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Felicidade_S.A._-_Alexandre_Teixeira

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Prévia do material em texto

ALEXANDRE TEIXEIRA
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FELICIDADE S.A.
Por que a satisfação com o trabalho é
a utopia possível para o século 21
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre /2012
 
© Alexandre Teixeira, 2012
 
 
Capa
Eder Redder
 
Revisão
Fernanda Nunes Barbosa
Tito Montenegro
Versão ebook
Cristiano Ferrazzo
 
Todos os direitos desta edição reservados a
 
ARQUIPÉLAGO EDITORIAL LTDA.
Avenida Getúlio Vargas, 901/1604
CEP 90150-003
Porto Alegre — RS
Telefone 51 3012-6975
www.arquipelagoeditorial.com.br
 
 
 
Para Gabriela, minha mulher, e Mara, minha mãe.
As mulheres da minha vida.
 
E para Oswaldo, meu avô, que tanto me ensinou.
 
Sumário
Prefácio
Introdução
PARTE I -O que nos faz felizes (ou infelizes) no trabalho
1. A caminho do trabalho
2. Motivação, propósito, valores... O que te tira da cama de manhã?
3. O que dinheiro tem a ver com felicidade
4. Metas (e bônus) na berlinda
5. Rebeldes com causa: negócios sociais e empresas com bandeiras
6. Autoconhecimento: Dilbert no divã
7. Liderança: por um mundo livre de babacas
8. Equilíbrio: meu nome não é (só) trabalho
PARTE II -Uma breve história da (in)felicidade no trabalho
9. Será que estou falando grego? Origens filosóficas do sofrimento dos
ocupados
10. A nova era do quê? Transcendência, empatia e outras pequenas
rebeldias
PARTE III - A geoeconomia do bem-estar e nosso lugar neste mapa
11. A copa do mundo da felicidade
12. Felicidade Interna Bruta: o que há para medir além do PIB
13. Uma economia sem crescimento?
14. O homem cordial tipo exportação
15. Do paternalismo da empresa de dono à meritocracia à brasileira
PARTE IV -Um novo mundo (mais feliz) para o trabalho
16. Sem escritório, sem horários... com resultados
17. Enquanto o mundo novo não vem (e o velho não volta)
PARTE V -Empresas felizes
18. A transformação do homem transforma a empresa
19. “Tire seu sonho da gaveta”:a história do Laboratório Sabin
20. Funcionário patrão: os donos da Promon são os próprios empregados
21. Felicidade, com o nome limpo na Serasa
22. Gestão de palhaços: o caso dos Doutores da Alegria
23. A transformação do homem transforma a empresa II
24. A “desterceirização” da Vivo
Por que ser feliz é estratégico
Notas
Prefácio
“No meio da jornada da minha vida, eu me vi em
uma floresta escura, por ter perdido o rumo certo.”
DANTE
 
 
 
Em 1936, recuperando-se de um período em que, por assim dizer, perdeu o
eixo, F. Scott Fitzgerald escreveu uma série de três ensaios para a revista
Esquire em que relata a experiência com rara honestidade. A breve trilogia foi
reunida em um livrinho chamado The crack-up. Há ali uma passagem que de
algum modo parece resumir minha sensação depois de sair da revista onde
trabalhei e fui feliz por quatro anos.
 
“Assim, já não havia mais um ‘eu’, não havia uma base em que eu
pudesse organizar a minha autoestima, salvo a minha capacidade
ilimitada de trabalho que eu parecia não possuir mais. Era estranho não
ter um eu, ser como uma criança abandonada, sozinha numa casa imensa,
que sabe que agora pode fazer tudo o que quiser, mas descobre que não há
nada que queira fazer.”1
 
Neste final de junho de 2012, a dias de completar um ano desde que deixei
Época Negócios, ainda me sinto um pouco como o garoto pequeno na casa
grande — embora com 41 anos e voluntariamente confinado em um
apartamento de 74 metros quadrados.
 
 
Fitzgerald encerra sua narrativa num tom de resignação austera e triste. “Isto é
o que penso hoje: que o estado natural do adulto senciente é uma infelicidade
qualificada”, afirma.
Prefiro acreditar que o “crack-up” é o possível início de algo novo,
diferente, talvez melhor. “Uma crise é uma coisa terrível para se desperdiçar”,
escreve o consultor David Ulrich em The why of work, um livro de um
universo tão distante quanto se pode conceber da obra de Fitzgerald.
“Felizmente, quando as crises nos param em nossas trilhas, elas podem
também nos fazer parar e pensar, e pensar pode ser o início do processo de
criar sentido no trabalho e em todo o resto.” Dito de outro modo, para deixar
Fitzgerald em paz na companhia de outro gigante, “uma vez que somos jogados
para fora de nossos rumos habituais, pensamos que tudo está perdido; mas é só
aí que o novo e o bom começam”. É o que pensava Leon Tolstói.
Este é um livro sobre felicidade no trabalho inspirado, em boa medida, pela
ausência dela. Ela emana de amigos bem e mal empregados. De gente bem-
sucedida e mal resolvida. De pessoas fazendo força para se manter em
empregos que não toleram — ou enfrentando o desafio de mudar de vida com
a vida andando, em busca de satisfação, aventura e significado.
É inspirado, também, pelas exceções. Na alegria entusiasmada que às vezes
surge meio que do nada quando a “pessoa certa” desembarca na “empresa
certa”. Ofereço um flagrante de um raro momento desses, na forma de um e-
mail que uma amiga me enviou em março, depois de umas poucas semanas em
seu emprego novo.
 
 
Olá Alex,
 
Que bom ter notícias suas.
Estou AMANDO o trabalho novo. Amando! O ambiente é incrível, só
trabalho com pessoas brilhantes, de backgrounds muito diferentes
(publicitários, jornalistas, artistas, músicos, arquitetos, designers,
driel
Realce
sociólogos, psicólogos, pesquisadores, etc.) e supercriativas. Só chegam
referências bacanas o dia inteiro, é uma curva de trends, música, eventos,
tecnologia, moda, design, etc. que ainda estou aprendendo a processar.
A empresa é totalmente orgânica, com alma feminina e 100% focada nas
pessoas. Uma delícia! Me sinto em casa.
E meu núcleo é o mais incrível de todos! Todos os projetos são de
cocriação. Criamos desde briefings para produtos e serviços, plataformas
de relacionamento, processos, modelos de negócio, you name it!
Permissão para quebrar e repensar tudo. Uma delícia!!
 
 
Se isso não é felicidade no trabalho, convenhamos que passa bem perto —
para o caso de ter ficado curioso, a tal “empresa totalmente orgânica, com
alma feminina” é a Box1824, uma companhia de pesquisa e inovação
especializada em tendências de consumo e comportamento jovem, que é uma
das personagens do livro.
Das mais de 30 entrevistas que fiz para escrever este livro, uma das mais
inspiradoras foi com Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria,
o primeiro grupo de palhaços a “invadir” enfermarias, UTIs e quartos de
hospitais no Brasil. Foi uma conversa sobre gestão. De gente. Wellington
emprega 75 pessoas em sua ONG, sendo 50 palhaços. Administrar gente de
nariz vermelho, pintura no rosto e sapatão parece mais engraçado de longe do
que é na prática. Palhaços são artistas e, como tais, difíceis de cativar,
inquietos, avessos à rotina.
Ao reproduzir parte da conversa com Wellington na entrevista que fiz com
Sergio Valente, presidente e sócio da agência DM9DDB, ele me disse que, na
essência, o desafio é o mesmo que ele encara à frente de sua equipe de
publicitários. “No fundo, o que todo mundo está buscando hoje é a recompensa
social. E, nessa busca, as pessoas vão quebrar todos os paradigmas
corporativos”, me disse Valente.
A chave para a compreensão do atual momento histórico — e a tese que
constitui a espinha dorsal deste livro — é a redução, em termos relativos, do
papel do dinheiro na nossa relação com o trabalho. Com a supervalorização
da recompensa financeira a partir da virada dos anos 70 para os 80 do século
passado, a lógica trabalhista durante décadas resumiu-se a, com uma licença
nada poética, engolir sapos em troca de um bom salário. Se é verdade, como
tentarei demonstrar daqui em diante, que o peso do dinheiro na nossa “equação
de felicidade” começou lentamente a diminuir no dia em que o Lehman
Brothers fechou suas portas com um estrondo, abre-se espaço para outras
variáveis crescerem em importância. Como a recompensa social mencionada
por Valente.
Aprendo com meu trabalho? Minha função é criativa? Convivo com gente
bacana? Meu chefe é um cara inspirador? Se é assim, posso abrir mão de um
salário maior para trabalhar em um lugar onde encontro mais desses
ingredientes. Claro que, se puder conciliartudo, o pacote será melhor. O ponto
a enfatizar é a decadência da monocultura financeira.
Essa é a visão do cenário pela ótica do empregado. Pela ótica do
empregador, a recompensa sócio-intelectual é um instrumento de retenção
inteligente. Não ficar refém do aumento de salário para manter um empregado
significa sair da ciranda financeira. Significa ter outros elementos para
compor um pacote de compensação pelo trabalho.
 
 
Minha intenção aqui é aprofundar temas sobre os quais escrevi nos últimos
anos, em reportagens para Época Negócios, como estilos de liderança e
cultura organizacional, e enriquecê-los com teoria e prática sobre motivação,
remuneração, propósito, valores, ética, etc. O que me interessa é discutir:
• O que faz as pessoas felizes (ou infelizes) no trabalho.
 
• Quem são as pessoas (físicas e jurídicas) que decidiram levar a sério
essa questão e estão criando ambientes de trabalho onde se persegue a
felicidade.
 
• Que momento é este, em que o mundo do trabalho (empresas,
empreendedores, executivos, trabalhadores) se deu conta de que a
felicidade das pessoas é um fator que se pode e deve gerenciar para
conseguir melhores resultados.
 
• Será que já se pode falar em uma contribuição original brasileira
para a discussão internacional sobre satisfação e engajamento no
trabalho?
 
• Como se gerencia a felicidade no trabalho — seja o nosso
autogerenciamento, seja a gestão do trabalho alheio pelas lideranças em
organizações.
 
• Por que vale a pena investir em felicidade no trabalho.
 
Este livro nasce com a ambição de trazer alguma contribuição para um
movimento, ainda difuso e subterrâneo, pela reforma das práticas de
administração usadas no dia a dia das organizações — empresas, órgãos
governamentais, ONGs e cruzamentos entre eles. Essas práticas são, em sua
maioria, as mesmas dos tempos da Revolução Industrial, pouco adequadas
para este início de século 21.
Talvez seja este o aspecto mais negligenciado de todo o debate sobre
sustentabilidade. Faz sentido que uma empresa se preocupe com o meio
ambiente enquanto seus funcionários vivem existências infelizes dentro dela?
Graças ao avanço da neurologia e das ciências cognitivas, a felicidade é um
tema em voga, esmiuçado por psicólogos sociais, filósofos e economistas
comportamentais, há mais de uma década. Em paralelo, gestão de pessoas
talvez seja o tópico mais em evidência do estudo de administração de
empresas no mesmo período, devido ao esgotamento de um modelo que se
convencionou chamar de “comando e controle” e da entrada no mercado de
trabalho de uma geração pouco afeita à disciplina de inspiração militar das
empresas tradicionais.
O cruzamento de dois temas tão explorados se justifica, a meu ver, pela
tentativa de lançar um olhar jornalístico e brasileiro sobre debates dominados
por acadêmicos americanos. Com subsídios fornecidos por uma parcela
especial da elite empresarial do país. A discussão sobre uma cultura nacional
de administração de empresas, por exemplo, é uma ousadia a que só me
permito por estar em boa companhia. Muito do que há nas próximas páginas é
fruto de conversas com algumas das melhores cabeças do mundo corporativo
brasileiro. Empreendedores tão diferentes entre si como Antonio Luiz Seabra,
da Natura, e Abilio Diniz, do Pão de Açúcar. Executivos de estilos distintos
como Fábio Barbosa, ex-Real e Santander, hoje na Abril, e Fabio Coelho,
presidente do Google Brasil. Gestores consagrados como Roberto Lima,
Cássio Casseb e Enéas Pestana. E outsiders como Wellington Nogueira.
As reclamações generalizadas sobre jornadas de trabalho intermináveis, a
ditadura do Blackberry e a busca de sentido para o que fazemos todo dia no
escritório sugerem que este é um bom momento para discutir modelos
alternativos. A felicidade no trabalho, insisto, é o lado menos visível da
sustentabilidade, ainda que talvez seja a utopia certa para o século 21.
 
 
Introdução
“A palavra felicidade simplesmente não é mais útil, porque a
aplicamos a coisas diferentes demais.”
DANIEL KAHNEMAN, pai da economia comportamental
 
 
 
O que é felicidade? Depende. De onde e quando você nasceu. Da sua
formação intelectual. Da sua profissão. Depende, a rigor, de tanta coisa que é
quase inútil procurar uma resposta universal. Quase. Algumas definições
ajudam a delimitar, de cara, o terreno em que vamos caminhar. A felicidade
que nos interessa aqui não é a da neurolinguística dos livros de autoajuda. É a
da neurociência dos livros de psicologia, economia, negócios, criatividade,
inovação e — por que não? — filosofia contemporânea. Duas tentativas de
conceituação de dois pioneiros da psicologia positiva ajudam a aplainar o
caminho.
Para Sonja Lyubomirsky, psicóloga russo-americana autora de A ciência da
felicidade, ser feliz é experimentar emoções positivas com frequência e sentir
que a vida é boa.
Seu colega húngaro Mihalyi Csikszentmihalyi (pronuncia-se Mirrai
Tiksenmirrai) desenvolveu o conceito de “flow”, ou fluxo, um estado no qual a
pessoa está tão envolvida no que faz que nada mais parece importar. É um
nível de concentração e envolvimento que não exige esforço mental, uma
imersão completa na atividade. Para atingi-lo, é preciso encontrar o equilíbrio
entre habilidades e desafios, perceber o resultado imediato das suas ações e
ter objetivos claros.
A primeira definição é boa para qualquer conversa sobre felicidade. A
segunda ajuda a falar, em particular, sobre felicidade no trabalho.
O economista Eduardo Giannetti é um dos intelectuais brasileiros mais
engajados na discussão sobre o que torna as pessoas felizes. Para o autor de
Felicidade, existem duas dimensões de satisfação com a vida. A primeira é
objetiva e, como tal, pode ser medida “de fora” e transformada em
indicadores, por exemplo, de moradia, nutrição, renda per capita e saúde. A
segunda é subjetiva, interior. Logo, só existe na mente do indivíduo e só pode
ser mensurada com base em impressões pessoais. A felicidade, para Giannetti,
é algo que sucede na confluência dessas duas dimensões.
É instintivo pensar que a primeira dimensão determina a segunda. Quanto
melhor moramos e comemos, mais alto nosso salário, mais saudáveis e
protegidos nossos filhos, maior nossa impressão de satisfação com a vida. A
tal dimensão objetiva seria, então, econômica. Deveríamos falar de felicidade
comprada pelo trabalho. Ignoraríamos, assim, um arsenal de evidências
científicas recentes que demonstram o quanto essa relação de causa e efeito é
mais tênue e complicada do que parece à primeira vista.
É mais fácil perceber certas sutilezas partindo do macro para chegar ao
micro. Do pós-Segunda Guerra até o fim do século 20, os Estados Unidos, a
Europa e o Japão viveram tempos de prosperidade sem precedentes.
Paradoxalmente, a proporção entre cidadãos felizes e infelizes nos países mais
desenvolvidos do mundo quase não mudou naquele meio século. Por outro
lado, em países emergentes como o Brasil, nos quais uma massa de indivíduos
antes sem acesso a um mínimo de conforto de padrão contemporâneo ascendeu
ao mercado de consumo nos últimos dez ou 15 anos, a média da população se
declara mais feliz. A aparente discrepância na relação entre crescimento
econômico e aumento da satisfação com a vida sugere que o trabalho e a renda
são capazes, apenas, de comprar felicidade em países pobres.
A partir do momento em que as nações atingem um patamar razoável de
renda, a expansão adicional do PIB faz pouco pela felicidade de um povo. Os
números variam de uma pesquisa para outra, mas US$ 10 mil anuais per
capita parecem uma cifra respeitável.
Quando se troca a lente global por uma de foco mais estreito, de alcance
nacional, verifica-se que a relação entre renda e felicidade segue o mesmo
padrão dentro de cada país. Há uma proporção maior de gente feliz entre os
ricos do que entre os pobres, embora os acréscimos de renda em cada degrau
da pirâmide social tornem-se menos relevantes à medida que nos afastamos da
base. De novo, os valores dependem da fonte de dados utilizada. Nos Estados
Unidos,mais dinheiro para quem já ganha cerca de US$ 20 mil anuais não
significa quase nada em termos de satisfação com a vida. A partir desse
patamar, promoções, bônus e outras recompensas financeiras só têm efeito de
curto prazo sobre a felicidade do indivíduo.
É como se continuar ou não trabalhando fizesse pouca diferença, uma vez
assegurada a poupança suficiente. A felicidade no trabalho se tornaria
irrelevante para a felicidade geral.
Mas não é. Também neste particular, a relação entre as dimensões objetiva e
subjetiva do bem-estar psicológico é mais complicada do que parece.
Entre os cidadãos desempregados do mundo todo, registram-se taxas
maiores de infelicidade e suicídio do que na média das populações
investigadas. Isso é verdade, inclusive, nos países europeus com os mais
generosos estados de bem-estar social, onde o seguro-desemprego é suficiente
para reduzir a níveis quase indolores o efeito da perda de renda que
acompanha o desligamento do trabalho. O desemprego aparece sempre
relacionado, por exemplo, com menor expectativa de vida e maiores riscos de
ataque cardíaco. Exceto pelos casos de estresse severo causado pelo
desespero de ordem econômica, o problema é psicológico e tem relação direta
com a perda de sentido para as vidas de quem deixa de trabalhar. Mesmo
quando não há uma queda dramática no padrão de vida.
 
 
UMA EPIDEMIA DE (IN)FELICIDADE
 
A antropóloga americana Susan Andrews, radicada no Brasil há 20 anos, é
uma pioneira da convergência entre felicidade e sustentabilidade. Em um livro
e em um artigo sobre o tema publicados em 2011, ela chama a atenção para o
que considera uma epidemia de estudos sobre felicidade. Pelas suas contas,
nos primeiros cinco anos da década de 80, foram publicados apenas 200
artigos acadêmicos sobre a satisfação com a vida. Em contrapartida, só no
período de 18 meses encerrado em agosto de 2011, esse número chegou a
27.335.1
Do outro lado dessa moeda, há uma epidemia de infelicidade bem
documentada. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão era o
quarto maior problema de saúde pública do planeta em 2010 e avançava para
se tornar a segunda causa de invalidez até 2020.
A procura da felicidade é uma indústria em crescimento. Livros de
autoajuda geram cerca de US$ 1 bilhão em vendas anuais — uma fração
modesta dos US$ 17 bilhões movimentados no mercado global de
antidepressivos.2
O mundo do trabalho é um palco privilegiado para esse drama. Em 2005, a
Towers Perrin, uma empresa de consultoria, conduziu uma pesquisa com 86
mil funcionários de grandes e médias companhias em 16 países. Uma
pontuação agregada foi calculada para cada participante, medindo o quanto ele
ou ela estava “altamente engajado”, “moderadamente engajado” ou “não
engajado” no trabalho. Cerca de 85% dos participantes enquadraram-se em
uma das duas últimas categorias. Em diversos países desenvolvidos, o
engajamento dos trabalhadores está no nível mais baixo de todos os tempos. O
Índice de Bem-Estar Gallup-Healthways, que tem consultado mais de mil
adultos todos os dias desde janeiro de 2008, mostra que os americanos hoje se
sentem pior do que nunca em relação a seus empregos e a seus ambientes de
trabalho. Perto de um terço deles, em todas as faixas de idade e renda, se
declara infeliz ou desmotivado profissionalmente.
Durante a última década, Teresa Amabile, uma professora da escola de
negócios de Harvard, e Steven Kramer, um pesquisador independente,
coletaram quase 12 mil registros em diários eletrônicos de 238 profissionais
em sete companhias dos Estados Unidos. O estudo mapeou o estado
psicológico de cada pessoa a cada dia e pediu aos participantes para
descrever um evento que se destacou a cada 24 horas. Em um terço dos 12 mil
registros, o trabalhador estava infeliz, desmotivado ou ambos — um número
consistente com a pesquisa Gallup-Healthways, mais ampla e menos
profunda.3
O Gallup estima o custo da crise de desengajamento americana em US$ 300
bilhões anuais em perda de produtividade. “Quando as pessoas não ligam para
seus empregos ou seus empregadores, elas não comparecem consistentemente,
produzem menos ou a qualidade de seu trabalho sofre”, escreveram Teresa e
Steven em um artigo para o New York Times.4
A julgar pelos resultados dos raros estudos feitos no Brasil, a situação nas
organizações daqui pode ser ainda pior. Uma pesquisa da consultoria de
recursos humanos Right Management com 5.685 trabalhadores brasileiros
obteve 48% de respostas negativas à pergunta “Você é feliz no seu trabalho
atual ou na sua última ocupação?”.
Coordenada por Elaine Saad, vice-presidente da Associação Brasileira de
Recursos Humanos, a enquete foi divulgada em agosto de 2011, durante o
Conarh ABRH: Congresso Nacional Sobre Gestão de Pessoas. De acordo com
ela, há mais mulheres infelizes com seus trabalhos (59% da amostra) do que
homens (41%). Mais da metade dos participantes apenas graduados (53%) se
declararam “não felizes” com o trabalho. Entre os profissionais com
doutorado, a infelicidade não passa de 41%.
Como a pesquisa se limitou a uma única pergunta, é difícil tirar conclusões
sobre as razões para esses níveis altos de insatisfação com o trabalho. Em uma
segunda etapa do trabalho é que Elaine pretende perguntar o porquê da
(in)felicidade. O peso da autonomia, de todo modo, parece evidente. Donos de
empresas e autônomos têm nível de felicidade mais alto do que empregados.
Dos “sócios de empresas” que responderam à enquete, 79% se disseram
felizes. Que não se confunda empreender com viver de bico. Entre os
trabalhadores informais, 67% responderam “não” à questão sobre felicidade.
Contrariando o senso comum, houve mais respostas positivas entre
funcionários públicos (52%) do que entre trabalhadores do setor privado
(50%). Já a distribuição da felicidade pela pirâmide organizacional não trouxe
surpresas. O maior índice de felicidade foi verificado entre os presidentes de
empresa (82%). E o menor, entre assistentes (37%). Dentre os profissionais
formados em administração de empresas, 51% se disseram “não felizes”.
 
 
À CUSTA DE QUÊ?
 
Do desengajamento nos Estados Unidos à infelicidade com o trabalho no
Brasil, há um pano de fundo comum que podemos chamar de crise de
propósito. Desafiando sem querer as evidências científicas, muitos de nós
continuamos a trabalhar (só) por (mais) dinheiro. Mesmo sem precisar. No
livro Qual é a tua obra?, de 2007, o filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella
formula perguntas pertinentes sobre isso: “Até onde eu, executivo, vou levar
minha vida ao esgotamento, à custa de quê? De ter mais relógios, canetas,
carros, de poder consumir mais? Se eu estou perdendo a vida, estou vendendo
a minha alma”.
O trabalho alienado é um tema caro às mais diferentes escolas filosóficas.
Ocuparam-se dele, de Demócrito, no quinto século antes de Cristo — “A
labuta contínua torna-se mais fácil de suportar à medida que nos habituamos a
ela” —, a Adorno, em meados do século passado — “Só o astucioso
entrelaçamento de trabalho e felicidade deixa aberta, debaixo da pressão da
sociedade, a possibilidade de uma experiência propriamente dita. Ela é cada
vez menos tolerada.” Poucos trataram tanto do assunto como Nietzsche — “O
que debilita mais rapidamente do que trabalhar, pensar, sentir sem uma
necessidade interna, sem uma profunda escolha pessoal, sem alegria, como um
autômato do ‘dever’?” Freud, Hegel, Engels, Mill, todos tinham algo relevante
a dizer sobre a alienação.
Essa preocupação pode ser rastreada até a “escola de Chicago”, berço do
que alguns chamam de neoliberalismo. “Quando refletimos que a atividade
produtiva ocupa a maior parte das horas que a grande maioria da humanidade
passa acordada, decerto não se pode supor sem investigação ou exame que a
produção é tão somente um meio, um mal necessário, um sacrifício feito em
nome de algum bem inteiramente fora do processo de produção”, escreveu
Frank Knight, um dos fundadores da faculdade de economia da Universidade
de Chicago.
Também entre os economistas, o trabalho alienado é um ponto de
convergênciapara várias correntes há mais de um século. A novidade é que,
além de ser condenável por motivos éticos, o trabalho alienado agora é visto
como um péssimo negócio. Se não se sente parte do negócio, empregado
nenhum leva sua criatividade para o trabalho todo dia.
Talvez nunca tenha levado, é verdade. Braços costumavam interessar mais
às empresas do que cérebros. Até que, com o desenvolvimento da tecnologia
da informação, as legiões de “autômatos do dever” tornaram-se menos
valiosas.
Pelo menos nos setores associados à economia do conhecimento, a maioria
dos trabalhadores já não tem (ou não precisaria ter) uma jornada imposta de
fora para dentro, como no processo produtivo tradicional. A cada avanço
tecnológico, a produção de bens e serviços passa a demandar mais iniciativa.
Em contrapartida, o profissional não vende mais sua força de trabalho. Vende
criatividade e diligência. Não pode mais esperar ordens para agir.
Essa mudança de paradigma tem menos a ver com um aumento do nível de
consciência dos empresários do que com a velha e conhecida necessidade de
maximizar os lucros. De produzir sempre mais e mais rapidamente. Atingiu-se,
do meio para o fim do século passado, o ápice dos ganhos de produtividade
arrancados do trabalhador alienado pelo aperfeiçoamento dos sistemas de
punição e recompensa. Desde então, o mundo empresarial vem procurando
novas formas de motivação para manter o sistema acelerando.
É uma volta ao princípio. “O prazer aperfeiçoa a atividade”, dizia
Aristóteles. Hoje se entende, na maioria das organizações, que um bom líder
tem de estar preocupado com o nível de prazer que seus liderados extraem do
trabalho cotidiano. Se não obtiverem satisfação o bastante, esses
trabalhadores não vão se tornar exímios em seja lá o que fazem.
Se a nova orientação é essa, por que as pesquisas mostram tão baixo
engajamento? Por que tantos trabalhadores estão infelizes com o que fazem?
Se você procura respostas, olhe para a cúpula das empresas. A crise
desencadeada em 2007 e 2008 uniu consumidores, trabalhadores e
investidores em uma profunda reprovação dos padrões de conduta no mundo
dos negócios.
A rigor, a tolerância com malfeitos de executivos vinha se esgotando desde
os primeiros anos deste século, devido a escândalos corporativos como os da
Enron e da WorldCom. Uma enquete do Centro de Pesquisas em Opinião
Pública Roper, conduzida em julho e agosto de 2005, revelou que só 2% dos
investidores americanos acreditavam que os presidentes de grandes
companhias eram “muito confiáveis”, e 72% acreditavam que agir errado é
lugar-comum nas empresas. Um trabalho semelhante feito pela Yankelovich,
especialista em pesquisas de mercado, mostrou que 80% dos consumidores
americanos julgavam que o mundo dos negócios estava preocupado demais em
produzir lucros e relutante em assumir responsabilidades com trabalhadores,
clientes, comunidades e meio ambiente.
Os avanços tecnológicos das últimas décadas resultaram em um crescimento
exponencial da produtividade geral. Mas não no aumento da satisfação dos
trabalhadores com suas atividades. Os sobreviventes das reengenharias dos
anos 90 produzem hoje o mesmo que três pessoas produziam no passado. Nem
por isso recebem o triplo — e, quando recebem, estão exaustos demais para
desfrutar do rendimento extra. Criou-se um contrassenso. Os empregados se
sentem sobrecarregados e frustrados pelo progresso de suas empresas.
Uma saída enganosamente simples é levar o sistema de punição e
recompensa a um novo patamar, premiando o bom desempenho além do
imaginável poucas décadas atrás. O sistema financeiro fez isso melhor do que
qualquer outro setor nas últimas décadas. Estamos todos pagando o preço
dessa experiência no momento. Inclusive a mão de obra de Wall Street. Uma
pesquisadora da Universidade do Sul da Califórnia, Alexandra Michel, relatou
os efeitos do ambiente de trabalho estressante dos bancos de investimento
americanos, citando insônia, alcoolismo, palpitações, desordens alimentares e
temperamento explosivo entre os malefícios para a saúde desse tipo de
emprego. Vamos dar uma boa olhada nesse universo no capítulo 5.
Há uma outra abordagem para o problema da infelicidade no trabalho
ganhando força. Ela é em tudo oposta à dos bancos de investimento. Tem
pouco a ver com o darwinismo corporativo levado ao paroxismo da década
passada e tudo a ver com idealismo e renovação. Por isso mesmo, é mais
visível no universo jovem e na cultura pop.
Em meados de 2011, o New York Times mediu a frequência das palavras-
chave em 40 das centenas de discursos de formatura proferidos na primavera
daquele ano nos Estados Unidos.5 Talvez por causa da periclitante condição da
economia americana, os vocábulos “mundo”, “país”, “amor” e “serviço”
apareceram mais que “dinheiro” e “sucesso”. Para muita gente, o emprego
ideal se metamorfoseou daquele que oferece mais dinheiro para o que oferece
mais significado — de preferência, com um salário competitivo. As pessoas
estão rejeitando trabalhos em instituições financeiras de moral questionável.
Trocando contracheques gordos por cargos que as façam se sentir bem.
Empreendendo.
Em The start-up of you, Reid Hoffman, um dos fundadores da rede social
LinkedIn, sustenta que não podemos mais cultivar a expectativa de encontrar
um emprego satisfatório. Em vez disso, devemos criar nossos empregos.
O mundo do trabalho mudou na última década. Mudou na direção das
estruturas organizacionais menos hierárquicas e mais colaborativas. Na
direção das empresas conectadas, das redes de informação internacionais e
multiculturais. O que talvez esteja faltando, para elevar os níveis de satisfação
e engajamento, é um tipo peculiar de despoluição do ambiente empresarial.
Algo capaz de conectar felicidade no trabalho e sustentabilidade.
A palavra poluição foi cunhada no século 14, com um sentido espiritual,
imaterial. Poluir significava dessacralizar o corpo e a alma. Só no fim do
século 19 é que a palavra adquiriu o sentido que tem hoje. “Tragicamente, com
a mudança do significado de poluição, nos tornamos cada vez mais
preocupados com a contaminação de nosso ambiente externo, natural, enquanto
ignoramos a dessacralização de nosso ambiente interno, mental”, escreveu o
ativista americano Micah White, editor da revista Adbuster e pai da ideia do
movimento Ocupe Wall Street. Por essa lógica, o trabalho alienado é uma
forma de poluição. Assim como o trabalho (só) por mais dinheiro. A meta (só)
pelo bônus. A produção (só) pelo crescimento.
Em uma edição recente sobre felicidade no trabalho, a revista Harvard
Business Review pergunta: “Por que falar de felicidade quando boa parte da
economia mundial segue prostrada e gente do mundo todo sabidamente anda
infeliz?” A resposta: “Porque novas descobertas na neurociência, na
psicologia e na economia tornam absolutamente claro o elo entre uma força de
trabalho feliz e contente e resultados melhores para a atividade empresarial. A
felicidade pode ter um impacto tanto para a empresa como para um país. E o
movimento para medir o bem-estar nacional com outros critérios que não o
PIB pode ser um divisor de águas: como sabemos, o que é medido é
administrado. A ciência da felicidade já avançou muito. Seria tolice não tirar
proveito desse conhecimento.” Faço minhas essas palavras.
Se felicidade é viver emoções positivas com frequência e sentir que a vida é
boa; se uma das grandes emoções positivas é um envolvimento tão intenso com
o que fazemos que nada mais parece importar, não faz sentido continuar
usando o trabalho para financiar a busca da satisfação — a ser gozada em
casa com a família, na rua com os amigos, ou em qualquer outro lugar bem
longe do escritório. As vidas pessoal e profissional estão se fundindo de um
modo inédito. Logo, quem não busca felicidade no trabalho, não busca
felicidade na vida.
A corrida para comprar felicidade, pela via do consumo, está na origem da
epidemia de infelicidade dos últimos anos. Da crise de propósito.
Patrocinada, de bom grado, pelo capitalismo financeiro contemporâneo. Se omundo corporativo já constatou que o trabalho alienado não é mais suficiente
para maximizar os lucros, está criada a oportunidade para a tal volta ao
princípio. Para a saída de cena (gradual) do sistema extremado de punição e
recompensa. E o florescimento da nova abordagem “despoluidora”.
Na primeira parte deste livro, vamos discutir um modelo de motivação
centrado em propósito e valores e questionar (mas não contestar) o papel da
remuneração financeira, das metas e dos bônus nos pacotes de felicidade das
organizações contemporâneas. Como se verá, há misturas diferentes desses
ingredientes que resultam em receitas apetitosas para uns e indigestas para
outros. Essa é a ideia. Respeitados os princípios éticos, uma cultura
organizacional não é melhor que outra. O segredo está em identificar e atrair
as pessoas certas para cada tipo de organização — e manter ambientes
saudáveis, propícios ao desenvolvimento pessoal. Daí a discussão sobre
autoconhecimento, liderança e equilíbrio entre trabalho e lazer.
A segunda parte do livro é uma tentativa de contextualizar toda essa
conversa sobre (in)felicidade no trabalho. Vamos partir da má fama original
da labuta — coisa de escravos na Antiguidade — e avançar até os dias dos
filósofos iluministas que colocaram a felicidade (ou utilidade, como se dizia
então) no centro de seus sistemas. Seguiremos pela trilha dos grandes
pensadores da economia e da administração (Smith, Taylor, Drucker e grande
elenco) até chegar aos reformistas do presente. À “Era da Transcendência”.
A discussão sobre os limites do PIB como indicador de desenvolvimento
dos países — e as possíveis alternativas — está concentrada na Parte III.
Felicidade Interna Bruta, Índice do Planeta Feliz, o conceito de economia sem
crescimento e comparações entre os níveis de felicidade dos países serão
cobertos ali. Com ênfase, claro, no Brasil. Somos vistos como um dos países
mais felizes do mundo. Certamente, o mais confiante no futuro. Mas estamos
no meio de uma transição do paternalismo legado pelos nossos capitães da
indústria a algo que pode se tornar um modelo brasileiro de meritocracia. Há
dores nesse crescimento. Mas, sendo otimista, podemos estar presenciando a
criação de uma cultura empresarial própria, centrada em nossa proverbial
cordialidade, com alguma perspectiva de exportação.
A penúltima parte do livro trata do novo mundo do trabalho. Um mundo
habitado por autônomos, free lancers, empreendedores e cocriadores. Em que
nossas casas e os Starbucks da vida têm tanto apelo quanto escritórios de
última geração. Onde matar o tempo é obrigatório. Como tudo isso ainda é
futuro para a maioria, convém investigar e entender o que as boas companhias
do mundo estão fazendo hoje para injetar felicidade em suas sedes.
A quinta e última parte é dedicada a exemplos de empresas felizes. Aqui
tampouco há práticas universais. Virando Tolstói de ponta-cabeça, dá para
dizer que todas as empresas infelizes se parecem, mas cada empresa feliz é
feliz à sua maneira. Tendências, é claro, existem e podem ser replicadas. As
melhores prestadoras de serviços, por exemplo, estão deixando para trás o
clichê do foco no resultado e se concentrando na sua gente. Líderes
empresariais em processo de transformação pessoal estão transformando suas
organizações. Sejam empresários já consagrados preocupados com seus
legados, como Abilio Diniz, ou executivos ambiciosos em busca de
iluminação, como Sergio Chaia, o presidente budista da Nextel.
No Epílogo, um apanhado de boas razões para se colocar a vida boa, no
sentido filosófico do termo, no centro de nossos modelos de negócio — como
pessoas físicas e/ou jurídicas. Porque a felicidade, além de fazer bem, pode
ser lucrativa.
 
PARTE I -
O que nos faz felizes
(ou infelizes) no trabalho
 
1. A caminho do trabalho
“Uma profissão nos torna irrefletidos;
nisso está sua maior bênção.”
NIETZSCHE
 
 
 
Por mais de 60 anos, desde os tempos de Sigmund Freud, a psicologia se
concentrou em descobrir o que há de errado com as pessoas — e ajudá-las a
seguir adiante. Foi bem sucedida, sem dúvida. Ainda assim, alguma coisa
ficou faltando. “Esquecemos de melhorar a vida das pessoas comuns. De
tornar mais felizes, realizadas e produtivas as pessoas relativamente sem
problemas”, afirmou Martin Seligman, um professor de psicologia da
Universidade da Pensilvânia, em uma palestra feita em fevereiro de 20041, que
se tornou disponível no site do TED mais de quatro anos depois e já foi vista
mais de 1,1 milhão de vezes.
Em 1998, Seligman se envolveu em um estudo sobre pessoas felizes. Com
base em entrevistas e observação, constatou que elas não eram mais
religiosas, não estavam em melhor forma física, não tinham mais dinheiro, não
eram mais bonitas e não passavam por mais situações boas nem menos
situações ruins do que as pessoas reunidas em um grupo de controle, com
níveis mais baixos de felicidade. A única maneira pela qual se diferenciavam
era por uma sociabilidade bem acima da média. O indivíduo de felicidade
excepcional, confirmava-se no estudo, era aquele do tipo que nunca fica
sozinho, que mantém relacionamentos amorosos e amizades duradouras.
O interesse em aprofundar a pesquisa e compreender, com método
científico, o que nos faz mais ou menos infelizes deu origem a uma nova
disciplina — “uma ciência do que faz a vida valer a pena”, batizada por
Seligman de psicologia positiva.
Logo de início, uma de suas providências foi, com o auxílio de um colega
chamado Chris Peterson, compilar uma lista de “sintomas” da felicidade — “o
oposto de um manual de diagnóstico de insanidades”, como definiu Seligman.
Em um primeiro momento, a dupla pesquisou toda lista de virtudes que pôde
encontrar. Das inscritas nos livros sagrados até, sem exagero, as recitadas no
juramento do escoteiro-mirim. Com esse banco de dados em mãos, Seligman e
Peterson criaram tabelas de virtudes e trataram de identificar meia dúzia
comum a quase todas as listas: sabedoria, coragem, humanidade, justiça,
temperança e transcendência. Vários caminhos levam a cada uma delas, o que
permitiu aos pesquisadores preparar uma relação de 34 fortalezas
psicológicas associadas às seis virtudes universais.
Com o perdão dos epicuristas, hinduístas, budistas e estoicos, essa é a
melhor resposta articulada até hoje para a eterna pergunta: o que, afinal, faz o
homem feliz?
Faltava tratar do “como”. Conhecer os caminhos do bem não é garantia de
trilhá-los. Já dizia Medeia, nas Metamorfoses de Ovídio: “Desejo e razão
estão puxando em direções diferentes. Eu vejo o caminho certo e o aprovo,
mas sigo o errado”.
Seligman recrutou uma tropa de elite da psicologia para trabalhar com ele
nos procedimentos para desenvolver as tais fortalezas psicológicas que levam
à felicidade. Mihalyi Csikszentmihalyi, Dan Gilbert e Nancy Etcoff estavam
entre esses pioneiros e transformaram-se em estrelas da psicologia positiva.
Conforme os estudos avançaram, foram propostas 120 intervenções capazes
de tornar as pessoas mais felizes. Uma das mais conhecidas e recomendadas
por terapeutas cognitivos são as visitas de gratidão, transformadas em um
exercício de autodesenvolvimento. Lembre de alguém que fez algo importante
que mudou sua vida para melhor, a quem você nunca agradeceu. Escreva um
depoimento de 300 palavras para essa pessoa, telefone para ela e pergunte se
pode visitá-la — mas não diga por quê. Apareça na porta da casa dela e leia o
depoimento. Sucessivos testes, com rigor científico, sugerem que, seja uma
semana, um mês ou três meses depois dessa experiência, tanto quem agradece
quanto quem ouve o agradecimento se revela mais feliz e/ou menos deprimido.
Estudando essas intervenções, Seligman e seus companheiros identificaram
três tipos (diferentes e complementares) de vidas felizes:
 
• A vida prazerosa. “Uma vida na qual você tem tantas emoções
positivas quanto puder e as habilidades para amplificá-las”, nas palavras
de Seligman.2
 
• A vida envolvente. “Uma vida de trabalho, cuidado com os filhos,
amores, lazeres.”
 
• A vida comsignificado.
 
