como decisivos para uma existência feliz. Leia-se “bons” tanto
do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Tanto como causa quanto
como efeito da felicidade. “Bons relacionamentos fazem as pessoas felizes, e
pessoas felizes desfrutam de mais e melhores relacionamentos do que as
infelizes”, afirma Haidt.4 A via, neste particular, é sempre de duas mãos.
Relacionamentos conflituosos, sejam com uma colega de trabalho, com o
amigo com quem você divide o apartamento ou com seu marido, estão entre os
modos mais seguros de reduzir sua felicidade. Somos capazes de nos adaptar a
muita coisa ruim, mas não a conflitos interpessoais. “Faz mal todo dia, mesmo
nos dias em que você não vê a outra pessoa, mas rumina sobre o conflito de
todo jeito”, escreve Haidt.
E quanto às atividades voluntárias? No que vale a pena se concentrar?
Csikszentmihalyi inventou um método para investigar o impacto das mais
diversas atividades sobre nosso nível de felicidade. Em seus estudos, os
voluntários carregam um pager que apita diversas vezes por dia. A cada
“bip”, o sujeito saca um caderninho e registra o que está fazendo no momento
e o quanto está gostando. Milhares de pessoas foram “bipadas” dezenas de
milhares de vezes nos experimentos, até que as conclusões começaram a
brotar — uma delas sobre todas as demais.
Existe um estado de espírito que, embora mundano, nos leva a uma espécie
de iluminação. É o estado de imersão total em uma tarefa desafiadora, no
limite das habilidades de uma pessoa. Csikszentmihalyi chamou tal estado de
“fluxo”, porque ele é descrito com frequência como uma espécie de
movimento sem esforço. Chega-se a ele em exercícios físicos, sobretudo os
que demandam precisão e concentração extremos, como automobilismo ou
esqui na neve. Entra-se em fluxo também pela arte, em especial quando há
música envolvida e cria-se uma espécie de transe. Atividades criativas
solitárias, como a pintura, também são propícias. O fundamental é que algumas
condições estejam presentes: um desafio claro que atraia sua atenção,
habilidades para encará-lo e um retorno imediato sobre como você está se
saindo a cada passo — ultrapassar um adversário, marcar um gol, ser
aplaudido...
Atletas e artistas amadores à parte, a maioria das pessoas encontra seus
momentos de fluxo enquanto ganha o pão. Se, no que diz respeito às condições
de vida, usar bem nossa capacidade de amar é o melhor que podemos fazer
para aumentar nosso nível de felicidade — além de evitar barulho, trânsito e
seios grandes demais ou pequenos demais (se você for a dona deles) —, no
âmbito das atividades voluntárias, o que faz a diferença é o trabalho.
Então, vamos a ele.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2. Motivação, propósito, valores... O
que te tira da cama de manhã?
“Ser o homem mais rico do cemitério não importa para mim (...) Ir
para a cama de noite dizendo que fizemos algo maravilhoso (...) isso
importa para mim.”
STEVE JOBS
 
 
 
“Muitos de nós não trabalhamos por dinheiro apenas. Alguns querem mudaro
mundo, outros, criar objetos de arte que permanecerão. Alguns batalham para
ganhar a fama, enquanto outros ficam contentes em fazer o bem anonimamente.
Para muitas pessoas, os efeitos visíveis do trabalho são a maior recompensa”,
escreve o economista indiano Raghuran Rajan, ex-economista-chefe do FMI,
em Fault lines, um estudo sobre a crise financeira global de 2008 que foi
eleito o livro de negócios do ano pelo Financial Times em 2010.1 “Para o
professor, testemunhar o momento eureca quando a compreensão enfim nasce
em um estudante; para o médico, a alegria incrível de salvar a vida de um
paciente; para o fazendeiro, a visão de acres e acres de trigo dourado
oscilando gentilmente com a brisa — para todas essas pessoas, a motivação
primária é saber que o trabalho faz do mundo um lugar melhor.”
Rajan cita, em seu livro, um experimento feito por pesquisadores do MIT e
da Universidade de Chicago sobre a importância de um significado para o
trabalho. Observado por cientistas, um grupo de estudantes recebia peças de
Lego para montar figuras humanas. Cada aluno tinha direito a uma recompensa
por modelo montado, só que o pagamento era menor a cada homenzinho
concluído, de modo que, em algum momento, o trabalho deixava de ser
interessante do ponto de vista econômico. Numa das rodadas, os modelos
montados eram deixados à frente do estudante à medida que ele ou ela
trabalhava. Em outro momento, as figuras prontas eram desmontadas de
imediato, e as peças voltavam a ser oferecidas. “A simples diferença entre
permitir que o trabalho do participante permanecesse (ao menos pela duração
de sua participação) e desfazê-lo de imediato, sem deixar vestígio, fez uma
enorme diferença na disposição para trabalhar, ainda que os benefícios
monetários fossem idênticos”, escreveu Rajan. Quando podiam ver o que
estavam construindo, os estudantes montavam, em média, 10,6 homenzinhos
cada um. Quando as figuras eram desfeitas, a média caía para 7,2.
Professor de finanças na Universidade de Chicago, Rajan considera essa
experiência de particular interesse para seus alunos, colegas e futuros
profissionais do ramo. Em diversas funções no setor financeiro, é difícil
enxergar os efeitos do trabalho de cada um. “Como o trabalhador em uma linha
de montagem, o corretor que vende títulos emitidos para um projeto de energia
elétrica raramente vê a eletricidade que é produzida: ele tem pouca percepção
de qualquer resultado material de seu trabalho”2, afirma ele em seu livro. A
medida mais direta da contribuição dada por um trabalhador do setor
financeiro é o dinheiro que ele ou ela ganha para a firma onde trabalha. Essa é
a razão da eficiência do sistema e também de sua vulnerabilidade. “Estamos
aprendendo que o lucro como motivo, potente como ele é, pode ser
insuficiente tanto para indivíduos como para organizações”, afirma Daniel
Pink, o mais prestigiado especialista em motivação da atualidade, em seu livro
Drive.3
 
O JURAMENTO DO MBA
 
Na primavera de 2009, com a economia global se recuperando do quase
colapso de setembro de 2008, uns poucos estudantes da escola de negócios de
Harvard “olharam no espelho e se perguntaram (...) se eles eram o problema”,
relata Pink. Temeroso de que, depois da crise, um diploma da mais conhecida
escola de negócios do mundo se tornasse um mico, um grupo de alunos do
segundo ano concebeu, assinou e divulgou uma carta de intenções que foi
batizada de “O Juramento do MBA”. Começa assim:
 
“Como um administrador, meu propósito é servir o bem maior ao unir
pessoas e recursos para criar um valor que nenhum indivíduo pode criar
sozinho.”
 
Como vimos antes (e veremos com mais detalhes no próximo capítulo),
psicólogos e economistas já encontraram evidências de que a correlação entre
dinheiro e felicidade é fraca. Passado certo nível, uma pilha maior de notas
não nos leva a um nível superior de satisfação.
Uma pesquisa com estudantes recém-formados na Universidade de
Rochester comprova essa teoria e sugere que o juramento de Harvard pode
oferecer àqueles futuros administradores mais do que uma imagem positiva.
As pessoas que têm metas relacionadas a propósito e sentem que as estão
atingindo nos primeiros dois anos depois da formatura relatam níveis mais
altos de satisfação e bem-estar do que quando estavam na faculdade e níveis
baixos de ansiedade. O mesmo não pode ser dito dos recém-formados com
metas baseadas em lucro — mesmo quando atingem seus objetivos. Isso
significa que a satisfação depende menos de ter metas do que daquilo que Pink
define como ter os objetivos certos.
Na definição inspirada de Tamara Erickson, uma professora da própria
escola de negócios de Harvard, o significado é a nova moeda. “É o que as
pessoas estão procurando no trabalho. Valores organizacionais claros,
traduzidos no trabalho do dia a dia”, afirmou ela em um texto para a versão
digital da revista Harvard Business Review.4
Tamara vem conduzindo pesquisas sobre motivação e novas carreiras
focadas em criatividade e colaboração. Segundo ela, seu trabalho “tem
mostrado claramente que níveis altos de engajamento e o esforço adicional
associado a eles ocorrem quando nossas experiências no trabalho refletem um
conjunto claro de valores que compartilhamos”.
A moeda de troca mais bem recebida pelo trabalho muda durante a vida. Na
juventude, é o aprendizado. Depois, passa a ser o dinheiro. Em seguida, vira
poder. Mais tarde é o prestígio. Depois pode se tornar um misto de desafio
intelectual e qualidade de vida. Em geral, termina sendo a possibilidade de
retribuição. “Chega um momento em que você quer dar [alguma coisa] de
volta para a sociedade. Você vai dar aula, participar de conselhos, montar uma
ONG”, diz Cassio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil e do Pão de
Açúcar. “Não adianta dar prestígio para um cara que precisa de dinheiro. Não
adianta dar um curso para um cara que necessita de poder. Você tem que
adequar as moedas aos momentos que as pessoas vivem.”
Casseb diz ter cometido erros na gestão de pessoas no começo de sua
carreira. Dois ou três de seus melhores funcionários nunca se formaram. Nos
anos 80, ele recrutava estagiários na Poli, a faculdade de engenharia da
Universidade de São Paulo, e os levava para trabalhar no mercado financeiro.
“O cara ia bem? Grana. Ia bem de novo? Responsabilidade. Se superava?
Cargo. O cara ia subindo e acabava largando a escola”, diz Casseb.
Promover rápido demais ou para a posição errada, não raro, é um castigo
involuntário. Não é todo mundo que vai ser feliz liderando. “Às vezes você
tem um cara que é um típico especialista”, diz Casseb. “É um sujeito para
quem se deve dar mais responsabilidade ou mais dinheiro para que permaneça
na posição onde está. Mas, por engano, você o promove para uma posição
onde ele não tem prazer no trabalho — e vira um desastre.”
A relação entre subir na vida e ser feliz é mais tênue do que pode parecer.
“Não vamos achar que ser presidente [de uma empresa] é a concretização da
felicidade”, diz Fábio Barbosa, hoje presidente-executivo do Grupo Abril. Há
respaldo teórico para essa afirmação. “O prazer de conseguir o que você quer
é frequentemente fugidio. Você sonha em ser promovido, ser aceito em uma
escola prestigiosa ou terminar um grande projeto. Você trabalha todo o tempo
em que está acordado, talvez imaginando (sobretudo nas horas difíceis) o quão
feliz seria se apenas pudesse atingir essa meta. Então você tem sucesso e, se
tiver sorte, ganha uma hora, talvez um dia de euforia”, afirma o psicólogo
Jonathan Haidt, no livro The happiness hypothesis. “Mais tipicamente,
contudo, você não tem nenhuma euforia (...), a sensação é mais de alívio — o
prazer do fechamento e da entrega.”
A moral da história parece ser que o importante, também em uma carreira,
não é aonde vamos chegar, mas o quanto vamos nos divertir no caminho.
 