Seligman já entendia, àquela altura, que a vida prazerosa tem, pelo menos,
dois limitadores. O primeiro diz respeito à descoberta de que nossa
capacidade de maximizar as emoções positivas é cerca de 50% hereditária. O
segundo tem a ver com o fato de que nos acostumamos em pouco tempo com
cada nova emoção positiva (ou negativa), o que nos obriga a perseguir uma
depois da outra, sem cessar, para manter um padrão alto de felicidade.
Já o segundo conceito de felicidade, o do envolvimento, é do tipo que se
pode desenvolver e cujos avanços são cumulativos. No terceiro, o
autodesenvolvimento consiste em buscar significado para tudo o que fazemos.
Sem prejuízo do cultivo de uma vida interior, espiritualizada, é razoável
supor que o mundo exterior, com seus prazeres e suas adversidades, tem
influência em nossa felicidade. As questões relevantes são: quanta influência?,
e quanto é possível manipulá-la a nosso favor?
Nos primeiros anos deste século, Sonja Lyubomirsky, Ken Sheldon e David
Schkade, três psicólogos radicados nos Estados Unidos, examinaram as
evidências e perceberam que existem dois tipos de exterioridades: as
condições da nossa vida e as atividades voluntárias. Parte das condições foge
de nosso controle: sexo, etnia, idade e eventuais deficiências físicas, por
exemplo. Outras são administráveis: local de residência, estado civil e
situação financeira são ilustrativas. Já as atividades voluntárias, como o nome
sugere, são coisas que decidimos fazer ou não a cada momento: estudar,
exercitar-se, meditar e assim por diante.
Uma das realizações mais impressionantes da psicologia positiva é o que
esse grupo de pioneiros batizou de “fórmula da felicidade”. Em inglês, a
equação é H = S+C+V (Happiness equals Set Point plus Conditions plus
Voluntary Activities). Numa livre tradução, temos algo como F = P+C+A
(Felicidade é igual ao Ponto Base mais as Condições Externas e Atividades
Voluntárias). O Ponto Base corresponde aos 50% de nossa felicidade
definidos pela genética. A outra metade é composta por apenas 10% de
Condições Externas (ser mais rico ou pobre, feio ou bonito, saudável ou
doente e assim por diante) e 40% de Atividades Voluntárias (ações
intencionais que determinam nosso estilo de vida e nossa maneira de encarar a
existência).
Postas em perspectiva, as condições de vida parecem quase irrelevantes.
Parte delas é dada, não podemos controlar. Além disso, somam apenas 10%
da nota final. Ainda assim, estudos científicos demonstram que algumas
condições são importantes quando se trata de potencializar a felicidade.
Certas mudanças que podemos fazer em nossas vidas são capazes de nos
tornar mais felizes de modo sustentável.
Em certos casos, trata-se de evitar incômodos aos quais somos incapazes de
nos adaptar. Barulho, por exemplo. As pesquisas mostram que as pessoas
nunca se acostumam inteiramente a fontes crônicas de ruídos, seja uma rodovia
movimentada próxima de sua casa ou um pianista de técnica duvidosa
martelando as mesmas melodias por meses a fio um andar acima do seu (como
o que, contra a minha vontade, fez a trilha sonora deste livro). O barulho,
sobretudo quando variável e intermitente, dificulta a concentração e aumenta o
estresse. Vale a pena, portanto, se esforçar para remover as fontes de ruído
incômodas (mas não usar sua guitarra elétrica como instrumento de
retaliação).
O mesmo se aplica ao trânsito. Muita gente opta por se mudar para longe do
trabalho em troca de uma casa maior. É um mau negócio, porque embora nos
adaptemos em pouco tempo ao prazer de ter mais espaço, não nos
acostumamos nunca aos deslocamentos maiores que somos obrigados a fazer.
Sobretudo quando é preciso enfrentar tráfego pesado. Mesmo depois de anos
fazendo o mesmo trajeto, quem passa muito tempo no trânsito continua
chegando ao trabalho com níveis mais altos de hormônios relacionados ao
estresse no sangue. Ainda que menor, um apartamento perto do escritório conta
mais pontos no “felicitômetro”.
Algumas condições de vida que nos deixam mais ou menos felizes são mais
sutis. Ainda que, na média, as pessoas atraentes não sejam mais (nem menos)
felizes que as feias, algumas melhorias na aparência levam a aumentos
duradouros da felicidade. Gente que se submete a cirurgia plástica, por
exemplo, relata efetivos aumentos na qualidade de suas vidas e reduções nos
problemas de depressão e ansiedade nos anos que se seguem à operação. Os
maiores ganhos foram relatados em operações de aumento ou redução dos
seios. Jonathan Haidt, um psicólogo social, sugere que o modo de
compreender os efeitos de tais mudanças é pensar sobre o poder da vergonha
na vida cotidiana. “Mulheres jovens cujos seios são muito maiores ou menores
que o ideal delas com frequência relatam sentir-se autoconscientes todos os
dias sobre seus corpos. Muitas ajustam sua postura ou seu guarda-roupas em
uma tentativa de esconder o que veem como uma deficiência pessoal”, escreve
ele.3
Mais do que todas as demais condições de vida, os bons relacionamentos
são apontados como decisivos para uma existência feliz. Leia-se “bons” tanto
do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Tanto como causa quanto
como efeito da felicidade. “Bons relacionamentos fazem as pessoas felizes, e
pessoas felizes desfrutam de mais e melhores relacionamentos do que as
infelizes”, afirma Haidt.4 A via, neste particular, é sempre de duas mãos.
Relacionamentos conflituosos, sejam com uma colega de trabalho, com o
amigo com quem você divide o apartamento ou com seu marido, estão entre os
modos mais seguros de reduzir sua felicidade. Somos capazes de nos adaptar a
muita coisa ruim, mas não a conflitos interpessoais. “Faz mal todo dia, mesmo
nos dias em que você não vê a outra pessoa, mas rumina sobre o conflito de
todo jeito”, escreve Haidt.
E quanto às atividades voluntárias? No que vale a pena se concentrar?
Csikszentmihalyi inventou um método para investigar o impacto das mais
diversas atividades sobre nosso nível de felicidade. Em seus estudos, os
voluntários carregam um pager que apita diversas vezes por dia. A cada
“bip”, o sujeito saca um caderninho e registra o que está fazendo no momento
e o quanto está gostando. Milhares de pessoas foram “bipadas” dezenas de
milhares de vezes nos experimentos, até que as conclusões começaram a
brotar — uma delas sobre todas as demais.
Existe um estado de espírito que, embora mundano, nos leva a uma espécie
de iluminação. É o estado de imersão total em uma tarefa desafiadora, no
limite das habilidades de uma pessoa. Csikszentmihalyi chamou tal estado de
“fluxo”, porque ele é descrito com frequência como uma espécie de
movimento sem esforço. Chega-se a ele em exercícios físicos, sobretudo os
que demandam precisão e concentração extremos, como automobilismo ou
esqui na neve. Entra-se em fluxo também pela arte, em especial quando há
música envolvida e cria-se uma espécie de transe. Atividades criativas
solitárias, como a pintura, também são propícias. O fundamental é que algumas
condições estejam presentes: um desafio claro que atraia sua atenção,
habilidades para encará-lo e um retorno imediato sobre como você está se
saindo a cada passo — ultrapassar um adversário, marcar um gol, ser
aplaudido...
Atletas e artistas amadores à parte, a maioria das pessoas encontra seus
momentos de fluxo enquanto ganha o pão. Se, no que diz respeito às condições
de vida, usar bem nossa capacidade de amar é o melhor que podemos fazer
para aumentar nosso nível de felicidade — além de evitar barulho, trânsito e
seios grandes demais ou pequenos demais (se você for a dona deles) —, no
âmbito das atividades voluntárias, o que faz a diferença é o trabalho.
Então, vamos a ele.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2. Motivação, propósito, valores... O
que te tira da cama de manhã?
“Ser o homem mais rico do cemitério não importa para mim (...) Ir
para a cama de noite dizendo que fizemos algo maravilhoso (...) isso
importa para mim.”
STEVE JOBS
 
 
 
“Muitos de nós não trabalhamos por dinheiro apenas. Alguns querem mudaro
mundo, outros, criar objetos de arte que permanecerão. Alguns batalham para
ganhar a fama, enquanto outros ficam contentes em fazer o bem anonimamente.
Para muitas pessoas, os efeitos visíveis do trabalho são a maior recompensa”,
escreve o economista indiano Raghuran Rajan, ex-economista-chefe do FMI,
em Fault lines, um estudo sobre a crise financeira global de 2008 que foi
eleito o livro de negócios do ano pelo Financial Times em 2010.1 “Para o
professor, testemunhar o momento eureca quando a compreensão enfim nasce
em um estudante; para o médico, a alegria incrível de salvar a vida de um
paciente; para o fazendeiro, a visão de acres e acres de trigo dourado
oscilando gentilmente com a brisa — para todas essas pessoas, a motivação
primária é saber que o trabalho faz do mundo um lugar melhor.”
Rajan cita, em seu livro, um experimento feito por pesquisadores do MIT e
da Universidade de Chicago sobre a importância de um significado para o
trabalho. Observado por cientistas, um grupo de estudantes recebia peças de
Lego para montar figuras humanas. Cada aluno tinha direito a uma recompensa
por modelo montado, só que o pagamento era menor a cada homenzinho
concluído, de modo que, em algum momento, o trabalho deixava de ser
interessante do ponto de vista econômico. Numa das rodadas, os modelos
montados eram deixados à frente do estudante à medida que ele ou ela
trabalhava. Em outro momento, as figuras prontas eram desmontadas de
imediato, e as peças voltavam a ser oferecidas. “A simples diferença entre
permitir que o trabalho do participante permanecesse (ao menos pela duração
de sua participação) e desfazê-lo de imediato, sem deixar vestígio, fez uma
enorme diferença na disposição para trabalhar, ainda que os benefícios
monetários fossem idênticos”, escreveu Rajan. Quando podiam ver o que
estavam construindo, os estudantes montavam, em média, 10,6 homenzinhos
cada um. Quando as figuras eram desfeitas, a média caía para 7,2.
Professor de finanças na Universidade de Chicago, Rajan considera essa
experiência de particular interesse para seus alunos, colegas e futuros
profissionais do ramo. Em diversas funções no setor financeiro, é difícil
enxergar os efeitos do trabalho de cada um. “Como o trabalhador em uma linha
de montagem, o corretor que vende títulos emitidos para um projeto de energia
elétrica raramente vê a eletricidade que é produzida: ele tem pouca percepção
de qualquer resultado material de seu trabalho”2, afirma ele em seu livro. A
medida mais direta da contribuição dada por um trabalhador do setor
financeiro é o dinheiro que ele ou ela ganha para a firma onde trabalha. Essa é
a razão da eficiência do sistema e também de sua vulnerabilidade. “Estamos
aprendendo que o lucro como motivo, potente como ele é, pode ser
insuficiente tanto para indivíduos como para organizações”, afirma Daniel
Pink, o mais prestigiado especialista em motivação da atualidade, em seu livro
Drive.3
 
O JURAMENTO DO MBA
 
Na primavera de 2009, com a economia global se recuperando do quase
colapso de setembro de 2008, uns poucos estudantes da escola de negócios de
Harvard “olharam no espelho e se perguntaram (...) se eles eram o problema”,
relata Pink. Temeroso de que, depois da crise, um diploma da mais conhecida
escola de negócios do mundo se tornasse um mico, um grupo de alunos do
segundo ano concebeu, assinou e divulgou uma carta de intenções que foi
batizada de “O Juramento do MBA”. Começa assim:
 
“Como um administrador, meu propósito é servir o bem maior ao unir
pessoas e recursos para criar um valor que nenhum indivíduo pode criar
sozinho.”
 
Como vimos antes (e veremos com mais detalhes no próximo capítulo),
psicólogos e economistas já encontraram evidências de que a correlação entre
dinheiro e felicidade é fraca. Passado certo nível, uma pilha maior de notas
não nos leva a um nível superior de satisfação.
Uma pesquisa com estudantes recém-formados na Universidade de
Rochester comprova essa teoria e sugere que o juramento de Harvard pode
oferecer àqueles futuros administradores mais do que uma imagem positiva.
As pessoas que têm metas relacionadas a propósito e sentem que as estão
atingindo nos primeiros dois anos depois da formatura relatam níveis mais
altos de satisfação e bem-estar do que quando estavam na faculdade e níveis
baixos de ansiedade. O mesmo não pode ser dito dos recém-formados com
metas baseadas em lucro — mesmo quando atingem seus objetivos. Isso
significa que a satisfação depende menos de ter metas do que daquilo que Pink
define como ter os objetivos certos.
Na definição inspirada de Tamara Erickson, uma professora da própria
escola de negócios de Harvard, o significado é a nova moeda. “É o que as
pessoas estão procurando no trabalho. Valores organizacionais claros,
traduzidos no trabalho do dia a dia”, afirmou ela em um texto para a versão
digital da revista Harvard Business Review.4
Tamara vem conduzindo pesquisas sobre motivação e novas carreiras
focadas em criatividade e colaboração. Segundo ela, seu trabalho “tem
mostrado claramente que níveis altos de engajamento e o esforço adicional
associado a eles ocorrem quando nossas experiências no trabalho refletem um
conjunto claro de valores que compartilhamos”.
A moeda de troca mais bem recebida pelo trabalho muda durante a vida. Na
juventude, é o aprendizado. Depois, passa a ser o dinheiro. Em seguida, vira
poder. Mais tarde é o prestígio. Depois pode se tornar um misto de desafio
intelectual e qualidade de vida. Em geral, termina sendo a possibilidade de
retribuição. “Chega um momento em que você quer dar [alguma coisa] de
volta para a sociedade. Você vai dar aula, participar de conselhos, montar uma
ONG”, diz Cassio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil e do Pão de
Açúcar. “Não adianta dar prestígio para um cara que precisa de dinheiro. Não
adianta dar um curso para um cara que necessita de poder. Você tem que
adequar as moedas aos momentos que as pessoas vivem.”
Casseb diz ter cometido erros na gestão de pessoas no começo de sua
carreira. Dois ou três de seus melhores funcionários nunca se formaram. Nos
anos 80, ele recrutava estagiários na Poli, a faculdade de engenharia da
Universidade de São Paulo, e os levava para trabalhar no mercado financeiro.
“O cara ia bem? Grana. Ia bem de novo? Responsabilidade. Se superava?
Cargo. O cara ia subindo e acabava largando a escola”, diz Casseb.
Promover rápido demais ou para a posição errada, não raro, é um castigo
involuntário. Não é todo mundo que vai ser feliz liderando. “Às vezes você
tem um cara que é um típico especialista”, diz Casseb. “É um sujeito para
quem se deve dar mais responsabilidade ou mais dinheiro para que permaneça
na posição onde está. Mas, por engano, você o promove para uma posição
onde ele não tem prazer no trabalho — e vira um desastre.”
A relação entre subir na vida e ser feliz é mais tênue do que pode parecer.
“Não vamos achar que ser presidente [de uma empresa] é a concretização da
felicidade”, diz Fábio Barbosa, hoje presidente-executivo do Grupo Abril. Há
respaldo teórico para essa afirmação. “O prazer de conseguir o que você quer
é frequentemente fugidio. Você sonha em ser promovido, ser aceito em uma
escola prestigiosa ou terminar um grande projeto. Você trabalha todo o tempo
em que está acordado, talvez imaginando (sobretudo nas horas difíceis) o quão
feliz seria se apenas pudesse atingir essa meta. Então você tem sucesso e, se
tiver sorte, ganha uma hora, talvez um dia de euforia”, afirma o psicólogo
Jonathan Haidt, no livro The happiness hypothesis. “Mais tipicamente,
contudo, você não tem nenhuma euforia (...), a sensação é mais de alívio — o
prazer do fechamento e da entrega.”
A moral da história parece ser que o importante, também em uma carreira,
não é aonde vamos chegar, mas o quanto vamos nos divertir no caminho.
 
 
A MÁSCARA SOCIAL DO BRILHO NOS OLHOS
 
Desde pequenos, aprendemos a separar trabalho e diversão no tempo e no
espaço. De início, são os professores que nos ensinam que a sala de aula não é
lugar de brincadeira. Enquantoisso, os demais adultos insistem em nos dizer
que adoram seus trabalhos — embora quase nunca pareçam sinceros. Levamos
um tempão para entender que se trata de uma espécie de máscara social que
teremos de usar quando ficarmos mais velhos. Gente bem-sucedida,
aprendemos mais tarde, precisa exibir “brilho nos olhos” o tempo todo.
Os pais nem sempre são insinceros. Com frequência, chegam exauridos ou
entediados do trabalho e nem tentam disfarçar. Dia após dia. Em algum
momento, acabam revelando a verdade: fazem esse sacrifício para manter um
padrão de vida elevado para a família. O exemplo seria positivo, se não
tivesse alta probabilidade de inibir a busca da felicidade no trabalho quando
os filhos tiverem de decidir o que fazer da vida.
Quanto, afinal, precisamos gostar do que fazemos? Se ignorarmos essa
pergunta por julgá-la fútil, corremos o risco de abandonar cedo demais a
busca por nossa verdadeira vocação. “Você acabará fazendo alguma coisa
escolhida para você pelos seus pais, ou pelo desejo de ganhar dinheiro ou
prestígio — ou por pura inércia”, escreve Paul Graham, um capitalista de
risco do Vale do Silício.5 Um parâmetro sugerido por ele é: “Você tem de
gostar do que faz o bastante para que o conceito de ‘tempo livre’ pareça
equivocado. O que não quer dizer que você tenha de passar todo o seu tempo
trabalhando. Você só pode trabalhar por algum certo tempo antes de ficar
cansado e começar a pisar na bola. Aí você vai querer fazer outra coisa —
mesmo que seja algo estúpido. Mas você não vai considerar esse tempo um
prêmio e o tempo que gastou trabalhando como uma dor que suportou para
conquistá-lo”.
Um bom teste, sugerido por Graham, para descobrir se as pessoas amam
para valer o que fazem da vida é perguntar se elas o fariam mesmo se não
fossem pagas — mesmo que tivessem de arranjar outro emprego para
sobreviver.
“Quantos advogados corporativos fariam seu trabalho se tivessem de fazê-lo
de graça, em seu tempo livre, e trabalhar de garçom durante o dia para
sobreviver?”, pergunta Graham. “Parece seguro dizer que há mais aspirantes a
romancista cujos pais querem que eles sejam médicos do que aspirantes a
médico cujos pais querem vê-los transformados em escritores.”
O escritor suíço-britânico Alain de Botton, famoso por popularizar filosofia,
literatura e religião, observou que vivemos em uma era na qual nossas vidas
são sacudidas com regularidade por crises profissionais. “Talvez seja mais
fácil do que nunca ganhar a vida e mais difícil do que nunca estar tranquilo,
livre da ansiedade com a carreira”, disse ele em uma palestra em Oxford.6
Segundo De Botton, é tão improvável hoje que você fique rico como Bill
Gates como era para um plebeu do século 17 chegar à aristocracia. A
diferença é que não parece ser assim. Livros e revistas de autoajuda querem
nos fazer crer que, se tivermos energia, ideias brilhantes e uma garagem,
podemos começar uma nova Microsoft. “Em boa parte do tempo, nossas ideias
sobre o que significaria viver com sucesso não são as nossas próprias”, afirma
ele. “Elas foram sugadas de outras pessoas (...), da televisão à publicidade.”
A busca do sucesso é uma necessidade instintiva. Na lógica evolutiva da
sobrevivência dos mais aptos, ficou para trás o tempo em que a força física
para matar o inimigo ou conseguir mais comida era fator de desequilíbrio na
atração de parceiros. Fomos reprogramados, então, para buscar o sucesso.
Com o tempo, ser bem-sucedido, sobretudo do ponto de vista financeiro,
tornou-se a vantagem competitiva mais relevante — sem relação necessária
com ser mais feliz. Por essa premência instintiva, o ser humano
contemporâneo corre o risco, o tempo todo, de abrir mão da busca da
felicidade em nome da busca por sucesso e dinheiro. Este é o tema do próximo
capítulo.
 
 
 
 
 
 
3. O que dinheiro tem a ver
com felicidade
“O materialismo é prejudicial à felicidade.”
ED DIENER, autor de Happy people live longer
 
 
 
O dinheiro compra felicidade? Em 2010, cientistas reunidos para
investigações conjuntas publicaram1 os resultados do mais ambicioso estudo
já realizado a partir dessa questão. Daniel Kahneman, caso único de psicólogo
premiado com um Nobel de Economia, e Angus Deaton, um microeconomista
escocês de renome, analisaram as vidas e os rendimentos de quase meio
milhão de cidadãos americanos aleatoriamente selecionados. De acordo com a
pesquisa, nos Estados Unidos de hoje, a renda média necessária para ser feliz
— ou “experimentar bem-estar emocional”, como definem os autores — é de
US$ 75 mil por ano. São US$ 6.250 por mês, equivalentes a R$ 12,7 mil ao
câmbio oscilante do final de maio de 2012.
Passado esse ponto, observaram Kahneman e Deaton, ganhos adicionais de
rendimento não afetam as sensações de felicidade, prazer, tristeza ou estresse.
Ou seja, quem ganha US$ 250 mil por ano não tem maior bem-estar emocional
no dia a dia do que quem recebe os mágicos US$ 75 mil anuais. O número
exato depende do custo de vida local. Então, no Mississipi dá para ser feliz
com um pouco menos do que isso, enquanto em Chicago é preciso um pouco
mais — a mesma lógica distinguiria o “preço da felicidade”, digamos, no
Maranhão e em São Paulo. O ponto a destacar é a evidência científica da
existência de um teto para a relação entre riqueza e felicidade.
Economistas e psicólogos passaram décadas estudando essa relação. As
conclusões convergem para o mesmo ponto: a riqueza aumenta a felicidade
quando nos leva da pobreza à classe média, e pouco importa desse ponto em
diante. Uma vez satisfeitas as necessidades básicas, a felicidade que se tira do
aumento da renda é, muitas vezes, consequência do que os sociólogos chamam
de “ansiedade de referência” e os economistas de “percepção da renda
relativa” — a tendência a nos compararmos a vizinhos, cunhados ou colegas
de trabalho para saber quem está melhor de vida. É por isso que preferimos
um salário de 10 mil reais, se nossos pares ganharem 5 mil, a um pagamento
de 20 mil reais, se eles receberem 30 mil.
A associação entre dinheiro e felicidade depois de atingido um nível de
conforto não é nada saudável. Ela costuma levar a uma corrida consumista por
“bens posicionais” — que se traduz, nas ruas e garagens da vida, num
desavergonhado “o meu SUV é maior do que o teu!”. Esse é um fator que
negligenciamos por nossa conta e risco, já que diversos estudos demonstram
que, na realidade, há uma relação direta entre infelicidade e preocupação com
valores como aparência e status econômico e social. Inclusive no trabalho.
As pessoas precisam ganhar o bastante para que o dinheiro deixe de ser uma
questão e elas possam se concentrar no trabalho e na busca de resultados. “Se
você está batalhando pela sobrevivência, a busca por transcendência é uma
preocupação de segunda ordem”, disse Daniel Pink em uma entrevista
recente.2 No Brasil, o Movimento Novo Olhar Sobre as Relações Trabalhistas
utiliza o conceito de “ponto de suficiência” — o patamar financeiro em que
suas necessidades básicas estão cobertas e você pode optar por abrir mão de
correr atrás de estilos de vida cheios de glamour em nome de mais paz de
espírito.
Como regra geral da relação entre dinheiro e felicidade, as pessoas
precisam receber o suficiente para assegurar, com alguma sobra, seu sustento e
o de sua família. “Em todas as empresas que enquadro na categoria de
negócios conscientes, o funcionário médio é bastante bem pago. Mais bem
pago, na média, que os empregados das demais companhias”, me disse
Rajendra Sisodia, um professor de marketing na Bentley College que se tornou
referência em estudos sobre capitalismo consciente e é coautor do livro Firms
of endearment (traduzido no Brasil como O segredo das empresas mais
queridas). “É uma maneira de garantir que o trabalhador possa se concentrar
integralmente nas suas atividades, sem se preocupar com o dia de amanhã.
Mas, uma vez que essa condição esteja satisfeita, o dinheiro se torna uma
motivação menor do que a alegria intrínseca ao trabalho.”
Se o trabalho é só um emprego para pagar as contas, tudo giraem torno do
dinheiro. Não há emoções envolvidas. Pode-se, é verdade, construir boas
carreiras sob essa perspectiva — ganhar mais dinheiro e ter mais
responsabilidades. “Mas o trabalho pode ser um verdadeiro chamado, alguma
coisa que você nasceu para fazer, que o apaixona e o faria voltar ao escritório
mesmo se ganhasse na loteria”, diz Sisodia. “Precisamos criar as condições
para que as pessoas passem a dizer ‘Graças a Deus, é segunda-feira’.”
 
 
O EFEITO SUPERJUSTIFICATIVA
 
Gente talentosa, em geral, não precisa de grandes incentivos para mostrar do
que é capaz. “Encontrar uma pessoa que tenha escrito uma obra-prima no
verso de um cardápio de café não me surpreenderia”, escreveu o cartunista
Hugh MacLeod. “Mas encontrar alguém que escreva uma obra-prima com uma
caneta tinteiro de prata da Cartier em uma escrivaninha de antiquário num loft
do SoHo me surpreenderia seriamente.”
Recompensas podem ter efeitos colaterais inesperados ao transformar uma
tarefa interessante em algo que se faz por dinheiro. Ao tornar trabalho o que
era brincadeira. Em Understanding motivation and emotion
(“Compreendendo a motivação e a emoção”), o psicólogo social Jonmarshall
Reeve escreve: “As pessoas usam recompensas esperando ganhar o benefício
de melhorar a motivação e o comportamento de outra pessoa, mas, ao fazê-lo,
frequentemente incorrem no custo não intencional e oculto de minar a
motivação intrínseca dessa pessoa em relação àquela atividade”. Quando isso
acontece, aplica-se a lei do mínimo esforço. Em ambientes nos quais as
recompensas extrínsecas são predominantes, muita gente trabalha só o
suficiente para garantir seu bônus — nem uma hora a mais do que isso.
Ser pago para fazer o que já fazemos por prazer pode levar nosso amor pela
tarefa a minguar. Isso tende a acontecer no momento em que passamos a
atribuir nossa motivação à recompensa, e não mais aos sentimentos. É o que os
pesquisadores da relação entre dinheiro e felicidade batizaram de “Efeito
Superjustificativa”.
Nada disso quer dizer que as recompensas sejam sempre contraproducentes.
Em 1980, os psicólogos sociais David Rosenfield, Robert Folger e Harold
Adelman, da Universidade Metodista do Sul, revelaram um modo de derrotar
o “Efeito Superjustificativa”.3 Os resultados do estudo feito pelo trio sugerem
que, quando somos premiados com base no quão bem desempenhamos uma
tarefa, desde que os critérios estejam claros, as recompensas geram uma
sensação de “validação intrínseca”. Fizemos bem porque gostamos de fazer
(seja lá o que for), tivemos prazer durante o processo e ganhamos um afago
extra no ego pela via do bolso.
É diferente de saber que a recompensa será dada de qualquer jeito, desde
que cumpramos a tarefa encomendada. É por isso que, em princípio, os
sistemas de remuneração baseados em desempenho funcionam melhor para
motivar do que salários altos. A remuneração variável só se tornou um
problema quando se concentrou demais em resultados de curto prazo, uma
tendência levada ao paroxismo nos últimos anos. Hoje está claro que os
sistemas de recompensa precisam de reformas, como veremos no próximo
capítulo.
Assim como o modo de conquista da recompensa influencia nossa reação
emocional ao prêmio, o modo como usamos o dinheiro ganho também faz toda
a diferença para nosso nível de felicidade. Pesquisas recentes concluíram que
os benefícios de fazer alguma coisa superam os de ter alguma coisa. Em um
estudo coordenado pelos psicólogos Leaf van Boven e Tom Gilovich,
voluntários que compraram uma experiência (uma viagem, um ingresso para
um concerto ou um jantar num restaurante bacana) com dinheiro ganho pelo
cumprimento de uma tarefa revelaram-se mais felizes ao pensar no que
viveram do que aqueles que usaram o prêmio para comprar um objeto
qualquer (roupas, joias ou eletrônicos).4 Van Boven e Gilovich concluíram que
as experiências proporcionam mais felicidade, em parte porque têm maior
valor social — em geral, são feitas com outras pessoas. Já quando compramos
alguma coisa cara, queremos, pelo menos em parte, impressionar outras
pessoas. “As atividades nos conectam com os outros; os objetos com
frequência nos separam”, afirmou Jonathan Haidt, autor de The happiness
hypothesis, ao comentar o estudo.
Com alguma frequência, somos levados a acreditar que vivemos em tempos
materialistas demais. O escritor Alain de Botton discorda. Acha, isto sim, que
vivemos em uma sociedade que associa recompensas emocionais à aquisição
de bens materiais. “Não são os bens materiais que queremos, mas as
recompensas”, afirma ele.5 “Da próxima vez que você vir alguém dirigindo
uma Ferrari, não pense que esse alguém é incrivelmente ganancioso. Pense que
é alguém incrivelmente vulnerável e precisando de amor. Sinta simpatia em
vez de desprezo”, disse De Botton, arrancando gargalhadas de uma plateia
inglesa.
Em uma cultura centrada no consumo, dinheiro é essencial. É a base sobre a
qual você se posiciona como consumidor. Aos poucos, a acumulação
monetária entra numa dimensão na qual não se justifica pelo desejo de
comprar. Não há consumo possível para determinadas remunerações e
riquezas. O dinheiro passa a funcionar como um termômetro de sucesso.
A DESVALORIZAÇÃO DO DINHEIRO
 
O Ocidente viveu até 2008 o auge da valorização do dinheiro como motivador
para o trabalho. Foi um ciclo que começou pelo menos 30 anos antes, quando
os governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan começaram a
desregulamentar os mercados.
O setor financeiro se expandiu e sofisticou a ponto de provocar um
descolamento entre o valor monetário e o valor real de bens e serviços de
qualquer natureza. Esse é o pano de fundo da crise de valores (sem trocadilho)
deste início de século. A definição de sucesso e de contribuição para a
sociedade tornou-se proporcional, com honrosas exceções, à quantidade de
zeros que a pessoa acumula na coluna da direita de seu saldo bancário.
É provável que tenhamos presenciado o apogeu dessa fase do capitalismo
no período anterior ao estouro da bolha imobiliária americana, em julho de
2007, e à quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de
2008. Desde então, uma mudança de paradigma que vinha se dando de maneira
subterrânea ganhou visibilidade.
À medida que o centro de gravidade de uma sociedade começa a se deslocar
do consumo de bens materiais para a obtenção e o processamento de
informação e conhecimento, essa sociedade cria outros vetores de satisfação
para as pessoas. Por exemplo, sentir-se informado e ser reconhecido como
uma referência em certa área de conhecimento.
Esse processo de desmaterialização, é verdade, está em seus primeiros
movimentos. Por enquanto, o dinheiro continua sendo decisivo. O anseio de
consumo ainda é o motor principal da economia global. Paradoxalmente, a
evolução dos sistemas produtivos, acelerada pelo consumismo das últimas
décadas, está depreciando os bens materiais em uma escala nunca vista. A
produção de bens de consumo chegou a um nível que permite fabricar itens
cada vez melhores a custos marginais decrescentes, em qualquer lugar do
mundo. “Se este é mesmo o quadro, não adianta ficar incentivando o
artificial”, afirma o economista José Guimarães Monforte, ex-presidente do
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “A motivação através de
dinheiro vai perder o sentido.”
Se o dinheiro é o valor absoluto, devo tomar minhas decisões de carreira
sempre priorizando a posição onde vou ganhar mais. Mas se o dinheiro é
apenas um item de uma cesta de motivadores, posso preferir ganhar menos e
trabalhar em um lugar onde enxergo um propósito maior e/ou que me propicia
um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal — principal candidato a
ocupar o espaço criado pela relativa desvalorização do dinheiro.
Essa é uma potencial mudança de perspectiva com desdobramentos
interessantes. “As pessoas sempre fazem escolhas de carreira baseadas em
quanto dinheiro se veem ganhando agora ou no futuro. Pensam
surpreendentemente pouco em como usarão seu tempo — se poderão controlá-
lo, com quem o gastarão e a que atividadesirão dedicá-lo”, observou
recentemente a pesquisadora Jennifer Aaker, professora da Universidade
Stanford e coautora de um estudo intitulado “Se o dinheiro não te faz feliz,
considere o tempo”.6 A tese dela é de que o tempo (e não o dinheiro) é nosso
recurso mais precioso na atualidade. “Passamos a maior parte de nosso tempo
no trabalho. Logo, entender como deveríamos passar esse tempo é mais
importante do que as pessoas pensam”, afirma Jennifer.
O conhecimento acumulado na tríplice fronteira entre psicologia, economia
e administração de empresas sugere que, num futuro próximo, as pessoas
inteligentes, bem formadas e bem informadas procurarão conforto financeiro,
sim, mas não colocarão a remuneração como fator decisivo para a definição
de suas carreiras. Não necessariamente um engenheiro competente escolherá
trabalhar no banco de investimento que lhe pagar melhor.
O fenômeno é global, mas bate com força em países emergentes, como o
Brasil. “Ainda estamos vivendo a Era do Preciso, mas logo vamos entrar na
Era do Quero”, me disse o publicitário Sergio Valente, presidente da agência
DM9DDB. A Era do Preciso é definida pela ascensão social de dezenas de
milhões de brasileiros. Essas pessoas estão satisfazendo as suas necessidades
básicas, longe ainda do “número mágico” da felicidade calculado nos Estados
Unidos. Em algum momento, a onda do “preciso” vai acabar. E dará lugar à
fase do “quero” — que a velha classe média brasileira, bem como a classe
alta, já vive faz tempo.
A maioria absoluta da população terá, então, o direito de escolha. Seguir
acelerando na corrida para o consumo? Ou optar pela busca de propósito e
equilíbrio?
Em alguma medida, essa possível mudança de paradigma já entrou na
agenda das empresas. Porque este é o espírito do tempo, sim. Mas também
porque, com o desenvolvimento econômico do país, o trabalhador brasileiro
começa a ter mais opções, e já há escassez de talento no mercado. Convém ter
em estoque as moedas adequadas para atrair e manter satisfeitas as melhores
pessoas que se puder conseguir.
Em paralelo, assistimos à ascensão do empreendedorismo por vocação — e
não como “bico”, por necessidade. Uma vez assegurada a solidez do plano de
negócios, hoje há dinheiro na praça para financiar qualquer projeto realmente
bom. Os donos das boas ideias, não raro, se veem em condições de escolher
qual dinheiro querem aceitar. Ganham, assim, uma chance de satisfazer outras
necessidades que não apenas a financeira. É o “quero” tomando o lugar do
“preciso” e trazendo para o primeiro plano os valores como fator de atração.
A quem quero me associar? Será que compartilhamos os mesmos
princípios? Estas são preocupações que tendem a se disseminar pelo ambiente
empresarial. Elas são decisivas na busca da felicidade no trabalho. Quem
pode escolher patrão ou sócio capitalista não tem desculpa para se associar a
pessoas com padrões éticos diferentes dos seus.
Por fim, a relativa desvalorização do dinheiro deve provocar um sutil, mas
estratégico, reajuste nas prioridades empresariais, sobretudo no que diz
respeito ao horizonte dos objetivos. “Lucro é uma consideração de curto
prazo. Perenidade é uma consideração de longo prazo”, afirma Monforte. “Só
que você não se torna perene se não gerar lucro. A questão não é, portanto, se
uma organização deve gerar lucro, mas como ela deve gerar lucro.”
Lucro bom é aquele que pode ser repetido no tempo. Lucro ruim é o que se
obtém por poucos trimestres, em detrimento da saúde financeira da
organização — e, muitas vezes, da de seus funcionários. Quem escolhe focar
numa coisa ou na outra são os executivos-chefes e os demais diretores das
empresas. E, como qualquer ser humano, eles fazem suas escolhas com base
em incentivos. Por isso, o alongamento dos prazos considerados relevantes
para avaliar o desempenho de uma companhia tem de começar pelos sistemas
de remuneração.
Por ora, o que está mudando é a composição das métricas de desempenho.
Ou seja, que metas os altos executivos precisam atingir para receber seus
prêmios. Monforte tem participado há décadas de conselhos de administração
de algumas das principais empresas brasileiras: Vivo, Natura, Grupo Martins,
Promon, etc. Segundo ele, ações de sustentabilidade, por exemplo, começam a
ter algum peso na avaliação dos gestores dessas e de outras companhias. São
indicadores mais qualitativos que quantitativos.
Trata-se de uma evolução, e não de uma revolução. É bom que seja assim.
Tentar promover na marra uma mudança dessa importância é, no mínimo,
temerário. Se não for por autodeterminação, a transformação tende a ser de
curta duração.
 
 
 
 
4. Metas (e bônus) na berlinda
“Frequentemente tratamos nossos funcionários como
‘cachorros de Pavlov’: se lhes dermos incentivos financeiros
adequados, podemos conseguir que façam qualquer coisa.”
GARY HAMEL, consultor em inovação
 
 
 
Uma pequena força-tarefa foi reunida em 2009, com pesquisadores de escolas
de negócio de ponta, incluindo Harvard, Kellogg e Wharton, para questionar a
eficácia da prescrição indiscriminada de metas para organizações em busca de
melhor desempenho. “A fixação de metas”, sugere o relatório escrito pelo
grupo ao final do trabalho, “deveria ser prescrita seletivamente, apresentada
com um alerta no rótulo e monitorada de perto”.1 Bem-humorados, os
professores trataram de, eles mesmos, escrever o alerta: “Metas podem causar
problemas sistemáticos para organizações devido ao foco estreitado,
comportamento antiético, tomada de risco aumentada, cooperação reduzida e
motivação intrínseca diminuída. Tenha cuidado quando aplicar metas em sua
organização”.
Detrator público número 1 das metas, o escritor Daniel Pink, autor de quatro
livros sobre as mudanças no mundo do trabalho, adorou. Pelo menos em parte,
sua ressalva ao uso de metas é de natureza ética. “O problema de fazer de uma
recompensa extrínseca o único destino que importa é que algumas pessoas
escolherão a rota mais rápida para lá, mesmo se isso significar pegar uma
estrada ruim”, afirma Pink em Drive.2 “Muitos dos escândalos e maus
comportamentos que parecem endêmicos na vida moderna envolvem atalhos.”
No dia 14 de março de 2012, o mundo dos bancos de investimento foi
sacudido pela carta aberta de demissão de um profissional do ramo. A
lavagem pública de roupa suja sobre a cultura do Goldman Sachs provocada
pelo documento abriu um debate internacional sobre (a falta de) limites éticos
para a busca de resultados a qualquer preço.
Greg Smith era um executivo de 33 anos ocupando uma posição de nível
médio no escritório do Goldman em Londres. Ele renunciou ao cargo com uma
mensagem de e-mail para seus chefes, enviada às 6h40 da manhã, no horário
londrino. O texto expressava preocupações com a cultura do banco, que teria
se deteriorado ao pôr interesses próprios à frente dos de seus clientes.3 Quinze
minutos depois, um artigo opinativo escrito por Smith foi publicado na página
do New York Times. “Fico doente com o quão insensivelmente as pessoas
ainda falam sobre passar os clientes para trás”, afirma o executivo. O texto,
segundo o jornal americano, reacendeu o debate “sobre se Wall Street está
corrompida pela ganância e pelo excesso”.
Smith não era regiamente pago pelos padrões de seu setor. Recebeu cerca de
US$ 500 mil em 2011. Era um banqueiro de investimentos no meio da carreira,
descrito por ex-colegas como parte de um contingente de profissionais de
médio escalão do Goldman frustrados com a adoção, nos últimos anos, de uma
mentalidade que põe o lucro acima de tudo.
 
 
POR QUE ESTOU DEIXANDO O GOLDMAN
 
Os desvios de conduta do maior banco de investimento do mundo se tornaram
públicos em 2010, num relatório da SEC. O órgão regulador do mercado de
capitais americano o acusava de ter enganado certos clientes ao vender a eles
um produto financeiro lastreado em hipotecas projetado por outro cliente que
apostava que o mercado imobiliário iria desabar. Contra esse pano de fundo, a
carta aberta que Smith publicou com o título “Por que estou deixando o
Goldman Sachs”já nasceu como um documento histórico.4
 
Hoje é meu último dia no Goldman Sachs. Depois de quase 12 anos na
firma — como estagiário de verão enquanto estava em Stanford, depois
em Nova York por dez anos, e agora em Londres — acredito ter trabalhado
aqui tempo bastante para entender a trajetória da sua cultura, sua gente e
sua identidade. E posso dizer honestamente que o ambiente agora é tão
tóxico e destrutivo como jamais vi.
 
Smith afirma, sem meias palavras, que os interesses do cliente são postos de
lado pelo modo como a firma opera e pensa sobre ganhar dinheiro. Ele põe a
culpa na atual direção.
 
Pode soar surpreendente para um público cético, mas a cultura foi
sempre uma parte vital do sucesso do Goldman Sachs (...) Quando os
livros de história sobre o Goldman Sachs forem escritos, eles poderão
refletir que o atual executivo-chefe, Lloyd C. Blankfein, e o presidente,
Gary D. Dohn, perderam as rédeas da cultura da companhia confiadas a
eles.
 
De acordo com Smith, a firma mudou o modo de pensar sobre liderança.
“Quais são os três jeitos rápidos de se tornar um líder? a) Persuadir seus
clientes a investir em ações ou outros produtos de que estamos tentando nos
livrar porque eles não são vistos como tendo muito potencial de lucro; b)
Fazer seus clientes — alguns dos quais são sofisticados, e alguns que não são
— negociarem o que quer que possa trazer o maior lucro para o Goldman; c)
Negociar qualquer produto opaco, sem liquidez, com uma sigla de três letras”,
afirma ele.
Além de se indignar com a traição à confiança dos clientes, Smith se
impressiona com a falta de visão de longo prazo que predominaria no banco.
“É surpreendente quão pouco a alta gerência entende uma verdade básica: se
os clientes não confiam em você, em algum momento eles deixarão de fazer
negócios consigo (...) Atualmente, a pergunta mais comum que ouço dos
analistas juniores sobre derivativos é: “Quanto dinheiro arrancamos do
cliente?”
As evidências de corrosão da cultura do Goldman vêm se acumulando há
anos. Em novembro de 2009, o jornal Times, de Londres, publicou uma
reportagem sobre o banco que inclui o seguinte diálogo de Lloyd Blankfein
com um repórter:
 
É possível ganhar dinheiro demais? “É possível ter ambição demais? É
possível ser bem-sucedido demais”, Blankfein atira de volta. “Eu não
quero que as pessoas desta firma pensem que já realizaram o quanto
podiam e saiam de férias. Como o guardião dos interesses dos acionistas
e, aliás, para os fins da sociedade, gostaria que eles continuassem a fazer
o que estão fazendo. Eu não quero pôr um teto em suas ambições.
Defender um teto para as suas remunerações é duro para mim.”
Chame-o de gato gordo que debocha do público. Chame-o de perverso.
Chame-o do que você quiser. Ele diz ser apenas um banqueiro “fazendo o
trabalho de Deus”.
 
O cinismo arrogante não é exclusividade de Blankfein. Em uma discussão
sobre moralidade e mercados na Catedral de Saint Paul, em Londres, o vice-
presidente internacional do Goldman Sachs, Brian Griffiths, descreveu
pagamentos desproporcionais para banqueiros como uma necessidade
econômica. “Temos de tolerar a desigualdade como um modo de alcançar
maior prosperidade e oportunidades para todos”, disse ele.5 O palavrório
religioso rendeu pelo menos uma resposta divertida. “Blankfein claramente
sabe para quem trabalha”, disse Matt Phillips, um blogueiro do Wall Street
Journal. “Afinal, Deus não poderia bancá-lo.”
Diante da revolta generalizada quando se descobriu que os empregados do
Goldman receberam os maiores bônus anuais da história em 2009, na esteira
da quebra do Lehman Brothers e do socorro que os bancos receberam do
Tesouro americano, Blankfein ofereceu uma justificativa singela: “Nós
contribuímos para o crescimento”. Será verdade?
“Se houvesse uma correlação simples entre o crescimento do setor
financeiro e o crescimento econômico”, ponderou à época Thomas Philippon,
um professor de finanças da Universidade de Nova York6, “a participação das
finanças na economia permaneceria constante.” Ao examinar dados desde
1860, ele descobriu algo bem diferente: a participação das finanças no PIB
varia bastante. Ela inchou no final do século 19 e depois encolheu. Voltou a
crescer nos anos 1920, reduziu-se e permaneceu baixa por décadas, até
começar a se avolumar de novo nos anos 1970, atingindo níveis sem
precedentes no início da primeira década do século 21. O setor financeiro, que
representava 4% do PIB americano nos anos 1960, quase bateu em 8% em
2006. Já a participação dos lucros do setor financeiro no total ganho pelas
empresas americanas cresceu de 12% em meados da década de 1960 para
quase 41% em 2002. Ora, os anos 60 foram, por muitas medidas, a melhor
década da história em termos de crescimento e ampliação da prosperidade nos
Estados Unidos. A década passada, em comparação, foi ruim. “Logo, nós
provavelmente estaríamos melhor com uma indústria financeira menor e menos
bem remunerada”, concluiu Justin Fox, colunista da revista Time.7
Dado o histórico do Goldman Sachs, a carta de demissão de seu executivo
provocou reações que variaram do cinismo à indignação. Robert Reich, um
ex-secretário americano do Trabalho, foi direto: “Se Greg Smith acredita que
o que experimentou é algo novo, ele não conhece a história. Em 1928, a
Goldman Sachs and Company criou a Goldman Sachs Trading Corporation, a
qual prontamente entrou numa farra especulativa, atraindo investidores
inocentes no caminho. No Grande Crash de 1929, os investidores do Goldman
perderam até as camisas, mas o Goldman manteve seus pesados honorários”.8
John Bogle, autor do livro The clash of the cultures — Investment vs.
speculation, fez o comentário que melhor aproxima a história recente do
Goldman da visão deste livro sobre a sobrevalorização do dinheiro como
motivador. “Forças de mercado sem freio e a importância esmagadora de
ganhar dinheiro nos conduziram à atual ‘sociedade de resultados’, perseguindo
os resultados errados: forma antes da substância, prestígio antes da virtude,
dinheiro antes da realização, carisma antes do caráter, o efêmero antes do
duradouro.”
Alexandra Michel, uma pesquisadora da Universidade do Sul da Califórnia,
passou uma década observando a categoria profissional mais associada a
trabalho duro e bônus em todo o mundo para uma pesquisa sobre os efeitos
desse estilo de vida sobre a saúde. O experimento começou nos idos de 2001
em dois bancos de Wall Street que concederam acesso a Alexandra sob a
condição de permanecer anônimos. Seu objeto de estudo foram duas dúzias de
banqueiros de investimento recém-saídos de escolas de negócios e entrando
no mercado. Ela se tornou uma sombra dos jovens profissionais em seus
escritórios — sentando perto deles, seguindo-os em reuniões, acompanhando
suas jornadas de trabalho e mesmo virando noites nos bancos com eles. Foram
mais de 100 horas por semana durante o primeiro ano, cerca de 80 horas por
semana durante o segundo ano e depois um acompanhamento via entrevistas.
Durante seus primeiros dois anos, os banqueiros trabalharam entre 80 e 120
horas por semana, mas permaneceram ansiosos e energéticos. Tipicamente,
chegavam às seis da manhã e saíam por volta da meia-noite. “Mordomias”
oferecidas aos empregados, como entregas expressas de refeições e carros
com motorista permanentemente à disposição, aos poucos apagaram as linhas
entre trabalho e vida pessoal.
“No quarto ano do estudo, muitos banqueiros estavam um trapo. Alguns
sofriam de falta de sono; outros desenvolveram vícios”, afirmou Alexandra ao
Wall Street Journal.
No sexto ano, os participantes, agora com trinta e poucos anos, haviam se
dividido em dois campos: os 60% que permaneciam “em guerra” com seus
corpos, e os demais 40% que tinham decidido priorizar a saúde, o que
significa prestar mais atenção ao sono, exercícios e dietas, além de impor
limites à carga de trabalho.
Cerca de um quinto dos banqueiros abandonou a profissão em dez anos.
As conclusões de Alexandra? “Todo indivíduo observado durante uma
década desenvolveu alguma doençafísica ou emocional relacionada ao
estresse a partir de alguns anos de trabalho.”9 As principais enfermidades
incluem insônia, alcoolismo, palpitações cardíacas, desordens alimentares e
temperamento explosivo, além de males ainda mais sérios como psoríase (uma
doença inflamatória da pele, autoimune, crônica e não contagiosa) e artrite
reumatoide (outra doença inflamatória crônica que pode acometer vários
órgãos internos, articulações e tecidos do corpo).
 