 
A MÁSCARA SOCIAL DO BRILHO NOS OLHOS
 
Desde pequenos, aprendemos a separar trabalho e diversão no tempo e no
espaço. De início, são os professores que nos ensinam que a sala de aula não é
lugar de brincadeira. Enquantoisso, os demais adultos insistem em nos dizer
que adoram seus trabalhos — embora quase nunca pareçam sinceros. Levamos
um tempão para entender que se trata de uma espécie de máscara social que
teremos de usar quando ficarmos mais velhos. Gente bem-sucedida,
aprendemos mais tarde, precisa exibir “brilho nos olhos” o tempo todo.
Os pais nem sempre são insinceros. Com frequência, chegam exauridos ou
entediados do trabalho e nem tentam disfarçar. Dia após dia. Em algum
momento, acabam revelando a verdade: fazem esse sacrifício para manter um
padrão de vida elevado para a família. O exemplo seria positivo, se não
tivesse alta probabilidade de inibir a busca da felicidade no trabalho quando
os filhos tiverem de decidir o que fazer da vida.
Quanto, afinal, precisamos gostar do que fazemos? Se ignorarmos essa
pergunta por julgá-la fútil, corremos o risco de abandonar cedo demais a
busca por nossa verdadeira vocação. “Você acabará fazendo alguma coisa
escolhida para você pelos seus pais, ou pelo desejo de ganhar dinheiro ou
prestígio — ou por pura inércia”, escreve Paul Graham, um capitalista de
risco do Vale do Silício.5 Um parâmetro sugerido por ele é: “Você tem de
gostar do que faz o bastante para que o conceito de ‘tempo livre’ pareça
equivocado. O que não quer dizer que você tenha de passar todo o seu tempo
trabalhando. Você só pode trabalhar por algum certo tempo antes de ficar
cansado e começar a pisar na bola. Aí você vai querer fazer outra coisa —
mesmo que seja algo estúpido. Mas você não vai considerar esse tempo um
prêmio e o tempo que gastou trabalhando como uma dor que suportou para
conquistá-lo”.
Um bom teste, sugerido por Graham, para descobrir se as pessoas amam
para valer o que fazem da vida é perguntar se elas o fariam mesmo se não
fossem pagas — mesmo que tivessem de arranjar outro emprego para
sobreviver.
“Quantos advogados corporativos fariam seu trabalho se tivessem de fazê-lo
de graça, em seu tempo livre, e trabalhar de garçom durante o dia para
sobreviver?”, pergunta Graham. “Parece seguro dizer que há mais aspirantes a
romancista cujos pais querem que eles sejam médicos do que aspirantes a
médico cujos pais querem vê-los transformados em escritores.”
O escritor suíço-britânico Alain de Botton, famoso por popularizar filosofia,
literatura e religião, observou que vivemos em uma era na qual nossas vidas
são sacudidas com regularidade por crises profissionais. “Talvez seja mais
fácil do que nunca ganhar a vida e mais difícil do que nunca estar tranquilo,
livre da ansiedade com a carreira”, disse ele em uma palestra em Oxford.6
Segundo De Botton, é tão improvável hoje que você fique rico como Bill
Gates como era para um plebeu do século 17 chegar à aristocracia. A
diferença é que não parece ser assim. Livros e revistas de autoajuda querem
nos fazer crer que, se tivermos energia, ideias brilhantes e uma garagem,
podemos começar uma nova Microsoft. “Em boa parte do tempo, nossas ideias
sobre o que significaria viver com sucesso não são as nossas próprias”, afirma
ele. “Elas foram sugadas de outras pessoas (...), da televisão à publicidade.”
A busca do sucesso é uma necessidade instintiva. Na lógica evolutiva da
sobrevivência dos mais aptos, ficou para trás o tempo em que a força física
para matar o inimigo ou conseguir mais comida era fator de desequilíbrio na
atração de parceiros. Fomos reprogramados, então, para buscar o sucesso.
Com o tempo, ser bem-sucedido, sobretudo do ponto de vista financeiro,
tornou-se a vantagem competitiva mais relevante — sem relação necessária
com ser mais feliz. Por essa premência instintiva, o ser humano
contemporâneo corre o risco, o tempo todo, de abrir mão da busca da
felicidade em nome da busca por sucesso e dinheiro. Este é o tema do próximo
capítulo.
 