 
WALL STREET VERSUS STARTUPS
 
Wall Street, que por anos atraiu os melhores e mais brilhantes jovens
profissionais dos Estados Unidos, enfrenta hoje uma crise de recrutamento.
Some a rotina de trabalho descrita por Alexandra à desaceleração da
economia e aos escândalos que têm atraído atenção negativa para os grandes
bancos e o cenário está montado. O próprio Smith mencionou o assunto em sua
carta: “Eu soube que era hora de sair quando percebi que não podia mais olhar
os estudantes nos olhos e dizer a eles que grande lugar para trabalhar era
este”.
Do movimento Ocupe Wall Street aos discursos contra “gatos gordos” das
finanças, tudo tem efeito sobre os jovens que chegam à idade de decidir o que
fazer da vida. Na edição de 2012 do South by Southwest, um misto de
conferência e festival de música pop em Austin, Texas, havia até um painel
chamado “Keeping kids off the street: Wall St. vs. startups”. Não por acaso, a
redução do fascínio pelo setor financeiro tem sido acelerada pela explosão da
indústria tecnológica e do empreendedorismo.
Uma enquete de 2011 com 6,7 mil jovens profissionais, feita pela
consultoria Universum, listou Google, Apple e Facebook como os locais de
trabalho mais cobiçados. O banco mais bem colocado no ranking, JP Morgan
Chase, ficou em 41º lugar.10
Em 2008, último ano de recrutamento em faculdades e escolas de negócios
antes da crise financeira, 28% dos formandos de Harvard optaram por um
emprego em finanças. Três anos depois, esse número já havia caído para
17%.11
A fama dos prêmios em dinheiro pagos por desempenho tornou-se tão ruim
que, na penúltima semana de julho de 2011, a cidade de Nova York, cuja
política de bônus para professores da rede pública de ensino inspirou
governos no Brasil, anunciou a suspensão do pagamento dessas recompensas
em suas escolas. A decisão se seguiu à conclusão de um estudo, iniciado
quatro anos antes, que não constatou diferenças significativas no desempenho
dos estudantes cujos professores recebiam remuneração por mérito.
Por trás dessa violenta ressaca de um porre de bônus está uma das maiores
concentrações de renda da história. Um por cento dos americanos está se
apropriando de quase um quarto da renda dos Estados Unidos a cada ano. Em
termos de riqueza, em vez de rendimentos, esse 1% mais rico controla 40%.
Vinte e cinco anos atrás, esses números eram 12% e 33%. O 1% mais rico viu
sua renda aumentar 18% na última década. A classe média viu seus
rendimentos caírem. “Enquanto muitos dos velhos centros de desigualdade na
América Latina, como o Brasil, vêm se esforçando nos últimos anos, com
bastante sucesso, para melhorar a condição dos pobres e reduzir as lacunas
nos rendimentos, a América permitiu que a desigualdade crescesse”, escreveu
Joseph Stiglitz em um artigo para a Vanity Fair, publicado em maio de 201112
— o qual se tornou peça central do Ocupe Wall Street.
Parte da culpa, afirma Stiglitz, está nas políticas agressivas de remuneração
variável. “Os executivos que ajudaram a produzir a recessão dos últimos três
anos — cuja contribuição para nossa sociedade, e para suas próprias
companhias, foi maciçamente negativa — acabaram recebendo grandes bônus.
Em alguns casos, as empresas ficaram tão embaraçadas ao chamar tais
recompensas de ‘bônus por desempenho’ que se sentiram compelidas a mudar
o nome para ‘bônus de retenção’ (mesmo se a única coisa sendo retida fosse
mau desempenho)”, escreveu Stiglitz. “Aqueles que contribuíram com grandes
inovações positivas para nossa sociedade, dos pioneiros da compreensão da
genética aos pioneiros da era da informação, receberam uma insignificância
comparado àqueles responsáveis pelas inovações financeiras que trouxeram
nossa economia global para a beira da ruína.”
Os supersalários pagos no Reino Unido também são motivo de ultraje
nacional. Um órgão foi criado em 2010 apenas para analisar as políticas de
pagamentos a executivos. Depois de um ano de investigação, a High Pay
Commission recomendou uma simplificação radical dos pacotes de
remuneração para brecar a espiral de prêmios financeiros classificados como
“corrosivos” à economia e capazes de criar desigualdades de um tipo que foi
visto pela última vez na era vitoriana13, mais de um século atrás.
 
 
FINANÇAS E BÔNUS SIM — COM MODERAÇÃO
 
Toda essa conversa sobre bancos de investimento e desigualdade não tem a
intenção de atacar o setor financeiro como um todo, de levantar a bandeira do
teto estabelecido em lei para os salários dos presidentes nem de propor a
abolição do sistema de metas e bônus. As finanças já foram vilipendiadas à
vontade por gente bem mais habilitada a fazê-lo. Como Paul Volcker, o ex-
presidente do banco central americano para quem a única inovação financeira
útil dos últimos 70 ou 80 anos é o caixa eletrônico.
Encurralar o setor financeiro não é do interesse de trabalhadores nem de
empresas em lugar nenhum do mundo. Em seu último livro, o economista
Robert Shiller afirma: “Imperfeito como nosso sistema financeiro é, ainda me
pego admirando-o pelo que faz e imaginando quão mais impressionante pode
ser no futuro”.14 Detalhe: Shiller, um professor de economia de Yale, foi um
dos primeiros críticos da hipótese dos mercados eficientes que sustentou a
inovação financeira nos mercados de títulos dos últimos 30 anos.
Quanto à remuneração, a ênfase dos reguladores deveria estar menos nos
valores pagos do que no incentivo à busca de resultados de curto prazo dos
pacotes de pagamento desenhados nas últimas décadas. Como o “curto-
prazismo” é prejudicial à saúde econômica dos países, parece legítimo que os
governos trabalhem para desencorajá-lo.
De resto, cabe às empresas separar o que funciona bem daquilo que gera
efeitos colaterais indesejados quando se trata de prêmios por desempenho.
“Para tarefas de rotina, que não são muito interessantes nem demandam muito
pensamento criativo, as recompensas podem provocar um pequeno reforço
motivacional sem os efeitos colaterais prejudiciais”, afirma Pink. “Para
trabalhos que requerem mais do que apenas escalar degrau por degrau uma
escada de instruções, as recompensas são mais perigosas.” É possível, embora
complicado, incorporar bônus por desempenho em atividades criativas. “O
requisito essencial: qualquer recompensa extrínseca deveria ser inesperada e
oferecida apenas depois que a tarefa está terminada”, escreve Pink.
“Assegurar um prêmio no começo de um projeto — e oferecê-lo com uma
contingência — inevitavelmente focará a atenção das pessoas em obter a
recompensa em vez de em atacar o problema.” Radical em sua condenação aos
bônus financeiros, Pink sugere que se considere como alternativas as
recompensas intangíveis. O elogio e o retorno positivo, para ele, são menos
corrosivos do que dinheiro e troféus.
Quando se trata de metas e bônus, a questão relevante é: qual o segredo para
a oferta de recompensa ser produtiva para a pessoa e para a empresa, sem
desviar o foco para o que Pink chama de motivação extrínseca? Ou ainda:
como evitar que o profissional deixe de pensar em fazer o que gosta cada vez
melhor e se concentre em bater metas e ganhar bônus?
Em seus 17 anos à frente da Serasa, Elcio Anibal de Lucca adotou um
modelo de meritocracia pouco focado no dinheiro. Não havia, por exemplo,
bonificação por participação nos processos de melhoria contínua. “Nunca
admiti dar um prêmio para um cara que deu uma ideia”, diz Elcio. “Se você
faz isso, o cara guarda a ideia para ele, em vez de compartilhar, para ficar com
o dinheiro. Eu faria isso.” No modelo de inovação criado por ele, o incentivo
era para a formação de gruposde trabalho com autonomia para desenvolver
projetos. De modo espontâneo e sem periodicidade fixa, a companhia
oferecia, por exemplo, viagens para funcionários que se destacavam.
“Funciona melhor, porque é uma surpresa. O cara que ganha quer contar para
os colegas”, diz Elcio.
Uma das práticas curiosas que ele adotou na companhia foi, ao final das
reuniões de fim de ano para planejamento do exercício seguinte, convidar os
gestores participantes a introduzir numa urna uma lista de dez metas pessoais.
Se curar de uma doença, emagrecer, seguir uma religião de modo mais estrito,
aprender um esporte, qualquer coisa. A urna era lacrada até o ano seguinte, na
hora da apresentação dos resultados da empresa. Cada um, então, lia suas
metas e tinha o direito de se manifestar, contando aos colegas se atingira ou
não seus objetivos. Normalmente, se havia 200 pessoas na sala, umas 20
falavam. “Mas todo mundo entendia o que é uma meta”, afirma Elcio.
Empresa de pesquisa de tendências e inovação criada por jovens para
entender (e explicar) os jovens, a Box 1824 introduziu metas no seu sistema de
gestão há pouco tempo. Aberta oito anos atrás, a companhia aproximava-se
dos 70 funcionários no final de abril de 2012. “Chegamos a um ponto em que
[sem objetivos claros] estávamos começando a ficar amorfos”, diz João
Cavalcanti, um de seus sócios fundadores. As metas estabelecidas são parte de
um programa de desenvolvimento e servem mais para incentivar a conversa
entre gestor e subordinado do que como base para um sistema de recompensa
e punição.
Todos os funcionários têm dez metas a cumprir durante o ano, pactuadas com
seus chefes. Algumas contam para bonificação — e dizem respeito a tarefas
que precisam ser realizadas para garantir resultados. Outras são importantes,
mas não relacionadas ao desempenho da companhia, e não valem bônus. A
administração paga, para toda a empresa, 14º e 15º salários se a companhia
atinge a meta geral, pactuada a partir de alguns objetivos definidos no
programa de desenvolvimento. Para algumas pessoas-chave, há um sistema de
bonificação individual. Se, por exemplo, o chefe de uma unidade de negócios
atinge o faturamento e/ou o lucro combinado, recebe um prêmio.
Em um ambiente no qual o gestor não cobra a presença das pessoas — que
não raro estão trabalhando em casa ou na rua — e não faz nenhum tipo de
controle sobre o horário delas, ter metas claras é fundamental. Sem elas, não
há como avaliar com objetividade o trabalho dos funcionários. Mesmo assim,
João diz que as metas na Box 1824 não são, em princípio, ferramentas para
avaliação de desempenho. A empresa, segundo ele, consegue medir com
precisão a competência das pessoas no momento da entrega de cada projeto.
“Como o trabalho requer um engajamento grande a todo momento, de toda a
equipe, fica claro quem está contribuindo e quem não está”, diz ele.
A criação das metas, João insiste, foi uma resposta à percepção de que, com
o crescimento da empresa, era preciso oferecer perspectiva às pessoas.
Alguns funcionários se queixavam da falta de clareza sobre o próximo passo
em suas carreiras — e sobre até onde poderiam chegar. Em vez do ritual das
reuniões de avaliação de desempenho, optou-se por investir em conversas
francas na hora de fixar os objetivos. O funcionário tem a liberdade de
perguntar a seu gestor: “O que você espera de mim neste ano?”. Pode dizer
onde acha que poderia dar sua maior contribuição. E propor a especialização
em uma determinada área como um de seus dez objetivos. Cabe ao gestor
apontar caminhos, oferecer perspectivas e explicar se as propostas colocadas
à mesa fazem sentido para a empresa. As metas, portanto, têm o objetivo,
primeiro, de gerar conversa. E, só depois, de avaliar e bonificar as pessoas.
Se identificar o mérito de cada pessoa dentro de uma organização e premiá-
la de acordo pode ser difícil em uma empresa de 70 funcionários, que dirá em
uma de 35 mil?
Boa parte da comunidade de negócios põe a Ambev na mesma categoria dos
bancos de investimento, no que diz respeito a metas e bônus. A visão que
predomina quando se olha a empresa de fora é a de que quem vai trabalhar lá
quer ganhar dinheiro rápido.
Dentro da companhia, tal premissa é refutada. “Aqui, o dinheiro é 100%
ligado a desempenho de longo prazo”, diz Sandro Bassili, vice-presidente de
gente e gestão da Ambev. Ganhar dinheiro grosso implica ser elevado à
condição de sócio, o que só é possível depois do segundo ciclo de cinco anos
de desenvolvimento na empresa. A partir de então, a formação de patrimônio é
100% ligada ao desempenho da companhia na bolsa, já que os sócios recebem
ações. Sandro tem 20 anos de Ambev, mais ou menos o mesmo que os colegas
de diretoria. “A companhia é um casamento de longo prazo”, afirma ele. “É
diferente de um banco de investimento, onde se ganha dinheiro mais no curto
prazo mesmo.”
O que há na Ambev, sim, é pagamento, desde o início da carreira, de bônus
atrelado a desempenho. “O dinheiro aqui é mais para reforçar o sentimento de
dono que queremos que as pessoas tenham”, diz Sandro. “Obviamente, é um
drive (motivador) importante. Mas anda junto, e não na frente, de outros, como
realização e autonomia.” Remunerar como dono significa pagar, sobretudo,
com base em crescimento. Não basta ter lucro em um determinado período. É
preciso fazer o bolo crescer sempre para que ele possa continuar sendo
dividido.
“A gente não gosta de executivo profissional, aquele cara que passa três
anos num lugar, três anos noutro, três anos num terceiro”, afirma Sandro. Não
gosta e não tem. A Ambev não contrata ninguém de fora, salvo para funções
específicas, por uma questão de princípio. O pressuposto é o seguinte: se as
áreas têm donos, eles terão de lidar, no futuro, com as consequências dos seus
atos e das suas decisões. Ora, o sujeito que se acostuma a passar apenas três
ou quatro anos em cada lugar não está preocupado com as consequências
futuras de suas decisões. Em geral, está preocupado com os resultados que
consegue gerar no curto prazo. Os quais nem sempre contribuem para a
sobrevivência e a geração futura de riqueza.
O conceito de longo prazo da Ambev é diferente do da maioria das
empresas. A carreira ali é mais rápida do que em qualquer outra companhia do
mesmo porte no país. É comum ver jovens de 25 anos liderando equipes de 50
pessoas ou mais. O aumento da responsabilidade vem acompanhado de um
aumento da remuneração também em um ritmo superior ao que se costuma ver
no mercado. Não porque os salários sejam altos. “No mês a mês, a gente paga
um pouco abaixo do mercado”, diz Sandro. “O bônus é que faz a diferença.”
Além de desenhada para o longo prazo, a política de remuneração da
Ambev é atrelada ao crescimento. Ao final do ano da crise de Wall Street,
2008, a empresa não pagou bônus aos funcionários mesmo tendo ganhado
dinheiro. “Não tivemos bônus porque a companhia não cresceu o que queria
crescer e que fixou como piso para aquele ano”, diz Sandro.
O sistema de remuneração da Ambev foi projetado para que, quando as
metas forem batidas, cada pessoa cresça junto com a empresa, ganhe bônus e
forme patrimônio. É uma forma de manter em uma grande organização um
ambiente similar ao de uma startup.
 
 
5. Rebeldes com causa: negócios
sociais e empresas com bandeiras
“Quando começa a ficar grande, você vira
vidraça. E o jovem, por definição,
tem de ser revolucionário e contestador.”
FABIO COELHO, presidente do Google Brasil
 
 
 
Para cada vaga aberta no Google Brasil, chegam à empresa, em média, 200
currículos. A concorrência é quatro vezes maior que na disputa por uma vaga
na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo — que teve 49
candidatos por vaga no vestibular de 2011.1 Detalhe: a sede local da
companhia tem apenas 250 funcionários, 100% de nível universitário.
Fabio Coelho, o presidente do Google Brasil, tem uma explicação para
tamanha procura. Os jovens, afirma ele, querem trabalhar na empresa, em
primeiro lugar, porque querem mudar o mundo. “O grande mote que ouvi do
Larry Page [cofundadore atual presidente mundial da companhia] é que o
Google consegue incorporar coisas extraordinárias na vida corriqueira das
pessoas”, afirma ele. Coisas como ver o mundo na tela de um computador pelo
Google Earth ou sua casa pelo Street View. “As pessoas querem participar
disso. Elas olham de fora e falam: ‘Quer dizer que, se entrar lá, eu vou ter uma
fraçãozinha da capacidade de ajudar a fazer um mundo melhor?’”, diz Fabio.
Outro fator de atração é que o desenvolvimento de tecnologias custeado pela
publicidade online é um negócio crescente. “Temos hoje menos de 5% do
mercado de publicidade no Brasil, onde a internet fica com 10% das verbas”,
me disse Coelho no fim de novembro de 2011. “Mas a internet daqui a pouco
vai ser 30%, 40% do mercado de publicidade brasileiro, como é nos países
mais desenvolvidos.”
Por fim, para Coelho, as pessoas veem o Google como uma empresa do
bem, com uma prodigiosa capacidade de execução e uma proposta de
felicidade no trabalho interessante. “Se o Google fosse mal intencionado,
ninguém ia querer vir para cá”, afirma.
Mais do que tudo isso, o Google é visto como um lugar descolado para se
trabalhar, e o universo digital como um todo tem um óbvio apelo para o jovem
antenado. O lado complexo da equação (desenvolvimento de software,
algoritmos, etc.) é atraente para programadores e engenheiros. O produto final
(buscador, mapas, Chrome, Android) seduz o público geral. No topo de tudo
isso, paira a figura dos criadores da empresa, ícones do empreendedorismo.
O Google é, por outro lado, uma companhia que cresceu de modo explosivo
e se transformou em tempo recorde numa corporação. Com o tempo, a imagem
de Larry Page e Sergey Brin deixará de ser suficiente para manter a aura
romântica — e seguir atraindo legiões de jovens candidatos a empregos. A
empresa passará a ser vista como parte do sistema.
Esse é o ciclo normal da vida de uma companhia, acelerado de uma forma
sem precedentes. O Google foi fundado em setembro de 1998, abriu capital em
agosto de 2004 e em 2011 já estava na casa dos US$ 30 bilhões de
faturamento.
Seu desafio autoproclamado é se reinventar continuamente para chegar aos
US$ 100 bilhões e depois aos US$ 200 bilhões, mantendo a velocidade de
startup, a paixão por criar produtos surpreendentes e os fundamentos de sua
cultura. “Você pode ter sempre a mesma cultura, mas ela será executada de
formas diferentes para 200 ou para 20 mil funcionários”, afirma Coelho. “A
base é a mesma, mas talvez as pessoas enxerguem culturas diferentes.”
 
 
CULTURA HACKER
 
Em The future of management, Gary Hamel afirma que, mais do que o modelo
de negócios centrado na internet, o que torna o Google único é um estilo de
administração “à beira do caos”. Os elementos-chave seriam: pouca
hierarquia; muita comunicação lateral; remuneração desproporcional para
pessoas que trazem ideias desproporcionalmente boas; a abordagem com foco
na equipe para desenvolvimento de produtos; e o credo corporativo que
desafia todo empregado a pôr o usuário em primeiro lugar.
O sistema de administração único do Google deve bastante ao modo como
Sergey Brin e Larry Page interpretaram o sucesso inicial da companhia. Eles
entenderam de cara que, em um mundo descontínuo, o que importa mais não é
a vantagem competitiva de uma companhia em um determinado momento, mas
sua capacidade de se manter na frente da concorrência ao longo do tempo. Foi
por isso que os engenheiros do Google trabalharam desde os primeiros anos
para levar a companhia além de suas raízes como mecanismo de busca.
Desde o início, também, Page e Brin decidiram criar uma empresa onde
gostariam de passar seu tempo, cheia de gente esperta e energizada com a
chance de trabalhar em alguns dos problemas mais cabeludos do mundo — e,
no processo, deixar sua marca. Em sua carta a potenciais investidores, quando
o Google se preparava para lançar ações na bolsa, em 2004, Page e Brin
argumentaram que “pessoas talentosas são atraídas para o Google porque nós
lhes damos poder para mudar o mundo”.
O Google, nas palavras de Hamel, está organizado como a internet em si: “É
altamente democrático, fortemente conectado e plano (...) Os googlers
esperam ter o direito de opinar, inteligentemente, sobre qualquer coisa para
qualquer um — e ser levados a sério.” Mesmo ao presidente, cabe mais
provocar e desafiar do que empurrar uma estratégia de cima para baixo. O
processo de tomada de decisão no Google envolve consultas, o que, com
certeza, toma tempo. Por outro lado, ao ter a bordo pessoas motivadas e
fechadas em torno de uma visão comum, não se gasta energia com
microgerenciamento.
Quase metade dos funcionários do Google está organizada em equipes
pequenas e autogerenciadas. Todos os empregados envolvidos em
desenvolvimento de produtos trabalham assim, com uma média de três
engenheiros por time. É isso que permite a uma empresa gigante funcionar
mais como uma startup do que como uma burocracia. “Quando se trata do
modelo de administração, o Google é um pioneiro de primeira geração”,
escreve Hamel. “[É] a primeira companhia grande, listada em bolsa de
valores, a construir seu sistema de gestão em torno de princípios centrados na
internet.”
Certamente não é a única. Liderado por Mark Zuckerberg, o Facebook tem
tentado se agarrar ao seu espírito de startup, mesmo enquanto ocupa seu lugar
entre a elite do Vale do Silício. Assim como fizeram Page e Brin em 2004,
Zuckerberg divulgou, meses antes da abertura de capital do Facebook, uma
carta aberta aos investidores interessados em adquirir ações. Nela, ele detalha
os traços da cultura de sua empresa, ancorados no que chama de filosofia
hacker, e lista seus cinco principais valores:
 
1. Foco no impacto que uma ação pode causar.
2. Rapidez para fazer mais coisas e aprender mais depressa. Se alguém
nunca erra, é porque não está sendo rápido o bastante.
3. Espírito destemido. Quem não arrisca está condenado a fracassar.
4. Transparência. Zuckerberg diz que o Facebook trabalha “para assegurar
que todas as pessoas tenham acesso ao máximo de informação possível sobre
cada parte da empresa, de modo que possam tomar as melhores decisões e
provocar o maior impacto”.
5. Construção de valores sociais. “O Facebook existe para fazer o mundo
mais aberto e conectado, não apenas para construir um negócio”, afirma ele.
 
 
EMPREENDIMENTOS DE RETORNO MISTO
 
O propósito de mudar o mundo para melhor está ligado à ideia de empresários
com bandeiras, personagens de um movimento que vem gestando novos tipos
de organização.
Em Bangladesh, depois de desenvolver um modelo de microcrédito que se
tornaria referência para países em desenvolvimento do mundo todo e ter seu
trabalho reconhecido com um Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus criou
um tipo híbrido de organização, os “negócios sociais”. Eles levantam capitais,
fabricam e vendem produtos, em geral para populações carentes. A diferença,
em relação a uma companhia tradicional, é que fazem tudo isso a serviço de
uma missão social mais ampla, “com o princípio da maximização do lucro
substituído pelo princípio da maximização do benefício social”.
Os negócios sociais se enquadram em um conceito mais amplo:
empreendimentos de retorno misto. A categoria inclui entidades com e sem
fins lucrativos, cujo retorno mescla benefício social e receita financeira. A
Rede do Quarto Setor, que funciona nos Estados Unidos e na Dinamarca, é um
exemplo. Ela cresce em torno do que chama de “organizações com fins
beneficentes”. É um animal corporativo híbrido, autossustentável e movido
por um propósito social. O exemplar mais conhecido é a Mozilla, responsável
pelo navegador Firefox. Gratuito e de código aberto, hoje em sua 12ª versão, o
Firefox foi desenvolvido com a ajuda de centenas de voluntários como parte
da missão da Mozilla de promover uma internet aberta e acessível.
Em abril de 2008, Vermont tornou-se o primeiro estado americano a
reconhecer um novo tipo de negócio batizado de “low-profit limited liability
company” (“empresa de baixo lucro de responsabilidade limitada”).Esse tipo
de companhia, como o nome sugere, visa lucros modestos e tem como meta
principal a produção de benefícios sociais significativos. Três outros estados
americanos já aceitaram essa denominação.
“Como seres humanos, somos definidos pelas causas a que servimos e pelos
problemas que lutamos para superar. Seja Nelson Mandela enfrentando o
flagelo do apartheid, Craig Venter desvendando o genoma humano ou Larry
Page e Sergey Brin trazendo ordem para a vastidão do ciberespaço, é a paixão
por resolver problemas extraordinários que cria o potencial para realizações
extraordinárias”, escreveu Gary Hamel, em The future of management.
“Embora problemas grandes nem sempre rendam grandes avanços, os
pequenos nunca rendem (...) Se o problema é grande o bastante, progressos de
qualquer tipo serão válidos, mesmo se você nunca achar uma ‘solução’.”
Na Whole Foods, uma rede varejista americana especializada em alimentos
orgânicos e integrais, incentiva-se as pessoas a trabalhar para fazer diferença
num mercado dominado por uma indústria alimentícia capaz das maiores
vilanias. A premissa é de que o consumidor pagará mais caro por comida
saudável, gostosa e boa para o meio ambiente. Vem dando certo. Em fevereiro
de 2012, durante minha pesquisa para este livro, a empresa se consolidara
como a maior varejista de alimentos naturais do mundo, com mais de 310 lojas
na América do Norte e no Reino Unido e mais de 64 mil funcionários.
Em vez de missão, a Whole Foods tem uma “Declaração de
Interdependência”, que a descreve como “uma comunidade trabalhando em
conjunto para criar valor para outras pessoas”. Essa é uma empresa com
propósito, que emprega rebeldes com uma causa comum: reverter a
industrialização do suprimento mundial de comida e dar às pessoas alimentos
melhores para comer. É a isso que teóricos como o próprio Hamel ou Raj
Sisodia chamam de capitalismo com consciência. A Whole Foods já usou seu
poder de compra, por exemplo, para exigir que seus fornecedores de carne
tratem os animais de maneira digna antes do abate.
Na visão de John Mackey, cofundador da rede varejista e presidente de seu
conselho de administração até 2009, não há inconsistência entre as paixões
por sustentabilidade e lucratividade. Lucro é o meio pelo qual se realiza o fim
para o qual a companhia está direcionada — e não o contrário. Os
investidores que há duas décadas compram suas ações e assim tornam-se seus
sócios têm de aceitar essa realidade se quiserem ganhar dinheiro com a
valorização dos papéis. Até hoje, eles não têm do que se queixar.
Em 1992, um ano depois que a Whole Foods abriu seu capital, Mackey
reiterou a intenção de “criar uma organização baseada no amor em vez do
medo”. Autonomia, igualitarismo, transparência, missão... Alguém compraria
ações de uma rede varejista com essas bandeiras, diante de alternativas
testadas e aprovadas, como o Walmart e a simplicidade de seu lema “preço
baixo todo dia”? A resposta é sim, por ao menos um bom motivo. Segundo um
estudo publicado pela Harvard Business Review, as empresas listadas na
Bolsa de Nova York que seguem o capitalismo consciente geram nove vezes
mais lucro que as demais.
Entre 1996 e 2011, as ações das 500 maiores empresas americanas se
valorizaram 157%. No mesmo período, as companhias que os pesquisadores
classificaram como “empresas conscientes” tiveram alta média de 1.646% em
seus papéis.
 
 
 
6. Autoconhecimento: Dilbert
no divã
“Você é livre para fazer suas escolhas,
mas é prisioneiro das consequências.”
PABLO NERUDA
 
 
 
A felicidade no trabalho tem ligação direta com o maior ou menor nível de
consciência que as empresas e as pessoas têm de seu papel no mundo. Só dá
para alguém ser feliz trabalhando — e para uma empresa ficar feliz com o
trabalho feito por esse alguém — quando há um bom casamento de propósitos.
Pelo menos na teoria.
Na vida real, a maioria das pessoas não escolhe sua cara-metade
profissional. É escolhida. Como regra, não escolhe porque não tem
oportunidades. Mas se estamos falando de gente que pode estudar em boas
escolas, cursar boas faculdades, candidatar-se a programas de trainees e
assim por diante, não escolhe porque é mais cômodo ser escolhido. Escolher é
duro. Implica abrir mão das demais alternativas e arcar com as consequências
da decisão. “É mais fácil, no curto prazo, viver com o conforto emocional de
ter sido escolhido”, diz Marcelo Cardoso, o vice-presidente de
desenvolvimento organizacional da Natura. “No limite, as relações
profissionais são um grande exercício de projeção. Quanto menos você se
conhece, mais projeta no ambiente de trabalho suas questões mal resolvidas.”
Em geral, entramos jovens no mercado e trilhamos um de dois caminhos. No
primeiro, a empresa toma conta da nossa carreira. Oferece oportunidades de
ascensão, que aceitamos em troca de mais salário, autonomia e
responsabilidades. No segundo, trocamos de emprego ao sabor das ofertas que
o mercado nos faz, usando as mesmas moedas de troca. Em ambos os casos,
somos escolhidos. Alguém, dentro ou fora da organização onde estamos,
enxerga nosso talento e nos seleciona, entre outros possíveis candidatos, para
uma determinada posição. Ao longo desse processo, costuma haver pouco
incentivo e tempo para refletir sobre uma ou duas questões existenciais
relevantes: que tipo de trabalho pode me ajudar a encontrar algum sentido para
minha vida?; a que causas quero servir?
Subordinar as nossas decisões profissionais a esse tipo de inquietação
filosófica seria complicado — e teria efeitos colaterais desagradáveis. “É
libertador, mas é dolorido. Como tomar a pílula vermelha do Matrix”, diz
Cardoso.
Em uma cena clássica do filme dos irmãos Wachowski, Morpheus estende as
mãos para Neo, oferece uma cápsula azul, outra vermelha e avisa:
 
“Esta é a sua última chance. Depois disso, não haverá caminho de
volta. Se tomar a pílula azul, a história acaba, você acordará em sua
cama e irá acreditar no que quiser acreditar. Se tomar a vermelha, ficará
no País das Maravilhas, e vou lhe mostrar onde vai dar o buraco do
coelho.”
 
Tomar a pílula vermelha significa abrir os olhos. Ao tomá-la, o personagem
de Keanu Reeves fez uma escolha. Se tivesse optado pela cápsula azul,
continuaria a viver no mundo tal como programado para ele por um sistema
autônomo de inteligência artificial. Tomar a pílula vermelha é, portanto, tomar
consciência da “matrix”, algo que mesmo Morpheus não consegue explicar o
que é. Isso tem consequências. Quem viu o filme deve se lembrar do
memorável personagem que pede para voltar a viver na “matrix”. É Cypher,
um veterano da resistência ao mundo dominado pelas máquinas que, cansado
da aridez da vida real, trai os companheiros para voltar ao mundo de fantasia
onde vivia. A ignorância é uma bênção.
 
 
EDUCAÇÃO É AUTOCONHECIMENTO?
 
Se é verdade que deixamos a vida nos levar profissionalmente, é bem
provável que isso aconteça porque não sabemos o que queremos dela.
O problema começa nas salas de aula. Em uma palestra que fez na
conferência Aprendizado Sem Fronteiras, em janeiro de 2012, o filósofo,
linguista e cientista cognitivo Noam Chomsky discutiu o propósito da
educação. “Muitas medidas têm sido tomadas para tentar virar o sistema
educacional na direção de mais controle, mais doutrinação, mais treinamento
vocacional (...), o que prende os estudantes e os jovens a uma vida de
conformismo”, afirmou ele. Nas escolas e nas faculdades, somos treinados
para passar nas provas ou para desenvolver a nossa curiosidade? “Passar nas
provas nem se compara a procurar, indagar e perseguir tópicos que nos
engajam e nos excitam”, disse Chomsky.
É o que pensa outro dos mais inventivos pensadores da educação. “Sistemas
escolares em toda parte incutem em nós uma visão estreita de inteligência e
capacidade e sobrevalorizam tipos particulares de talento e habilidade”,
afirma Sir Ken Robinson, um especialista em criatividade e inovação que
defende uma revisão radical dos sistemas de ensino.1 “Poucas escolas e ainda
menos sistemas educacionais do mundo ensinam dançatodo dia como uma
parte formal de seus currículos, como fazem com matemática.”
Em uma reportagem recente2, a ex-vice-presidente do Google, Marissa
Mayer, contratada em julho de 2012 pelo Yahoo!, diz que não dá para entender
a empresa sem saber que tanto Larry Page como Sergey Brin estudaram em
colégios montessorianos — escolas que seguem a filosofia educacional de
Maria Montessori, uma educadora italiana nascida em 1870 que acreditava
que as crianças deveriam ter liberdade para perseguir seus interesses. “Em
uma escola montessoriana, você pinta porque tem alguma coisa a expressar ou
só porque é o que quer fazer nessa tarde; não porque a professora te disse para
pintar”, afirma Marissa. “Isso está entranhado em como Larry e Sergey
abordam os problemas. Eles estão sempre perguntando ‘por que isso tem de
ser assim?’ É o modo como seus cérebros foram programados desde cedo.”
Ken Robinson define aptidão como uma facilidade natural para alguma coisa
e atitude como nossa perspectiva pessoal sobre nós mesmos. “Sem as
oportunidades certas, você pode nunca saber quais são suas aptidões ou quão
longe elas podem levá-lo”, diz3. “Frequentemente, precisamos que outras
pessoas nos ajudem a reconhecer nossos talentos reais.” Professores, no
início. Chefes e colegas, ao longo da vida profissional.
“Cabe ao líder criar oportunidades para esse tipo de reflexão”, me disse
Cassio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil e do Pão de Açúcar. “Na
verdade, deveríamos investir mais tempo em conhecer as pessoas da empresa
e em ajudá-las a se autoconhecer.”
Parte da dificuldade em levar a cabo esse desafio tem a ver com a ascensão
rápida de jovens executivos ao topo das organizações. Muitas vezes, sem lhes
dar tempo para compreender como chegaram às posições que ocupam. “Tem
muito jabuti em cima de árvore”, diz Carlos Eduardo Ribeiro Dias, presidente
da Asap, uma firma de recrutamento especializada em executivos de nível
intermediário.
Em um mundo ideal, o headhunter não é um corretor de empregos. Seu
papel mais nobre talvez seja instigar o autoconhecimento. Das empresas e dos
profissionais.
Carlos Eduardo entende que, para saber quem são e que tipo de
profissionais querem atrair, as empresas precisam de alguma introspecção.
Não é por acaso que tantos psicólogos têm tido sucesso atuando como
terapeutas corporativos.
“As empresas se conhecem pouco. Por isso não conseguem atrair os sujeitos
certos para elas”, diz Carlos Eduardo. As mais bem sucedidas são as que
melhor formam gente. Funcionários do tipo prata da casa respiram a cultura
desde o início. Para quem recruta no mercado, o casamento é mais difícil.
Quando se via na (rara) contingência de ter de procurar um headhunter, Jack
Welch, em seus tempos de presidente da GE, costumava dizer: “Se fizéssemos
nosso trabalho [de desenvolver líderes], nunca ligaríamos para vocês”.
Detalhe: a General Electric é vista há décadas como a melhor formadora de
líderes dos Estados Unidos.
As melhores organizações se esforçam para manter atualizados seus
softwares culturais. “Esse entendimento sobre quem somos é um processo
permanente”, diz Marcelo Cardoso. “Nos últimos anos, fizemos uma reflexão
sobre cultura. Daqui a pouco, vamos direcionar o olhar para a marca Natura,
porque, para nós, marca e cultura são expressões da mesma coisa.” A ideia é
tentar identificar o que é essencial na companhia e precisa ser preservado. Em
um segundo momento, será preciso comunicar os resultados dessa reflexão
para toda a empresa, unindo os pontos que integram cultura e estratégia. “Não
adianta ter clareza sobre quem é você, se não disser às pessoas para onde está
indo”, diz Cardoso.
Parte da idealização do trabalho é gerada pela marca das organizações, no
sentido mais amplo da palavra. A Natura, em particular, aumenta essa
idealização por ter construído uma identidade fundada em valores e propósitos
elevados. “As pessoas [que chegam para trabalhar na companhia] acham que a
Natura vai nutri-las, mas acontece o oposto. O trabalho aqui exige muito,
porque é mais difícil fazer negócios num ambiente como o nosso”, diz
Cardoso. “Não é só fazer negócios para ganhar dinheiro, mas também para
reduzir o impacto ambiental, para fazer inclusão social, para construir marca.”
Essa complexidade, segundo ele, gera frustração. Por exemplo, de
profissionais que acham que vão trabalhar menos do que trabalharão na
verdade, que vão sofrer menos pressão por resultado do que sofrerão na
realidade. A pressão por resultado é até maior, porque não é só o resultado
econômico que conta — mas também o social, o ambiental e o da qualidade de
construção da marca.
A abundância de propósitos, em princípio, deveria funcionar como um
amortecedor da frustração, e não como um potencializador. Mas há, aí, dois
complicadores. O primeiro é a idealização de nossos perfis profissionais.
Quase todo mundo diz compartilhar os valores da Natura, uma empresa que
ostenta a bandeira da sustentabilidade e tem como bordão “Bem Estar Bem”.
Mas pouca gente tem esses princípios introjetados. Ou seja, incorporados a
ponto de se transformar em comportamentos. O segundo complicador é de
maturidade profissional. “A pessoa não está, necessariamente, pronta para
arcar com as consequências de trabalhar num ambiente que sustenta esses
valores”, diz Cardoso.
Essa inquietação existencial é permanente na Natura porque está presente
entre os seus controladores, no comitê executivo e nos vários níveis
gerenciais. A empresa parece comprometida em discutir os porquês de tudo o
que faz.
Às vezes, admite Cardoso, falta clareza nos propósitos, porque as pessoas
interpretam os traços culturais de maneiras diferentes. Mesmo assim, o
exercício é rico, porque entendendo a filosofia de uma organização é que se
percebem as suas idiossincrasias.
 
 
 
7. Liderança: por um mundo
livre de babacas
“Eu esqueço quão jovem você é, Mitch, para pensar que
tem de ser um babaca para fazer as coisas acontecerem
e realmente achar que essa é uma ideia nova.”
PATCH ADAMS, no filme homônimo
 
 
 
O estilo de um líder é um dado empresarial rico em consequências. Determina
ambientes saudáveis ou destrutivos. Influencia a saúde física e mental dos
subordinados.
Ter um chefe bom diminui, por exemplo, seu risco de ter um ataque
cardíaco. Literalmente, como se comprovou ao final de dez anos de
acompanhamento de 3.122 trabalhadores suecos, na mais ampla pesquisa
conhecida sobre o assunto.1 Os resultados são inequívocos. Trabalhadores
liderados pelos melhores chefes — homens e mulheres capazes de demonstrar
consideração e empatia, de definir objetivos claros e de promover mudanças
de modo humano — sofreram menos infartos ao longo de uma década que seus
pares menos afortunados. Um bom líder representa um risco 20% inferior de
problemas cardíacos graves ao longo de 365 dias. Em quatro anos, a redução
na probabilidade de infarto chega a 39%.
O outro lado da moeda é mais conhecido. Superiores hierárquicos
despóticos e irascíveis, conhecidos monstros do ambiente corporativo, deixam
as pessoas doentes. “Poder, pressão por desempenho e exaustão levam os
chefes a fazer com que os funcionários se sintam desrespeitados,
emocionalmente abalados e desenergizados. Essas forças ajudam a explicar
por que os chefes têm culpa por grande parte do bullying e do abuso
observados em ambientes de trabalho”, escreveu o acadêmico americano
Robert Sutton, professor de administração de Stanford, no livro Bom chefe,
mau chefe. Segundo ele, “60% dos casos de falta de civilidade nas empresas
ocorrem de cima para baixo, com os superiores submetendo funcionários a
palavras e atos levianos”.
Goste-se ou não, esse tipo de responsabilidade é parte do pacote de
“benefícios” dos cargos de liderança. “Os chefes determinam a maneira como
as pessoas passam seus dias e se elas sentem alegria ou desespero, trabalham
bem ou mal, são doentes ou saudáveis”, afirma Sutton.
Se você é um líder comprometido com o caminho do bem, o que pode fazer
a respeito? “Considere-se culpado até provar ser inocente. Há evidênciasde
que as pessoas não estão atentas às suas fraquezas e quando chegam a
posições de poder iludem-se ainda mais”, me disse Sutton em uma entrevista
quando do lançamento de Bom chefe, mau chefe no Brasil, em novembro de
2010. “Comece com a suposição de que você precisa ouvir melhor.”
A sensação de ser culpado por tudo, do clima no escritório aos problemas
de saúde dos subordinados, é efeito colateral de se estar o tempo todo na
vitrine. “Ser chefe é como ser um primata de status elevado em qualquer
grupo: as criaturas abaixo de você na hierarquia observam todos os seus
movimentos — e, assim, sabem mais sobre você do que você sobre elas”,
afirmou Sutton. “É difícil, talvez impossível, ser um chefe (ou qualquer ser
humano) sem ser um idiota temporário de vez em quando. Ainda assim,
estando cientes dessas forças e combatendo-as voluntariamente, os chefes
conseguirão não se tornar idiotas certificados, e limitar os danos causados
mesmo quando seu idiota interior mostrar a sua cara feia.”
Antes de avançar nesta que será uma discussão sobre liderança, vale a pena
estabelecer uma diferença que vai além da semântica. “A idealização das
relações corporativas”, afirma Ricardo Guimarães, presidente da Thymus
Branding2, “mascara a realidade ao chamar chefe de líder e funcionário de
colaborador”.
 
 
BUSCA DE SIGNIFICADO
 
Ainda que isto nem sempre esteja claro, gestores e líderes habitam dois
universos distintos. “O gestor pertence ao mundo concreto e hierárquico da
pessoa jurídica, com atuação pautada por decisões fundamentadas por razões
objetivas em busca do cumprimento de metas e resultados”, escreve
Guimarães. “O líder acrescenta, a essa atuação corporativa, a perspectiva do
significado de suas decisões, concentrando-se no indivíduo e em seus valores,
e não apenas nos papéis que desempenham e em suas obrigações corporativas
(...) O gestor para na razão de sua decisão e o líder segue adiante, em busca de
seu significado.”
Depois de ler o artigo de Guimarães de onde tirei as citações acima, pedi a
ele definições para os papéis de líderes e gestores. “Líder é qualquer pessoa
na qual outras pessoas confiam em determinado assunto ou circunstância.
Portanto, elas a ouvem e seguem para atingir seus objetivos. O fundamento da
liderança é a confiança”, disse ele. “O fundamento do gestor é o poder
derivado do cargo. Às vezes, [os fundamentos] coincidem, e isso é bom.” Nem
sempre é assim, e ao acreditar que gestores tornaram-se líderes só por uma
mudança no jargão da empresa, cria-se o que Guimarães chama de cinismo
corporativo.
“O líder nasce com uma causa. A causa surge quando alguém usa seus
valores para avaliar a realidade a sua volta, conclui que ela pode ser melhor e
se compromete a mudar essa realidade, estudando e trabalhando por isso”,
escreve Guimarães. “Para esse indivíduo se tornar um líder, basta que sua
causa faça sentido também para outras pessoas e que, em função de seu
comprometimento e da competência que adquiriu sobre o assunto, ele ganhe a
confiança e o respeito de seus contemporâneos.”
Essa ideia nunca me pareceu tão em evidência como no dia seguinte à morte
de Steve Jobs, em setembro de 2011, enquanto lia nos jornais as declarações
sobre ele:
 
• “O brilhantismo, a paixão e a energia de Steve foram uma fonte de
incontáveis inovações que enriquecem e melhoram nossas vidas”, afirmou
a diretoria da Apple em comunicado. “O mundo é incomensuravelmente
melhor por causa de Steve.”
 
• “O mundo raramente testemunha alguém que teve o impacto profundo
de Jobs, e os efeitos disso serão sentidos por muitas gerações”, disse Bill
Gates.
 
• “A Apple perdeu um gênio visionário e criativo, e o mundo, uma
pessoa magnífica”, declarou Tim Cook, o substituto de Jobs na Apple.
 
• “Ele era valente para pensar diferente, ousado para acreditar que
poderia mudar o mundo e talentoso para fazer isso”, afirmou Barack
Obama.
 
• “Steve, obrigado por ter sido um mentor e um amigo e por ter
mostrado que o que você constrói pode mudar o mundo”, disse Mark
Zuckerberg.
 
O brilhantismo e a energia de Jobs são incontestáveis. O impacto de sua
passagem pelos negócios é evidente. Ninguém duvida de que ele foi
visionário, criativo, valente para pensar diferente. Mas até que ponto Steve
Jobs mudou o mundo?
Walter Isaacson, seu biógrafo, afirma que ele revolucionou seis indústrias:
computadores pessoais, filmes de animação, música, telefones, tablets e
publicação digital. “Jobs tornou-se assim o maior executivo de nossa época,
aquele que com maior certeza será lembrado daqui a um século”, escreveu
Isaacson, em um artigo para a Time. “A reação a sua morte, com pessoas
deixando velas e flores em frente às lojas da Apple e a internet zumbindo com
tributos de políticos, é prova de que Jobs tinha se tornado algo mais
significativo que apenas um ganhador de dinheiro esperto”, afirmou a The
Economist.
Ainda no início de sua trajetória, Jobs disse ao jornalista Steven Levy que
seu desejo era criar “uma companhia de US$ 10 bilhões que não perdesse sua
alma”. Ele criou.
Minha dúvida é: trabalhar com um sujeito genial, determinado a mudar o
mundo, te torna mais feliz? Que efeito uma personalidade dessa magnitude tem
sobre os mortais à sua volta?
Em meados de 2010, quando estava trabalhando na reportagem “Líderes
versus chefiotas”, cujos primeiros parágrafos abrem este capítulo, conversei
com Bob Sutton sobre estilos marcantes de liderança. Na ocasião, ele
descreveu o criador da Apple, então ainda relativamente saudável e no
comando da empresa, como “um idiota em recuperação”. Sutton disse o
seguinte: “Há montes de pistas de que Steve Jobs fez uma jornada que o levou
a ser uma pessoa mais razoável e aberta (...) Ele foi demitido da Apple por ser
destrutivo e, quando começou uma empresa nova chamada NeXT, aplicou o
mesmo estilo de total idiota. Posso dizer que o temperamento dele era uma
coisa idiótica de bebê chorão.”
Embora seu viés autoritário fosse bem conhecido, Jobs era bom em atrair
talentos. Nos primeiros anos da Apple, “era um líder implacável, até mesmo
punitivo. Mas sua paixão rendeu a ele a lealdade de um pequeno time de
jovens”, afirmou Steven Levy no obituário que escreveu para a revista Wired.
“Ele os encorajava a pensar neles próprios como rebeldes.” Durante uma
entrevista sobre o lançamento do Macintosh, em 1983, Levy perguntou a Jobs
por que fazia avaliações tão severas, até grosseiras, do trabalho de seus
empregados. “Temos um ambiente onde a excelência é realmente esperada”,
ele respondeu. “O que é realmente importante é estar aberto quando [o
trabalho] não é excelente.”
Levy conviveu por décadas com o criador da Apple e fez dele um balanço
positivo, inclusive no que tange ao gerenciamento de pessoas. “Mesmo com
Jobs às vezes tornando um inferno a vida dos brilhantes jovens engenheiros da
equipe do Mac, eles geralmente relembram a experiência como o ponto alto de
suas carreiras, um momento mágico. E, de fato, a experiência com o Macintosh
forneceu um modelo para a cultura de muitas startups.”
Embora seu estilo tenha propiciado a criação de produtos inovadores, Jobs
não representava o melhor da gestão. “Ele não era uma pessoa calorosa e
querida”, disse Isaacson em uma entrevista ao programa 60 Minutes, da rede
de TV americana CBS. “Não era o melhor administrador do planeta. Na
verdade, talvez tenha sido um dos piores (...) Havia momentos em que ele era
muito, muito áspero com as pessoas.” Jobs adorava discutir, mas nem todos
aqueles que o cercavam compartilhavam dessa paixão, e isso afastou alguns de
seus principais colaboradores. Nas entrevistas que deu a Isaacson para sua
biografia, Jobs disse que se sentia confortável ao praticar a franqueza extrema:
“Este é o cacife para participar. Por isso, sempre somos brutalmente honestos
uns com os outros”.
 
 
APRISIONADORES DE CORPOS
 
Foi o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin quem afirmou, no final dos
anos 80, que relações hierárquicas fundadas na obediência baseiam-se na
negação do outro. Por isso, não podem ser consideradas relações sociais.Cerca de 20 anos mais tarde, Maturana trouxe o líder organizacional para o
centro de sua crítica. “A liderança exige que os liderados abandonem sua
própria autonomia reflexiva e se deixem guiar pelo outro, confiando ou
submetendo-se a suas diretrizes ou desejos”, afirmou o pensador chileno, tido
como pioneiro entre os teóricos que propõem a troca desse monólogo
autoritário pelo que chamam de “redes de conversação”.
“Ainda não tivemos coragem de derivar todas as consequências dessas
impactantes constatações de Maturana e desenvolvê-las no contexto de uma
sociedade hierárquica, que tende a fenecer, para uma florescente sociedade em
rede”, escreveu o escritor e consultor Augusto de Franco em um artigo
intitulado “Desobedeça”, de 2010. Segundo ele, no mundo do trabalho, a
desobediência deve ser endereçada, sobretudo, aos “aprisionadores de
corpos, que não contentes em usar, comprar ou alugar sua inteligência humana
(que não tem preço), querem também mantê-lo cativo, fisicamente, nos seus
prédios ou cercados”.
Esses sujeitos são os feitores da nossa era. “Antes usavam o chicote; hoje
usam o relógio ou o livro de ponto, o crachá magnético ou o banco de horas
(...), sequestram seu corpo para manter você por perto, para poder vigiá-lo,
para terem certeza de que você está de fato trabalhando para eles”, escreve
Franco.
O que fazer diante da tirania dos aprisionadores de corpos? “Desobedeça a
esse pessoal”, escreve ele. “Monte seu próprio empreendimento individual ou
coletivo, compartilhado, empresarial ou social. Corra atrás do seu próprio
sonho ao invés de servir de instrumento para realizar o sonho alheio.” Só tome
cuidado quando virar patrão. “Você é capturado pelo jogo perverso da
obediência quando quer que as pessoas lhe obedeçam”, afirma Franco. “Não
faça patotas, não erija igrejinhas (...) Em vez de arquitetar organizações
tradicionais, a partir de organogramas centralizados, para realizar qualquer
projeto ou trabalho, teça redes: quase tudo que se organizou até agora de
forma hierárquica (com estrutura centralizada) pode ser organizado em forma
de rede (com estrutura distribuída). Menos, é claro, os sistemas de comando e
controle.”
Antes que se tomem os líderes em geral por psicopatas, vale lembrar o
óbvio: existem vários tipos de liderança. No estilo que o teórico dos negócios
Raj Sisodia batizou de mercenário, tudo gira em torno do dinheiro. “Já os
líderes missionários têm paixão pelo propósito de suas empresas. Eles não
são pistoleiros de aluguel que vão de um setor para outro qualquer com o
único objetivo de ganhar dinheiro”, afirma esse guru do capitalismo
consciente. São líderes preocupados em motivar, desenvolver e inspirar.
Se você procura líderes movidos a propósito, pode ser uma boa ideia olhar
para a Southwest Airlines, a maior companhia aérea de baixo custo do mundo,
e para seu cofundador, Herb Kelleher. “Eles sempre tiveram uma paixão,
desde o primeiro dia: trazer a democracia para os céus”, diz Sisodia. No
Brasil, a Azul é descendente bastarda dessa linhagem. Ela foi fundada por
David Neeleman, que antes de criar a Jet Blue trabalhou na Southwest
Airlines. “Kelleher é um líder que sempre teve uma missão, um propósito.
Manter as tarifas baixas e os voos divertidos, ter uma empresa construída a
partir do amor”, afirma Sisodia. “A questão nunca foi o dinheiro e, no entanto,
essa é a companhia aérea de maior sucesso na história.”
Em franca oposição a Kelleher, os Estados Unidos produziram
inesquecíveis líderes mercenários. Al Dunlap ganhou o apelido de Chainsaw
Al (Al Serra Elétrica). Ele demitia milhares de pessoas nas empresas por
onde passava e ia embora com bônus por desempenho multimilionários.
“[Quando ele partia], o balanço parecia em ordem, mas o moral estava
destruído”, afirma Sisodia. Outro ícone da barbárie organizacional é Bob
Nardelli, que adquiriu a rede varejista de material de construção Home Depot,
destruiu sua cultura e foi embora com US$ 180 milhões de um pacote de
demissão. “Na Disney, Michael Eisner, quando foi executivo-chefe, criou um
conselho cheio de comparsas e chegou a ganhar 500 milhões de dólares em um
ano. Tudo girava em torno dele e da maximização de sua renda”, diz Sisodia.
 
 
LIDERANÇA E INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
 
Desde que Howard Gardner publicou seu livro Frames of mind: the theory of
multiple intelligences, em 1983, tem havido um interesse intenso em entender
os tipos específicos de inteligência que levam ao maior ou menor sucesso em
várias atividades. Gardner sustenta que existe um amplo espectro de
“habilidades cognitivas” e correlações fracas entre elas. Ele acredita que oito
dessas habilidades podem ser consideradas formas de inteligência: espacial (a
dos artistas, designers e arquitetos); linguística; lógico-matemática; corporal-
cinestésica (os inteligentes desta categoria são bons em atividades físicas
como esportes e dança); musical (sensibilidade a sons, ritmos, tons);
interpessoal (habilidade de entender os outros); intrapessoal (uma
compreensão profunda do eu, com suas fortalezas e fraquezas); e naturalista
(capacidade de se relacionar com o ambiente).
Daniel Goleman, um ex-repórter do New York Times, popularizou o assunto
em 1995 com o livro Inteligência emocional. Goleman define a inteligência
emocional como “a capacidade de reconhecer nossos próprios sentimentos e
os dos outros, para motivar, para administrar bem as emoções em nós mesmos
e em nossos relacionamentos”. Do campo da psicologia, o assunto migrou para
outras áreas. Entre elas, a de negócios. Uma pesquisa de Goleman com mais
de 200 organizações do mundo todo o levou a concluir que a inteligência
emocional (IE) importa duas vezes mais que a inteligência cognitiva (QI) ou as
habilidades técnicas ao distinguir profissionais de alto desempenho dos
medíocres.
David Ulrich, um dos mais badalados gurus de RH da atualidade, chega ao
ponto de dizer que o líder deve facilitar a busca de cada membro de sua
equipe pelo sentido da vida. “Antes de perguntar o que os funcionários
dedicam ao trabalho, pergunte-se o que extraem dele”, disse Ulrich na edição
de 2010 da feira de administração Expo Management. Sua obra mais recente,
The why of work (“O porquê do trabalho”) sustenta que o papel do líder é
ajudar a equipe a encontrar significado no trabalho — e, por tabela, na vida.
“Líderes são criadores de sentido”, escreve Ulrich. “Eles definem a direção
que os outros aspiram seguir; ajudam os outros a fazer um bom trabalho (...);
comunicam ideias e investem em práticas que moldam como as pessoas
pensam, agem e sentem.”
Como vimos no capítulo 2, é difícil encontrar sentido para o trabalho no
setor financeiro. Por isso, a equipe que assumiu o Real em 1998, quando o
banco foi comprado pelo grupo holandês ABN, começou o processo de
mudança buscando respostas para a mais básica das questões: para que serve
um banco? Na definição de Fábio Barbosa, o executivo que liderou esse
processo, um banco serve para três coisas: proteger e rentabilizar a poupança
das pessoas, financiar o consumo e o investimento e prover serviços de
pagamento e recebimento. Por menos que se goste de bancos, esses são papéis
que eles cumprem na sociedade.
A primeira bandeira de Fábio no Real foi a da transparência e da ética.
“Isso mudou o jogo no sistema financeiro”, diz ele. “Não só no banco, mas no
sistema.” Passou-se a questionar, por exemplo, a responsabilidade de quem
financia investimentos. É aceitável financiar projetos que devastam a
natureza? Emprestar dinheiro a empresários que exploram sua mão de obra
nos limites da escravidão? O mesmo vale para o banco como cliente de
diversos fornecedores e prestadores de serviço. A organização é responsável
pelos motoboys que usa? Tem algo a ver com a estatística de que morre um
motoboy por dia em São Paulo? Esse processo de autoanálise trouxe para a
empresa uma visão diferente, centrada na ideia de que ela tem algo a oferecer
para a sociedade — além dos impostos que paga.
Quando Fábio assumiu a presidência do Real, herdou um banco que já
existia havia 73 anose, portanto, tinha uma história. Ele chegou com uma
visão, queria compartilhá-la com as pessoas que iriam liderar o projeto de
mudança a seu lado e, em seguida, disseminá-la pela organização. Ao mesmo
tempo, o banco continuava perseguindo resultados. A opção, então, foi por um
processo gradual. Descartou-se, de cara, a proposta de realizar grandes
seminários logo na largada para incutir essa visão no maior número de
pessoas ao mesmo tempo. Fábio optou sempre pelo caminho da menor
resistência. O conceito de “banco de valor” foi trabalhado com as pessoas que
se identificam com essa visão, independentemente do nível hierárquico.
“Pincei os primeiros caras com quem tinha conversado no corredor”, diz.
A expressão que ele cunhou para sintetizar sua mensagem foi “o jogo é duro,
mas é na bola, e não na canela”. O que isso quer dizer? É transparência com o
colega de trabalho? Respeito ao motoboy? Ao fornecedor? É emprestar
dinheiro para empresas que estão agregando valor para a sociedade? Esse
questionamento era feito, e Fábio não tinha as respostas. O grupo de trabalho
criado em torno do conceito de “banco de valor” é que começou a encontrá-
las — e a criar subgrupos para disseminá-las.
A partir desse big bang, o projeto andou com naturalidade. Diretores se
aproximaram do tema — uns por convicção, outros por conveniência. “A força
desse discurso sempre foi o fato de que é difícil levantar a mão e ser contra [a
ética]. Você pode até ser contra e jogar contra, mas levantar a mão e dizer ‘a
vida não é assim’ não é uma possibilidade.” Ficou famosa, na época, a cínica
frase de um líder da resistência: “O Fábio fala que o jogo é na bola e não na
canela, mas ele sabe que, se não der um ‘totó’, a coisa não anda”. Fábio ficou
sabendo e passou a usar a provocação para comunicar ao corpo de
funcionários que, não só era preciso jogar limpo, como também entregar
resultados.
Fábio já sustentava que a suposta dicotomia entre ser do bem e entregar
resultado é um falso dilema. Para explicitá-lo, houve uma segunda fase do
processo de mudança resumida pela frase “dar certo, fazendo a coisa certa, do
jeito certo”. Logo no começo dessa etapa, o banco deixou de financiar duas
madeireiras que não se enquadravam nas novas normas de responsabilidade
social da casa porque cortavam madeira indevidamente no Paraná. Cobrado
pela perda dos clientes, Fábio respondeu com uma pergunta: “Você acha que o
cara que corta madeira no Paraná vai estar lá daqui a cinco anos para pagar o
empréstimo?” A questão não dizia respeito só à defesa do meio ambiente. Era
uma lição prática do que é sustentabilidade.
Mesmo assim, Fábio foi pressionado pela parcela da direção incomodada
com as limitações criadas pela política restritiva. Foi quando surgiu o
salvador da pátria, um serralheiro que disse: “Trabalhei com madeira
certificada a vida toda e nenhum banco valorizou isso. Se vocês valorizam, é
com vocês que vou trabalhar”.
Naquele momento, ficou claro que o banco estava fazendo uma escolha que
selecionaria seu público. “Não vamos convencer o país inteiro. Nem os
funcionários todos”, disse Fábio. “Esse é o nicho de mercado onde vamos
operar.”
Por essa época, a equipe de RH do ABN começou a medir a satisfação dos
funcionários brasileiros. “O pessoal na Holanda não acreditava nos nossos
índices de engajamento”, diz Fábio. “O engajamento vinha da identificação
com uma visão de mundo, com uma causa.”
A satisfação de clientes crescia em linha com a do público interno. Assim
como a atratividade da marca. A pergunta que os entrevistadores fazem aos
consumidores nesse tipo de pesquisa é a seguinte: “Se você fosse abrir conta
em um banco, que banco escolheria?” Quando Fábio assumiu a presidência, o
Real aparecia na quinta posição no ranking brasileiro de atratividade. Em
pouco tempo, passou ao segundo lugar e passou a disputar a liderança com o
Itaú. Os três indicadores — engajamento dos funcionários, satisfação dos
clientes e atratividade da marca — apontavam para a mesma direção.
“Mas o que legitimou tudo isso foi os demais bancos adotarem um discurso
parecido”, diz Fábio. Certas instituições, é verdade, parecem ter adotado só o
discurso. De novo, algumas por conveniência, outras por convicção. Como é
um discurso positivo e quem o faz acaba, em alguma medida, se
comprometendo com melhores práticas, importa pouco qual a motivação.
Nos melhores casos, quando a mudança de comportamento é para valer, há
dois pontos críticos a atingir. Um é a disseminação da nova visão de negócio
pela organização. Muitas vezes, na mesa da diretoria estão todos alinhados,
mas nas áreas de contato com o cliente, que são as que importam, a mensagem
chega torta ou nem chega. Em estruturas grandes e complexas, o desafio é fazer
o caixa do banco ou a atendente do telemarketing entenderem qual é a nova
regra do jogo. O segundo desafio é perenizar a mudança, para que ela não se
esgote na gestão de um só presidente.
A disseminação leva tempo. Fábio não acredita na imposição de uma
cultura. “Você precisa cativar as pessoas”, diz ele. No Real, a transformação
demorou sete anos. Lá pelo quinto, um gestor levantou a mão em uma reunião e
questionou: “Acho que ainda tem gente aqui que não pensa do nosso jeito e
sobrevive no banco. Como você explica isso?” Fábio disse: “Olha, [essa
crítica] foi a melhor notícia que você me deu até agora. Porque significa que
você está identificando o nosso DNA.” Um organismo só identifica corpos
estranhos depois de formado. Alguns são eliminados. Com outros, aprende-se
a conviver.
Perenização é um tema espinhoso para o Santander. O banco espanhol
comprou o Real em outubro de 2007. De início, a marca foi preservada e
Fábio, nomeado presidente do então criado Grupo Santander Brasil. O cenário
começou a mudar em 2010, quando o banco deu início à mudança das agências
Real para a bandeira Santander. No final daquele ano, Fábio deixou a
presidência executiva do grupo e assumiu a presidência do conselho de
administração, reduzindo sua influência no dia a dia dos negócios. Em agosto
de 2011, ele deixou o banco e assumiu a presidência executiva do Grupo
Abril. Nos meses seguintes, alguns de seus companheiros no processo de
reconstrução da marca Real, como José Berenger, vice-presidente de varejo
até março de 2012, também optaram por deixar a instituição. “O Santander
guarda um pouco daquilo que havia [no Real]”, diz Fábio. “Mas, com a
orientação central já não sendo tão forte, isso acaba mudando com o passar do
tempo.”
Paulo Gaudêncio, um consultor que participou da reinvenção do banco Real,
disse certa vez que aquele time lançou sementes que foram germinar em outros
ambientes.
É verdade. Fábio Barbosa e vários de seus colegas migraram para outras
empresas e levaram consigo um pouco da cultura criada no Real — que se
tornou, aliás, uma referência internacional. “A sensação que as pessoas tinham
é que o banco funcionava assim porque o ABN era holandês” diz Fábio. “Na
verdade, foi uma iniciativa brasileira que acabou exportada para a Holanda,
virou case em Harvard e ganhou prêmios internacionais porque é uma visão
do papel da empresa em linha com as expectativas dos vários públicos.”
ENTENDENDO OS LIDERADOS
 
“Antigamente, liderar era definir o que fazer. Hoje, é compatibilizar os
objetivos das pessoas com os da organização”, afirma Cassio Casseb, ex-
presidente do Banco do Brasil e do Pão de Açúcar. O grande líder, para
Casseb, é aquele que entende a cabeça de seus liderados e compatibiliza os
momentos de vida de cada um deles com as necessidades da organização.
“É responsabilidade de um líder entender o que produz engajamento em
cada uma das pessoas da equipe”, concorda Marcelo Williams, vice-
presidente de recursos humanos da Unilever. Sete pessoas da companhia se
reportam diretamente a ele, cada qual com seu perfil. “Jéssica é movida a
idealismo, a grandes causas, quaisquer que sejam. Já Luciana é movida a
desafios e resultados. E Maurício é movido pela possibilidade de mostrar
todo o seu poder intelectual.” São expectativas tão diferentes que sóum líder
atento é capaz de identificá-las e costurá-las para fazer o time jogar junto com
eficiência.
A própria dose de atenção requerida por cada um é diferente. “Tem gente
que não está nem aí para seu chefe, mas quer estar em um ambiente de trabalho
bacana”, diz Williams. “Outros não estão preocupados com quem são seus
colegas, mas são ligados ao chefe. Querem que ele os reconheça.” Há também
aqueles que se motivam, sobretudo, por saber que, no final do mês, terão um
salário gordo esperando por eles. O desafio da liderança é engajar essa gente
toda, usando os recursos disponíveis.
Entender os diferentes (e integrá-los) é parte de uma visão bem
contemporânea de liderança. Antes, predominava a ideia de que, se tivesse
capacidade para tanto, uma empresa deveria reunir gente com o mesmo perfil.
A simplicidade assim proporcionada para a administração vinha acompanhada
de um efeito colateral nocivo. Com gente tão similar jogando junta, a equipe
não tinha o desempenho que pode ter.
Uma empresa como a Ambev contrata grande número de engenheiros porque
os bons profissionais da área são feras de matemática e de lógica, além de
trabalhar duro. Recentemente, a empresa se conscientizou de que precisa de
gente com abordagens diferentes. Isso quer dizer que, nos próximos anos,
veremos mais profissionais de outras disciplinas na Ambev. “A diversidade
educacional, de experiências, de background vai ser importantíssima”, diz
Sandro Bassili, o VP de gente e gestão da companhia.
Tão ou mais importante que a variedade de perfis dos funcionários
recrutados é a diversidade de estilos de liderança — que diversas companhias
optam por reduzir. Você percebe isso quando visita uma empresa e percebe
que as pessoas falam do mesmo jeito, se vestem de modo parecido e parecem
pensar de maneira similar. Em boa medida, a Ambev é assim e não está
satisfeita. Sandro reconhece que a empresa tende a só contratar profissionais
iguais aos que já estão lá, e diz estar empenhado para que isso não se repita.
“Pessoas iguais à gente não vão trazer soluções diferentes para os problemas
que a gente tem”, afirma. Uma primeira ideia é usar o programa de trainees
para recrutar pessoas com perfis distintos.
Antes ainda que isso comece a ser feito, a Ambev já abriu em Palo Alto, no
coração do Vale do Silício, uma “garagem da cerveja” ao estilo das startups
americanas de tecnologia, tripulada por três garotos recrutados em Stanford,
cujo trabalho é pensar em inovação. São caras que a empresa nunca
contrataria como gerentes de vendas ou administradores de fábricas. Está
contratando para empreender internamente. “Eles se identificam com os nossos
valores”, diz Sandro. “Mas pensam de maneira diferente.”
No caso da Unilever, o gosto pela diversidade foi adquirido há tempos, e
sua máquina de formação de líderes já o incorporou. Em assumida bravata de
portenho, Marcelo Williams — argentino da gema, há 11 anos no Brasil — diz
que a Unilever Brasil é a GE brasileira. A General Electric se orgulhava de
ser a maior fornecedora de altos executivos para outras organizações. É,
guardadas as devidas proporções, o que acontece hoje com a Unilever por
aqui. “Quero que os melhores fiquem comigo, mas o número de líderes que
desenvolvemos no Brasil às vezes é maior do que podemos absorver”, diz
Williams.
Ao mesmo tempo em que cede (a contragosto) talentos formados em casa
para a concorrência, a Unilever mantém a prática de recrutar no mercado parte
de seus quadros gerenciais. “Aprendemos que não é saudável que todos sejam
‘Unilever boys’, que entraram como trainees e cresceram aqui. Trazer gente
de fora oxigena”, diz Williams.
O risco, caso não haja uma cultura organizacional clara o bastante, é
permitir que lideranças de estilos diferentes puxem a empresa para direções
diferentes, roubando-lhe eficiência. Diversidades de expectativas, de
motivações e de estilo são mais que bem-vindas. Diversidade de valores,
jamais. Imagine se cada líder avaliasse, motivasse e escolhesse seus
subordinados tomando suas preferências pessoais como parâmetro. Ou se
certos líderes cobrassem resultados e outros não. O ideal perseguido pela
Unilever é que todo funcionário seja cobrado por seu desempenho, mas possa
entregar o que dele é esperado conforme seu estilo — sempre segundo as
regras de conduta da companhia.
Qualquer organização, sobretudo quando grande, acaba atraindo gente fraca
do ponto de vista ético — e, se tiver juízo, expurga esse tipo de profissional
quando percebe desvios. Mais desafiadoras são as situações nas quais, mais
do que casos individuais, há zonas cinzentas na empresa, nas quais não estão
claros os limites do que pode ou não ser feito na busca por resultados. Aí é
que a formação de líderes é importante para esclarecer as regras do jogo antes
da bola rolar. O bom exemplo faz a diferença.
Em parte por isso, a Ambev é conhecida por evitar, de todos os modos,
recrutar executivos para funções de alto nível no mercado. “Um cara que
chega aqui pronto nem sempre vai dar os exemplos certos para a nossa
cultura”, justifica Bassili.
Ocorre que apostar apenas na prata da casa tampouco é garantia de sucesso
no que diz respeito a ética e valores. Depois de ver seu nome associado a
práticas extremas de cobranças de resultados, que levaram a rumorosas ações
judiciais por assédio moral, a própria Ambev adotou uma política de tratar os
desvios de conduta como pecado capital. “A gente demite pessoas que se
excedem”, diz Sandro. “Não nos interessa o cara que bate meta passando por
cima do time, fazendo coisas no curto prazo que prejudicam o longo.”
 
 
UMA BANDA SEM MAESTRO
 
Uma das representações clássicas de liderança é a do regente que comanda a
orquestra. O maestro é o responsável pela apresentação, o cérebro por trás do
concerto que faz a mágica acontecer. Os músicos “apenas” executam.
Existe uma visão mais contemporânea para essa metáfora musical: um grupo
de jazz. É uma banda sem maestro. O que há é um band leader, mas ele não
fica à frente dos demais, numa posição de superioridade. Antes de mais nada,
ele conecta. Com alguma frequência, músicos que lideram grupos numa noite
são liderados por colegas na noite seguinte.
Marcelo Williams acredita no que chama de liderança situacional. Ou seja,
uma liderança que não é hierárquica. Que se dá por influência. Sua única
ressalva diz respeito justamente à felicidade no trabalho, um território no qual,
ele está convencido, a figura do líder clássico importa mais do que todos os
demais fatores. “As coisas que te fazem feliz no trabalho têm muita influência
do teu chefe”, diz Williams.
Vamos supor que seu motivador seja um time de trabalho bacana, ameaçado
pela entrada na equipe de um colega desagregador. Como simples par, você
não pode mandá-lo embora, por mais que desgoste dele. Essa convivência
forçada te fará infeliz, e você não poderá fazer nada, exceto bater um papo
com esse colega e tentar se acertar com ele. O líder do grupo sim. Pode
detectar as disfuncionalidades e eliminá-las.
A ponderação de Williams merece ser levada em conta no momento em que
se consolida um modelo mais flexível de organização, no qual as equipes não
precisam ser isoladas em departamentos. Uma companhia conta com um
conjunto de pessoas que selecionou com base em seus critérios de excelência.
Elas podem se agrupar e reagrupar de acordo com projetos e demandas
momentâneas, nem sempre com os mesmos pares ou com os mesmos líderes. É
o modelo de administração em rede.
Seu bom funcionamento depende de alguns fatores. Primeiro, do tipo de
organização. Empresas grandes e complexas costumam ter apenas umas poucas
“tropas de elite” aptas a trabalhar com essa liberdade. Quase nunca adotam a
gestão em rede no restante do quadro de funcionários. Em organizações
menores, é possível funcionar em rede de cima a baixo.
Quando se trata de organizações em rede, é ainda mais importante ter uma
cultura organizacional sólida, com valores claros e disseminados por toda a
companhia. É a esses valores que os comportamentos de todo o grupo deverãoestar subordinados.
 
 
 
 
 
 
 
8. Equilíbrio: meu nome
não é (só) trabalho
“A tecnologia é basicamente neutra. É meio como
um martelo. O martelo não liga se você o usa para
fazer uma casa ou se um torturador o usa para
esmagar o crânio de alguém.”
NOAM CHOMSKY
 
 
 
Bronnie Ware é uma escritora e compositora australiana que trabalhou durante
anos com cuidados paliativos. “Meus pacientes eram aqueles que tinham ido
para casa morrer”, escreveu ela no artigo “Os cinco maiores arrependimentos
de quem está morrendo”, publicado no Huffington Post em janeiro de 2012.
“Estive com eles pelas últimas três a 12 semanas de suas vidas. Quando
questionados sobre quaisquer arrependimentos que tivessem ou qualquer coisa
que teriam feito diferente, temas comuns vinham à tona inúmeras vezes.” O
segundo arrependimento da lista compilada por Bronnie é “Eu gostaria de não
ter trabalhado tão duro”.
 
Isso veio de todo paciente homem de quem cuidei. Eles perderam a
juventude de suas crianças e a companhia de suas parceiras. Mulheres
também falavam desse arrependimento. Mas como a maioria era de uma
geração mais velha, muitas não tinham sido as provedoras da casa. Todos
os homens de quem cuidei lamentavam profundamente terem gasto tanto
de suas vidas na roda viva de uma existência voltada para o trabalho. Ao
simplificar seu estilo de vida e fazer escolhas conscientes ao longo do
caminho, é possível não precisar da renda que você acha que precisa.
 
Dos outros arrependimentos, pelo menos um está ligado ao trabalho:
“Gostaria de ter tido a coragem de viver uma vida fiel a mim mesmo; não a
vida que os outros esperavam de mim”. Esse é o arrependimento mais comum.
“Quando as pessoas percebem que suas vidas estão quase acabadas e olham
para elas com clareza, é fácil ver quantos sonhos ficaram irrealizados. Muita
gente não havia honrado nem metade de seus sonhos e teve de morrer sabendo
que foi devido a escolhas que tinham feito, ou deixado de fazer”, escreveu
Bronnie.
Os demais arrependimentos frequentes entre os desenganados são: “Gostaria
de ter tido coragem de expressar meus sentimentos”; “Gostaria de ter ficado
em contato com meus amigos”; e “Gostaria de ter me deixado ser mais feliz”.1
Paul Graham, um programador de computadores, investidor e ensaísta
britânico, afirma que, se tivesse de resumir a lista de Bronnie em um único
conselho, diria apenas: não seja uma peça em uma engrenagem. “Os cinco
arrependimentos pintam o retrato do homem pós-industrial, que se encolhe
numa forma adequada às circunstâncias e então gira diligentemente até parar”,
escreveu ele em seu site pessoal.2 “A coisa alarmante é que os enganos que
produzem esses arrependimentos são todos erros por omissão. Você esquece
seus sonhos, ignora sua família, suprime seus sentimentos, negligencia seus
amigos e desiste de ser feliz.” Graham inverteu os cinco arrependimentos e
produziu uma lista de cinco mandamentos — não ignore seus sonhos, não
trabalhe demais, diga o que você pensa, cultive amizades, seja feliz — a qual
pôs no topo do arquivo que ele usa como sua lista de tarefas.
A menção ao homem pós-industrial, kafkianamente transformado em uma
peça de engrenagem, não é gratuita. Até os anos 70, futurólogos previam que a
evolução tecnológica geraria ócio e qualidade de vida. Aconteceu justamente
o oposto.
Em vários aspectos, o que houve foi uma volta à Revolução Industrial.
Trabalha-se mais do que antes. Com o agravante de que a tecnologia não
permite que nos desliguemos do trabalho mesmo nas horas de lazer. “Não há
mais um local de trabalho, porque podemos trabalhar de qualquer lugar. Não
existe mais semana de trabalho ou dia de trabalho”, afirma Jon Kabat-Zinn, um
estudioso da meditação que conduz retiros para líderes empresariais.3
Um levantamento internacional de 2011 posicionou os executivos brasileiros
entre os mais insatisfeitos do mundo com o equilíbrio entre a vida familiar e a
dedicação profissional.4 Na média global, 27% dos homens e 29% das
mulheres se dizem totalmente satisfeitos com o equilíbrio entre trabalho e vida
pessoal. No Brasil, esses números caem para 12% e 13%.
Uma pesquisa da consultoria de recrutamento de executivos Asap, feita a
pedido da Folha de S. Paulo em outubro de 2011, apontou a expansão da
economia e a utilização de novas tecnologias como fatores que explicam o
aumento da carga horária nas empresas do país. Nada menos que 68,5% dos
profissionais entrevistados disseram que sua carga horária no trabalho
aumentou nos últimos cinco anos, 77,8% afirmaram que são acionados fora do
expediente por celular, e-mail ou outros meios e 52,1% admitiram responder
e-mails durante as férias. De todos os consultados, 56,1% avaliam que tiveram
aumento de remuneração suficiente para compensar a elevação das horas
trabalhadas. Ou seja, mais da metade dessas pessoas está trocando tempo por
dinheiro. Conscientemente.
O governo brasileiro deixou claro que não concorda com essa prática. Uma
nova lei nacional iguala e-mails profissionais respondidos em casa e o uso do
celular da empresa fora do trabalho a horas extras. O texto, sancionado em
dezembro de 2011, altera a CLT e acaba com a distinção, para fins jurídicos,
entre trabalho dentro da empresa e à distância. Se for procurado fora do
horário do expediente, o trabalhador terá direito ao pagamento da hora de
trabalho e mais 50% sobre esse valor. Em domingos e feriados, 100%.
Em princípio, as empresas disseram que a nova lei não eleva o pagamento
de horas extras.5 As companhias que já operam com trabalho remoto afirmam
que a carga horária fora do escritório é contabilizada pelos próprios
funcionários. Ainda assim, a regra ignora a realidade da jornada flexível, sem
controle de horários.
A discussão sobre a quebra das barreiras entre trabalho e descanso está
longe de ser restrita ao Brasil. A diferença é que aqui as relações trabalhistas
são tratadas como questão de Estado. No exterior, o que se tem visto são
negociações entre empresas e trabalhadores, mediadas por sindicatos. Na
Alemanha, por exemplo, a Volkswagen decidiu desligar o e-mail dos
Blackberrys de seus executivos depois do expediente6.
Convidados a avaliar os benefícios do trabalho à distância para eles
próprios, bem como os resultados para as empresas, cerca de 250 executivos
ouvidos em uma pesquisa da escola de negócios paulista BSP deram destaque
a fatores externos, como a redução da poluição (76,8% das respostas) e o
aumento da qualidade de vida (61,1%)7.
Os resultados com impacto sobre a produtividade vieram em seguida:
redução do absenteísmo (32,1%), redução da necessidade de supervisão
presencial (25%), retenção de talentos (24,1%) e aumento da dedicação do
profissional (24,1%).
A separação estrita entre vida profissional e vida pessoal é uma ideia
ultrapassada, que fazia sentido antes dos celulares, da internet e das redes
sociais. Tais tecnologias não são ferramentas para nos aprisionar ao trabalho.
“Ao contrário, são formas de nos libertar para que essas duas vidas possam
coexistir de uma forma harmônica, sem uma divisão rígida que começava às
oito e acabava às 18 horas”,8 sustenta a consultora especializada em
administração Elaine Saad, gerente geral da Right Management no Brasil. Tal
separação entre dois mundos é resquício da Era Industrial, quando as pessoas
se organizaram para trabalhar nas fábricas. Elas chegavam, batiam ponto e
trabalhavam até a hora do almoço. Voltavam uma hora depois, trabalhavam
durante a tarde e, depois de bater ponto de novo, iam para casa.
Com o avanço tecnológico, criou-se a possibilidade de acesso remoto à
informação, de qualquer lugar, a qualquer hora. “Se estou em casa no sábado e
recebo um e-mail que posso responder com uma frase e resolver o problema
de pessoas que estão trabalhando, não faz sentido não respondê-lo”, diz
Elaine. “Por outro lado, é comum nos pegarmos escolhendo um filme para ver
no cinema num site de entretenimento às três da tarde de uma quarta-feira.”
Para algumas pessoas, a necessidade de estar conectado vem de dentro para
fora. Tecnicamente,para a psicologia, nenhum hábito é bom ou ruim por si só,
a não ser que seja extremo. Para definir se é vício ou virtude, é preciso avaliá-
lo em dois aspectos. Primeiro, trata-se de saber se tal costume é benéfico ou
prejudicial a quem o pratica. Segundo, se o hábito é natural ou compulsivo.
Mesmo um costume em princípio inofensivo adquire outro caráter quando
provoca dependência e ansiedade.
Elaine defende que toda empresa tem de monitorar como seus líderes, em
particular, e seus funcionários, em geral, estão lidando com a tecnologia. De
quanto utilizam os smartphones fora do trabalho à forma de comunicação que
utilizam nos e-mails. Boa parte da nossa comunicação verbal não se dá pelo
conteúdo da fala, mas por entonações, gestos e expressões faciais. Daí porque
as guerras de e-mail, quase sempre iniciadas por pequenos mal-entendidos,
são tão comuns nas empresas. “O departamento de recursos humanos precisa
monitorar esse tipo de comunicação e incentivar as pessoas a pegar o telefone
ou falar pessoalmente com os colegas”, diz Elaine. O mesmo vale para
comunicações feitas por escrito, com cópias a todas as partes interessadas,
apenas para constar como registro. O e-mail acaba virando um documento
daquilo que eu fiz e do que o outro deixou de fazer. “A boa prática é monitorar
o uso da tecnologia, para que ela não substitua a interação humana”, diz
Elaine.
A geração de profissionais hoje na faixa entre 40 e 50 anos de idade terá
sido a que mais sofreu com a introdução, no mundo do trabalho, do e-mail e
dos smartphones. Por estarmos vivendo desde o início a revolução
tecnológica que começou com os computadores pessoais, somos suscetíveis ao
deslumbramento com os novos recursos de comunicação — e ao vício. A
geração Y, que nasceu e cresceu em um mundo que consideramos de alta
tecnologia, e os ainda mais jovens provavelmente terão uma relação
pragmática com a tecnologia.
Garotos e garotas trabalhando com fones de ouvido em suas baias fazem
parte do cenário em qualquer empresa. É normal que intercalem momentos de
concentração no trabalho, qualquer que seja ele, com bate-papos no Facebook
e espiadas no Twitter.
Isso é matar o tempo? Claro. E daí? Toda aquela história sobre cobrar por
resultados não é para valer? Em contrapartida, na medida em que as
responsabilidades aumentam, é de se imaginar que esses mesmos jovens
trabalhadores não terão problemas em intercalar o lazer em suas casas com
consultas a e-mails profissionais. No fundo, se tanto o computador do trabalho
quanto o de casa são usados tanto para trabalhar como para relaxar, há cada
vez menos justificativa para manter funcionários que trabalham em escritórios
(em oposição a operários em linhas de produção e vendedores em lojas)
presos a suas baias das nove às seis.
Não basta que as empresas assumam discursos corretos sobre equilíbrio.
“As organizações e as escolas precisam ajudar as pessoas a aprender como
administrar esses limites [entre o trabalho e o lazer] elas próprias e treiná-las
para conter o dilúvio de dados que ameaça nos afogar”, disse Stewart
Friedman, um professor de administração de Wharton, à Time.9 “As pessoas
podem aprender a desligar as coisas. Não é fácil e requer dedicação.”
De acordo com um levantamento recente da Neverfail, uma empresa de
software especializada em proteção de dados, 83% dos profissionais
americanos checam e-mails depois do trabalho.10 Dois terços dizem levar um
equipamento usado no trabalho — como um smartphone ou um laptop —
consigo nas férias. Mais de 50% têm como praxe enviar e-mails durante
refeições com a família ou com amigos. Redução, só no número de
trabalhadores que admitem usar o correio eletrônico durante “um momento
romântico”: queda de 11% em 2009 para meros 2% em 2011. Um estudo
diferente, divulgado em abril de 2012 por pesquisadores da Universidade de
Chicago, revelou que muita gente considera o Facebook, o Twitter e o e-mail
mais difíceis de resistir do que cigarros e álcool.
“Às vezes falamos como se a tecnologia fizesse isso conosco. Mas o
problema é mais profundo”, disse Carolyn Marvin, uma professora da
Universidade da Pensilvânia, à Time. “A tecnologia é só um modo eficiente de
implementar uma visão que já temos de nós mesmos. A noção de que o que
somos é a nossa habilidade de produzir e mostrar que produzimos.”
 