 
 
 
 
 
3. O que dinheiro tem a ver
com felicidade
“O materialismo é prejudicial à felicidade.”
ED DIENER, autor de Happy people live longer
 
 
 
O dinheiro compra felicidade? Em 2010, cientistas reunidos para
investigações conjuntas publicaram1 os resultados do mais ambicioso estudo
já realizado a partir dessa questão. Daniel Kahneman, caso único de psicólogo
premiado com um Nobel de Economia, e Angus Deaton, um microeconomista
escocês de renome, analisaram as vidas e os rendimentos de quase meio
milhão de cidadãos americanos aleatoriamente selecionados. De acordo com a
pesquisa, nos Estados Unidos de hoje, a renda média necessária para ser feliz
— ou “experimentar bem-estar emocional”, como definem os autores — é de
US$ 75 mil por ano. São US$ 6.250 por mês, equivalentes a R$ 12,7 mil ao
câmbio oscilante do final de maio de 2012.
Passado esse ponto, observaram Kahneman e Deaton, ganhos adicionais de
rendimento não afetam as sensações de felicidade, prazer, tristeza ou estresse.
Ou seja, quem ganha US$ 250 mil por ano não tem maior bem-estar emocional
no dia a dia do que quem recebe os mágicos US$ 75 mil anuais. O número
exato depende do custo de vida local. Então, no Mississipi dá para ser feliz
com um pouco menos do que isso, enquanto em Chicago é preciso um pouco
mais — a mesma lógica distinguiria o “preço da felicidade”, digamos, no
Maranhão e em São Paulo. O ponto a destacar é a evidência científica da
existência de um teto para a relação entre riqueza e felicidade.
Economistas e psicólogos passaram décadas estudando essa relação. As
conclusões convergem para o mesmo ponto: a riqueza aumenta a felicidade
quando nos leva da pobreza à classe média, e pouco importa desse ponto em
diante. Uma vez satisfeitas as necessidades básicas, a felicidade que se tira do
aumento da renda é, muitas vezes, consequência do que os sociólogos chamam
de “ansiedade de referência” e os economistas de “percepção da renda
relativa” — a tendência a nos compararmos a vizinhos, cunhados ou colegas
de trabalho para saber quem está melhor de vida. É por isso que preferimos
um salário de 10 mil reais, se nossos pares ganharem 5 mil, a um pagamento
de 20 mil reais, se eles receberem 30 mil.
A associação entre dinheiro e felicidade depois de atingido um nível de
conforto não é nada saudável. Ela costuma levar a uma corrida consumista por
“bens posicionais” — que se traduz, nas ruas e garagens da vida, num
desavergonhado “o meu SUV é maior do que o teu!”. Esse é um fator que
negligenciamos por nossa conta e risco, já que diversos estudos demonstram
que, na realidade, há uma relação direta entre infelicidade e preocupação com
valores como aparência e status econômico e social. Inclusive no trabalho.
As pessoas precisam ganhar o bastante para que o dinheiro deixe de ser uma
questão e elas possam se concentrar no trabalho e na busca de resultados. “Se
você está batalhando pela sobrevivência, a busca por transcendência é uma
preocupação de segunda ordem”, disse Daniel Pink em uma entrevista
recente.2 No Brasil, o Movimento Novo Olhar Sobre as Relações Trabalhistas
utiliza o conceito de “ponto de suficiência” — o patamar financeiro em que
suas necessidades básicas estão cobertas e você pode optar por abrir mão de
correr atrás de estilos de vida cheios de glamour em nome de mais paz de
espírito.
Como regra geral da relação entre dinheiro e felicidade, as pessoas
precisam receber o suficiente para assegurar, com alguma sobra, seu sustento e
o de sua família. “Em todas as empresas que enquadro na categoria de
negócios conscientes, o funcionário médio é bastante bem pago. Mais bem
pago, na média, que os empregados das demais companhias”, me disse
Rajendra Sisodia, um professor de marketing na Bentley College que se tornou
referência em estudos sobre capitalismo consciente e é coautor do livro Firms
of endearment (traduzido no Brasil como O segredo das empresas mais
queridas). “É uma maneira de garantir que o trabalhador possa se concentrar
integralmente nas suas atividades, sem se preocupar com o dia de amanhã.
Mas, uma vez que essa condição esteja satisfeita, o dinheiro se torna uma
motivação menor do que a alegria intrínseca ao trabalho.”
Se o trabalho é só um emprego para pagar as contas, tudo giraem torno do
dinheiro. Não há emoções envolvidas. Pode-se, é verdade, construir boas
carreiras sob essa perspectiva — ganhar mais dinheiro e ter mais
responsabilidades. “Mas o trabalho pode ser um verdadeiro chamado, alguma
coisa que você nasceu para fazer, que o apaixona e o faria voltar ao escritório
mesmo se ganhasse na loteria”, diz Sisodia. “Precisamos criar as condições
para que as pessoas passem a dizer ‘Graças a Deus, é segunda-feira’.”
 