 
FAZER MAIS COM MENOS (TEMPO)
 
Na semana em que me deu um depoimento para este livro, Fabio Coelho,
presidente do Google, saiu às 22h30 do escritório duas noites seguidas. “Por
dois dias, você faz isso. Mas não é sustentável”, afirma ele. “Você delega a
educação dos seus filhos e, com o tempo, começa a desalinhar seus propósitos
de vida do trabalho.”
Fabio diz que jamais teria ficado até às 22h30 no escritório por dois dias
seguidos se tivesse de fazer o mesmo trabalho nos Estados Unidos. Até porque
a sociedade americana não permite. Dentro de cada empresa, há uma pressão
do grupo contra jornadas de trabalho que superem a carga horária acordada. A
maior parte das empresas apaga as luzes e desliga o ar condicionado às
18h30. É preciso, então, fazer as mesmas coisas em menos tempo. Para que
isso seja possível há, por exemplo, um conceito de especialização mais rígido
nos Estados Unidos. Cada trabalhador tende a desempenhar menos atividades
com mais eficiência.
“Quando se está num modelo onde às seis e meia da tarde você é o último
funcionário da empresa, você não se sente mal indo para casa”, diz Fabio.
Essa, como se sabe, não é a realidade na maioria das companhias brasileiras.
“Se eu sair daqui [do Google] às seis e meia da tarde, com 80% das pessoas
trabalhando, me sentirei culpado.”
Em tese, como executivo-chefe, ele deveria liderar o processo de mudança
cultural. Sair mais cedo mesmo, para dar o exemplo. Só que, para sair mais
cedo, é preciso entrar mais cedo — e aí fica bem mais difícil liderar pelo
exemplo se ninguém está lá para ver. Fabio diz que chega ao Google às 7h45
todos os dias, trabalha até o final da tarde e tenta ter o mínimo possível de
interrupções. Faz reuniões curtíssimas, de no máximo 30 minutos, para fazer o
dia render. “Mas esse é o meu estilo. Não posso querer que as pessoas todas o
adotem.”
A ideia da eficiência americana ao trabalhar, sem perder tempo com
cafezinhos e conversas fiadas, parece estar em confronto com o próprio modo
de trabalhar no Google. O fato de que há uma mesa de sinuca, uma cafeteria
gourmet e uma sala de TV equipada com videogames sugere um ambiente no
qual cada pessoa deve se sentir em casa, livre para administrar seu tempo da
maneira como achar mais conveniente. Essa não é uma característica do
Google só no Brasil. A empresa funciona assim no mundo todo.
Fabio admite a contradição, mas a considera saudável. As áreas de
descompressão nos escritórios da empresa pressupõem que as pessoas não
trabalhem automatizadas — como acontece quando o modelo americano de
eficiência é levado a um extremo negativo. Essas áreas permitem a discussão
de assuntos de trabalho de modo mais leve e desestruturado.
Visto de fora, o ambiente de trabalho do Google parece oferecer muitas
ofertas de distração. Felix Ximenes, diretor de comunicação do Google Brasil,
diz que não é bem assim. “Se preciso discutir alguma coisa com você, passo
na sua mesa e te chamo para jogar sinuca. A gente discute enquanto joga.”
Podem-se fazer reuniões no refeitório ou no sofá colorido que há na sala de
descompressão. Ou seja, você muda de ambiente, mas continua trabalhando.
Há um acordo tácito com as pessoas nesse sentido. “O funcionário que passar
duas horas por dia jogando sinuca e achar que está numa universidade sai
daqui rapidinho”, diz Fabio. “No modelo desta companhia, você trabalha o
quanto for necessário e tem uma cobrança forte baseada em métricas
trimestrais. Mas você não é cobrado a ficar sentado na sua mesa o tempo todo,
das oito da manhã às cinco da tarde.”
O Google tem uma visão de engajamento por propósito, traduzido na
participação em projetos mensuráveis a cada trimestre. Ou seja, o grau de
compromisso e de entrega de resultadosde cada funcionário em cada um
desses projetos é avaliado a cada três meses. Isto combinado, não há
microgerenciamento em relação a como cada um executa suas tarefas. As áreas
de descompressão permitem que se trabalhe de uma maneira mais relaxada e,
em alguns momentos, mais criativa. “O abuso seria a exceção, e não a regra”,
diz Fabio.
Esse nível de flexibilidade é parte de uma revolução na maneira de
trabalhar, que sinaliza o esgotamento de um modus operandi que vem sendo
repetido e refinado desde que a administração científica da produção subiu do
chão de fábrica para os escritórios. A cultura organizacional americana foi
forjada no contexto de um esforço de melhoria constante dos processos. Isso
significava isolar cada tarefa e replicá-la incontáveis vezes, aperfeiçoando os
procedimentos de modo a injetar o máximo de eficiência no sistema. É o que
explica, por exemplo, o sucesso de franquias como a do McDonald’s.
Os problemas aparecem quando se passa do ponto ótimo na busca incessante
pela eficiência e cada avanço adicional contribui para tornar a operação
disfuncional.
“Aí você começa a ter a qualidade que o McDonald’s tem hoje nos Estados
Unidos. Mão de obra de péssima qualidade, sanduíches com carne duvidosa e
queijo que não é queijo”, diz Fabio. O modelo se torna tão automatizado que
perde a capacidade de crítica.
 
 
UMA MÃE NO FACEBOOK
 
Do meio para o fim de abril de 2012, uma avalanche de reportagens foi
publicada na imprensa americana louvando Sheryl Sandberg, a chefe de
operações do Facebook, por deixar o escritório todo dia às 17h30 para ficar
com seus filhos.11 Em um vídeo para o Makers.com, um projeto que compila
histórias de mulheres realizadas (e realizadoras), Sheryl peita a preocupação
estereotipada de que as mulheres não são tão dedicadas a suas carreiras como
os homens e declara com orgulho que vai embora antes das seis todos os dias.
 
Saio do escritório todo dia às 17h30 e estou em casa para jantar com
meus filhos às 18h (...) Tenho feito assim desde que tive filhos. Fiz isso
quando estava no Google, fiz isso aqui e só há um ano ou dois tomei
coragem para falar sobre isso publicamente. Eu não mentia, mas não saía
fazendo discursos.
 
Mesmo para uma mulher tão bem-sucedida como Sheryl — ela é a número 2
de Mark Zuckerberg e teria sido a responsável, por exemplo, por ensiná-lo a
interagir com empregados —, admitir que trabalhava menos horas para estar
com sua família foi um desafio:
 
Eu ficava mostrando a todo mundo que trabalhava para isso, que
trabalhava tão duro quanto eles. Estava acordando mais cedo para
garantir que eles vissem meus e-mails às 5h30, ficando acordada até mais
tarde para garantir que eles vissem meus e-mails tarde da noite. Mas hoje
estou muito mais confiante sobre onde estou e sou capaz de dizer: “Ei,
estou saindo do trabalho às 17h30”.
 
Pamela Stone, autora de Opting out? Why women really quit careers and
head home (em tradução bem livre, “Pedindo pra sair? Por que as mulheres
desistem das carreiras e vão para casa”), escreveu um comentário para a
versão online da CNN enfatizando o quanto a repressão que a executiva do
Facebook sentia diz sobre o trabalho contemporâneo. “É difícil imaginar que
Sandberg, uma mulher cuja carreira a levou de Harvard para o Tesouro, de lá
para o Google e para o segundo posto na hierarquia do Facebook, seja
facilmente intimidada”, afirmou ela. Mas, julgada por normas profissionais
segundo as quais longas jornadas e disponibilidade constante são sinônimos
de compromisso e competência (apesar das evidências em contrário), Sheryl é
vista como um ponto fora da curva. “O insano é que Sandberg sentiu
necessidade de esconder esse fato, já que existe um século de pesquisa
estabelecendo o fato inegável de que trabalhar mais de 40 horas por semana,
na realidade, diminui a produtividade”, afirma Geoffrey James, em um artigo
para a revista Time.
Na primeira década do século 20, a Ford fez dezenas de testes para buscar a
relação ideal entre horas trabalhadas e produtividade. Descobriu que o ponto
de equilíbrio é 40 horas por semana — e que embora adicionar outras 20
horas proporcione um pequeno acréscimo na produtividade, esse acréscimo
dura apenas três ou quatro semanas, até se tornar negativo.
 
 
A SEMANA DE 40 HORAS
 
Mesmo nos Estados Unidos, a semana de trabalho de 40 horas tem só 80 anos.
Antes dos anos 30, os americanos trabalhavam de dez a 14 horas por dia, seis
dias por semana.12
O responsável pela mudança foi Henry Ford. Em 1º de maio de 1926, ele
instituiu a jornada de oito horas diárias, cinco dias por semana, para os
trabalhadores de sua fábrica. Três meses depois, expandiu essa política para
os funcionários de escritório. Analisada com rigor, a experiência deixou claro
que a produtividade por trabalhador e a redução dos custos de produção
convergiam idealmente para a semana de 40 horas.
Em 1936, a lei Walsh-Healey foi aprovada, exigindo que prestadores de
serviços públicos pagassem horas extras para funcionários cujas jornadas
excedessem oito horas por dia. Dois anos depois, essa prática virou lei para
todos os trabalhadores americanos.
“Qualquer um que tenha passado algum tempo no ambiente corporativo sabe
que o que era verdade para os operários de cem anos atrás é verdade para os
trabalhadores de escritório de hoje”, escreveu Geoffrey James em seu artigo
para a Time. “Os workaholics (e sua administração equivocada) podem pensar
que estão realizando mais do que os trabalhadores menos fanáticos, mas em
todos os casos que observei as longas jornadas resultam em trabalho que deve
ser desfeito ou refeito. Além do mais, gente que consistentemente cumpre
longas jornadas acaba esgotada e começa a ter problemas pessoais.”
Os defensores das longas jornadas sempre apontam para países onde se
trabalha mais do que no Ocidente, como Tailândia, Coreia do Sul e Paquistão,
sugerindo que eles têm uma vantagem competitiva por isso. Os fatos não
sustentam essa tese. Em seis dos dez países mais competitivos do mundo
(Suécia, Finlândia, Alemanha, Holanda, Dinamarca e Reino Unido), é ilegal
exigir mais de 48 horas por semana. Ainda assim, um estudo de 2007 da
Organização Internacional do Trabalho revelou que um em cada cinco
trabalhadores no mundo estava cumprindo jornadas consideradas excessivas.
A pesquisa relatou que mais de 600 milhões de trabalhadores estavam
excedendo 48 horas por semana. O Peru figurava no topo do ranking com
50,9% de sua mão de obra enquadrada nessa categoria. Foram registrados
índices de 49,5% da força de trabalho na Coreia, 46,7% na Tailândia e 44,4%
no Paquistão. O estudo flagrou 18,1% dos trabalhadores americanos
trabalhando mais de 48 horas por semana.
 
 
OS EVERESTS DA VIDA
 
Cabe aqui um contraponto aos arrependimentos dos pacientes de Bronnie
Ware.
O cartunista Hugh MacLeod tornou-se conhecido, entre outras heterodoxias,
pelos conselhos que dá para quem está começando um novo negócio, reunidos
no manifesto “Ignore Todo Mundo”.13 Pois veja o que ele diz sobre trabalho
duro nessa compilação de dicas:
 
Todo mundo tem seu próprio Monte Everest para escalar. Você pode
nunca chegar ao cume, e será perdoado por isso. Mas se não fizer ao
menos uma tentativa séria de chegar acima da linha da neve, anos depois
se encontrará deitado em seu leito de morte e tudo o que sentirá é o vazio.
 
Invista o tempo necessário. Fazer qualquer coisa que valha a pena leva
um tempão. Noventa por cento do que separa gente bem-sucedida e gente
fracassada é tempo, esforço e perseverança. Se alguém do seu setor é
mais bem-sucedido que você, é porque trabalha mais duro do que você.
A dor de fazer os sacrifícios necessários sempre machuca mais do que
você imagina. Eu sei. É uma merda. Dito isto, fazer alguma coisa
seriamente criativa é uma das experiências mais extraordinárias que
alguém pode ter nesta ou em qualquer outra vida.
 
Marcelo Cardoso, o vice-presidente de desenvolvimento organizacional da
Natura, considera a discussão sobre quanto tempo se passa no trabalho e
quanto tempo se dedica à vidapessoal um falso dilema. “Em uma relação
adulta e de escolha consciente, quem passa muito tempo no trabalho escolhe
passar muito tempo no trabalho”, afirma. “Não é vítima do sistema.” Na sua
visão, qualidade de vida pessoal e qualidade de vida profissional são
inseparáveis. “Quando estou tomando banho, penso na Natura. Tomo decisões
para a Natura correndo”, diz Cardoso. “Mas agora estou no trabalho e estou
pensando na minha filha.”
Nos antigos contratos psicológicos entre empresas e indivíduos, a lógica era
a do tempo cronológico, que é de sete dias por semana, com 24 horas cada um.
Nesse modelo, calcado na troca de lealdade por segurança, passo cinco dias
por semana, oito horas por dia, na empresa. No resto do tempo, não me
preocupo com ela. Essa é uma divisão do tempo pensada para operários.
Quando eles não estão apertando parafusos, estão em seu período de lazer e,
portanto, não geram valor para a empresa.
Existe outro tempo, mais adequado à nossa realidade, que é psicológico.
Nele, não há fronteiras entre passado, presente e futuro. “Quando você vive
com e-mail, internet, gestão do intangível, é deste tempo que está falando”, diz
Cardoso. Por essa lógica, vida pessoal e vida profissional se sobrepõem. O
que está acima disso é a clareza de propósito e de valores. “Se estou
conseguindo viver com integridade o meu propósito e o coloco a serviço do
meu papel pessoal, do meu papel de pai, do meu papel profissional, tenho
qualidade de vida.”
Cardoso tem razão. Em tese. Na prática, se o seu papel profissional começa
a impedir o desempenho dos outros papéis, há um desequilíbrio. O argumento
dele é que a escolha é de cada um. “Ninguém te obriga a fazer o que você está
fazendo. Você escolheu”, diz ele. O problema, para Cardoso, é que as pessoas
não têm consciência de suas escolhas.
Trabalha-se muito na Natura. O tema da qualidade de vida aparece nas
pesquisas de clima, com funcionários reclamando das longas jornadas. Logo,
há um problema a equacionar. Cardoso o reconhece, com uma ressalva. A
questão é menos como liberar os funcionários mais cedo para reduzir o
número de horas trabalhadas e mais como dar clareza às pessoas sobre a
possibilidade de elas se relacionarem de forma diferente com a companhia.
Neste mundo do tempo psicológico, ir todo dia a Cajamar — sede da
Natura, a cerca de 30 quilômetros do centro de São Paulo — e passar oito, dez
horas no escritório parece uma anomalia. Então, a empresa está estudando
alternativas, como home office e trabalho em tempo parcial. Criando
alternativas para que as pessoas encontrem os meios para manter o vínculo
com a Natura e, ao mesmo tempo, possam se dedicar a outros papéis na vida.
Mais importante, para Cardoso, é deixar claro que o funcionário tem
escolhas. A escolha de dizer “isto não serve para mim” e procurar outro lugar
para trabalhar, em vez de se vitimizar e permanecer insatisfeito no emprego.
Mas, sobretudo, a escolha de impor limites ao tempo que dedica à companhia
— algo que as pessoas não fazem por uma série de razões.
A situação é conhecida na maioria das empresas. O sujeito começa a
trabalhar 13, 14 horas por dia sem que ninguém tenha lhe pedido isso. Quase
sempre, é gente eficiente que não sabe dizer não e tende a transformar em
permanente aqueles desequilíbrios que deveriam ser emergenciais, por conta
de um projeto novo ou de uma mudança operacional. Em tese, quem se vê
nessa condição deveria ter uma conversa madura com seu superior para
repensar sua rotina. Na prática, não fazemos isso. Preferimos nos submeter e
reclamar. “A qualidade emocional média das interações no trabalho é a de
dois adolescentes brigando o tempo todo”, diz Cardoso. “E o ambiente
organizacional enfatiza isso de uma forma doentia.”
Ainda que voluntário e consciente, um nível elevado de dedicação ao
trabalho cobra seu preço. Há um exemplo vivo disso na própria Natura. “Nos
primeiros anos como empreendedor, me senti ausente da vida dos meus filhos.
Quando me dei conta, tinham crescido”, afirmou Luiz Seabra, o fundador da
companhia, numa palestra em outubro de 2011. Para quem começa do zero, ele
não vê outro modo de construir uma empresa, senão a dedicação em período
integral. À medida que o negócio se estabelece, é possível buscar equilíbrio.
Seabra disse que, aos poucos, foi compensando a ausência dos primeiros anos
e deu um conselho aos jovens empreendedores: “Confiem no tempo, não o
vejam como inimigo”.
Perguntei a Ricardo Guimarães, da Thymus, se em sua longa experiência
como consultor de empresas com os mais variados perfis ele encontrara
alguma boa fórmula para equilibrar trabalho e vida. “Não, não acredito em
equilíbrio possível em nada em que o ser humano esteja envolvido, graças a
Deus”, me respondeu ele. “O melhor equilíbrio é 50%-50%, esse horror que
temos vivido. É uma vida na média, medíocre, dividida. Trabalhar 24/7 [24
horas por dia, sete dias por semana] é um tesão se você gosta do que faz.”
A relação com o trabalho está, em suas palavras, sendo minada na base pela
mudança nas regras do jogo trabalhista. Os pressupostos de comando e
controle, papéis claros, emprego para toda a vida estão desaparecendo. Junto
com eles, as fronteiras que definiam o que era trabalho e o que era diversão,
sentido e desenvolvimento pessoal e espiritual. “O resultado são pessoas
infelizes demais, porque seus velhos álibis estão desaparecendo”, diz
Guimarães. “As pessoas estão tendo de assumir o próprio destino, e isso é
difícil para quem foi educado para ser infeliz no trabalho e feliz na igreja, no
futebol e no amor.”
 
 
 
PARTE II -
Uma breve história da
(in)felicidade no trabalho
 
 
9. Será que estou falando grego?
Origens filosóficas do
sofrimento dos ocupados
“O problema de determinar de modo certo e universal qual ação
promoveria a felicidade de um ser racional é completamente
insolúvel.” 
KANT
 
 
 
As raízes da histórica prevenção contra o trabalho no Ocidente podem ser
rastreadas até a Grécia clássica, onde as atividades produtivas eram
reservadas aos escravos e, por consequência, consideradas indignas dos
homens livres. No mundo greco-romano da Antiguidade, o trabalho sempre
esteve associado a castigo. “Do ponto de vista etimológico, a palavra
‘trabalho’ (assim como em francês, espanhol e italiano) tem origem no
vocábulo latino tripalium, que era um instrumento de tortura, ou seja, três paus
entrecruzados para serem colocados no pescoço de alguém e nele produzir
desconforto”, escreve o filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella, no livro
Qual é a tua obra.1 “Em sociedades assim, montadas com base no sistema
escravocrata, a própria ideia de trabalho remete à escravidão. Portanto,
trabalho é coisa menor, indecente, imoral ou de gente que está sendo punida.”
No mundo medieval, a escravidão foi substituída pela relação desigual entre
servos e senhores — o que não ajudou muito a melhorar o apreço ocidental
pelo batente. Só a reforma protestante de Lutero e Calvino, no século 16, é que
daria ao trabalho o status de atividade nobre, que dignifica o homem. Pelo
menos no mundo anglo-saxão e no norte da Europa.
O divisor de águas na evolução do pensamento sobre o trabalho e seu
impacto sobre a felicidade é o iluminismo. Nunca antes (nem depois) da “Era
da Razão”, no século 18, houve tanta confiança na ideia de que o avanço do
progresso resultaria no aumento da felicidade. “A equação fundamental do
iluminismo europeu pressupunha a existência de uma espécie de harmonia
preestabelecida entre o progresso da civilização e o aumento da felicidade”,
escreveu Eduardo Giannetti, em Felicidade.2
É nessa época que Joseph Priestley, um filósofo político inglês, concebe o
princípio da “máxima felicidade do maior número”. A partir dessa semente, as
ideias germinariam depressa. Jeremy Bentham, um conterrâneo de Priestley,
apresenta sua teoria da felicidade em 1791 e estabelece que a utilidade é o
propósito definitivo da vida. Naquela época, utility significava satisfação e
não utilidade no sentido que a palavra tem hoje. Para os utilitaristas da escolade Bentham, tanto nosso comportamento quanto as políticas públicas deveriam
ser norteados pela equação “prazer menos dor” — eles chegaram a criar, a
sério, uma escala para computar as sensações positivas e negativas de cada
um.
John Stuart Mill foi quem elevou o utilitarismo a um plano respeitável ao
injetar altruísmo onde encontrara apenas egoísmo. O segredo da felicidade,
ele percebeu, era o paradoxo de que você a encontra apenas procurando por
alguma outra coisa. Pessoas felizes são aquelas “que têm suas mentes fixas em
algum objeto além da sua própria felicidade; na felicidade dos outros, na
melhoria da humanidade, mesmo em alguma busca prática, perseguida não
como um meio, mas como um fim ideal em si mesma”.
AS PRIMEIRAS PREOCUPAÇÕES ECONÔMICAS
 
Adam Smith foi o primeiro teórico importante a se preocupar com a relação
entre a satisfação dos trabalhadores e a produtividade das empresas. Já em A
riqueza das nações, publicado em 1776, o economista escocês afirmava que
“assim como a remuneração generosa do trabalho estimula a propagação da
espécie, da mesma forma aumenta a laboriosidade”. O trecho continua assim:
“Os salários representam o estímulo da operosidade, a qual, como qualquer
outra qualidade humana, melhora em proporção ao estímulo que recebe (...)
Portanto, onde os salários são mais altos, sempre veremos os empregados
trabalhando mais ativamente, com maior rapidez do que onde são mais
baixos.”
Mais adiante, no livro V de A riqueza das nações, Smith trata dos danos
provocados pela divisão do trabalho. Eduardo Giannetti selecionou os
seguintes trechos dessa passagem em O livro das citações, uma compilação
feita por ele próprio3:
 
No progresso da divisão do trabalho, o emprego da maioria dos que
vivem do trabalho, ou seja, a grande massa da população, fica confinado
a algumas poucas operações simples, frequentemente uma ou duas. Mas o
intelecto da maior parte dos homens é necessariamente formado por meio
de seu emprego comum. O homem cuja vida se consome na execução de
poucas operações simples, cujos efeitos também são talvez quase sempre
os mesmos, não tem oportunidade de exercitar o seu intelecto ou exercer a
sua inventividade na descoberta de expedientes para remover dificuldades
que nunca ocorrem. Ele naturalmente perde, portanto, o hábito de tal
exercício, e em geral torna-se tão obtuso e ignorante quanto uma criatura
humana se pode tornar. O torpor da sua mente torna-o incapaz não só de
apreciar conversas racionais e de nelas tomar parte, mas também de
conceber sentimentos generosos, nobres ou ternos e de formar juízos
justos em relação até mesmo a muitos deveres comuns da vida privada [...]
A uniformidade da sua vida estacionária naturalmente corrompe a
coragem da sua mente e leva-o a encarar com repulsa a vida irregular,
incerta e aventurosa de um soldado. Ela corrompe até mesmo a atividade
do seu corpo [...] A sua destreza na sua profissão particular parece, assim,
ter sido adquirida à custa das suas virtudes intelectuais, sociais e
marciais.4
 
É um comentário pouco conhecido, em boa medida porque retirado de uma
passagem numa altura do livro em que os leitores menos dedicados já o
abandonaram há tempos. Mas o jovem Marx foi até o fim do clássico de Smith,
e o marxismo elaborou essa crítica — como se nota em mais estes trechos
selecionados por Giannetti:
 
A existência do trabalhador fica assim reduzida à mesma condição que
a existência de qualquer outra mercadoria. O trabalhador torna-se uma
mercadoria, e terá sorte se conseguir encontrar comprador. [...] Desse
modo, o trabalhador só se sente ele mesmo quando não está trabalhando;
quando está trabalhando, não se sente ele mesmo. Sente-se em casa
quando não está a trabalhar, e fora de casa quando trabalha. O seu
trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho forçado. Não
é a satisfação de uma necessidade, mas um simples meio para satisfazer
necessidades fora de si. [...] O resultado é que o homem (o trabalhador)
sente que age com liberdade apenas nas suas funções animais — quando
come, bebe e procria, ou no máximo na sua casa e adereços — ao passo
que nas suas funções humanas não passa de um animal. [...] Um aumento
forçado dos salários (...) nada mais seria, portanto, do que um melhor
pagamento para escravos, e não significaria um aumento de dignidade ou
de sentido seja para o trabalhador seja para o trabalho.5
 
Para o jovem Marx, se não se diferencia de seus pares no trabalho — visto
que todos foram transformados em peças de uma engrenagem —, o trabalhador
busca se diferenciar pelos seus gostos pessoais. Em suma, pelos seus hábitos
de consumo.
 
OS ESPECIALISTAS ESTÃO CHEGANDO
 
Nos primeiros anos do século 20, incomodado com o modo ineficiente como
os negócios eram tocados, Frederick Winslow Taylor concebeu o método de
gestão baseado na especialização de diferentes grupos de trabalhadores que
entraria para a história com o nome de Administração Científica. Considerado
por vários historiadores de negócios o inovador da gestão mais influente do
século 20, Taylor sustentava que a eficiência vinha de “saber exatamente o que
você quer que os homens façam e então tratar de que eles o façam do modo
melhor e mais barato”. É uma ideia simples e intuitiva — simplória quando
vista um século depois —, em cima da qual se escora toda a moderna
administração de empresas.
Scientific management, o clássico que introduziu disciplina científica na
prática da gestão, completou 100 anos em 2011. É um desses livros mais
comentados do que lidos. Para nossa sorte, Charles Chaplin resumiu a coisa
toda em Tempos modernos. Os trabalhadores passaram a ser vistos como
peças de uma máquina de produção. Era preciso, portanto, entender o
potencial desses componentes e seu relacionamento com o ambiente de
trabalho.
Tanto quanto Smith, Taylor via a satisfação de patrões e empregados como
algo indivisível. “O principal objetivo da administração deve ser o de
assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo
de prosperidade ao empregado. A expressão o máximo de prosperidade é
usada em sentido amplo, compreendendo não só grandes dividendos para a
companhia ou o empregador, como também desenvolvimento, no mais alto
grau, de todos os ramos do negócio, a fim de que a prosperidade seja
permanente”, escreveu ele. “Igualmente, máxima prosperidade para o
empregado significa, além de salários mais altos do que os recebidos
habitualmente pelos obreiros de sua classe, este fator de maior importância
ainda que é o aproveitamento dos homens de modo mais eficiente, habilitando-
os a desempenhar os tipos de trabalho mais elevados para os quais tenham
aptidões naturais e atribuindo-lhes, sempre que possível, esses gêneros de
trabalho.”
Está expressa aqui alguma preocupação com a satisfação do trabalhador e
com seu desenvolvimento — para que possa desempenhar os tais trabalhos
mais elevados. Mesmo assim, o taylorismo viria a ser a matriz teórica da
infelicidade no trabalho. “Ao promover uma excessiva fragmentação do
trabalho e transformar o ser humano numa mera peça da engrenagem do
sistema de produção, os métodos tayloristas não tardaram a provocar uma
série de reações explícitas de descontentamento: aumento dos níveis de
absenteísmo, aumento do número de sabotagens, movimentos grevistas e
conflitos os mais diversos”, afirmam os pesquisadores Anderson Sant’anna,
Zélia Kilimnik e Lúcio Renault de Moraes.6
Em 1901, Ramsom Olds, o homem por trás do Oldsmobile, pôs em
funcionamento a primeira linha de montagem de automóveis — uma fabulosa
inovação que se tornaria revolucionária quando mecanizada por Henry Ford
na fábrica-modelo de Highland Park, na periferia de Detroit. Ali, as teorias de
Taylor sairiam do papel e se tornariam realidade.
Até então, a produção de carros era artesanal, com trabalhadores
qualificados fazendo operações complexas em um motor ou chassis durante um
dia todo de trabalho. À medida que a Ford industrializou esse processo,
favoreceu o emprego de trabalhadores especializados, que roubaram a cena(e
o ganha-pão) dos artesãos. O trabalho, a partir de então, passou a requerer
menos discernimento e criatividade. O foco dos homens e mulheres de
negócios se voltou para os ganhos de produtividade, para o clássico fazer
mais com menos.
“Se houve uma só questão que se tornou obsessão para os gestores do século
20, foi esta: como tiramos mais da nossa gente?”, afirma Gary Hamel em The
future of management. “Em um nível, a pergunta é inócua — quem pode fazer
objeções à meta de elevar a produtividade humana? Mas ela também é
carregada de pensamento da era industrial: como nós (significando
‘administração’) tiramos mais (querendo dizer unidades de produção por
hora) da nossa gente (indivíduos forçados a seguir nossas ordens)?”
Ainda na primeira metade do século 20, alguns pesquisadores pioneiros
trataram de relacionar, com algum rigor científico, qualidade de vida e
produtividade no trabalho. Elton Mayo, um sociólogo australiano, coordenou
as famosas “experiências de Hawthorne” nos Estados Unidos. Em 1924, ao
medir as relações entre a iluminação do ambiente de trabalho e a
produtividade na fábrica da Western Electric Company, em Chicago (no bairro
de Hawthorne), ele encontrou inspiração para desenvolver a Teoria das
Relações Humanas. Mayo descobriu que os fatores sociais são motivadores
mais poderosos que as recompensas financeiras no ambiente de trabalho. E se
tornou o primeiro opositor relevante dos princípios científicos do trabalho
definidos por Taylor. Estão em seus estudos as origens da humanização e da
democratização da administração de empresas.
Um ano depois de sua morte, em 1949, o movimento humanista no trabalho
ganharia um aliado de peso do outro lado do Atlântico. Sob a direção de Eric
Trist, um grupo de pesquisadores do Instituto Tavistock, de Londres, realizou
um estudo sem precedentes sobre as consequências sociais e psicológicas da
mecanização de uma mina de carvão na Inglaterra. Foi a partir da publicação
dessa pesquisa, em 1950, que a expressão qualidade de vida no trabalho foi
incorporada à literatura especializada — e o tema passou a ser estudado a
sério.
De sua parte, Frederic Herzberg, um psicólogo que virou professor de
administração, estabeleceu um novo modo de entender o que nos tira da cama
de manhã ao dividir os fatores por trás do empenho no trabalho entre os
“higiênicos” (salário, condições de trabalho e segurança) e os
“motivacionais” (o prazer que se tem trabalhando, as conquistas profissionais
e o crescimento pessoal). Já em 1968, ele dizia que a falta dos fatores
higiênicos causa desconforto, mas sua presença não é suficiente para criar
satisfação. Os fatores motivacionais é que são capazes de elevar tanto a
satisfação pessoal quanto o desempenho profissional. É neles, portanto, que os
gestores deveriam se concentrar: autonomia para criar, inovar e atingir
resultados, responsabilidade, possibilidade de ascensão profissional e
desenvolvimento pessoal. “Para Herzberg, os fatores que motivam as pessoas
estão estritamente ligados ao conteúdo da tarefa e se relacionam com a
sensação de realização e desafio”, afirmam Sant’anna, Zélia e Moraes.7 “Os
indivíduos adquirem senso de autorrealização e sucesso por meio do próprio
trabalho (...) e ao associar a satisfação com o conteúdo do cargo ou trabalho.”
 
 
VALORIZAÇÃO DA BOCA PARA FORA
 
A partir daquele momento histórico em que Taylor pôs no papel suas ideias
sobre o modo científico de administrar, seguiram-se mais de cem anos de
crescimento contínuo da produtividade nas fábricas. Mesmo assim (ou por
causa disso), quase não houve avanços na hierarquia das organizações.
Passamos a chamar funcionários de colaboradores, sim, mas não aumentamos
a autoridade dos homens que devem fazer o que queremos que eles façam do
modo melhor e mais barato. Sejam operários ou executivos.
Já em 1995, Peter Drucker sustentava que a valorização das pessoas no
trabalho é mais aparente que real. “Hoje todas as organizações dizem: ‘As
pessoas são o nosso maior ativo’. Entretanto, poucas praticam aquilo que
pregam e menos ainda acreditam nisso”, escreveu ele em Administrando em
tempos de grandes mudanças. “A maioria ainda acredita, embora talvez não
conscientemente, naquilo em que acreditavam os empreendedores do século
19: as pessoas precisam mais de nós do que nós delas.”
Com o tempo, a preocupação com produtividade e corte de custos para
melhorar a última linha do balanço começou a cobrar um preço de
comunidades, trabalhadores, famílias de trabalhadores e do meio ambiente.
Aos poucos, em reação ao sofrimento causado por um modelo financeiro de
capitalismo, uma mudança na motivação de milhões e milhões de cidadãos
começou a ser notada. No lugar do desejo material, instalou-se a sede de
sentido.
 
10. A nova era do quê?
Transcendência, empatia e
outras pequenas rebeldias
“Além da era da informação está a era das escolhas.”
CHARLES EAMES, designer
 
 
 
“O capitalismo como o conhecíamos acabou em 15 de setembro de 2008.” A
afirmação não é de nenhum socialista comemorando a quase derrocada do
sistema financeiro mundial no dia em que se decretou a falência do banco
Lehman Brothers. A frase está em The road from ruin, livro de Matthew
Bishop, o editor de negócios nos Estados Unidos da revista britânica The
Economist, um bastião do liberalismo econômico. Bishop está longe de ser um
socialista. Tampouco sua frase é uma comemoração. “O que não sabemos
ainda é o que vai substituí-lo [o capitalismo como o conhecíamos] e se essa
nova versão será melhor que a anterior. As escolhas que fizermos agora nos
colocarão na rota da prosperidade renovada ou da estagnação e mesmo da
depressão”, Bishop adverte.
A crise financeira que se recusa a acabar é uma oportunidade para construir
um capitalismo superior à versão falida em 2008 — embora pouco tenha sido
feito para isso até o momento. “Se o maior erro que poderíamos cometer
depois da crise seria abandonar o capitalismo, o segundo maior seria assumir
que ele não precisa mudar”, afirma Bishop.
Quando se observa o presente procurando responder à pergunta “Que
tempos são estes?”, é tentador criar rótulos como A Era dos Valores
Econômicos. Não querendo sugerir que este seja um período de valores
econômicos nobres, e sim enfatizar a supremacia dos princípios da economia
de mercado sobre os valores morais, culturais ou políticos.
“Durante a Idade Média, a monocultura dominante era a da religião e da
superstição”, escreve F.S. Michaels em Monoculture: how one story is
changing everything. Já a nossa, segundo Michaels, é uma monocultura
moldada por suposições e valores econômicos. Ela domina tudo, dos nossos
hábitos de consumo, a música que ouvimos e as roupas que vestimos, aos
nossos relacionamentos, nossas religiões e nossa relação com as artes. Como
qualquer monocultura, esta é capaz de enfraquecer o solo até que, depois de
algumas gerações, ele se torna pobre demais e parece se rebelar contra os
responsáveis. Há indícios de que esse ponto de saturação está próximo.
A quinta edição da pesquisa anual da seguradora Metlife sobre os ideais
americanos mostra cidadãos menos preocupados com sucesso profissional e
riqueza material e mais interessados em realização pessoal. “Qual é a chave
para realizar o sonho americano?”, perguntou a enquete. As respostas se
dividiram entre as múltiplas escolhas oferecidas, mas a maioria dos
entrevistados (29%) cravou “um sentido de realização pessoal em minha vida”
— dois pontos porcentuais à frente de “ter dinheiro bastante para viver do
modo que quero”1.
Há um componente demográfico decisivo por trás disso que parece ser um
embrião de mudança cultural: o aumento da longevidade e o consequente
envelhecimento das populações. “O sentido da vida — e o sentido da própria
vida de alguém em particular — é uma questão perene da meia idade em
diante, mas sua influência na sociedade era muito menor quando os jovens
eram maioria”, escrevem os três autores do livro Firms of endearment. É
comum que as pessoas prestes a concluir os anos de construção da carreira e
crescimentofamiliar se perguntem: “O que vou fazer com o resto da minha
vida?”
Só nos Estados Unidos, 100 baby boomers chegam aos 60 anos de idade a
cada 13 minutos. As implicações desse fato demográfico são fabulosas.
“Membros da geração mais abonada e mais bem educada que o mundo já
conheceu começam a reconhecer sua mortalidade e a fazer perguntas profundas
sobre sentido, significado e o que elas realmente querem”, afirma Daniel Pink
em Drive. “Quando a frente fria da demografia encontra a frente quente dos
sonhos não realizados, o resultado é uma tempestade de propósito como o
mundo nunca viu.” Pink acredita que os baby boomers do mundo todo estão
empurrando o propósito para mais perto do centro cultural — do mundo dos
negócios e das sociedades em geral.
Na outra ponta do espectro demográfico, a geração que está se tornando
ativa agora traz com ela questionamentos sobre o trabalho que devem deixar
seus pais boquiabertos. Ele é recompensador o bastante? Significativo o
suficiente? Tão motivador quanto eu gostaria? Em parte, esse idealismo é
explicado pela afluência. Mesmo em tempos econômicos difíceis como os
atuais, as condições de vida em boa parte do mundo são confortáveis pelos
padrões históricos. A paradoxal combinação de uma economia global mais
rica com uma conjuntura econômica de crise prolongada parece estar criando
uma cultura de frugalidade consciente.
Os adolescentes e jovens adultos americanos de hoje não parecem, por
exemplo, tão interessados em comprar um carro nem em dirigir. O número
anual médio de milhas percorridas de automóvel por jovens de 16 a 34 anos
nos Estados Unidos caiu 23% entre 2001 e 2009, baixando de 10,3 mil para
7,9 mil2. Por sua vez, a proporção de americanos de 14 a 34 anos sem carteira
de habilitação aumentou em cinco pontos porcentuais, passando de 21% em
2000 para 26% em 2010, de acordo com a Administração Rodoviária Federal.
Em compensação, os jovens estão usando mais transporte público, bicicletas
e solas de sapato. Em 2009, os americanos de 16 a 34 anos fizeram 24% mais
viagens de bike do que em 2001. Eles caminharam até seus destinos 16% mais
vezes e aumentaram as milhas rodadas em veículos públicos em 40%. “Parte
da razão para essa virada é financeira. Mas o dinheiro não explica tudo”,
afirma Richard Florida, editor da revista digital The Atlantic Cities.3 “A
mudança para longe do carro é parte de um novo modo de vida que está sendo
abraçado por jovens americanos, o qual põe menos ênfase em carros e casas
grandes como símbolos de status.”
Há uma mudança cultural em curso. Os consumidores mais jovens estão
vendo o automóvel com maus olhos. Uma enquete da Associação Nacional de
Corretores de Imóveis, realizada nos Estados Unidos em março de 2011,
revelou que 62% das pessoas com idades entre 18 e 29 anos prefeririam viver
em comunidades com uma mistura de casas, condomínios e apartamentos,
próximas de lojas varejistas, restaurantes, cafés, bares e também de
escritórios, bibliotecas e escolas atendidas por transporte público — em
oposição às típicas residências de subúrbio americanas, em áreas afastadas
que fazem do carro um imperativo cotidiano. Em uma pesquisa recente, 45%
dos jovens americanos de 18 a 34 anos disseram ter feito um esforço
consciente para substituir o automóvel por outros meios de transporte.
Os autores de Firms of endearment chamam esta era de mudança de “Idade
da Transcendência”. Ela viria para suceder a “Idade do Conhecimento”,
iniciada na década de 1880, quando Alexander Bell inventou o telefone e
Thomas Edison, a lâmpada incandescente.
Daniel Pink prefere chamar nossa era de “Idade Conceitual”. Em seu livro A
whole new mind, ele descreve uma sociedade se movendo das perspectivas
mais racionais, associadas ao lado esquerdo do cérebro, para as mais
emocionais e intuitivas, associadas ao lado direito.
O economista Jeremy Rifkin, presidente da Fundação de Tendências
Econômicas, lançou em 2010 o livro The empathic civilization, em que faz a
seguinte previsão: “Estamos à beira de uma mudança épica. A Era da Razão
está sendo eclipsada pela Era da Empatia”.
Os rótulos importam menos que as tendências. Uma mudança de perspectiva
foi percebida por observadores de diferentes disciplinas, com diferentes
abordagens. Está em ascensão um capitalismo de stakeholders, no qual os
interesses dos acionistas têm de ser compatibilizados com os dos demais
“públicos” de uma organização: funcionários, fornecedores, clientes,
comunidades e assim por diante.
Empreendedores contemporâneos, como Howard Schultz, presidente da
Starbucks, sabem que a distinção entre visão de mercado e sentido de missão é
irrelevante. No caso de sua empresa, os maiores lucros de seus 43 anos de
história vieram nos momentos em que os dois componentes estiveram
alinhados — o que ele considera lógico, e não paradoxal. “O lucro como meta
única é uma aspiração bem rasa e não é duradouro”, disse ele, em uma
entrevista recente à revista Fast Company. “Eu sempre disse que você não
pode criar valor de longo prazo para o acionista a menos que crie valor de
longo prazo para os empregados e as comunidades que serve.” Na visão de
Schultz, as companhias com uma missão social ou ambiental são
recompensadas. As que relutam em participar do desenvolvimento das
comunidades que atendem e dos funcionários que empregam são punidas.
Peter Thiel, o homem que fundou o PayPal e se tornou um dos primeiros
investidores do Facebook, defende a tese de que tendemos a confundir
capitalismo com competição. Sua leitura do ambiente empresarial aponta para
uma possibilidade provocativa: “que o espírito competitivo engendrado pelo
capitalismo possa inibir a criatividade que ele requer”.4
A concorrência passou a ser vista como um fim em si, e não mais como uma
ferramenta para promover o crescimento e a inovação. Há competição já nas
salas de aula, estimulada pelas listas de melhores alunos e melhores escolas.
Esse sistema de rankings determina que quanto mais competitiva for uma
faculdade, um programa de estágio ou a disputa por um emprego, melhor. O
objetivo, desde o início, é bater a concorrência. Desse modo, a sanha
competitiva suprime as outras metas, ainda que às custas da criação de valor.
Em um ensaio recente para a revista Harvard Business Review5, Christopher
Meyer e Julia Kirby tratam da obsessão com a concorrência que tomou conta
do meio empresarial. “É verdade, naturalmente, que a concorrência pode
incentivar a inovação — basta ver a batalha entre Apple e Android, que vem
deixando o consumidor animado para ver como um lado vai superar o outro”,
afirmam. O problema estaria em setores da “velha economia”, nos quais o
lento processo de industrialização permitiu que as organizações dominantes
atingissem escalas sem precedentes. Em indústrias já consolidadas, em vez de
tornar a economia mais competitiva, o “livre mercado” cria uma
pseudoconcorrência. “Com setor após setor se concentrando a ponto de
constituir um oligopólio, a obsessão em preservar a concorrência perde o
sentido”, dizem esses representantes da mais tradicional das escolas de
negócio.
Se estamos de acordo que o problema não é o capitalismo em si, mas os
desvios de rota das últimas décadas, a questão é como reverter os excessos do
que esses pesquisadores batizaram de capitalismo desenfreado. “Com
mudanças simples em perspectiva, o capitalismo pode evoluir e investir em
novas atividades que reflitam metas maiores da sociedade (...) Pode se
adaptar e seguir prosperando”, escrevem eles. “Embora soe simples, essa
mudança de mentalidade será difícil (...) as pessoas tendem a se aferrar a
regras com as quais cresceram.”
É por isso que Christopher Meyer, fundador da consultoria Monitor Talent, e
Julia Kirby, editora especial da Harvard Business Review, acreditam que o
novo capitalismo terá como principais centros as economias emergentes. A
tese deles é de que as taxas de crescimento esperadas nos países do BRIC e
do N11 (“Next Eleven”) oferecerão terreno fértil para que novas regras,
condizentes com uma economia da era da informação, se instalem.A mesma expectativa existe em relação à transformação do modelo de
gestão predominante. “Em mercados mais maduros, como os Estados Unidos,
embora existam vários exemplos de empresas jovens que aplicam conceitos
modernos de gestão, é mais difícil para companhias já consolidadas mudar
suas diretrizes”, afirmou Daniel Pink em uma entrevista para a Folha de S.
Paulo6. “Já em países emergentes, como Brasil e Índia, em que ainda há muito
espaço para o desenvolvimento de empresas, a mudança para um modelo de
gestão mais contemporâneo pode ser mais fácil.”
Nos próximos capítulos, tentaremos entender como o Brasil pode participar
da corrida por um novo modelo de gestão — se é que pode — e, quem sabe,
exportar nossa proverbial alegria para as empresas do mundo, sem mandar
junto o lado ruim da malandragem.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PARTE III -
A geoeconomia do bem-estar
e nosso lugar neste mapa
 
 
11. A copa do mundo da felicidade
“Existe um exibicionismo hedônico no Brasil.
O que me preocupa é que há muita ênfase no
estar feliz em lugar do ser feliz.”
EDUARDO GIANNETTI
 
 
 
Quando o assunto é Brasil, o otimismo com um novo capitalismo conta com
um elemento a mais, além do (já não tão) rápido crescimento e da juventude
das empresas, típicos de mercados emergentes. Somos tidos como um dos
países mais felizes do mundo e passamos a ser notados pela nossa capacidade
de transformar o caos em bagunça organizada. Dentro e fora do Brasil, há
quem comece a ligar os pontos e considerar que, se pudermos identificar e
potencializar os traços funcionais da nossa cultura — ao mesmo tempo em que
controlamos os nocivos —, teremos uma contribuição a dar para esta nova era
econômica que parece estar se iniciando. Vale a pena investigar o que há de
verdadeiro em cada uma dessas premissas. A começar pela ideia de que
somos um dos países mais felizes do mundo.
Um dos setores em alta durante o atual período de retração econômica e
austeridade é, surpreendentemente, o que a revista The Economist chamou de
“indústria da felicidade” e definiu como “a crescente atividade de
economistas (e não filósofos) que estudam o que constitui a felicidade e fazem
recomendações a governos sobre como melhor aumentá-la”1. Como os
economistas são parte de um círculo profissional fiel à crença segundo a qual
o que não é medido não é gerido, uma das ferramentas em voga na
administração pública são os índices e rankings internacionais criados para
mensurar e comparar os níveis de felicidade.
O estudo mais amplo já feito sobre o tema resultou na publicação do
primeiro Relatório da Felicidade Global em abril de 2012. Encomendado pela
Conferência das Nações Unidas sobre a Felicidade, o trabalho foi editado
pelo economista Jeffrey Sachs, diretor do Instituto da Terra, na Universidade
Columbia. O relatório não surpreendeu ao concluir que os países mais felizes
do mundo estão no norte da Europa (Dinamarca, Finlândia, Noruega e
Holanda) e os mais infelizes, na África (Togo, Benin, República Centro
Africana e Serra Leoa). Só há nações ricas no alto da tabela, do Canadá à
Nova Zelândia, passando por Suíça e Suécia. Mesmo assim, o relatório
sustenta que liberdade política, fortes redes sociais e ausência de corrupção
são “mais importantes do que ganhos salariais para explicar as diferenças de
bem-estar entre os países que aparecem no topo e no pé da lista”.
Essa é uma realidade conhecida e testada desde que, em 2004, o professor
de psicologia Ed Diener, autor do livro Happy people live longer e cientista
associado ao instituto Gallup, coordenou a primeira pesquisa mundial sobre
felicidade. Naquele levantamento pioneiro, foram entrevistadas mais de 136
mil pessoas em 132 países. Desde então, a amostra vem sendo ampliada e a
metodologia, aperfeiçoada. Entre 2005 e 2009, os pesquisadores do Gallup
World Poll entrevistaram milhares de pessoas em 155 países para medir dois
tipos de bem-estar. Primeiro, eles pediam aos participantes que refletissem
sobre sua satisfação geral com a vida e lhe dessem uma nota de 1 a 10. Em
seguida, faziam perguntas sobre como cada um tinha se sentido no dia anterior.
As respostas permitiam atribuir notas a suas “experiências diárias” — o
quanto se sentiam descansados, respeitados ou “engajados intelectualmente”.
Os participantes com notas altas foram agrupados na categoria
“prosperando”. A porcentagem de indivíduos “prosperando” na amostra de
cada país determinou os rankings.2
Quando a primeira lista foi divulgada, em julho de 2010, lá estava a elite de
países ricos e escandinavos ocupando as primeiras colocações: Dinamarca,
Finlândia, Noruega e Suécia, seguidos da Holanda. Já na ocasião, Jim Harter,
um cientista do Gallup, tratou de relativizar a relação riqueza-felicidade:
“Uma teoria é que eles [os escandinavos] têm suas necessidades básicas
atendidas em um nível mais alto que em outros países. Quando olhamos para
todos os dados, essas necessidades básicas explicam a relação entre renda e
bem-estar”.3
A liderança escandinava nos dois rankings não é coincidência. O Relatório
da Felicidade Global é baseado na pesquisa do Gallup — e em outras três. É,
portanto, mais completo, por considerar fatores como saúde, segurança no
emprego, liberdade política e corrupção.
Como está em sua primeira edição, esse ranking ainda não tem uma base de
dados histórica que permita cruzar oscilações no PIB e no nível de felicidade
das populações. Outros estudos fornecem indícios de que quando os países
sobem no ranking global de riqueza (como está acontecendo com o Brasil, que
superou o Reino Unido e se tornou a sexta maior economia do planeta) seus
cidadãos, na média, não ficam mais felizes.
Os países, como regra, só sobem ao mesmo tempo nos rankings de PIB e
felicidade quando seu enriquecimento é consequência da entrada de uma
parcela significativa da população no mercado de consumo. Ou da saída de um
grande contingente populacional de uma situação de pobreza extrema. De
novo, como se viu no Brasil da última década. Se você ainda se lembra do que
leu no capítulo 3 sobre a relação entre dinheiro e felicidade, não deve estar
surpreso. Aprendemos, afinal, que, uma vez que as necessidades básicas
estejam satisfeitas, o dinheiro não pode comprar felicidade adicional.
O PAÍS DA FELICIDADE FUTURA
 
No Relatório da Felicidade Global, o Brasil ocupa apenas o 25º lugar. No
ranking do Gallup, o país aparecia na 12ª posição, logo atrás de Canadá,
Israel, Austrália e Suíça. Como esses quatro países empataram na oitava
colocação (62% de participantes “prosperando”), algumas reportagens nos
puseram no nono posto. Com 58% dos brasileiros “prosperando”, empatamos
com o Panamá e ficamos uma posição à frente dos Estados Unidos.4
Seja a 12ª ou a 25ª, nossa posição nesses rankings — embora mais do que
razoável para um país onde as necessidades básicas da maioria da população
não podem ser consideradas atendidas — parece tímida para sustentar a fama
internacional de campeões da felicidade. Um subproduto dessas pesquisas nos
ajuda a entender o porquê dessa crença continuar viva.
Quando o foco muda da avaliação de nossas vidas no presente para aquilo
que o Gallup chama de Índice de Felicidade Futura, o Brasil é o líder
inconteste. Nesse levantamento de dados, o pesquisador pergunta ao
entrevistado que nota ele daria hoje para a satisfação que deverá estar tendo
com sua vida em três ou em cinco anos. Em 2009, por exemplo, pediram aos
participantes que imaginassem o quão felizes estariam em 2014. Os brasileiros
superaram a concorrência global ao cravar 8,7. Para ter uma ideia do quanto
essa nota é alta, basta saber que a média dos países participantes foi 5,6.
Sendo quem somos, não tardaram a surgir suspeitas de que a expectativa
positiva estaria turbinada pelo fato de que 2014 é o ano da Copa do Mundo do
Brasil. Mas, desde então, os anos alvo para as previsões foram mudando, e
nos mantivemos no topo. A lista mais recente, de março de 2012, deu ao Brasil
o tetracampeonato mundial de felicidade futura.
Futebol à parte,esse resultado tem sido relacionado ao fato de que somos
um país jovem. A expectativa de felicidade futura tende a cair com o
envelhecimento do indivíduo. Adolescentes de 15 anos entrevistados em 2009,
no mundo todo, previam nota 7,4 para sua satisfação com a vida em 2014 —
quando serão jovens adultos de 20 anos. São 3,3 pontos a mais do que a nota
que eles próprios deram à sua felicidade no momento da entrevista. No outro
extremo, os idosos com mais de 80 anos consultados em 2009 estimaram nota
5,45 para sua satisfação com a vida em 2014, precisamente a mesma
pontuação que se atribuíam naquele momento. Nessa fase da vida, os índices
presente e futuro de felicidade se equivalem.
 
 
A VIDA POR TRÁS DOS RANKINGS
 
Exceto pelo que revelam cruzamentos de dados como o que acabamos de
fazer, mal começamos a compreender o que essas pesquisas nos ensinam sobre
os povos e os países. Instituições sólidas e uma prosperidade suficiente para
garantir, entre outras coisas, acesso universal a saúde e educação de qualidade
são fatores indiscutíveis de aumento da felicidade média de um país. Mas não
contam a história toda. Se contassem, o Japão apareceria em uma posição
melhor do que a 44ª, e a Coreia do Sul não teria ficado apenas no 56º lugar na
lista da ONU.
Já há quem diga que, como a felicidade tem um componente genético,
diferentes povos têm propensões diferentes a ela. “Está ficando cada vez mais
claro que a personalidade, assim como a inteligência, é ao menos parcialmente
hereditária; logo, presumivelmente, a tendência a ser feliz ou infeliz é, até
certo ponto, transmitida através do DNA”, afirmou recentemente a revista The
Economist5. Na média, os países asiáticos, por exemplo, reportam níveis mais
baixos de felicidade do que seus PIBs per capita sugeririam. A explicação
científica para esse paradoxo é que certas populações têm mais indivíduos
com a versão longa do gene transportador da serotonina, um hormônio
envolvido na regulação do humor. Essa variante do gene produz mais
moléculas transportadoras do hormônio da felicidade.
O que dizer da influência do ambiente de trabalho em um país sobre seu
indicador de felicidade? Não conheço tentativas específicas de investigar essa
relação, mas um indicador confiável, disponível nos Estados Unidos, sugere
que ela é baixa.
O Índice de Bem-Estar Gallup-Healthways é uma avaliação diária da
satisfação com a vida dos americanos, baseada em entrevistas com ao menos
mil cidadãos por dia, 350 dias por ano. O resultado é apresentado em um
relatório semestral sobre o bem-estar em cada um dos 50 estados americanos.
As tabelas divulgadas pelo Gallup-Healthways6 permitem saber, por exemplo,
que o bem-estar no estado do Alabama (de acordo com o ranking nacional
preparado com dados coletados entre 2 de janeiro e 29 de dezembro de 2011)
é um dos mais baixos dos Estados Unidos — mas está melhorando. O Índice
Geral de Bem-Estar subiu de 63,7 pontos em 2010 para 64,6 pontos em 2011.
Com isso, o Alabama avançou uma posição no ranking americano de
felicidade — da 46ª para a 45ª posição, entre os 50 estados. A principal
melhoria se deu na categoria “Avaliação da Vida” (ganho de dez posições em
um ano, no ranking nacional), mas houve avanço também em saúde emocional.
O cruzamento de dados que sugere a baixa correlação entre satisfação com o
trabalho e felicidade aparece quando se olha para os extremos. De acordo com
a pesquisa, o estado americano mais feliz é o Havaí (70,2 pontos), que, dos
vários quesitos analisados, só se sai mal em “Ambiente de Trabalho” — é
apenas o 44º dos Estados Unidos. O menos feliz entre todos é a Virgínia
Ocidental, que só se sai bem em “Ambiente de Trabalho” — é o 25º melhor
dos EUA.
Há uma desconfiança histórica da academia internacional em relação aos
resultados positivos de pesquisas que avaliam a qualidade de vida no
trabalho. Por mais que os questionários aplicados pelas empresas prometam
manter anônimos os participantes, sabe-se que muita gente tem medo de ser
flagrada avaliando mal o emprego ou não admite que esteja insatisfeita com o
que faz para ganhar a vida. Em muitas culturas, transmitir uma imagem feliz
conta pontos socialmente. Não é diferente no Brasil. O economista Eduardo
Giannetti deu até um nome a esse fenômeno: exibicionismo hedônico.
Feita essa ressalva, é preciso dizer que a felicidade no trabalho parece ser
um fator indispensável para entender por que o Brasil se sai melhor nos
rankings de satisfação com a vida que os demais países em estágio semelhante
de desenvolvimento e segue sendo visto, inclusive no universo empresarial,
como um país dos mais felizes.
De acordo com a mais recente pesquisa disponível, realizada pelo instituto
Datafolha, três em cada quatro brasileiros — assalariados, empresários,
autônomos ou informais — se dizem felizes com o trabalho7. Nada menos que
88% declaram se relacionar bem com o chefe. Dois terços dos 1.574
trabalhadores entrevistados em abril de 2012 ganham no máximo dois salários
mínimos. Mesmo assim, para metade deles, o pagamento é considerado
adequado. Do total da amostra, 61% afirmam estar felizes em suas ocupações,
e 16%, muito felizes.
Quando o mesmo questionário foi aplicado em novembro de 2001, a parcela
de trabalhadores felizes era bem menor (45%). A dos muito felizes era
idêntica. Em pouco mais de dez anos de intervalo, a proporção dos que não
temem o desemprego subiu de 63% para 73%, o que ajuda a entender a
melhora no nível de felicidade. A oferta de vagas e o nível de renda subiram
sem parar ao longo da última década. A taxa de desemprego baixou de 11,5%
da população ativa para os atuais 6%. O rendimento médio cresceu mais de
60% acima da inflação. São indícios de que o aumento da felicidade no
trabalho teve relação direta com a melhora do mercado. O único efeito
colateral perceptível do aquecimento da economia brasileira é o aumento da
duração das jornadas de trabalho: 47% dos entrevistados em 2012 afirmaram
trabalhar mais de seis a oito horas por dia. Em 2001, eram 38%.
 
12. Felicidade Interna Bruta: o que há
para medir além do PIB
“O potencial de frutificação de qualquer novo
indicador social proposto jaz tanto na discussão pública que ele gera
quanto no uso técnico da métrica em si, independentemente de quão boa
ela for.”
AMARTYA SEN, Prêmio Nobel de Economia de 1998
 
 
 
O filósofo iluminista inglês Jeremy Bentham foi o primeiro candidato a
formulador de políticas públicas a sugerir a criação de um cálculo da
satisfação com a vida. Você talvez se lembre dele três capítulos atrás,
concebendo uma filosofia da “utilidade”, segundo a qual o mérito de uma ação
é determinado pela quantidade de felicidade que ela produz. Para tornar esta
uma medida objetiva, ele propôs uma fórmula que somava 14 prazeres e
subtraía 12 dores ou desconfortos. Comprovando a máxima segundo a qual
para todo problema complexo existe uma solução simples — e ela sempre está
errada —, Bentham entrou para a história como o precursor do utilitarismo,
mas seu cálculo da felicidade nunca saiu do papel.
Só bem mais tarde, já na década de 1930, é que a ideia de calcular o bem-
estar de uma população foi retomada com algum sucesso. A abordagem, então,
já era outra. Econômica. Paul Samuelson, o economista americano que muita
gente boa considera o fundador da economia moderna, fez os primeiros
avanços na busca de uma fórmula para calcular a riqueza das nações. Na
sequência, seus colegas de profissão Richard Stone e Simon Kuznets criaram
os sistemas de contas nacionais do Reino Unido e dos Estados Unidos e deram
origem aos modelos de Produto Nacional Bruto e Produto Interno Bruto. No
final da Segunda Guerra, o PNB foi adotado como parâmetro internacional
para o crescimento econômico dos países.
“Dinheiro não é tudo. Mas, para medir o sucesso de uma nação, há muito é
praticamente a única coisa usada (além, é claro, de esportes)”, observou a
Harvard Business Review, numa edição recente.1 “O indicador dominante
desde a Segunda Guerra Mundial é o valor, em dólar, do produto econômico
de um país.”A revista avalia que, para seu propósito original de medir
flutuações econômicas de curto prazo, o PIB não deve ser suplantado tão cedo.
“Já quando a atenção se desloca dos altos e baixos de curto prazo a coisa fica
mais complicada.”
As críticas à insuficiência do PIB estão longe de ser novas — como
demonstra a excelente recapitulação feita pela HBR, que reproduzo aqui de
forma condensada.
“Nosso produto nacional bruto (...) computa a poluição do ar, a publicidade
de cigarro e ambulâncias para limpar nossas rodovias do morticínio”, disse
Robert Kennedy nas primárias da campanha presidencial americana de 1968.
“Computa fechaduras especiais para nossas portas e prisões para aqueles que
as arrombam. Computa a destruição das matas e a perda de nossas maravilhas
naturais para a expansão urbana caótica (...) O produto nacional bruto não
computa, no entanto, a saúde de nossos filhos, a qualidade de sua educação ou
seu prazer em brincar.” A revista da escola de negócios de Harvard observa
que, embora tenha recebido pouca atenção na época, a bronca de Kennedy
ganhou fama merecida ao longo das décadas, já que “dá voz a quase todas as
grandes críticas ao PIB”.
Coube ao economista Richard Easterlin a primazia de demonstrar, com um
ensaio publicado em 1974, que os resultados das pesquisas de felicidade não
batem com os levantamentos de renda per capita — uma aparente contradição
que até hoje intriga economistas e formuladores de políticas e é chamada por
alguns de Paradoxo de Easterlin.
Nos anos 80, o economista Amartya Sen empurrou a discussão adiante ao
fazer distinções entre “commodities”, que figuram no PIB, e “capacidades”,
que não figuram. Surgia o embrião do primeiro indicador alternativo ao PIB, o
Índice de Desenvolvimento Humano.
Idealizado pelo economista paquistanês Mahbud Ul-Haq, com a colaboração
do próprio Amartya Sen, o IDH não é um indicador de felicidade, mas sem
dúvida diz mais sobre o bem-estar das pessoas que o PIB per capita. O novo
indicador foi divulgado pela primeira vez em 1990 e teve uma boa
repercussão internacional por colocar os Estados Unidos apenas em décimo
lugar, atrás do Japão, do Canadá, da Austrália e, já então, dos países norte-
europeus. Aceito no mundo todo, o IDH deu origem a diversos rankings
alternativos. Do Índice de Liberdade Econômica, calculado pela Fundação
Heritage, que promove o liberalismo econômico, até o recente Índice de
Prosperidade, do Legatum Institute, de viés socialista. Nem por isso pôs fim à
busca por um indicador capaz de medir e comparar a felicidade dos povos.
A melhor ideia sobre como vencer esse desafio é atribuída a Jigme Singye
Wangchuck, um ex-rei do Butão. Wangchuck sucedeu a seu pai em 1972, com
apenas 17 anos de idade. Dois anos depois, dispensou os regentes e foi
coroado o quarto Rei Dragão. Começou, então, um rápido processo de
abertura de seu país — um reino menor que o estado do Rio de Janeiro, na
Cordilheira do Himalaia, onde estrangeiros só eram admitidos quando
convidados pela família real. Wangchuck reinou por 34 anos, até abdicar em
favor de seu filho mais velho, em 2006. Não só estava vivo enquanto este
livro era escrito, como mantinha um perfil no Facebook. Em uma excelente
reportagem que publicou em 2009 na revista Planeta, depois de visitar o
Butão, Haroldo Castro conta que Wangchuck é reconhecido em seu país por ter
equilibrado desenvolvimento econômico com a preservação dos valores
culturais e espirituais. Seu momento eureca aconteceu em 1987, quando um
repórter do jornal Financial Times o questionou sobre por que o
desenvolvimento do Butão avançava tão devagar. Wangchuck saiu-se bem: “A
felicidade interna bruta é mais importante que o produto interno bruto”,
respondeu. “Em nosso processo de desenvolvimento, a felicidade precede a
prosperidade econômica.” Nascia, assim, um conceito — Felicidade Interna
Bruta — que se revelaria capaz de aglutinar críticos do monopólio do PIB de
toda parte.
Levou tempo para a ideia sair do papel. Só em 1998, 11 anos depois da
entrevista do rei, é que o conselho de ministros do reino criou o Centro de
Estudos do Butão, com a missão principal de criar uma metodologia para o
cálculo da Felicidade Interna Bruta. O primeiro questionário elaborado tinha
1.300 perguntas — e demandava seis horas para ser respondido. Mais oito
anos se passaram até que Michael Pennock, diretor do Observatório Para
Saúde Pública do Canadá, foi enviado ao Butão pelas Nações Unidas para
desenvolver uma versão internacionalmente aplicável do questionário. Nessa
primeira visita, Pennock passou três meses no reino, tratando de reduzir as
variáveis investigadas a 100 e o tempo de resposta a não mais de meia hora.
Em seu formato atual, o Questionário FIB abrange nove dimensões, assim
descritas pelo Instituto Visão Futuro, que trouxe a metodologia para o Brasil:
 
1. BEM-ESTAR PSICOLÓGICO: Avalia o grau de satisfação de cada indivíduo com
a sua vida, considerando autoestima, sensação de competência, estresse e
atividades espirituais.
 
2. SAÚDE: Mede a eficácia das políticas de saúde, levando em conta a
autoavaliação da saúde da população analisada, a incidência de padrões de
comportamento arriscados, a prática de exercícios e a qualidade da nutrição e
do sono.
3. USO DO TEMPO: Avalia como o tempo é dividido entre trabalho, estudo,
lazer, etc.
 
4. VITALIDADE COMUNITÁRIA: Examina o nível de confiança, a sensação de
pertencimento, a vitalidade dos relacionamentos afetivos, a segurança em casa
e na comunidade e as práticas de doação e voluntariado.
 
5. EDUCAÇÃO: Avalia desde a qualidade da educação formal até o
envolvimento dos pais na educação de seus filhos e a educação ambiental.
 
6. CULTURA: Avalia as tradições locais, a participação em eventos culturais,
as oportunidades de desenvolver capacidades artísticas e, de outro lado, a
discriminação por causa de religião, raça ou gênero.
 
7. MEIO AMBIENTE: Mede a percepção dos cidadãos quanto à qualidade da
água, do ar, do solo e da biodiversidade. Os índices consideram, por exemplo,
o acesso a áreas verdes e a qualidade do sistema de coleta de lixo.
 
8. GOVERNANÇA: Avalia como a população enxerga o governo, a mídia, o
Judiciário, o sistema eleitoral e a segurança pública, em termos de
responsabilidade, honestidade e transparência. Também mede a cidadania e o
envolvimento das cidades com as decisões e os processos políticos.
 
9. PADRÃO DE VIDA: Avalia a renda individual e familiar, a segurança
financeira, o nível de endividamento e a qualidade das habitações.
 
As mesmas questões devem ser respondidas em todo lugar que decida
calcular sua FIB, seja um país ou um bairro. Os pesos de cada dimensão
podem ser ajustados à realidade local. Em países mais pobres, recomenda-se
enfatizar as necessidades materiais.
Pelo menos em teoria, a Felicidade Interna Bruta é uma fórmula para medir
o progresso de qualquer comunidade. Joseph Stiglitz, um Nobel de economia
que abraçou a causa da FIB, não a vê como um substituto, e sim como um
complemento aos indicadores econômicos tradicionais, a começar pelo PIB.
Em 2008, ele e Amartya Sen receberam do então presidente francês Nicolas
Sarkozy a encomenda de um estudo que indicasse a melhor forma de medir o
desenvolvimento daquele país. O relatório que a dupla preparou com o colega
francês Jean-Paul Fitoussi enfatiza a necessidade de mudar os critérios de
avaliação convencionais, reduzindo o peso do desempenho econômico e
aumentando o do bem-estar dos indivíduos.
Do outro lado do Canal da Mancha, o primeiro-ministro David Cameron
anunciou planos para medir o bem-estar nacional e, em meados de 2012,
parecia decidido a implantar a FIB no Reino Unido. Cameron fala sobre o
assunto desde que chegou à liderança do Partido Conservador, em 2006, e
defende que mensurar o bem-estar dos indivíduos é tão importante quanto
calcular o PIB. “Vamos começar a medir nosso progresso como país e não
apenas pela forma como nossa economia está crescendo”, afirmou ele, em uma
entrevista ao Daily Mail. Nada mal para o líder do partidode Margareth
Thatcher.
 
 
DO BUTÃO PARA ANGATUBA
 
Foi depois da 3ª Conferência Internacional Sobre FIB, realizada na Tailândia
em 2007, que Susan Andrews, uma antropóloga e psicóloga americana
radicada no Brasil há mais de 15 anos, foi convidada a disseminar o conceito
de Felicidade Interna Bruta no Brasil.
Susan convocou para ajudá-la Dasho Karma Ura, diretor do Centro Para
Estudos do Butão, e o próprio Michael Pennock. Juntos, os três trouxeram o
movimento para o Brasil. O marco zero foi uma série de conferências em São
Paulo em novembro de 2008.
José Emílio Carlos Lisboa, então prefeito de Angatuba, no interior paulista,
estava na plateia e convidou o Instituto Visão Futuro a implementar a FIB
como índice para pautar políticas públicas em sua cidade. Assim teve início o
primeiro projeto-piloto do gênero no Brasil. Quatrocentos e cinquenta
habitantes do município responderam o Questionário FIB. Mesmo assim, como
a amostra não era aleatória, os resultados foram invalidados.
O mais bem-sucedido projeto-piloto seria realizado em Campinas, no
Jardim Campo Belo, próximo ao Aeroporto de Viracopos. Em meados de
2009, alunos da Unicamp e outros jovens da cidade entrevistaram 439 dos 50
mil habitantes do bairro. Os resultados, cuja margem estatística de erro é de
5%, revelaram que 64% da população de Campo Belo se considera feliz e
31% “mais ou menos feliz”. O espírito comunitário é o que sobressai nessa
comunidade carente. O que mais faltava eram programas culturais (só 20% se
disseram satisfeitos com a oferta) e espaços verdes (carência que preocupava
85% daquela população).
A abordagem que tem sido usada no Brasil é a de se aplicar o questionário
em comunidades — e não em cidades, estados ou no país. A justificativa é que
a proposta não seria apenas revelar a realidade, e sim transformá-la — o que
é mais fácil de fazer em um universo menor. Como o de um bairro, sim. Mas,
por que não, também em empresas.
A Natura talvez tenha sido a primeira companhia do mundo a aplicar o
Questionário FIB em seus funcionários, mas não levou o projeto adiante.
Marcelo Cardoso, seu vice-presidente de desenvolvimento organizacional,
visitou o Butão e esteve com o primeiro-ministro para montar um programa-
piloto. A empresa planejava incorporar a FIB à sua pesquisa de clima e
cultura. Segundo ele, o desenvolvimento do projeto esbarrou em discussões
técnicas com o Instituto Visão Futuro e acabou sendo abandonado.
 
 
 
A FELICIDADE É VERDE
 
Como ainda não começou a ser aplicada em larga escala nem gerou rankings
de países, a Felicidade Interna Bruta não gera grandes controvérsias nem é
alvo de críticas apaixonadas. No máximo, é descartada como fruto do
diletantismo de idealistas new age.
Um possível racha tende a surgir, como de costume, entre os próprios
reformistas. Militantes ambientalistas talvez achem que a FIB não é verde o
bastante para merecer sua confiança. O indicador feito sob medida para eles é
outro, batizado de Índice do Planeta Feliz.
O Happy Planet Index é obra da New Economics Foundation (NEF), uma
entidade sem fins lucrativos dedicada a divulgar o “real bem-estar
econômico”. No relatório da segunda edição de seu índice de felicidade2, a
organização informa que seu objetivo é “melhorar a qualidade de vida ao
promover soluções inovadoras que desafiam o pensamento convencional em
questões econômicas, ambientais e sociais”. Além de campanhas pelo perdão
às dívidas de países pobres, pelo comércio ético e pelos investimentos
sociais, a NEF pesquisa novos modos de mensurar o bem-estar social e
econômico. “Em uma era de incerteza, a sociedade precisa, globalmente, de
uma nova bússola para definir um caminho de progresso real”, afirma o
relatório. “O Índice do Planeta Feliz (HPI, na sigla em inglês) fornece essa
bússola ao mensurar o que verdadeiramente importa para nós — nosso bem-
estar em termos de vidas longas, felizes e com significado — e o que importa
para o planeta — nossa taxa de consumo de recursos.” O indicador, portanto,
mede a eficiência ecológica com a qual estamos alcançando uma boa vida.
O primeiro HPI foi lançado em julho de 2006. Segundo a NEF, o relatório
resultante foi baixado e lido em 185 países num período de dois dias. Três
anos depois, saiu o HPI 2.0, com dados novos e aprimorados de 143 países,
cobrindo 99% da população mundial. “Os resultados viram nossa ideia de
progresso de ponta-cabeça”, diz o relatório.
A pontuação mais alta foi obtida pela Costa Rica (76,1 pontos de 100
possíveis). Além de apresentar a mais alta taxa de satisfação com a vida do
mundo, os costa-riquenhos também têm a segunda maior expectativa de vida
do Novo Mundo, atrás apenas dos canadenses.
Dos dez países que vêm a seguir, nove estão na América Latina. O Brasil
aparece em nono lugar entre as 143 nações analisadas, e em primeiro entre os
países do G20.
Também nesse índice, as dez piores pontuações foram todas de países da
África subsaariana, com o Zimbábue no último lugar, com 16,6 pontos dos 100
possíveis.
As nações ricas ficam no meio da tabela. Delas, a primeira é a Holanda, na
43ª posição.
Nenhum país atingiu, de uma vez só, as três metas definidas pela equação do
HPI: alta satisfação com a vida e elevada expectativa de vida, consumindo
uma justa fatia dos recursos naturais disponíveis no mundo. “Os países que
deveriam representar o desenvolvimento bem-sucedido são alguns dos piores
em termos de bem-estar sustentável”, diz o relatório. Para complicar, quando
se aplica a metodologia do HPI 2.0 sobre as bases de dados existentes,
percebe-se que as perspectivas não são lá tão animadoras. Embora a maioria
dos países estudados tenha melhorado seu HPI entre 1990 e 2005, os três mais
populosos (China, Índia e Estados Unidos) viram suas pontuações cair nesse
período.
A principal conclusão da NEF é a de que “é possível viver vidas longas e
felizes com uma pegada ecológica menor que a encontrada nas nações de mais
alto consumo”. Os holandeses, por exemplo, vivem em média um ano mais que
os americanos, têm níveis similares de satisfação com a vida e, ainda assim,
sua pegada ecológica per capita é menos da metade da registrada nos Estados
Unidos (4,4 hectares globais comparados a 9,4 hectares globais). Mais
dramática é a diferença entre Costa Rica e Estados Unidos. Os costa-
riquenhos também vivem mais e apresentam níveis mais altos de satisfação
com a vida, embora deixem uma pegada ecológica que é menos de um quarto
da dos americanos.
Países com a mesma pegada ecológica suportam vidas com diferentes níveis
de bem-estar e saúde. Vietnã e Camarões, por exemplo, consomem idênticos
volumes de recursos naturais. Só que enquanto os camaroneses não esperam
viver mais de 50 anos e têm nível baixo de satisfação com a vida (3,9 numa
escala de zero a dez), os vietnamitas vivem até 73,7 anos e têm nível bem mais
alto de satisfação com a vida (nota 6,5).
De posse desses resultados, a NEF lançou em seu site uma “Carta por um
Planeta Feliz”. Os signatários do documento dizem acreditar que:
 
• Uma nova narrativa de progresso é exigida para o século 21;
 
• É possível ter uma boa vida sem que o custo seja a Terra;
 
• O consumo exagerado em países ricos representa uma das barreiras-
chave para o bem-estar sustentável mundial, e os governos deveriam
identificar modelos econômicos que não dependam do crescimento constante
do consumo para alcançar estabilidade e prosperidade.
 
A Carta desafia as nações desenvolvidas a definir um HPI alvo de 89 para
2050, o que significa reduzir a pegada ecológica para 1,7 hectares globais,
elevar a satisfação com a vida para oito (na escala de zero a dez) e a
expectativa de vida até 87 anos.
 
 
UMA AMEAÇA AO STATUS QUO
 
Em meados de 2011, as Nações Unidas aprovaram uma resolução em favor da
criação de um “padrão holístico” para medir o desenvolvimento dos países. O
documento afirma, em caráter oficial, que o Produto Interno Bruto não é
suficiente para medir o bem-estar das populações. Em março de 2012, a ONU
voltou ao tema ao afirmar que incentivará as nações a implementarum “índice
de felicidade”. O gesto, que parecia simbólico e inofensivo, foi percebido
como uma sutil ameaça ao status quo internacional, definido com base
somente nos valores econômicos (e militares). Não por acaso, os Estados
Unidos tomaram a frente de um bloco de países ricos que resistem à ideia. Na
preparação para a conferência Rio+20, Joseph Stiglitz contrariou a orientação
do governo de seu país e defendeu que esse “índice de felicidade” seja criado
mesmo sem o apoio dos Estados Unidos.
 
 
 
13. Uma economia sem crescimento?
“A economia do crescimento consiste em estimular o
consumo de coisas de que não precisamos para
impressionar pessoas com quem não nos importamos.”
TIM JACKSON, economista
 
 
 
Em uma edição especial de início de ano, “The Big Ideas of 2011”, a revista
canadense anticonsumista Adbusters publicou um artigo com um título que se
traduz como “O que há de errado em ser o nº 2?”.1 A matéria sustenta que o
Japão pode ser a primeira nação a optar por uma economia sem crescimento e
põe em discussão, entre outras coisas, a lógica por trás da competição entre
países centrada em taxas de crescimento e produto interno bruto.
Em meados de 2010, a economia japonesa perdeu para a chinesa a liderança
entre as asiáticas e se tornou a tal “número 2” do continente — número três do
mundo. Em larga medida, os japoneses esnobaram tanto a notícia quanto a
concorrência chinesa. Mesmo assim, algumas figuras mais lúcidas
aproveitaram o momento para uma reflexão.
“Depois da guerra, o Japão copiou o lado positivo da sociedade americana.
Democracia e liberdade individual, padrões de vida mais altos”, afirmou
Motoyuki Shibata, professor de estudos americanos da Universidade de
Tóquio, à Adbusters. “Mas desde os primeiros anos deste século, começamos
a imitar as piores coisas da América — a terceirização, os rankings de status e
os extremos da competitividade. Uma mentalidade de ‘o vencedor leva tudo’.
Isso criou muitos problemas para o Japão, que são difíceis para nós
superarmos.”
Roland Kelts, da Adbusters, especula com a hipótese de que o Japão, com
uma estratégia de crescimento copiada dos Estados Unidos, esteja mostrando
ao Ocidente para onde a hipercompetição e o capitalismo financeiro podem
levar. O regime de emprego vitalício e a temperança histórica do japonês
deram lugar a carreiras e hábitos de consumo ocidentalizados. Isso funcionou
bem pelo menos entre os anos 60 e 80. “Mas hoje os jovens japoneses estão
sendo vitimados pelas corporações”, disse o ensaísta Ryu Murakami à
Adbusters. “Essas corporações querem um mínimo de trabalhadores
assalariados. Assim, podem manter custos baixos e lucros altos. E há um
número crescente de jovens pobres.” Pela primeira vez na história, o Japão se
vê sobrecarregado de profissionais que só trabalham meio período e de
trabalhadores contratados por projeto. Criou-se até a figura do diarista.
Menos de uma semana depois da notícia de que a China superara o Japão, o
crítico literário Norihiro Kato publicou um artigo no New York Times onde se
lia: “O Japão agora parece estar na vanguarda de um novo movimento de
downsizing, abrindo caminho para países prestes a, mais cedo ou mais tarde,
seguir em sua esteira.” O ensaio foi atacado pela esquerda e pela direita.
“Pena Japão” foi o título de uma matéria da revista The Economist sobre o
artigo, criticado por colocar a sustentabilidade acima do crescimento
constante2. Aos críticos, Kato ofereceu argumentos históricos para sustentar
sua tese. “Realmente penso que os 200 anos estáveis do Período Edo [séculos
17 a 19] podem ser um tipo de lição para a globalização”, disse ele à
Adbusters. “Mas o ponto fraco é o desejo. As pessoas do Período Edo não
eram realmente felizes. Precisamos descobrir como ser felizes com recursos
limitados.”
O Japão hoje tem a maior classe média do planeta, em termos relativos ao
tamanho da população. “É o maior país ‘socialista’ do mundo, e não os países
nórdicos”, afirma Cassio Casseb, um executivo formado no extinto
BankBoston que presidiu o Banco do Brasil no primeiro governo Lula e, em
seguida, comandou o Pão de Açúcar. O Japão não tem mais pobreza absoluta.
A classe alta, por outro lado, é pequena. Com essa combinação, o país
consegue proporcionar uma qualidade de vida mais que razoável para quase
toda a população.
O fato interessante é que, a partir de um determinado momento, a sociedade
japonesa parece ter decidido abrir mão do crescimento a qualquer preço.
A expansão econômica é bem-vinda, desde que proporcionada por medidas
que reduzam a já limitada diferença de renda no país — e não por ações que
aumentem a distância entre as classes sociais. Por isso, o Japão é considerado
o melhor caso para estudo de uma economia que, há quase duas décadas, não
cresce. Que condiciona a ampliação do PIB ao desenvolvimento da
população. Antes de mudar a política econômica, mudou a cabeça do povo.
Não vai aqui nenhuma ingenuidade. O Japão tem dificuldades involuntárias
para crescer. Tem problemas brutais de endividamento e uma cultura que
privilegia a poupança ao consumo. Permitiu que uma bolha econômica
crescesse ao longo dos anos 80, deixou-a estourar na década seguinte, lidou
tão mal quanto possível com a posterior crise bancária e carece, desde então,
de liderança política para reencontrar o vigor econômico que um dia provocou
no mundo o mesmo espanto hoje causado pela ascensão da China.
Nada disso obscurece o fato de que o povo japonês é coletivista por
natureza e tem o desenvolvimento da população como valor maior. Soma-se a
isso o fato de que, nas últimas décadas, o Japão aperfeiçoou tanto sua
engenharia socioeconômica que aquilo que os economistas chamam de
produtividade marginal do capital já não consegue produzir riqueza.
“Aperfeiçoar as pessoas, então, é o caminho”, afirma o economista José
Guimarães Monforte, um ex-executivo do Citibank e da Merrill Lynch, hoje no
ramo da gestão de recursos.
 
 
O CRESCIMENTO NÃO TRAZ FELICIDADE
 
A ideia “desenvolvimentista” de que o crescimento deve ser o objetivo maior
dos governos nacionais e, como consequência, das políticas econômicas
precisa ser repensada.
Uma família americana média consumia, nos anos 90, o dobro do número de
carros, 21 vezes mais plástico e viajava uma distância 25 vezes maior de
avião do que sua equivalente na década de 50. “Mas enquanto o PIB norte-
americano triplicou dos anos 1970 até a eclosão da crise financeiro-
imobiliária de 2008, não houve qualquer aumento na sensação de bem-estar
subjetivo”, afirma Susan Andrews em A ciência de ser feliz3. Ela cita Daniel
Kahnemann, o papa da psicologia econômica: “O padrão de vida aumentou
drasticamente nos últimos 50 anos, mas a felicidade não cresceu e, em alguns
casos, teve uma queda. Existem muitas provas de que ser mais ricos não nos
tornará mais felizes.” Nem como indivíduos nem como povo.
Os limites da economia como instrumento para injetar nos indivíduos o
senso de propósito que é parte indispensável da felicidade foram apontados,
em 1930, por John Maynard Keynes, o economista mais influente do século 20.
No ensaio Possibilidades Econômicas Para os Nossos Netos, ele fala em
colocar o problema econômico em segundo plano e abrir espaço para outras
questões, outros valores. Dado o ritmo do progresso humano, Keynes
imaginava que, no início do século 21, estaríamos trabalhando apenas de 15 a
21 horas por semana.
Antes dele, o filósofo inglês John Stuart Mill já defendia um “estágio
estacionário” para a economia4. Muito à frente de seu tempo, Mill falava em
recuperar o modo de produção como espaço de realização humana nos idos de
1848. Ele entendia que a Inglaterra já havia acumulado capital suficiente para
não precisar sacrificar a criatividade, o prazer de viver, a felicidade de seu
povo em nome do crescimento econômico.
Mais de 160 anos depois, na noite em que me recebeu para uma conversa
sobre felicidade no trabalho, o economista Eduardo Giannetti disse acreditar
que nossa relação com a economia deveria ser como a que temos com a saúde.
Quando nãotem saúde, você não se preocupa com outra coisa. Mas quando
tem, basta cuidar de mantê-la e ocupar-se de outros assuntos. Já no caso da
economia, mesmo depois de conquistarmos a estabilidade financeira,
tendemos a seguir preocupados em ganhar mais e mais dinheiro. “É como se,
ao se tornar saudável, você ficasse obcecado pela saúde”, diz Giannetti.
A economia convencional talvez nunca tenha perdido tanta credibilidade
como depois da crise de 2007 e 2008 — a qual os economistas foram
incapazes de prever e evitar.
“Dou de barato que hoje devemos ensinar aos alunos como nos metemos
nessa bagunça dos últimos cinco anos e como saímos parcialmente dela. Por
essa razão, ensinar economia básica só ficou mais difícil”, afirmou o
economista Alan Blinder, professor de economia da Universidade Princeton.
“Para entender as origens da crise, é necessário trazer para o currículo vários
tópicos que antes podiam ser omitidos (...) Nossos ensinamentos sobre
política monetária devem ser completamente remodelados.5”
Nassim Nicholas Taleb, o autor do best-seller A lógica do cisne negro, vai
além: “Após os eventos que começaram em 2007 e as reações subsequentes
dos economistas, qualquer um que leve o establishment econômico a sério
precisa passar um tempo no sanatório”.
A bronca mais consistente parte de gente engajada em torno da bandeira
socioambiental. “Os economistas não querem aceitar que existem limites
insuperáveis para o aumento da produção e do consumo. Ciência da escassez
na origem, a economia herdou a confiança do Iluminismo no progresso infinito
do homem. Só que agora é a própria ciência a declarar que os mercados não
podem continuar a viver em expansão contínua”, escreveu o ex-ministro
Rubens Ricupero6. Por “própria ciência” entenda, por exemplo, o Relatório
Stern sobre o impacto das mudanças climáticas na economia, que afirma: “O
aquecimento global representa o maior exemplo de falência do mercado em
toda a história”.
Ricupero observa que não é só no âmbito do clima que o “produtivismo dos
mercados nos aproxima da violação de outros limiares biofísicos”. Diz ele:
“A relativa estabilidade de que desfrutou a Terra nos últimos dez mil anos é
hoje ameaçada pela intensificação das atividades econômicas nos mais
diversos setores: atmosfera, oceanos, solos, água”. As evidências são bem
conhecidas: o desaparecimento da cobertura de gelo do Ártico durante o
verão, o derretimento de incontáveis geleiras, a já perceptível elevação do
nível dos oceanos. Ricupero não espera comedimento voluntário dos agentes
econômicos e conclui que caberá aos governos “estabelecer como se poderá
assegurar crescimento e bem-estar suficientes de modo a não colocar em risco
os limites intransponíveis do planeta”.
 