 
O EFEITO SUPERJUSTIFICATIVA
 
Gente talentosa, em geral, não precisa de grandes incentivos para mostrar do
que é capaz. “Encontrar uma pessoa que tenha escrito uma obra-prima no
verso de um cardápio de café não me surpreenderia”, escreveu o cartunista
Hugh MacLeod. “Mas encontrar alguém que escreva uma obra-prima com uma
caneta tinteiro de prata da Cartier em uma escrivaninha de antiquário num loft
do SoHo me surpreenderia seriamente.”
Recompensas podem ter efeitos colaterais inesperados ao transformar uma
tarefa interessante em algo que se faz por dinheiro. Ao tornar trabalho o que
era brincadeira. Em Understanding motivation and emotion
(“Compreendendo a motivação e a emoção”), o psicólogo social Jonmarshall
Reeve escreve: “As pessoas usam recompensas esperando ganhar o benefício
de melhorar a motivação e o comportamento de outra pessoa, mas, ao fazê-lo,
frequentemente incorrem no custo não intencional e oculto de minar a
motivação intrínseca dessa pessoa em relação àquela atividade”. Quando isso
acontece, aplica-se a lei do mínimo esforço. Em ambientes nos quais as
recompensas extrínsecas são predominantes, muita gente trabalha só o
suficiente para garantir seu bônus — nem uma hora a mais do que isso.
Ser pago para fazer o que já fazemos por prazer pode levar nosso amor pela
tarefa a minguar. Isso tende a acontecer no momento em que passamos a
atribuir nossa motivação à recompensa, e não mais aos sentimentos. É o que os
pesquisadores da relação entre dinheiro e felicidade batizaram de “Efeito
Superjustificativa”.
Nada disso quer dizer que as recompensas sejam sempre contraproducentes.
Em 1980, os psicólogos sociais David Rosenfield, Robert Folger e Harold
Adelman, da Universidade Metodista do Sul, revelaram um modo de derrotar
o “Efeito Superjustificativa”.3 Os resultados do estudo feito pelo trio sugerem
que, quando somos premiados com base no quão bem desempenhamos uma
tarefa, desde que os critérios estejam claros, as recompensas geram uma
sensação de “validação intrínseca”. Fizemos bem porque gostamos de fazer
(seja lá o que for), tivemos prazer durante o processo e ganhamos um afago
extra no ego pela via do bolso.
É diferente de saber que a recompensa será dada de qualquer jeito, desde
que cumpramos a tarefa encomendada. É por isso que, em princípio, os
sistemas de remuneração baseados em desempenho funcionam melhor para
motivar do que salários altos. A remuneração variável só se tornou um
problema quando se concentrou demais em resultados de curto prazo, uma
tendência levada ao paroxismo nos últimos anos. Hoje está claro que os
sistemas de recompensa precisam de reformas, como veremos no próximo
capítulo.
Assim como o modo de conquista da recompensa influencia nossa reação
emocional ao prêmio, o modo como usamos o dinheiro ganho também faz toda
a diferença para nosso nível de felicidade. Pesquisas recentes concluíram que
os benefícios de fazer alguma coisa superam os de ter alguma coisa. Em um
estudo coordenado pelos psicólogos Leaf van Boven e Tom Gilovich,
voluntários que compraram uma experiência (uma viagem, um ingresso para
um concerto ou um jantar num restaurante bacana) com dinheiro ganho pelo
cumprimento de uma tarefa revelaram-se mais felizes ao pensar no que
viveram do que aqueles que usaram o prêmio para comprar um objeto
qualquer (roupas, joias ou eletrônicos).4 Van Boven e Gilovich concluíram que
as experiências proporcionam mais felicidade, em parte porque têm maior
valor social — em geral, são feitas com outras pessoas. Já quando compramos
alguma coisa cara, queremos, pelo menos em parte, impressionar outras
pessoas. “As atividades nos conectam com os outros; os objetos com
frequência nos separam”, afirmou Jonathan Haidt, autor de The happiness
hypothesis, ao comentar o estudo.
Com alguma frequência, somos levados a acreditar que vivemos em tempos
materialistas demais. O escritor Alain de Botton discorda. Acha, isto sim, que
vivemos em uma sociedade que associa recompensas emocionais à aquisição
de bens materiais. “Não são os bens materiais que queremos, mas as
recompensas”, afirma ele.5 “Da próxima vez que você vir alguém dirigindo
uma Ferrari, não pense que esse alguém é incrivelmente ganancioso. Pense que
é alguém incrivelmente vulnerável e precisando de amor. Sinta simpatia em
vez de desprezo”, disse De Botton, arrancando gargalhadas de uma plateia
inglesa.
Em uma cultura centrada no consumo, dinheiro é essencial. É a base sobre a
qual você se posiciona como consumidor. Aos poucos, a acumulação
monetária entra numa dimensão na qual não se justifica pelo desejo de
comprar. Não há consumo possível para determinadas remunerações e
riquezas. O dinheiro passa a funcionar como um termômetro de sucesso.
A DESVALORIZAÇÃO DO DINHEIRO
 