 
SEJAMOS MENOS PRODUTIVOS
 
Com este título provocativo, o New York Times publicou em maio de 2012 um
artigo opinativo em que Tim Jackson, um economista britânico que leciona
desenvolvimento sustentável na Universidade de Surrey, questiona se a busca
da produtividade no trabalho atingiu seus limites naturais7. Para Jackson, uma
produtividade sempre crescente exige economias em perpétua expansão. Do
contrário, não há emprego para todos. Claro, se é possível produzir mais a
cada ano em cada hora de trabalho, das duas uma: ou a produção aumenta ou
há menos trabalho para distribuir.
O que fazer, então, quando a demanda cai e não é viável aumentar a
produção? Uma solução seria aceitar os ganhos de produtividade, encurtar a
semana de trabalho e dividir o trabalho disponível. É esta a proposta da New
Economics Foundation: uma semana útil de 21 horas, tal como a imaginada
por Keynes. “Uma semana ‘normal’ de trabalho com 21 horas poderia ajudar a
enfrentar uma gama de problemas urgentes e interligados: excesso de trabalho,
desemprego, excesso de consumo, altas emissões de carbono, baixo bem-estar,
desigualdades arraigadas e falta de tempo para viver sustentavelmente, para
cuidar uns dos outros e simplesmente para aproveitar a vida”, afirma o
manifesto da NEF8.
Ainda que esteja bem distante do senso comum, a visão da fundação parte de
pressupostos hoje pouco controversos, os quais estão entre as teses centrais
deste livro. Como a ideia de que estamos consumindo bem além de nossas
condições econômicas e dos limites do meio ambiente, mas ainda assim (ou
por isso mesmo) não conseguimos aumentar nosso bem-estar — e, enquanto
isso, outros sofrem com a pobreza e a fome. “Uma semana de trabalho mais
curta mudaria o andamento de nossas vidas, remodelaria hábitos e convenções
e alteraria profundamente as culturas dominantes da sociedade ocidental”,
afirma o manifesto da NEF. Os argumentos em favor de uma semana de 21
horas caem em uma de três categorias, assim definidas pela fundação:
 
1. SALVAGUARDAR OS RECURSOS NATURAIS. Uma semana de trabalho curta
ajudaria a romper o hábito de viver para trabalhar, trabalhar para ganhar e
ganhar para consumir.
 
2. JUSTIÇA SOCIAL E BEM-ESTAR PARA TODOS. Uma semana útil de 21 horas pode
ajudar a distribuir o trabalho pago pela população de modo mais uniforme,
reduzindo o mal-estar associado a desemprego, longas jornadas e pouco
controle sobre o tempo.
 
3. UMA ECONOMIA ROBUSTA E PRÓSPERA. Jornadas de trabalho mais curtas podem
ajudar a adaptar a economia às necessidades da sociedade e do ambiente, em
vez de subjugar a sociedade e o ambiente às necessidades da economia.
 
O trabalho está só começando, mas a meta da NEF é desenvolver um novo
modelo econômico que possa ajudar a projetar uma economia em “estágio
estacionário” e resolver os problemas da transição para a semana de 21 horas.
Alguns dos desafios propostos são:
REINVENTAR AS RELAÇÕES TRABALHISTAS. Reduzir as jornadas gradualmente, ao
longo de alguns anos, ao mesmo tempo em que os salários são aumentados.
Mudar o modo como o trabalho é administrado, para desencorajar horas
extras. Oferecer treinamento para suprir carências de qualificação e ajudar
profissionais desempregados há tempos a retornar à força de trabalho.
Gerenciar os custos trabalhistas para premiar, em vez de punir, a contratação
de pessoal extra. Introduzir regulamentações para padronizar as jornadas que
também promovam arranjos flexíveis que atendam aos empregados, tais como
licenças prolongadas e sabáticos.
 
GARANTIR UM SUSTENTO JUSTO. A NEF defende uma redistribuição da renda e
da riqueza através de uma taxação mais progressiva, além de um salário-
mínimo aumentado.
 
MELHORAR AS RELAÇÕES ENTRE OS GÊNEROS. A fundação defende condições
flexíveis de emprego que encorajem uma distribuição mais igualitária do
trabalho não remunerado entre homens e mulheres, oferta universal de creches
de qualidade, medidas mais fortes para garantir pagamentos e oportunidades
iguais para ambos os sexos e mais empregos para os homens em ocupações
consideradas femininas, como enfermagem e ensino em escolas primárias.
 
MUDAR NORMAS E EXPECTATIVAS. “Existem muitos exemplos de normas sociais
aparentemente imutáveis que mudaram depressa — por exemplo, as atitudes
em relação ao tráfico de escravos e ao voto feminino, o uso de cinto de
segurança e capacetes e não fumar em lugares públicos”, afirma o manifesto
da NEF. O mesmo pode se dar em relação à semana de 21 horas, hoje
considerada absurda.
 
Pode ser que a NEF tenha razão nesse último ponto, e o que hoje parece
conversa mole de ativistas socioambientais torne-se, no mínimo, uma
alternativa de desenvolvimento levada a sério. Por ora, existe uma outra
estratégia, menos radical, para manter as pessoas no trabalho quando a
demanda entra em fase de estagnação. Trata-se apenas de abrir mão, ainda que
por um tempo, da busca incansável por mais produtividade.
Ela tem sido nociva, em especial, quando aplicada em áreas que dependem
de tempo e atenção humanos: medicina, trabalhos sociais e educação, por
exemplo. Mais tempo gasto por tarefa, nessas atividades, pode proporcionar
resultados positivos. Que sentido, afinal, tem a atual pressão sobre nossos
médicos para que atendam mais pacientes por hora? Além, é claro, de
engordaras margens de lucro das operadoras de planos de saúde.
A tendência de simplificar ou eliminar as tarefas “artesanais” de
enfermeiros, médicos, assistentes sociais ou professores, em troca de mais
eficiência, é doentia do ponto de vista social. Ela “sublinha a loucura no
coração de uma economia de consumo obcecada por crescimento e uso
intensivo de recursos”, nas palavras de Tim Jackson — autor de um clássico
instantâneo sobre o assunto chamado Prosperity without growth: Economics
for a finite planet (“Prosperidade sem crescimento: economia para um planeta
finito”).
 
 
VONTADE DE CRESCER X SENSO DE COMUNIDADE
 
Talvez o ponto a considerar aqui seja o conceito de comunidade, que, com o
crescimento, tende a se perder. Comunidade daquela bem antiga. Um povoado
em que todos se ajudam mutuamente. Oscar Motomura, o fundador da escola
de negócios Amana-Key, faz uma analogia com uma empresa pequena.
“Enquanto tem até 100, 150 pessoas, ela é uma comunidade. Então, a
qualidade de vida dentro dessa organização deixa todo mundo feliz”, diz ele.
“À medida que a companhia cresce, tudo fica mais impessoal.” É como a
diferença entre cidades pequenas, onde todos se conhecem, e metrópoles, onde
às vezes você não fala nem com seu vizinho. A ajuda mútua está presente nas
comunidades, mas não nas grandes cidades.
 
A pergunta-chave embutida nessa analogia é se, mesmo com o crescimento,
é possível manter o senso de comunidade. Alguns designs organizacionais
ajudam a conciliar esses objetivos, em princípio opostos. Outros dificultam.
“Tudo que é hierárquico, mecânico, baseado em comando e controle exacerba
a distorção [dos valores comunitários]”, afirma Motomura. Parte do que as
grandes companhias estão tentando fazer é criar dentro delas ambientes
parecidos com os das empresas pequenas, imitando as startups onde se vive
mais da excitação de estar fazendo alguma coisa nova do que de dinheiro,
promoções e poder.
Também estas organizações, que hoje são imitadas, correm um risco: crescer
demais e acabar perdendo o frescor que propiciou esse crescimento. Quase
todas elas, quando têm sucesso, passam pelo mesmo processo de
desumanização enfrentado pelas empresas tradicionais. Só que num período
mais curto, por serem organizações de rápido crescimento.
Em toda parte, e em qualquer setor, as pequenas empresas começam suas
trajetórias exalando uma vitalidade toda especial. A partir de certo ponto em
sua curva de crescimento, entram em cena as receitas convencionais da
administração, e elas começam a imitar as grandes empresas. Fazem desenhos
baseados em departamentos, fragmentam-se e contratam consultores — que
trazem mais receitas de empresas grandes, realimentando esse ciclo. É assim
que se perde a força empreendedora, aquela bagunça organizada, aquele caos
criativo. É assim que o funcionário de primeira hora acaba infeliz, porque não
consegue mais criar.
Supondo que esse diagnóstico esteja correto, qual a saída para o impasse?
“É a ousadia de pensar numa comunidade maior”, diz Motomura. Pensar em
termos de colaboração, quando hoje somos obcecados por concorrência.
“Nossa civilização é toda centrada no individualismo, na competição
exacerbada. Os países medem suas riquezas pelo PIB”, afirma Luiz Seabra, o
fundador da Natura. “Como produtos dessa civilização, estamos voltados para
o individualismo e para a competição entre empresas e entre pessoas, que,
com frequência, introduz componentes de desconfiança e agendas ocultas que
nos distanciam da possibilidade de ser feliz no trabalho.”
Idealmente, a sociedade deveria considerar um processo de redução do
tamanho das empresas. Como isso não acontecerá, o desafio é entender melhor
como funcionam essas organizações gigantes e descobrir um modo de restaurar
nelas um senso de comunidade.
As corporações continuam crescendo. Por qualquer medida que se analise,
estão ficando maiores, consolidando mais setores e, em alguns casos,
tornando-se monopolistas.
Algumas dessas empresas entram em um ciclo de declínio, cujo início é
quase sempre imperceptível. O fenômeno tem a ver com um excesso de
ambição expansionista, que leva à perda dos próprios valores que fizeram a
organização crescer. O processo envolve abertura de capital, pressão dos
acionistas e mudança do foco da inovação para a obtenção de resultados de
curto prazo. Até que atingir um número combinado com analistas torna-se mais
importante que criar. “Esse crescimento é uma armadilha que as empresas não
percebem”, diz Motomura.
Como, então, evitá-la? “Você tem que, ancorado na sua percepção do que é
essencial para a organização, fazer um design diferente”, responde ele.
Um grande número de companhias, talvez a maioria, não tem clareza sobre
isso. Muitas vezes, a organização já teve uma essência que, com o passar dos
anos, se perdeu.
É por isso que a Johnson & Johnson, por exemplo, tem um credo escrito e
disseminado para todos os seus funcionários, no mundo todo. É um lembrete
de por que a empresa existe. Em outro exemplo bem conhecido, quem
escreveu o propósito da GE — ser a líder em fazer a ciência trabalhar para a
humanidade — não foi Jack Welch nem nenhum outro alto executivo. Foi o
chefe do laboratório da General Electric no início do século passado. Era um
físico alemão. Um pesquisador. A mensagem deixada por ele é que a GE existe
para pesquisar os avanços da ciência e transformá-los em produtos úteis para
a sociedade. Todo o restante das atividades é mero suporte. Ou mera
consequência.
O ponto de partida para qualquer mudança de paradigma econômico é
reconhecer que o crescimento não é um fim. É um meio para a realização e
para o bem-estar humano. “Sabemos hoje que o progresso econômico não
redunda em níveis crescentes de felicidade e sabemos que o progresso
econômico ameaça o equilíbrio ecológico do planeta”, disse Giannetti em uma
entrevista à revista Página 229, da Fundação Getúlio Vargas. “A pergunta que
nós precisamos nos fazer é: consumo, renda, progresso econômico
indefinidamente dão sentido ao esforço coletivo da humanidade?”
A obsessão pelo crescimento fazia sentido quando a sociedade via as
organizações como máquinas. Tornou-se questionável à medida que passamos
a vê-las como organismos vivos — porque organismos vivos não crescem
para sempre. Giannetti acredita que uma mudança no paradigma de
desenvolvimento é inevitável. “Ou será uma mudança por modo de vida,
valores, por antecipação”, diz ele, “ou será uma mudança imposta de fora e
com o sacrifício de muitas liberdades com as quais estamos familiarizados”.
 
14. O homem cordial tipo exportação
“As atuais ‘escolas de samba’ (...) apresentam nos seus
conjuntos de percussão — as chamadas ‘baterias’ — 
a mais impressionante manifestação de originalidade
e competência de toda a arte popular brasileira.”
CAETANO VELOSO
 
 
 
O mês de agosto de 2011 já ia pela metade, e Fábio Barbosa vivia seus
últimos dias na presidência do conselho de administração do Santander Brasil
quando recebeu na sede do banco, em São Paulo, um executivo europeu que
vive no país com a família. O sujeito lhe contou que, em sua primeira visita à
Europa depois de algum tempo morando por aqui, sua mulher foi questionada
sobre o que estava achando de viver no Brasil. A resposta dela foi inusitada:
“É impressionante, as pessoas sorriem”. Por coincidência, na mesma época,
outro amigo de Fábio, um brasileiro cuja filha está estudando fora do país, foi
visitar a garota e perguntou o que estava achando da vida no exterior. “Ela
estava impressionada”, contou ele. “As pessoas não sorriem.” Os dois
comentários, triviais e quase simultâneos, reforçaram em Fábio a impressão
de que existe algo que faz com que as pessoas no Brasil sejam mais leves.
“Não tenho a menor ideia de por que é assim, mas sempre balizei minha vida
por isso”, ele me disse.
Fábio termina todas as suas apresentações dizendo “Have fun!” (divirta-se).
Ele defende que é preciso ter prazer no trabalho e repudia a ideia, cultivada
como sabedoria popular, de que para ser bom executivo é preciso ser — ou ao
menos parecer— mal-humorado. Seu próprio estilo, ostensivamente
brincalhão, parece se contrapor ao estereótipo do que se espera de um
administrador de empresas sério e graduado. “O que eu quis trazer para o
mundo dos negócios é a ideia de que você pode ter sucesso sendo uma pessoa
feliz, leve, de bem com a vida. Não precisa ser sisudo”, afirma ele.
Tempos atrás, Fábio convidou o filósofo Clóvis de Barros para ir ao banco
falar sobre felicidade. Queria discutir, por exemplo, se as pessoas são felizes
ou estão felizes. Se são de bem com a vida ou estão de bem com a vida.
Seu interesse no assunto era bem prático. “Numa organização de serviços,
como é o Santander, se as pessoas estiverem de bem com a vida, felizes, elas
tenderão a trabalhar melhor e transpirarão isso no atendimento do cliente. Isso
deixará o cliente satisfeito e, portanto, renderá resultados duradouros”, afirma
Fábio. “Só que não consigo obrigar as pessoas a ficarem felizes. Algumas
cadeias de serviços até pedem aos funcionários que deem um sorriso
‘americano’ [forçado] para os clientes, mas esse é um sorriso de quem não
está de bem com a vida de verdade.” No Brasil, não faz sentido exigir que as
pessoas trabalhem sorrindo de modo protocolar. Existem maneiras de cultivar
um clima alegre no qual as pessoas se sintam bem de verdade, de modo a tirar
proveito da leveza nacional.
Na última pesquisa de clima feita no Real antes da integração com o
Santander — que provocou muitas demissões e derrubou o moral do time —,
97% dos funcionários declararam ter orgulho de trabalhar no banco, um
porcentual único, mesmo entre as dez melhores empresas para trabalhar no
Brasil. Foi uma coroação da trajetória iniciada em 1998, quando Fábio
Barbosa assumiu a presidência do Real e deu os primeiros passos de uma
revolução cultural que demoraria sete anos para se completar. Uma revolução
inspirada pela leveza.
Vamos, então, partir do pressuposto de que existe alguma coisa no Brasil,
assim como em alguns outros países, que faz com que sejamos mais leves, do
ponto de vista comportamental, que outros povos. Será possível criar práticas
de gestão e ambientes de trabalho particulares, de modo a valorizar esse nosso
traço cultural?
A tese de Fábio é de que a inovação só acontece se você conta com pessoas
de bem com a vida, trabalhando com leveza. Então, sua resposta é positiva. “É
possível ter modelos de gestão nos quais o entusiasmo das pessoas seja maior
e, assim, elas possam produzir mais em função dessa leveza, possam ser mais
criativas e flexíveis. Essa maneira leve de trabalhar pode ser positiva, e o
Brasil faz isso bem feito, diga-se de passagem”, afirma ele.
Seria perfeito se esse jeito leve às vezes não descambasse para uma
tolerância com valores inaceitáveis. Ser flexível, amistoso, atencioso não
exime ninguém de preocupações éticas. “Acho que o modelo de negócios no
Brasil precisaria reforçar essa questão dos valores, da seriedade, da
transparência, da disciplina, do respeito em tudo o que se faz”, diz Fábio.
 
 
VENCEDORES E PERDEDORES
 
Quase toda a literatura de negócios consumida no Brasil vem dos Estados
Unidos. Importamos, assim, práticas que têm pouco a ver com a nossa
realidade. Por dois motivos:
 
1. Somos mais relacionais que os americanos. Nos Estados Unidos, trabalho
é trabalho; amizade é amizade. Para trabalharmos juntos, não precisamos ser
amigos. Discutimos o que tivermos de discutir, sem maior envolvimento
pessoal. O brasileiro não é assim.
2. A sociedade americana se divide em winners e losers. A cultura
brasileira não é tão aberta a essa divisão, embora esse traço da vida
americana tenha nos contaminado.
 
Fábio Barbosa estudou no IMD, uma escola de negócios que, embora tenha
sede na Suíça, oferece um curso baseado em cases de Harvard. “Era tudo
americano, nada batia com o Brasil”, diz ele. No dia de nossa primeira
entrevista para este livro, Fábio já estava com seus pertences encaixotados
para a mudança da sede do Santander para a da Abril, que passou a presidir
em setembro. Um dos volumes guardados era o livro O erro de Descartes.
driel
Realce
“Essa ideia de que o mundo é cartesiano serve bem aos propósitos de povos
pouco relacionais”, me disse Fábio. “Tenho cá para mim que o mundo não é
cartesiano.” As decisões, pelo menos aqui do lado de baixo do Equador, não
se pretendem tão racionais. As emoções contam bastante.
Talvez por prezar mais os relacionamentos, o brasileiro tem uma capacidade
de trabalhar em grupo que Fábio considera superior à de europeus e
americanos. “Isso vai fazer uma tremenda diferença no futuro”, diz ele. Um
modelo de gestão brasileiro que leve em conta que o mundo será mais
interdependente e que as pessoas se relacionarão mais numa economia em
rede talvez seja uma contribuição para o desenvolvimento organizacional.
“Neste mundo em rede, existe espaço para o típico executivo brasileiro se
diferenciar”, diz Fábio — sempre com a ressalva de que é preciso melhorar
nosso respeito a valores éticos.
Por décadas a fio, repetimos que a vantagem do executivo brasileiro era ter
sobrevivido aos anos de inflação descontrolada e planos econômicos
heterodoxos, dificuldades que, em tese, davam a ele uma maior capacidade de
gerenciar crises. Isso ficou para trás, e os novos executivos nem mesmo
passaram pelo período inflacionário. O que têm eles de especial? Intensidade
emocional e alguma rebeldia. “Somos menos disciplinados no sentido de
receber uma ordem e acatá-la. Queremos entender, participar, estar junto”,
afirma Fábio. Mesmo numa organização com 50 mil pessoas, como o
Santander, é vantajoso contar com gente cheia de ideias. “Você duvida de que
o cara lá na ponta sabe melhor do que eu como é que vamos resolver um
problema numa agência?”, diz ele.
Com o aumento do nível médio de qualificação, a desvalorização da
hierarquia e a criação de redes de trabalho, o mundo corporativo está se
interconectando. Modelos de gestão que deixem as pessoas desconectadas
daquilo que está acontecendo à volta delas, carentes de significado para seu
trabalho, encontrarão seus limites. Relações interpessoais se tornarão mais
importantes. A partir desse cenário, é possível imaginar que o Brasil pode se
posicionar bem e encontrar em sua cultura uma vantagem competitiva.
Fábio trabalhou para um grupo holandês e para um grupo espanhol. Olhando
em retrospecto, diz que o jeito brasileiro de trabalhar e de gerir não chega a
driel
Realce
bater de frente com os estilos europeus que conheceu de perto. É apenas
diferente. Quem vem de fora tem dificuldade de aceitar, por exemplo, as
brincadeiras no ambiente de trabalho e durante reuniões. Tanto holandeses
quanto espanhóis tendem a tomá-las como indício de falta de seriedade. Esse é
um ponto interessante. Talvez o nosso jeito informal, brincalhão, sofra alguma
rejeição. Ele deve parecer inadequado aos olhos de pessoas que às vezes se
sentam lado a lado num escritório e não se cumprimentam, porque foram lá
apenas para trabalhar.
A camaradagem é um traço cultural brasileiro. Estrangeiros tendem a
acreditar que, por causa dela, as pessoas aqui não cobram tanto umas das
outras como deveriam. Então, há choques culturais. Cobrança versus
camaradagem é um deles.
 
 
A AMIZADE COMO VALOR EMPRESARIAL
 
Soa um tanto heterodoxo, mas Luiz Seabra, o fundador da Natura, sustenta que
a amizade é um dos valores que se devem cultivar nas empresas para
promover a felicidade interna. Pelo menos no Brasil. Importa pouco que nos
Estados Unidos e na Europa predomine o “trabalho é trabalho; amizade é
amizade”, e esses dois universos não se misturem. Seabra também entende que
essa separação deriva do Iluminismo. “Todo o progresso no Ocidente foi
centrado na ‘separatividade’ e na especialização. Mas foi um progresso
material, que promove a infelicidade no ambiente de trabalho, porque estamos
centrados no individualismo e na competição exacerbados.” Um efeito
colateral disso é a desconfiança, inimiga da amizade.
Como no caso da leveza defendida por Fábio Barbosa, também a amizade
proposta por Seabra exige uma ressalva.Pregar o companheirismo no
ambiente de trabalho, a vontade de cooperar, não quer dizer tolerar o
corporativismo nem pressupõe uma conivência tácita com o malfeito. A
amizade não prescinde da ética.
A ressalva é importante porque há uma corrente de pensamento para a qual a
amizade seria um obstáculo à meritocracia. Com frequência, estrangeiros
driel
Realce
olham para o ambiente empresarial brasileiro com um ar de superioridade
moral. Está implícita aí uma sugestão de compadrio — não de todo infundada.
Americanos tendem a atribuir à amizade um sentimentalismo nocivo às
relações de trabalho. A amizade geraria conivência com a incompetência
(“fulano é medíocre, cumpre mal suas funções, mas é meu amigo”) e
dificuldade de reconhecer profissionais com desempenhos diferentes. A
crítica, em geral, diz respeito às relações em que o líder é amigo de um ou
mais liderados — e não dos outros. Essas relações tendem a ser menos
meritocráticas do que o convívio mais ao estilo americano, em que ninguém é
amigo de ninguém e compartilhamos um ambiente de trabalho apenas para
produzir resultados. Guerra é guerra, em suma.
Vem daí toda a discussão sobre a solidão do poder. Se para ser justo o líder
não pode ser amigo de ninguém, ele fica, de fato, isolado. Do contrário, se for
mais próximo de uns do que de outros, o chefe, em teoria, não será capaz de
avaliar com distanciamento os desempenhos diferentes, de modo a premiar os
melhores e dispensar os mais fracos.
“Eu acolho a crítica, que frequentemente se justifica. Mas a relativizo
também”, diz Seabra. “O fato de se alicerçar na amizade não quer dizer que
você não saberá reconhecer e recompensar vocações diferenciadas. Não vejo
por que ser amigo de alguém me impeça de perceber as suas qualidades
contributivas, a sua produtividade e compará-las.”
Sua defesa da amizade ética no trabalho tem como ponto de partida a
definição de Sérgio Buarque de Hollanda para um traço fundamental da cultura
brasileira: a cordialidade. “Apesar do Sérgio Buarque ter feito a consideração
de que os brasileiros às vezes vivem mal o conflito, é possível viver a
cordialidade de uma forma mais iluminada”, afirma Seabra. “De onde parte a
crítica [dos defensores da meritocracia como valor empresarial supremo], não
vejo possibilidade de felicidade. Vejo possibilidade de riqueza, mas pensar
felicidade nesses termos é o que vem enlouquecendo o mundo.”
Seabra se refere ao ciclo hipercompetitivo e consumista que levou à crise
financeira internacional. “Olhe para os Estados Unidos e para a Europa e veja
o que a meritocracia fez”, diz ele. “O que deve ser buscado é, com
cordialidade, estabelecer os meios justos, éticos, de promover o
reconhecimento de competências e vocações.”
Um efeito positivo da crise internacional é a liberdade para discutir traços
da cultura anglo-saxônica que se transformaram em dogmas nas últimas
décadas. Como a meritocracia.
“Todo mundo, todos os políticos de esquerda e de direita, concorda que a
meritocracia é uma coisa fantástica. E que nós todos deveríamos estar criando
uma sociedade meritocrática”, afirma o escritor Alain de Botton, um
popularizador da filosofia1. A ideia tem apelo universal. Se tiver talento,
energia e habilidades, você chegará ao topo. Só é preciso ser honesto o
bastante para considerar o outro lado da moeda. Se você acredita em uma
sociedade assim, tem de acreditar também que aqueles que merecem chegar ao
fundo chegarão — e por lá ficarão. “Hoje, sobretudo nos Estados Unidos”,
afirma De Botton, “se você encontra alguém na parte de baixo da sociedade,
esse alguém é descrito como um loser.”
De Botton se diz pró-meritocracia quando se trata de políticas públicas para
premiar os melhores. Já a tentativa de criar uma sociedade meritocrática lhe
parece uma ideia maluca, um sonho impossível. Pelo simples fato de que
qualquer mecanismo para ranquear as pessoas por seu esforço e sua
competência é distorcido pelo acaso: as condições socioeconômicas sob as
quais cada pessoa nasceu e seu estado de saúde, entre muitos exemplos.
O desafio, pelo menos nas organizações, é de síntese. Camaradagem com
valores e com meritocracia. Leveza e eficiência não são características
excludentes. “Acho que é até o contrário. Você é mais eficiente se tiver um
ambiente leve”, afirma Fábio Barbosa. É fundamental que seja assim porque,
se esses conceitos (leveza e eficiência) forem excludentes, a camaradagem
como traço de uma cultura corporativa brasileira será mera excentricidade.
Uma empresa feliz e ineficiente nunca será inspiradora. Mas se, ao contrário,
o “jeito brasileiro” (expurgado da Lei de Gerson) se mostrar capaz de
melhorar as empresas e seus resultados, ele talvez possa se tornar influente e
— por que não? — exportável.
 
 
O ESTILO BRASILEIRO VIAJA BEM?
driel
Realce
 
Cabem aqui algumas questões. A camaradagem é um traço cultural replicável
ou não? Supondo que seja, é razoável imaginar que seja uma célula base, a
partir da qual se construíram (ou construirão) modelos de gestão brasileiros?
E, por fim, modelos nacionais de gestão assim desenvolvidos viajariam bem o
bastante para serem exportados?
Em princípio, a resposta de Fábio é não. “Um modelo de gestão é uma
externalização de como são as pessoas, de como é a cultura de um país”, diz
ele. “O modelo de gestão do Japão é fruto da cultura japonesa. Por isso,
ninguém conseguiu fazer o just in time como eles.”
É verdade, ninguém faz just in time melhor que os japoneses. Só que o
mundo inteiro decidiu copiá-los quando se deu conta de que esse era um dos
segredos da eficiência nipônica. Hoje, empresas dos mais diversos setores e
países funcionam no sistema de manufatura enxuta, inspirado no modelo da
Toyota. Do mesmo modo, é provável que jamais sejamos tão bons em design
industrial quanto os italianos. Só que a escola de Pininfarina tornou-se
influente e copiada no mundo todo devido ao reconhecimento de seus padrões
de excelência.
Mais recentemente, alguns consultores indianos viraram figuras importantes
no universo dos gurus de gestão, que segue dominado pelos Estados Unidos. O
que eles oferecem de novidade? Em geral, experiências com produtos e
serviços projetados e vendidos para uma massa miserável de consumidores,
que as empresas da Índia aprenderam a tratar com dignidade. Ao oferecer um
produto decente para milhões de cidadãos de baixíssimo poder aquisitivo, é
possível gerar escala para um negócio improvável, que acaba dando lucro.
Em paralelo, os industriais chineses tornaram-se influentes quando deixaram
de ser meros produtores de bugigangas baratas e começaram a repensar a
manufatura.
É nesse cenário que vale discutir o que nós brasileiros temos a oferecer
para o mundo.
O que se vê, por enquanto, são benefícios extraídos de traços culturais
característicos. Por exemplo, no desenvolvimento de software. Os
programadores brasileiros não são os mais baratos. São, isto sim, criativos
driel
Realce
como poucos. Call centers? Também nesse ramo, nosso diferencial não é
preço baixo. É um nível de engajamento notável, registrado quando se oferece
aos atendentes um ambiente agradável e algum significado para o trabalho.
Como isso pode ser exportado? Seres humanos são seres humanos em
qualquer lugar do mundo, e há algumas verdades universais. “Todos gostamos
de ser acolhidos, valorizados, reconhecidos”, diz Fábio. “Trabalhar essas
aspirações relacionais como trabalhamos no Brasil, de uma forma mais
intuitiva que científica, é uma pista para começar.”
 
 
AINDA NÃO ESTAMOS NOS DIVERTINDO
 
Quando enxergamos o potencial de certos traços culturais brasileiros para o
mundo dos negócios, a questão que se impõe é outra. Podemos dizer que
nossas empresas se apropriaram dessa brasilidade e criaram ambientes
alegres, leves e relacionais?
“Não, as pessoas ainda não estão se divertindo no trabalho. Pelo menos não
nessas estruturas gigantescas que vemos por aí”, diz Wellington Nogueira,
líder da ONG Doutores da Alegria e palestrante dos mais requisitados por
companhias em processo de transformação. “Em qualquerlugar onde você
tenha estruturas e relações de poder, muita gente, muita regra, é natural que a
simplicidade vá embora. A gente não confia mais nela.”
O que há, como veremos na parte final deste livro, são esforços ainda
isolados para injetar felicidade à brasileira em certos modelos de negócio.
Pela cartilha da Serasa, por exemplo, o profissional tem de cultivar o bom
humor como traço da cultura organizacional. “A gente quer ganhar dinheiro e
cobra resultado, mas sem perder a ternura jamais”, diz Milton Pereira, o
diretor de desenvolvimento humano da companhia.
Enéas Pestana, presidente do Grupo Pão de Açúcar, concorda com a ideia
de que o Brasil pode dar uma contribuição importante para o mundo dos
negócios, desde que “não deixando de ser processual, não deixando de ser
meritocrático, não perdendo o foco no resultado e no retorno para o
acionista”. Ele se refere a um modo particular de gerir empresas que começa a
driel
Realce
driel
Realce
se consolidar no país, e não só à natureza do brasileiro. “Trabalhei em
empresas com ambiente duro, difícil, tenso. Esse jeito leve de fazer, eu só fui
aprender aqui”, diz ele.
O brasileiro é festeiro, emotivo. É difícil para nós separar a emoção da
racionalidade. Sempre fomos assim. Só que, no trabalho, essas características
não eram aceitas. O emocional tinha de ficar da porta para fora. Hoje não. É o
contrário. Pelo menos nas boas companhias.
 
 
UMA ANTROPÓLOGA NO SAMBA
 
Uma organização espontânea 100% brasileira, ao mesmo tempo estruturada e
capaz de produzir alegria, é a escola de samba. Renato Bernhoeft, fundador da
consultoria höft, se deu conta disso lendo os resultados de uma pesquisa da
antropóloga Maria Júlia Goldwasser, apresentados no livro O palácio do
samba — Estudo antropológico da escola de samba Estação Primeira de
Mangueira. Diz Maria Júlia que “a Mangueira se configura como uma solução
entre o princípio de estrutura, dado em sua ordenação institucional, e o
princípio da antiestrutura, dado em seu caráter carnavalesco”. Segundo ela, “a
Escola, em si, é uma totalização dessas duas tendências: O Desfile de
Carnaval, como sistema de ação ritual, e a organização formal da Escola,
como sistema de ação técnico-racional”.
O estatuto da Mangueira é de uma rigidez a toda prova. A desobediência
pode levar — e às vezes leva mesmo — à expulsão. Mesmo assim, esse é um
modelo de organização que, como se pode comprovar ano após ano, leva
multidões à alegria.
Muitas festas populares são assim. Como o Festival de Parintins, com
organização e estrutura invejáveis. Ou as festas de São João nordestinas. Mas
a escola de samba, pelo caráter competitivo dos desfiles, com regras rígidas
em relação a tempo na avenida e harmonia entre as alas, é a maior
manifestação de engenhosidade popular a serviço da organização.
Se o desafio é criar estruturas coletivas eficientes nas quais o indivíduo se
sente feliz, as escolas de samba têm algo a ensinar. Se fazem as pessoas
aderirem à disciplina e se divertirem ao mesmo tempo, elas estão na frente da
maioria das empresas preocupadas com engajamento. “Enquanto continuamos
fazendo experiências com modelos e gurus de outras realidades culturais,
temos, aqui mesmo, uma das estruturas mais fantásticas de satisfação do
cliente, equipe integrada e altíssimos índices de motivação individual”,
observa Bernhoeft2.
Também para o consultor Ricardo Guimarães, da Thymus, existe nas
manifestações cotidianas da cultura nacional algo que pode ser útil no
trabalho. “É a nossa expressividade, nossa afetividade, nossa arte de dança,
música, cozinha e moda”, afirma ele. “Tudo que é para fora, que é expressão e
que ajuda a se relacionar melhor com as pessoas e com a vida, a fazer melhor
as coisas, a prestar melhores serviços. Feitos dessa maneira, eles satisfazem
melhor as pessoas — tanto os que produzem como os que usam ou usufruem do
produto ou serviço.”
 
 
DESCONFIANÇAS RECÍPROCAS
 
Renato Bernhoeft viveu uma experiência de choque cultural na década de 90.
A Mercedes-Benz do Brasil estava, então, preocupada com um problema de
incompatibilidade de estilos. Os alemães que vinham para cá olhavam os
brasileiros de modo crítico. Em português claro, nos viam como vagabundos
indisciplinados. Os brasileiros, por sua vez, detestavam a rigidez germânica.
Os líderes da montadora pediram, então, à höft que montasse um seminário —
uma semana em Águas de Lindóia, no interior de São Paulo — para fazer uma
integração e tentar romper essa rixa preconceituosa.
Bernhoeft diz que quem mais aprendeu com essa experiência foi ele. Seu pai
era alemão e lhe deixou como herança muito da tal rigidez. Mas ele nasceu no
Brasil, filho de mãe brasileira, e casou-se com uma peruana. Está longe de ser
um típico alemão. “Cheguei à conclusão de que podia me beneficiar da
contradição dentro de mim”, diz.
Esse tipo de tensão entre executivos estrangeiros e brasileiros continua
existindo, mas o choque parece acontecer em voltagens mais baixas. Hoje há
mais intercâmbio, e o Brasil está mais globalizado. Mesmo assim, os traços
culturais que nos definem no trabalho ainda estão impregnados — assim como
os dos estrangeiros que desembarcam no país para trabalhar. Como previa o
futurista Alvin Toffler, “a globalização vai acirrar os tribalismos”.
 
 
 
15. Do paternalismo da
empresa de dono à
meritocracia à brasileira
“Quem segura o porta-estandarte tem a arte, tem a arte/
e aqui passa com raça eletrônico o maracatu atômico.”
JORGE MAUTNER
 
 
 
Se é verdade que o bom momento da economia brasileira e a maior inserção
do país na economia global estão aumentando nossa autoestima e, para ficar na
metáfora de Toffler, reforçando nossa identidade tribal, também é preciso
reconhecer que a globalização está mudando nossa cultura empresarial — em
parte para melhor, em parte para pior.
Ex-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, hoje conselheiro
da Klabin e de outras companhias, o empresário Horacio Lafer Piva observa
que, historicamente, no Brasil, as empresas sempre tenderam ao paternalismo.
A regra do jogo, salvo exceções, era trocar proteção por lealdade e preservar
o status quo. Com a abertura da economia, trocou-se esse pacto
patrimonialista pelo que Piva chama de monetarismo sem rosto.
As empresas dos grandes empreendedores do começo do século 20 se
desenvolveram em um ambiente de economia fechada. Não eram conhecidas,
na maioria dos casos, por uma competitividade de padrão internacional. O que
tinham a oferecer era uma cultura familiar que, de um modo peculiar, fazia as
pessoas felizes. Numa época em que o que se buscava era estabilidade, em
que a economia brasileira vivia às voltas com altos e baixos, segurança no
emprego para cuidar da família era o sonho de todo sujeito considerado
sensato.
Relações marcadas por lealdade, uma dose generosa de paternalismo e a
troca tácita de estabilidade por obediência foram a tônica da “gestão de
pessoas” ao longo de décadas. Funcionários dedicados faziam suas carreiras
numa só companhia, do estágio à aposentadoria — e, com um pouco de sorte,
conseguiam ali mesmo emprego para um filho ou dois.
A felicidade de gerações de profissionais consistia em ter um vínculo com a
mesma empresa pela vida toda. Era uma relação de lealdade, ainda que, não
raro, subserviente e pobre de sentido. “Se ficou carimbando papéis por 20
anos, paciência”, diz Vicky Bloch, uma psicóloga organizacional que se tornou
uma das mais requisitadas especialistas em coaching do país. “O trabalhador
se orgulhava de voltar para casa e dizer aos filhos que tinha um emprego
estável. Tinha orgulho de levar uma cesta de Natal para casa no fim do ano.”
Não por acaso, as pessoas passavam 25, 30 anos no mesmo emprego. “À sua
maneira, essas gerações eram felizes”, diz Vicky. “Até que veio a década de
90 e as suas reengenharias.”
A conjunção de rupturas na última década do século passado é
impressionante. Dos Estados Unidos, veio a tendência de eliminação do
escalão intermediário de gestores. No contexto brasileiro, os anos 90
começaram sob osigno da abertura da economia à competição estrangeira,
iniciada no governo Collor e aprofundada sob Fernando Henrique Cardoso. O
controle da inflação e a estabilização da economia decretaram o fim do ganho
financeiro das companhias e abriram de vez o caminho para a chegada das
multinacionais.
Tudo isso contribuiu para o esgarçamento das relações de confiança entre
empresas e empregados. A relação paternalista que havia nas empresas
nacionais tornou-se obsoleta em não mais que cinco ou seis anos. Muitas não
aguentaram a competição dentro e fora do Brasil e acabaram adquiridas por
grupos estrangeiros ou fecharam as portas. As que sobreviveram tiveram de se
reinventar — e, nessa reinvenção, a moeda de troca passou a ser outra. Em vez
de obediência por estabilidade, eficiência por dinheiro.
Eficiência medida em avaliações de desempenho, remuneração atrelada ao
cumprimento de metas. Demissão para quem não entrega. Bônus para quem se
supera. Essa mudança nas regras do jogo gerou a incerteza que estamos
vivendo até hoje. “A década de 90 destruiu a nossa relação com o trabalho”,
afirma Vicky. “Desde então, estamos buscando um novo significado para o que
fazemos todo dia.” Para ela, toda a atual discussão sobre o tal apagão de
talentos está equivocada. “O que falta é brilho no olho”, diz. “Mas como é que
você vai ter brilho no olho se não admira o chefe e é massacrado por
objetivos de curto prazo?”
Como diz o guru americano de gestão de pessoas David Ulrich, “a
organização não existe, o que existe é o chefe”. Assim como nas famílias,
também nas empresas as relações tornaram-se mais complexas nas últimas
décadas. Até os anos 90, elas eram mais autoritárias. Desde então, o que
mantém as pessoas no emprego é, antes de tudo, a relação líder-liderado. “Por
isso é que tem tanto coaching”, afirma Vicky, uma beneficiária dessa
tendência. “Em 80% dos caos, a empresa é que indica o executivo que vem me
procurar. Em geral, é um cara que entrega resultado para caramba, mas tem um
problema: não se relaciona bem com os outros.”
 
 
A ERA DA LEALDADE DE RESULTADOS
 
No velho modelo paternalista, havia nas empresas, com frequência, uma
relação de conivência entre baixo desempenho de um lado e baixa
remuneração de outro. No modelo pós-anos 90, em tese, não há tolerância com
a falta de resultados nem disposição para trabalhar por pouco. O resultado é a
crescente rotatividade da força de trabalho. “Minha geração trocou de
emprego a cada cinco ou seis anos”, afirma Cassio Casseb, um economista de
55 anos que já presidiu o Banco do Brasil. “A geração que hoje tem entre 30 e
40 anos troca de emprego a cada três ou quatro anos. E essa molecada de 20
anos quer mudar a cada dois.”
As organizações não gostam disso. Perder gente que foi aculturada e
treinada é jogar dinheiro fora. Mesmo assim, poucas têm conseguido evitar
uma rotatividade elevada. “Hoje, empresa nenhuma pode garantir segurança
para colaborador nenhum. Nem a Petrobras”, afirma Marcelo Cardoso, vice-
presidente de desenvolvimento organizacional da Natura. Na medida em que o
velho regime foi pulverizado, o que entrou em seu lugar? Uma relação
trabalhista instrumental, na qual a lógica é apenas financeira. “A organização
entra com a grana, e a pessoa entra com a energia”, diz Cardoso. Esse arranjo,
como não poderia deixar de ser, cria baixíssimo vínculo entre as duas partes.
O ambiente organizacional hoje é hostil. Tudo, às vezes, parece se resumir a
atender as expectativas de analistas de mercado trimestre após trimestre.
“Essa cultura destruiu marcas nos Estados Unidos. Ela é movida a ganância”,
afirma Vicky. “Estamos destruindo pouco a pouco as instituições de
sustentação da sociedade, a começar pela saúde e a educação, cada vez mais
subordinadas à lógica dos resultados de curto prazo.” Se liderança é um ato de
cidadania, neste ambiente há limites evidentes a seu exercício pleno.
Para a geração que não viveu sob o modelo anterior, paternalista, deixar que
alguém cuide da sua carreira não é uma alternativa. O contrato psicológico
entre empresa e empregado, portanto, deve ser baseado em uma relação mais
adulta. Você, chefe, me dá orientações e me informa sobre como estou me
saindo, para que eu possa decidir, de tempos em tempos, se fico ou se saio.
Quanto mais ensina, orienta e mantém uma atitude transparente com seus
liderados, mais influente o líder se torna. “Esta é a nova relação simbólica.
Quanto mais transparência, mais comprometimento”, afirma Vicky.
Uma relação simétrica entre, como se costumava dizer, capital e trabalho
seria uma inovação e tanto. No modelo tradicional, uma organização gigante
contrapõe-se a um indivíduo minúsculo. Logo, a premissa é de infantilidade.
Ao firmar o contrato psicológico com a companhia, o indivíduo projeta nela
necessidades suas não atendidas. Por exemplo, questões mal resolvidas da sua
infância, relativas a aceitação e reconhecimento. Numa suposta relação
madura entre trabalhador e empresa, a moldura é diferente, porque se trata de
uma escolha consciente do indivíduo e da organização. Ela começa com o
indivíduo tendo clareza do seu propósito, dos seus valores e da identidade da
organização.
A primeira condição é haver bastante ressonância na conversa entre as duas
partes. “Se me convidassem para trabalhar numa empresa de armamentos, eu
não iria nem a pau”, diz Marcelo Cardoso. “Cigarro? Também nem a pau,
porque não consigo imaginar um propósito superior num negócio desse tipo.”
As empresas de cigarro têm excepcionais programas de formação de
lideranças e são elogiadas por isso. Assim mesmo, estão formando gente para,
em última instância, vender um produto que mata. A esta altura, elas sabem
que seus valores são incompatíveis com os de muita gente. A forma como
instrumentalizam a relação com seus profissionais, decerto usando o dinheiro
como moeda, deve ser bastante efetiva. De todo modo, se, em algum momento
do futuro, tiverem de lidar com um mercado de trabalho diferente, movido à
tal ressonância no diálogo entre profissionais e organizações sobre princípios,
sua capacidade de adaptação será posta (uma vez mais) à prova.
 