O Ocidente viveu até 2008 o auge da valorização do dinheiro como motivador
para o trabalho. Foi um ciclo que começou pelo menos 30 anos antes, quando
os governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan começaram a
desregulamentar os mercados.
O setor financeiro se expandiu e sofisticou a ponto de provocar um
descolamento entre o valor monetário e o valor real de bens e serviços de
qualquer natureza. Esse é o pano de fundo da crise de valores (sem trocadilho)
deste início de século. A definição de sucesso e de contribuição para a
sociedade tornou-se proporcional, com honrosas exceções, à quantidade de
zeros que a pessoa acumula na coluna da direita de seu saldo bancário.
É provável que tenhamos presenciado o apogeu dessa fase do capitalismo
no período anterior ao estouro da bolha imobiliária americana, em julho de
2007, e à quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de
2008. Desde então, uma mudança de paradigma que vinha se dando de maneira
subterrânea ganhou visibilidade.
À medida que o centro de gravidade de uma sociedade começa a se deslocar
do consumo de bens materiais para a obtenção e o processamento de
informação e conhecimento, essa sociedade cria outros vetores de satisfação
para as pessoas. Por exemplo, sentir-se informado e ser reconhecido como
uma referência em certa área de conhecimento.
Esse processo de desmaterialização, é verdade, está em seus primeiros
movimentos. Por enquanto, o dinheiro continua sendo decisivo. O anseio de
consumo ainda é o motor principal da economia global. Paradoxalmente, a
evolução dos sistemas produtivos, acelerada pelo consumismo das últimas
décadas, está depreciando os bens materiais em uma escala nunca vista. A
produção de bens de consumo chegou a um nível que permite fabricar itens
cada vez melhores a custos marginais decrescentes, em qualquer lugar do
mundo. “Se este é mesmo o quadro, não adianta ficar incentivando o
artificial”, afirma o economista José Guimarães Monforte, ex-presidente do
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “A motivação através de
dinheiro vai perder o sentido.”
Se o dinheiro é o valor absoluto, devo tomar minhas decisões de carreira
sempre priorizando a posição onde vou ganhar mais. Mas se o dinheiro é
apenas um item de uma cesta de motivadores, posso preferir ganhar menos e
trabalhar em um lugar onde enxergo um propósito maior e/ou que me propicia
um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal — principal candidato a
ocupar o espaço criado pela relativa desvalorização do dinheiro.
Essa é uma potencial mudança de perspectiva com desdobramentos
interessantes. “As pessoas sempre fazem escolhas de carreira baseadas em
quanto dinheiro se veem ganhando agora ou no futuro. Pensam
surpreendentemente pouco em como usarão seu tempo — se poderão controlá-
lo, com quem o gastarão e a que atividadesirão dedicá-lo”, observou
recentemente a pesquisadora Jennifer Aaker, professora da Universidade
Stanford e coautora de um estudo intitulado “Se o dinheiro não te faz feliz,
considere o tempo”.6 A tese dela é de que o tempo (e não o dinheiro) é nosso
recurso mais precioso na atualidade. “Passamos a maior parte de nosso tempo
no trabalho. Logo, entender como deveríamos passar esse tempo é mais
importante do que as pessoas pensam”, afirma Jennifer.
O conhecimento acumulado na tríplice fronteira entre psicologia, economia
e administração de empresas sugere que, num futuro próximo, as pessoas
inteligentes, bem formadas e bem informadas procurarão conforto financeiro,
sim, mas não colocarão a remuneração como fator decisivo para a definição
de suas carreiras. Não necessariamente um engenheiro competente escolherá
trabalhar no banco de investimento que lhe pagar melhor.
O fenômeno é global, mas bate com força em países emergentes, como o
Brasil. “Ainda estamos vivendo a Era do Preciso, mas logo vamos entrar na
Era do Quero”, me disse o publicitário Sergio Valente, presidente da agência
DM9DDB. A Era do Preciso é definida pela ascensão social de dezenas de
milhões de brasileiros. Essas pessoas estão satisfazendo as suas necessidades
básicas, longe ainda do “número mágico” da felicidade calculado nos Estados
Unidos. Em algum momento, a onda do “preciso” vai acabar. E dará lugar à
fase do “quero” — que a velha classe média brasileira, bem como a classe
alta, já vive faz tempo.
A maioria absoluta da população terá, então, o direito de escolha. Seguir
acelerando na corrida para o consumo? Ou optar pela busca de propósito e
equilíbrio?
Em alguma medida, essa possível mudança de paradigma já entrou na
agenda das empresas. Porque este é o espírito do tempo, sim. Mas também
porque, com o desenvolvimento econômico do país, o trabalhador brasileiro
começa a ter mais opções, e já há escassez de talento no mercado. Convém ter
em estoque as moedas adequadas para atrair e manter satisfeitas as melhores
pessoas que se puder conseguir.
Em paralelo, assistimos à ascensão do empreendedorismo por vocação — e
não como “bico”, por necessidade. Uma vez assegurada a solidez do plano de
negócios, hoje há dinheiro na praça para financiar qualquer projeto realmente
bom. Os donos das boas ideias, não raro, se veem em condições de escolher
qual dinheiro querem aceitar. Ganham, assim, uma chance de satisfazer outras
necessidades que não apenas a financeira. É o “quero” tomando o lugar do
“preciso” e trazendo para o primeiro plano os valores como fator de atração.
A quem quero me associar? Será que compartilhamos os mesmos
princípios? Estas são preocupações que tendem a se disseminar pelo ambiente
empresarial. Elas são decisivas na busca da felicidade no trabalho. Quem
pode escolher patrão ou sócio capitalista não tem desculpa para se associar a
pessoas com padrões éticos diferentes dos seus.
Por fim, a relativa desvalorização do dinheiro deve provocar um sutil, mas
estratégico, reajuste nas prioridades empresariais, sobretudo no que diz
respeito ao horizonte dos objetivos. “Lucro é uma consideração de curto
prazo. Perenidade é uma consideração de longo prazo”, afirma Monforte. “Só
que você não se torna perene se não gerar lucro. A questão não é, portanto, se
uma organização deve gerar lucro, mas como ela deve gerar lucro.”
Lucro bom é aquele que pode ser repetido no tempo. Lucro ruim é o que se
obtém por poucos trimestres, em detrimento da saúde financeira da
organização — e, muitas vezes, da de seus funcionários. Quem escolhe focar
numa coisa ou na outra são os executivos-chefes e os demais diretores das
empresas. E, como qualquer ser humano, eles fazem suas escolhas com base
em incentivos. Por isso, o alongamento dos prazos considerados relevantes
para avaliar o desempenho de uma companhia tem de começar pelos sistemas
de remuneração.
Por ora, o que está mudando é a composição das métricas de desempenho.
Ou seja, que metas os altos executivos precisam atingir para receber seus
prêmios. Monforte tem participado há décadas de conselhos de administração
de algumas das principais empresas brasileiras: Vivo, Natura, Grupo Martins,
Promon, etc. Segundo ele, ações de sustentabilidade, por exemplo, começam a
ter algum peso na avaliação dos gestores dessas e de outras companhias. São
indicadores mais qualitativos que quantitativos.
Trata-se de uma evolução, e não de uma revolução. É bom que seja assim.
Tentar promover na marra uma mudança dessa importância é, no mínimo,
temerário. Se não for por autodeterminação, a transformação tende a ser de
curta duração.
 
 
 
 
4. Metas (e bônus) na berlinda
“Frequentemente tratamos nossos funcionários como
‘cachorros de Pavlov’: se lhes dermos incentivos financeiros
adequados, podemos conseguir que façam qualquer coisa.”
GARY HAMEL, consultor em inovação
 
 
 
Uma pequena força-tarefa foi reunida em 2009, com pesquisadores de escolas
de negócio de ponta, incluindo Harvard, Kellogg e Wharton, para questionar a
eficácia da prescrição indiscriminada de metas para organizações em busca de
melhor desempenho. “A fixação de metas”, sugere o relatório escrito pelo
grupo ao final do trabalho, “deveria ser prescrita seletivamente, apresentada
com um alerta no rótulo e monitorada de perto”.1 Bem-humorados, os
professores trataram de, eles mesmos, escrever o alerta: “Metas podem causar
problemas sistemáticos para organizações devido ao foco estreitado,
comportamento antiético, tomada de risco aumentada, cooperação reduzida e
motivação intrínseca diminuída. Tenha cuidado quando aplicar metas em sua
organização”.
Detrator público número 1 das metas, o escritor Daniel Pink, autor de quatro
livros sobre as mudanças no mundo do trabalho, adorou. Pelo menos em parte,
sua ressalva ao uso de metas é de natureza ética. “O problema de fazer de uma
recompensa extrínseca o único destino que importa é que algumas pessoas
escolherão a rota mais rápida para lá, mesmo se isso significar pegar uma
estrada ruim”, afirma Pink em Drive.2 “Muitos dos escândalos e maus
comportamentos que parecem endêmicos na vida moderna envolvem atalhos.”
No dia 14 de março de 2012, o mundo dos bancos de investimento foi
sacudido pela carta aberta de demissão de um profissional do ramo. A
lavagem pública de roupa suja sobre a cultura do Goldman Sachs provocada
pelo documento abriu um debate internacional sobre (a falta de) limites éticos
para a busca de resultados a qualquer preço.
Greg Smith era um executivo de 33 anos ocupando uma posição de nível
médio no escritório do Goldman em Londres. Ele renunciou ao cargo com uma
mensagem de e-mail para seus chefes, enviada às 6h40 da manhã, no horário
londrino. O texto expressava preocupações com a cultura do banco, que teria
se deteriorado ao pôr interesses próprios à frente dos de seus clientes.3 Quinze
minutos depois, um artigo opinativo escrito por Smith foi publicado na página
do New York Times. “Fico doente com o quão insensivelmente as pessoas
ainda falam sobre passar os clientes para trás”, afirma o executivo. O texto,
segundo o jornal americano, reacendeu o debate “sobre se Wall Street está
corrompida pela ganância e pelo excesso”.
Smith não era regiamente pago pelos padrões de seu setor. Recebeu cerca de
US$ 500 mil em 2011. Era um banqueiro de investimentos no meio da carreira,
descrito por ex-colegas como parte de um contingente de profissionais de
médio escalão do Goldman frustrados com a adoção, nos últimos anos, de uma
mentalidade que põe o lucro acima de tudo.
 
 
POR QUE ESTOU DEIXANDO O GOLDMAN
 
Os desvios de conduta do maior banco de investimento do mundo se tornaram
públicos em 2010, num relatório da SEC. O órgão regulador do mercado de
capitais americano o acusava de ter enganado certos clientes ao vender a eles
um produto financeiro lastreado em hipotecas projetado por outro cliente que
apostava que o mercado imobiliário iria desabar. Contra esse pano de fundo, a
carta aberta que Smith publicou com o título “Por que estou deixando o
Goldman Sachs”

Outros materiais