 
O LADO POSITIVO DO MÉRITO
 
Por mais relevantes que sejam para a nossa discussão sobre felicidade no
trabalho, os efeitos colaterais da ruptura com o antigo modelo paternalista não
devem ofuscar os avanços trazidos pela adoção da meritocracia no ambiente
empresarial brasileiro.
O histórico de 15 anos do prêmio Melhores Empresas Para Trabalhar no
Brasil revela um início dominado por subsidiárias de multinacionais, como a
Fiat (primeiro lugar no ano 2000) e McDonald’s (ganhador em 2001). A fase
seguinte é de ascensão das campeãs nacionais: Magazine Luiza (2003),
Todeschini (2004), Promon (2005) e Serasa (2006). A única companhia
brasileira a vencer duas vezes foi a Chemtech (2007 e 2008). Nos últimos
quatro anos antes da publicação deste livro, as multinacionais voltaram a
brilhar, com a vitória da Caterpillar em 2009 e o tricampeonato do Google, em
2010, 2011 e 2012.
Uma pesquisa feita pela Great Place to Work, a empresa responsável pelos
rankings, revelou que, nessa década e meia, o ambiente de trabalho nas
empresas nacionais melhorou. A média geral de satisfação subiu de 79% para
83%. De longe, a dimensão na qual se registrou avanço mais significativo foi
justamente a da imparcialidade. Em 1997, 69% dos participantes estavam
satisfeitos com esse quesito em suas empresas. Em 2010, já eram 80%. Quinze
anos atrás, quando se perguntava aos trabalhadores se “as promoções são
dadas às pessoas que realmente mais as merecem”, 59% respondiam que sim.
Em 2010, esse número já havia subido para 68%. No mesmo período,
cresceram de 73% para 77% as respostas positivas à pergunta “Os chefes
sabem coordenar pessoas e distribuir tarefas adequadamente?”. A questão em
que houve maior avanço é a seguinte: “As pessoas evitam fazer ‘politicagem’ e
intrigas como forma de obter resultados?”. A taxa de “sim” subiu de 51% para
74%.
A principal razão para o amadurecimento do ambiente organizacional no
paísparece ser o crescimento econômico dos últimos anos, aliado à escassez
de mão de obra qualificada.
O sentimento de justiça injetado nas empresas brasileiras pela via
meritocrática é algo a ser celebrado, assim como o fim do comodismo de
empresários e trabalhadores que mantinha o capitalismo brasileiro preso à
armadilha da mediocridade. Provocadas em larga medida por agentes
externos, essas transformações estão longe de inviabilizar um estilo brasileiro
de administração. Não eliminam nosso tribalismo, para citar Toffler uma
última vez. Desde que os homens e as mulheres de negócios do país queiram e
possam seguir à frente de suas organizações, administrando-as de acordo com
valores caros a eles próprios e ao país.
Elcio Anibal de Lucca, ex-presidente da Serasa, diz que a “invasão do
Brasil” por fundos de private equity estrangeiros está destruindo o embrião de
cultura organizacional concebido a partir da abertura do mercado brasileiro à
competição estrangeira. Por trás deles, há investidores financeiros que, nas
palavras de Elcio, “compram ações, cobram resultados de três em três meses e
depois de três anos já querem vender a empresa”.
Como se depreende da dureza desse julgamento, um choque de culturas está
em curso. Os fundos precisam, sim, obter resultados rápidos. Gestores com o
perfil de Elcio, por sua vez, dizem que é impossível planejar o
desenvolvimento de uma empresa, a médio e longo prazo, se parte dos
executivos indicados pelos acionistas está concentrada em obter bônus o mais
depressa possível. Nesse cenário, investimentos no desenvolvimento das
pessoas, por exemplo, tendem a ser eliminados, porque essa economia
engorda o resultado — e os bônus. Cortar verbas de treinamento é um jeito
conhecido de cumprir metas de cortes de despesas. “A meritocracia não pode
ser só [baseada em] números de balanço”, diz Elcio.
Para o bem e para o mal, nas empresas familiares brasileiras, a referência
sempre foi o fundador, com seus valores e princípios. O processo de
profissionalização da gestão que se seguiu à abertura da economia aos poucos
foi substituindo essa baliza pelas práticas dos manuais de gestão, em geral
importados dos Estados Unidos. O problema, para Elcio, é que, na cultura
americana, “o coração está no bolso”. Na brasileira, não. Aqui, muitas vezes o
que se busca é a relação mais humana possível com as pessoas que trabalham
na empresa.
 
 
MANGUE BEAT CORPORATIVO
 
O desafio parece estar menos em escolher um modelo do que em assimilar o
que vem de fora, preservar a cultura local e, a partir da síntese, criar o novo.
Antropofagia mesmo. Tropicalismo empresarial. Mangue Beat Corporativo.
A crise de identidade causada pela modernização a fórceps do capitalismo
brasileiro tirou muitas empresas nacionais do mercado. Outras tantas se
adaptaram bem e criaram modelos próprios de administração — tão diferentes
quanto os da Ambev, da Gerdau, da Natura ou da Odebrecht — sem perder os
seus traços culturais mais valiosos. São escolas distintas, tão miscigenadas
quanto convém ao Brasil. Suíço-carioca, germano-gaúcha, paulista ou baiana.
Independentemente de suas origens, são todos grupos que começaram a criar
um jeito brasileiro de fazer negócios e administrar empresas. E são, pelo
menos em sua forma atual, fruto das reestruturações iniciadas nos anos 90.
O processo que vivemos agora é uma segunda fase dessa mudança, que
envolve a abertura de capital de um número considerável de empresas — seja
com a emissão de ações na bolsa, seja pela venda de participações para
fundos de private equity. Trata-se de aceitar investidores financeiros entre os
acionistas — e as consequências de sua presença.
Por definição, um sócio capitalista tem outro olhar para a empresa. É um
investidor mais concentrado no resultado financeiro do que na cultura da
organização.
Já o fundador e, em princípio, seus herdeiros ou parceiros de negócios de
primeira hora tendem, ao contrário, a ver a companhia de uma forma mais
emocional — o que não necessariamente é algo ruim. O bom empresário
muitas vezes tem uma preocupação humana com os funcionários que o
investidor financeiro costuma não compartilhar.
Em momentos de crise, por exemplo, o investidor financeiro tende a optar
sem hesitação por uma solução radical, como o corte de uma parcela
considerável da folha de pagamentos, para dar fôlego à empresa. Já o
fundador (ou seus sucessores) costuma ver os funcionários como parte de uma
família estendida e evitam ao máximo apelar para demissões.
Na medida em que aumenta a participação de acionistas minoritários, pela
emissão de ações na bolsa ou pela venda de partes do capital aos fundos de
investimento, diminui esse espaço para decisões emocionais. Prevalece o
olhar financeiro. Não por acaso, a cultura de várias empresas que abriram
capital nos últimos anos está mudando.
O dono, nas boas empresas familiares, serve de guardião dos valores e do
propósito da organização. Quando conhecem sua história e seguem seu
exemplo, as pessoas sabem que coisas não podem ser feitas — e que coisas
precisam ser feitas — para preservar a cultura da companhia. Jorge Gerdau,
Jorge Paulo Lemann, Luiz Seabra e Norberto Odebrecht, entre tantos outros
exemplos, desempenham esse papel em suas empresas. De empreendedores,
passaram a administradores e conselheiros. Hoje são símbolos. Símbolos de
modelos de administração criados no Brasil que um dia, talvez, venham a ser
vistos como embriões de uma cultura organizacional brasileira reconhecida e
estudada.
 
 
PARTE IV -
Um novo mundo (mais feliz) para o
trabalho
 
 
16. Sem escritório, sem horários...
com resultados
“O preço de ser uma ovelha é o tédio. O preço de ser um
lobo é a solidão. Escolha um ou outro com muito cuidado.”
HUGH MACLEOD, cartunista e militante
pró-empreendedorismo
 
 
 
O publicitário Sergio Valente, presidente da agência de propaganda
DM9DDB, tem uma teoria peculiar para medir a influência de cada um nos
escritórios contemporâneos: quanto maior a sua mesa, menos importante você
é. É uma tese provocativa, porque o tamanho da mesa sempre foi um
indicativo de status. Ou o tamanho do escritório — o que me levou a provocá-
lo no dia em que fui conhecer o novo leiaute de sua sala, sem mesa de trabalho
própria. “Você abriu mão da sua mesa, mas mantém este espaço todo [uma
ampla sala, decorada com capricho, no andar de cima da agência] à sua
disposição”, disse eu. “Espaço que é usado pela agência inteira”, rebateu ele.
Vejamos. O espaço, segundo Valente, é usado para reuniões, estando ele
presente ou não. “Qualquer pessoa que quiser fazer uma reunião aqui só
precisa avisar”, diz. Perfeito, exceto pelo fato de que ninguém faz reuniões na
sala do presidente quando ele está por ali. E é ali que Valente dá expediente
— “em pé”, faz questão de frisar. “Na realidade, tenho prioridade de uso da
sala”, reformula. “É óbvio que não é todo mundo que vai fazer reunião aqui,
só por uma questão de hierarquia de uso. Da mesma forma que não é a toda
hora que a gente faz reunião no auditório de 60 pessoas que temos lá
embaixo.” Na prática, o espaço se transformou na sala de estar da agência,
onde, por exemplo, são recebidos clientes. “É a sala de trabalho do
presidente, porque o presidente não tem sala de trabalho”, diz Valente. “As
coisas mais importantes da agência são resolvidas aqui. Em geral, comigo
presente.”
Mesas e salas cumprem alguns papéis. Um deles é prático. Ser o seu lugar
de trabalho. Outro diz respeito a status e tem a ver com o tamanho da mesa ou
da sala. E há a função de criar privacidade. É, sobretudo, contra este último
papel que Valente se insurgiu. “Me diga o que é que tem aqui de
personalista?”, pergunta ele, apontando para as paredes da “sua” sala. Há uma
decoração contemporânea, certamente ao gosto dele. Mas não se veem fotos
de sua filha ou quaisquer outros objetos pessoais. Para Valente, a
personalização que faz sentido hoje é coletiva — ainda que haja aí uma
contradição em termos. Empresas precisam exibir uma personalidade.
Pessoas, menos. É uma mudança culturale tanto.
Valente tem outro conceito de trabalho que diz aplicar na agência, o de
anywhere office. “Não importa onde você trabalha. O que importa é o que
você entrega”, diz. “Tem dois argentinos aqui que trabalham na piscina do
[hotel] Unique. Eles vão para lá todo dia, com seus laptops.” É, talvez, uma
dimensão física e ensolarada para o clichê “pensar fora da caixa”.
João Cavalcanti, um dos sócios fundadores da empresa de pesquisas de
tendências Box 1824, trabalha com um conceito semelhante, o de head office.
Sua cabeça é seu escritório, onde quer que você esteja. “Nosso objeto de
estudo é a rua, os ambientes de consumo”, diz. “Estou aqui com você
[almoçando em um restaurante de Higienópolis], mas posso estar trabalhando,
porque os insights surgem em qualquer lugar.”
Apesar disso, a Box 1824 tem um quartel-general, que os funcionários
podem (mas não precisam) frequentar. O espaço foi concebido como ponto de
encontro para troca de ideias.
No dia a dia, a equipe de campo passa mais tempo na rua do que na sede. E
o time de planejamento trabalha mais de casa. Os grupos se reúnem no QG
sempre que julgam necessário. Há espaço suficiente para a equipe toda
trabalhar na sede. Incluindo um café e uma sala para workshops — com
clientes ou não. A ideia é que cada um deve poder decidir onde prefere ou
precisa trabalhar a cada momento. O trabalho em equipe é valorizado. A
necessidade de ficar sozinho é respeitada. Em tese, é possível passar parte do
tempo cercado de gente, em modo ovelha, sem chegar aos extremos do tédio. E
dá para operar em modo lobo quando se precisa de privacidade e espaço para
divagar, sem atingir o limite da solidão.
 
 
ESPAÇOS DE TRABALHO COMPARTILHADOS
 
É possível que o equilíbrio ao estilo da Box1824 tenha apelo para muita gente
incomodada com a rigidez dos escritórios tradicionais, que mudaram pouco
desde que foram concebidos à imagem e semelhança das linhas de produção
do começo do século 20. Mesmo assim, os verdadeiros outsiders preferirão
explorar alternativas ainda mais flexíveis.
De acordo com os resultados da Segunda Pesquisa Global sobre Coworking,
divulgada em meados de 2012, existem hoje mais de 1.300 espaços de
trabalho compartilhado, metade deles em cidades com mais de um milhão de
habitantes1. A maioria destes últimos está em metrópoles da Europa, da
América do Sul e da Ásia. Nos Estados Unidos, o aluguel de mesas para
trabalhadores independentes e pequenas empresas avança em cidades
menores.
Em 2012, o espaço de coworking médio tinha apenas um ano e meio de vida
e abrigava 38 membros em 44 mesas. Um ano antes, a capacidade média era
de 38 mesas. Mais de um de cada três espaços planejava se expandir com a
abertura de uma nova unidade no próximo ano. A proliferação é atribuída a
diversos fatores: tecnologias como a computação em rede, mais freelancers na
força de trabalho e a necessidade de reduzir os custos imobiliários.
Como conceito, o coworking surgiu no fim dos anos 90 em meio ao primeiro
boom da internet. Na esteira do estouro da bolha, a ideia quase se perdeu. A
partir de 2005, com a tecnologia de novo em alta, os escritórios
compartilhados se disseminaram de vez.
A Segunda Pesquisa Global sobre Coworking perguntou a usuários de
espaços compartilhados onde eles costumavam trabalhar antes de descobrir
essa alternativa. Só 58% disseram que trabalhavam em casa. Outros 22%
trabalhavam em escritórios, e 4%, em cafés2.
Sessenta por cento de todos os entrevistados disseram usar os espaços que
alugam em escritórios compartilhados ao menos três ou quatro vezes por
semana. Um terço trabalha neles todo dia. A maioria (47%) tem acesso 24
horas a suas mesas, enquanto pouco mais de um terço utiliza o horário
comercial normal. Apenas um de cada dez membros de um espaço de
coworking paga pelo dia ou pela semana. A maioria assina planos mensais. O
coworker típico tem 34 anos de idade, é homem e tem, no mínimo, um diploma
universitário.
Os pesquisadores da Deskmag perguntaram aos entrevistados do que eles
gostam menos em seu local de trabalho. Cerca de um em quatro se disseram
incomodados com o nível de barulho do espaço compartilhado. E 14%
lamentaram a falta de privacidade e de estrutura.
E do que eles gostam mais? O diabo aqui não são os outros, já que 80%
disseram que o que mais lhes agrada é a companhia de seus colegas de espaço.
Na sequência, foram elogiados a localização (61%), os operadores dos
espaços (53%) e os preços razoáveis (47%). A nota média para os espaços de
coworking, no mundo todo, foi 8,44.
A permissão para que os funcionários trabalhem em casa, em um café ou em
um espaço de trabalho compartilhado ainda é vista como um ato de
generosidade das empresas. Num futuro não tão distante, é provável que
tenhamos trabalhadores lutando pelo direito de usar um escritório e um certo
número de equipamentos fornecidos pelo empregador. O que hoje é tratado
pelas companhias como um ato de desapego para motivar colaboradores
rebeldes passará a ser entendido como uma questão de custo fixo e
produtividade.
Nos Estados Unidos, o Movimento Trabalhe de Casa Às Sextas apresenta
um conjunto de dados convincentes — compilado de diversas fontes — sobre
as virtudes do home office para empregados e empregadores:
 
• Cada perna do deslocamento casa-trabalho-casa leva, em média, 45
minutos. Isso dá uma hora e meia por dia que poderia ser gasta produzindo (ou
descansando).
 
• Trabalhar de casa resulta em 10% a 20% de aumento na produtividade do
empregado.
 
• 76% dos “teletrabalhadores” são mais dispostos a dedicar tempo extra ao
trabalho.
 
• 78% dos gestores acham que jornadas flexíveis ajudam a reter membros
importantes do time.
 
• 86% dos “teletrabalhadores” dizem que são mais produtivos em seus home
offices.
 
• 36% dos trabalhadores trocariam um aumento de salário por uma licença
para trabalhar de casa.
 
• Os “teletrabalhadores” relatam sofrer 25% menos estresse.
 
• 73% dos trabalhadores comem de modo mais saudável quando trabalham
em casa.
 
• 80% mantêm melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal quando
“teletrabalham”.
Nos Estados Unidos, uma das primeiras empresas a ganhar notoriedade por
incentivar seus funcionários a ficar longe do escritório foi a Plantronics. A
fabricante de acessórios eletrônicos conhecida por seus fones de ouvido tem
sede em Santa Cruz, na Califórnia, mas o espaço foi projetado para não
acomodar toda a mão de obra empregada. A maioria dos empregados não tem
uma mesa própria, e só há lugar para menos de 70% da equipe3. Para
compensar a falta de estações de trabalho, há telas de TV gigantes nas paredes
que permitem a realização de videoconferências com funcionários trabalhando
remotamente.
No mundo todo, projetistas de escritórios estão começando a privilegiar
lugares onde o espaço para mesas pessoais não é mais uma necessidade,
dando aos empregados a liberdade para misturar-se, colaborar ou trabalhar
sozinhos em seus cantos preferidos. Para ficar em casa quando acharem mais
produtivo. Para definir seus próprios horários.
O novo design de interiores, como se pode imaginar, é apenas a parte mais
visível da revolução. Para que ele faça sentido, é necessário que os chefes
parem de controlar se seus empregados estão em suas mesas. É preciso que os
gestores avancem na discussão sobre como administrar o uso do tempo sem
determinar um horário fixo de trabalho.
 
 
AMBIENTE DE TRABALHO APENAS DE RESULTADOS
 
Em 2005, a sede da Best Buy em Richfield, no Minessota, começou a mudança
para um modelo de “Ambiente de Trabalho Apenas de Resultados”, ou ROWE
na sigla em inglês. Os empregados podiam decidir quando e onde trabalhar,
desde que atingissem certas metas mensuráveis. O expediente normal, de
segunda a sexta das nove às cinco, foi abolido.
Dois professores de sociologia da Universidade de Minessota, Erin Kelly e
Phyllis Moen, coletaram dados de 659 funcionários da Best Buy antes e depois
da mudança para o ROWE4. Segundo eles, os participantes do estudo
descreveram tanto uma sensação de liberdade como de maior
responsabilidadepelos resultados alcançados. Em termos quantitativos, os
empregados que mudaram para o sistema ROWE obtiveram 52 minutos extras
de sono antes dos dias de trabalho, em média. Além disso, passaram a se
sentir menos obrigados a trabalhar quando doentes e mais confortáveis para ir
ao médico quando necessário. A taxa de rotatividade entre os funcionários que
aderiram ao ROWE foi de apenas 6%, comparados a 11% dentro do grupo de
controle, que seguiu cumprindo o expediente normal.
De acordo com Moen5, “a parte mais difícil disso [de adotar o ROWE] para
muitas firmas, para os administradores e também para os empregados é
esclarecer quais são os resultados a serem alcançados”. De todo modo, o
estudo não deixa dúvida de que o trabalho em ambientes nos quais apenas os
resultados são controlados possibilita mudanças benignas em comportamentos
relacionados à saúde. A começar por uma hora a mais de sono por noite.
As diferenças na quantidade e nos horários de sono demandados por cada
pessoa são um dos fatores mais negligenciados nos estudos sobre qualidade de
vida e felicidade no trabalho. Está provado que cada um de nós possui um
cronótipo diferente — uma espécie de calendário interno melhor definido pelo
seu ponto médio de sono, ou midsleep, que você pode calcular dividindo a
duração média do seu sono por dois e acrescentando o número resultante à sua
hora de dormir média em dias livres — aqueles nos quais sono e vigília não
são ditados pelas exigências do trabalho ou do estudo. Se você costuma ir
para a cama às 11 da noite e sair dela às sete da manhã, adicione quatro horas
às 23h e você terá três da madrugada como seu midsleep.
Em Internal time, o livro sobre o assunto que lançou em abril de 20126, o
cronobiólogo Till Roenneberg demonstra que nossos padrões de sono têm
pouco a ver com preguiça e outras falhas de caráter — e tudo a ver com
biologia7.
Roenneberg argumenta que, enquanto cronótipos madrugadores podem ter
sido uma vantagem social em sociedades agrárias, o mundo de hoje, baseado
no trabalho em tempos diferentes e na conectividade constante, invalidou tais
vantagens. O que segue existindo é o estigma social em torno dos cronótipos
dorminhocos. “Esse mito de que os madrugadores são boas pessoas e quem
acorda tarde é preguiçoso tem suas razões e seus méritos nas sociedades
rurais, mas torna-se questionável em uma sociedade 24/7 moderna”, escreve.
A desconexão entre nosso tempo biológico, interno, e o tempo social —
definido por nossos horários de trabalho e compromissos sociais — leva ao
que Roenneberg chama de jet lag social, uma espécie de exaustão crônica que
se assemelha aos sintomas do jet lag aéreo e é comparável a ter de trabalhar
para uma empresa em outro fuso horário. A diferença é que as pessoas que
sofrem de jet lag social nunca têm chance de se ajustar ao novo ambiente.
“Enquanto o jet lag real é agudo e transitório, o jet lag social é crônico”,
escreve Roenneberg.
 
 
O TEMPO É SEU; O RESULTADO É NOSSO
 
Com ou sem a sigla ROWE, os ambientes de trabalho nos quais a única
cobrança é por resultados estão presentes em um número crescente de
empresas hoje na vanguarda da gestão de pessoas. Mais uma vez, há o que se
aprender sobre isso no Google.
Sergio Valente teve a oportunidade de conhecer a sede global da companhia,
em Mountain View, na Califórnia, numa visita guiada por um amigo que é um
executivo importante no time do presidente Larry Page. Logo no início do
passeio, Valente reparou em quatro sujeitos jogando vôlei de areia numa
quadra do Googleplex. Eram engenheiros, em pleno horário de trabalho. Ao
final do giro, o quarteto continuava dedicado a saques e cortadas. Valente
questionou seu cicerone sobre a boa vida da rapaziada e ouviu uma resposta
despreocupada: “Eles sabem o que têm de entregar e sabem que se não
cumprirem o prazo estão ferrados [a palavra, claro, não foi bem essa]. O que
fazem com o tempo deles é problema deles.” Foi uma aula prática sobre um
conceito de trabalho diferente do tradicional.
O Google é famoso também pelas mordomias que oferece a seus
funcionários. Se você quiser, vai para o trabalho no carro da companhia. Eles
têm ônibus que passam em San Antonio e nos bairros satélites próximos à
cidade-sede para recolher colaboradores. Os veículos têm wi-fi. Logo, a partir
do momento em que sobe a bordo, o empregado já está trabalhando — antes
do horário em que começaria seu expediente. O Google também oferece todas
as refeições e até serviço de lavanderia. Belos benefícios, certo? Sim, mas o
cálculo ali é sofisticado. O tempo desses engenheiros e programadores é caro,
e a empresa não quer vê-lo desperdiçado. Sai mais barato, para o Google,
montar uma lavanderia.
Quando estive com Fabio Coelho, presidente do Google no Brasil, ele
detalhou essa maneira de ver o valor do tempo. O que parece mordomia só é
mimo até certo ponto. A boa vida dos funcionários é do interesse da
companhia. Você facilita a vida do empregado porque não quer que ele se
preocupe com mais nada além do trabalho que tem de fazer.
Um dos segredos mais conhecidos do modelo de administração do Google é
que todo desenvolvedor de produtos é livre para dedicar até 20% de seu
tempo a iniciativas que não são sua atividade principal. Muita gente pergunta
como a empresa faz para garantir que esse tempo não seja desperdiçado. A
resposta, desconcertante, é que o Google nem tenta monitorar seus
funcionários. Custaria tempo, energia e dinheiro demais enquadrar uns poucos
gazeteiros — e isso incomodaria os demais profissionais. Além do mais, um
fluxo constante de boas ideias nascidas desse tempo “livre” continua
abastecendo a máquina de inovação da companhia. Isso é o que importa, já
que uma das principais funções da regra dos 20% é garantir que as pressões
de curto prazo não consumam 100% das energias da equipe.
Há ainda um sistema de remuneração meritocrático, criado sob medida para
inibir o desperdício de tempo improdutivo. Os empregados do Google ganham
um salário base que se mantém na média ou mesmo abaixo da média do setor
de tecnologia. Algo entre 30% e 60% dos seus rendimentos dependem dos
bônus anuais por desempenho. Por cima deles, podem vir, ainda, os prêmios
capazes de deixar um funcionário rico. Desde 2004, a companhia entrega a
cada trimestre os “Founders Awards” (prêmios dos fundadores). São milhões
de dólares em ações para equipes que deram contribuições notáveis para o
sucesso da firma.
A aposta que o Google faz ao deixar 20% do tempo de seus funcionários
livre para que trabalhem no que quiserem vem sendo feita, com sucesso, pela
3M desde a década de 40. Na empresa inventora do post-it, os cientistas
podem investir 15% de seu tempo nos seus projetos de estimação (“pet
projects”). Desde então, inspiradas nesse exemplo inicial, diversas
companhias, sobretudo de setores de alta tecnologia e/ou que dependem de
pesquisa e tecnologia, têm criado períodos de ócio criativo para estimular a
criatividade dos funcionários.
Sete anos atrás, a Atlassian, uma produtora australiana de software, criou o
FedEx Day, um dia a cada trimestre no qual os funcionários ficam livres para
trabalhar no que desejarem, com o único compromisso de entregar algo à
empresa no dia seguinte (daí o nome FedEx). Durante 24 horas, os
desenvolvedores podem parar tudo o que estão fazendo para trabalhar em
qualquer coisa nova relacionada com seus produtos. Os hackers são liberados
para hackear, os designers criam protótipos e os marqueteiros bolam
apresentações capazes de impressionar os jurados — em apenas três minutos.
Não há prêmio em dinheiro, bônus nem aumento salarial para os vencedores.
A recompensa é a chance de apresentar uma ideia bacana na frente de seus
pares, dos gerentes de produto e dos fundadores. Quase todos os funcionários
dos três escritórios da Atlassian participam.
O FedEx Day foi lançado pelo cofundador Mike Cannon-Brookes como um
esforço para reter o vigor criativo de startup mesmo com a empresa se
expandindo depressa8. Em 18 FedEx Days, 550 projetos foram apresentados e
47 produtos ou aprimoramentosforam entregues a clientes da companhia. O
interesse pelo projeto espalhou-se de tal forma entre administradores do
mundo todo que a Atlassian criou um concurso global entre empresas cujo
prêmio é participar de um FedEx Day orientado por seus gestores — com toda
a parafernália utilizada, incluindo cerveja para os participantes que varam a
noite trabalhando em seus projetos e troféus para os mais inovadores. Quase
150 organizações participaram. A vencedora, em 2012, foi a subsidiária
americana da Nintendo.
Dúzias de organizações, pelas contas da revista Fortune9, já lançaram suas
próprias versões do FedEx Day. Do Flickr à clínica Mayo. Admiradores
compartilham suas experiências em um grupo no LinkedIn dedicado à prática.
Há outras maneiras de instilar ócio criativo nas empresas. Na Gore, uma
fabricante de tecidos hi-tech para roupas e equipamentos usados em esportes
ao ar livre, todos os funcionários têm o direito de dedicar meio dia de
trabalho por semana a iniciativas próprias, desde que estejam em dia com seus
compromissos principais. Foi nesses períodos que nasceram as principais
inovações da companhia — logo, essa é uma regra sagrada. Poucos meses
depois de se juntar à sua primeira equipe na empresa, os novos funcionários
admitidos na companhia são encorajados a assumir um segundo ou terceiro
projeto, além daquele para o qual foram contratados originalmente.
As interações pessoais entre colegas de diferentes áreas — tantas vezes
dificultadas em outras companhias para concentrar o foco e reduzir a “perda
de tempo” — é estimulada de diferentes formas. As fábricas, por exemplo,
estão organizadas em clusters e dificilmente têm mais de 200 pessoas por
unidade. Se você quer bater um papo com um especialista de uma área vizinha,
não precisa de mais do que alguns minutos de caminhada.
 
 
EM BUSCA DO TÉDIO PERDIDO
 
Joichi Ito, o diretor do Media Lab, uma instituição multidisciplinar criada há
26 anos no Massachussetts Institute of Technology (MIT), é um defensor
entusiasmado das organizações que dão tempo livre aos funcionários para que
eles aprendam a pensar além das exigências de seu dia a dia10. Para ele, o pior
cenário é o de empresas nas quais as pessoas vivem presas a uma agenda
rígida de reuniões com as mesmas pessoas, que não deixa tempo para mais
nada.
O que o Google, a Atlassian, a Gore e o Media Lab têm em comum, ao
defender o tempo livre criado à força no trabalho, é um mesmo desejo —
todos eles querem ser mais criativos. “Pausas criativas estão acontecendo
onde quer que as pessoas estejam resolvendo problemas. Elas ocorrem entre
presidentes assoberbados, diretores de design e empreendedores em pequenas
empresas”, escreveu Martin Lindstrom, um dos mais influentes especialistas
em marcas da atualidade, em um artigo para a revista Fast Company11.
Lindstrom não se refere a momentos reservados no mês, no trimestre ou na
semana para o desenvolvimento de projetos de estimação do funcionário
dentro da empresa onde trabalha. Ele defende o tédio puro e simples. “Quando
estamos o mais entediados possível somos forçados a empurrar nossos limites
criativos”, afirma ele. “O tédio, entretanto, está se tornando uma atividade
ameaçada.” Não bastassem nossas tarefas cotidianas e as interrupções tão
típicas do trabalho contemporâneo, ocupamos cada segundo livre checando e-
mails, conferindo o Twitter, espiando o Facebook, atualizando o LinkedIn. Em
nome da eficiência e da conectividade, estamos abrindo mão de ser criativos.
 
17. Enquanto o mundo novo não vem
(e o velho não volta)
“Mais dia menos dia, a pessoa que está de mal
com a organização deixa isso transparecer na
relação com o cliente. Não tem erro.”
FÁBIO BARBOSA
 
 
 
Quando ouvimos falar em ambientes de trabalho “futuristas”, temos reações
que variam da ansiedade à descrença quanto à chegada desse bravo mundo
novo a nossas vidas. Às vezes, sentimos também saudades de um velho mundo
no qual sabíamos o que se esperava de nós e o que podíamos esperar das
empresas. Ou puro desconforto com as transformações que já se
materializaram. As novidades trabalhistas e comportamentais são um dado do
presente. Gostamos de algumas, desprezamos outras e tendemos a exagerar os
impactos (positivos ou negativos) das poucas mudanças que já concretizaram.
Por ora, a velha escola de administrar empresas, com um porrete para punir
e uma cenoura para premiar, ainda é dominante. Ela foi desenvolvida num
tempo em que predominava o trabalho fabril e, nas linhas de produção, a
maioria das atividades não exigia pensamento criativo. “Quando o trabalho em
si não tem nenhum significado, e você só o faz pelo dinheiro, é preciso usar
cenouras e porretes. As pessoas não têm nenhuma motivação inerente ao que
fazem”, me disse Raj Sisodia, um dos autores de Firms of endearment. Em
tese, elas vão produzir mais se você pagar mais — ou seja, lhes oferecer mais
cenouras. E andarão na linha se você as ameaçar de demissão, exibindo o
porrete.
Essa lei natural do trabalho, que se provou válida por mais de um século, só
começou a ser questionada nas últimas décadas porque uma das variáveis
necessárias para aplicá-la foi alterada. Mais e mais atividades produtivas
passaram a requerer o uso criativo de nossos cérebros, uma condição
particular na qual a lei geral da administração brucutu não se aplica.
A moderna administração de empresas tem claro que, em ambientes nos
quais predomina o trabalho criativo, a cenoura segue sendo relevante como
motivadora, mas é melhor digerida quando combinada com uma dose generosa
de propósito. O porrete, por sua vez, só não foi aposentado de vez porque um
número considerável de gestores da velha guarda se afeiçoou à ferramenta e
tomou gosto por usá-la.
A mudança de abordagem já começou a se disseminar. Em todos os setores,
há empresas proporcionando a seus empregados um modo diferente de
trabalhar. Elas formam uma minoria, mas o tempo está a seu lado. Quando
mais e mais competidores oferecem condições e ambientes de trabalho
agradáveis, as organizações da velha escola começam a ter dificuldades para
recrutar gente boa. Cria-se, no mínimo, a possibilidade de escolha.
Toda mudança de paradigma dessa ordem causa sofrimento na geração que,
por acaso, a enfrenta. Com frequência, as coisas pioram antes de melhorar. Foi
assim nas primeiras décadas da revolução industrial, quando o trabalho
começou a migrar do campo para as cidades e perdeu o caráter artesanal para
se tornar padronizado. Ou quando a automação trocou, pela primeira vez,
operários por robôs e caixas de banco por caixas eletrônicos. Não está sendo
diferente agora, com a adoção do que o sociólogo americano Richard Sennett
chama de “capitalismo flexível”.
“As formas rígidas de burocracia estão sob ataque”, escreve ele em The
corrosion of character. “Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, abertos a
mudanças de última hora, que aceitem riscos continuamente, que se tornem
cada vez menos dependentes de regulamentos e procedimentos formais.”
Parece bom, claro. Mas já se notam efeitos colaterais. “É bem natural que a
flexibilidade provoque ansiedade: as pessoas não sabem que riscos vão dar
retorno, que caminhos perseguir”, pondera Sennett em seu livro.
No Brasil, o filósofo Mario Sergio Cortella chegou a conclusões
semelhantes ao analisar o impacto das novas tecnologias sobre nossos meios
de produção. “A virtualização do local de trabalho, a possibilidade de
trabalhar em qualquer canto, não significa necessariamente que se facilitou a
nossa existência”, escreve ele em Qual é a tua obra? “Poder trabalhar em
qualquer lugar hoje significa que se pode trabalhar o tempo todo.”
Mesmo o trabalho dentro dos escritórios está mudando depressa. As
intenções podem ser as melhores, mas ainda assim o desconforto é inegável.
Pense na eliminação das paredes em toda parte. Elas estão caindo por uma
questão de economia de espaço e dinheiro, assim como para estimular a
comunicação entre os trabalhadores e incentivá-los a colaborar e inovar. Se é
assim, por que fazemos um esforço diário para compensara transformação dos
escritórios em espaços abertos levantando verdadeiras barricadas ao nosso
redor? Livros, papéis, gaveteiros, o que estiver à mão acaba sendo usado para
criar um mínimo de privacidade. Se não podemos evitar que nos ouçam,
fazemos o melhor possível para não ouvir os demais. “Os fones de ouvido são
a nova parede”, escreveu John Tierney no New York Times1.
Cientistas estão medindo a infelicidade e a queda de produtividade
produzidas pela eliminação das paredes nos escritórios contemporâneos. De
acordo com pesquisadores do Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional
citados na reportagem do Times, o burburinho das conversas alheias é
responsável por um declínio de 5% a 10% no desempenho de tarefas
cognitivas que requerem o uso eficiente da memória de curto prazo, como ler e
escrever.
Depois de entrevistar 65.000 pessoas ao longo da última década na América
do Norte, Europa, África e Austrália, pesquisadores da Universidade da
Califórnia relataram que mais da metade dos trabalhadores está insatisfeita
com o nível de privacidade para suas conversas no escritório — dado que
torna essa a principal reclamação em todas as regiões estudadas2. Se é
verdade que nos escritórios abertos as pessoas conversam com um número
maior de colegas, também está comprovado que, neles, as conversas são mais
curtas e superficiais.
Esta é uma das fontes documentadas de rejeição ao novo mundo do trabalho.
Outra diz respeito à sensação de que já não sabemos mais separar o que é
trabalho do que é lazer. “Parece que existe um desejo nostálgico de voltar aos
bons e velhos tempos quando as pessoas trabalhavam das nove às cinco, nunca
nos fins de semana, consumiam menos e tinham tempo de sobra para suas
famílias e seus amigos”, escreveu o empreendedor Jon Stein, fundador da
Betterment, uma empresa de investimentos online3. “Como isso não vai
acontecer, os departamentos de RH estão considerando dúzias de modos de
deixar sua gente mais feliz e saudável, [como] semanas de trabalho mais
curtas, férias ilimitadas, ambientes de trabalho para cima e novas políticas
para atender necessidades básicas.”
 
 
BOLSA-DECORAÇÃO
 
No Google, todos os funcionários recebem um subsídio para personalizar suas
estações de trabalho. Fabio Coelho, o presidente da empresa no Brasil, tem
uma foto da sua filha menor e um par de havaianas que ganhou quando saiu do
iG, assinado por ex-colegas debochados que diziam que ele estava indo para o
Google para descansar. Uma miniatura de capacete de futebol americano é
recordação da época em que foi presidente do braço de internet da AT&T, nos
Estados Unidos. “São sinais de que quero ficar em casa aqui, no meu ambiente
de trabalho”, diz ele. De resto, é uma sala espartana, pequena. “Minha sala nos
Estados Unidos era quatro dessa aqui.”
Essa espécie de bolsa-decoração é uma política internacional do Google,
que a operação brasileira adota. Outras práticas são locais. Em especial, um
tratamento mais igualitário de funcionários de áreas diferentes, com
qualificações diferentes.
Nas empresas concentradas em pesquisa e desenvolvimento, é comum a
formação de uma elite de cientistas, pesquisadores e projetistas com
privilégios exclusivos. Todas as políticas mais arrojadas de RH tendem a ser
voltadas para ela. Separadas por uma espécie de apartheid funcional, as áreas
de suporte financeiro, administrativo ou comercial são tratadas como castas
inferiores. O trabalho nelas é como em qualquer companhia convencional. O
Google funciona mais ou menos assim em quase toda parte. O engenheiro é
uma espécie à parte, vive num ecossistema à parte e tem até alimentação
especial.
No Google Brasil, de acordo com Fabio, não é assim. Há, sim, o
reconhecimento do saber e da especialização, que leva certos profissionais a
serem mais bem remunerados. De resto, predomina uma cultura mais
democrática e homogênea.
Um exemplo eloquente foi dado na última reunião global de vendas de 2011.
Foram para São Francisco 100 pessoas do Google Brasil — quase metade da
equipe local. “A minha secretária foi”, diz Fabio. “Na reunião do grupo de
vendas, vai todo o quadro comercial, inclusive as secretárias.” É, segundo ele,
uma política de inclusão. Se cada um tem um papel dentro do time, é justo que
o time todo viaje junto. Nesse encontro, todas as pessoas tiveram chance de
interagir com Larry Page, cofundador e presidente-executivo, e assistir a todas
as apresentações. Dessa forma, foram expostas em primeira mão à cultura e à
estratégia da empresa. “Elas se engajam de uma maneira tão diferente que os
US$ 3 mil que você gasta numa passagem daqui para São Francisco acabam
ficando baratos”, diz Fabio.
Apenas dez anos atrás, a realidade do Google era outra. Suas dificuldades
eram, a rigor, as mesmas enfrentadas hoje por qualquer empresa jovem, em
fase de crescimento.
Apesar de serem campeãs incontestes de motivação (ou precisamente por
isso), as startups são notórias pelas longas jornadas, pelo trabalho duro e pela
alta pressão. “Ao projetar um ambiente de trabalho que extraísse as melhores
qualidades de nosso time, tivemos de bolar um modelo que equilibrasse as
demandas de uma startup com as necessidades dos indivíduos”, escreveu Jon
Stein, o fundador da Betterment4. A resposta foi a “Semana útil de nenhuma
hora” (“The no-hour workweek”). “Dois terços de nossa equipe atende
ligações de clientes nos fins de semana, e nosso time de desenvolvimento
frequentemente trabalha até de manhãzinha”, afirma Stein. Como compensação,
esses funcionários podem chegar ao escritório às oito da manhã, ao meio-dia
ou em hora nenhuma, se preferirem trabalhar remotamente. Não há jornada de
trabalho obrigatória a cumprir.
Para impedir que a experiência se transforme em uma “Semana útil de todas
as horas”, a Betterment criou e sugere algumas regras, das quais selecionei
três5:
 
RESPEITO. Estar conectado 24 horas por dia, sete dias por semana, não
significa impor demandas pouco realistas sobre os outros. Se alguma coisa é
urgente, trate-a como tal, mas não espere uma resposta imediata para tudo.
 
FOCO. Em uma startup, há sempre mais a fazer. Cada indivíduo precisa
entender suas prioridades imediatas.
 
AMBIENTE. Almoços do time às sextas-feiras, happy hours frequentes,
torneios de pingue-pongue e uma variedade de estações de trabalho (sofá,
cozinha, sala para cochilos ou mesa) criam um ambiente de trabalho positivo e
coeso.
 
Seja qual for o tamanho de uma organização, o setor no qual ela atua ou seu
nível de entusiasmo com a adoção de práticas de gestão contemporânea, a
felicidade das pessoas que a constituem dependerá, em larga medida, da
química entre elas.
Gretchen Spreitzer, uma professora de administração da Universidade de
Michigan, e Christine Porath, sua colega da Universidade de Georgetown,
conduziram um estudo sobre o que explica o alto desempenho sustentado de
uma força de trabalho6. Suas descobertas, apresentadas em janeiro de 2012
pela versão brasileira da revista Harvard Business Review, confirmam o
senso comum: “O trabalhador feliz produz mais do que o infeliz no longo
prazo. Raramente falta no trabalho, tem menos chance de deixar a empresa,
não se limita a cumprir o dever e atrai gente igualmente comprometida com o
trabalho. Além disso, não é um velocista: está mais para um maratonista,
alguém comprometido com o longo prazo.” A felicidade no trabalho, para essa
dupla de pesquisadoras, não tem a ver com o eventual contentamento que
podemos ter no escritório, mas com o que chamam de vicejar. Ou seja, sentir-
se satisfeito, produtivo e participante da criação do futuro — próprio e da
empresa.
Entre as estratégias individuais para vicejar no trabalho que Gretchen e
Christine sugerem, pelo menos uma tem ligação direta com a tal química entre
as pessoas: invista em relacionamentos que te energizem. “Todo mundo tem
colegas que, mesmo sendo brilhantes, são difíceis e corrosivos para trabalhar.
Indivíduos que vicejam buscam oportunidades para trabalhar em estreita
colaboração com gente que gera energia e minimizar a interação comaqueles
que a destroem”, afirmam elas7.
No limite, toda organização é movida a energia humana. “Precisamos
descobrir como maximizar a liberação dessa energia e minimizar a fricção que
a dissipa sob a forma de calor. Se você reduz a fricção, aumenta o
aproveitamento da energia e consegue um desempenho superior”, disse-me Raj
Sisodia. “A forma de energia renovável mais poderosa que conhecemos é um
ser humano ligado. Quando visto desse modo, ele deixa de ser um recurso e
passa a ser uma fonte de paixão, criatividade, inspiração, e se torna capaz de
fazer coisas quase divinas.”
 
 
 
PARTE V -
Empresas felizes
 
 
18. A transformação do homem
transforma a empresa
A conversão do Pão de Açúcar à causa da felicidade é recente. Abilio Diniz, o
homem que transformou um supermercado herdado do pai no maior grupo de
varejo da América Latina, garante que adotou a “vida mais feliz” como um
valor importante há mais tempo que muitos de seus pares. Mas admite que nem
sempre foi uma pessoa fácil, do tipo que provoca felicidade nos outros.
“Sempre fui agressivo. Era um cara de brigar na rua a torto e a direito”, disse-
me ele. Aos 11 anos, Abilio jogava futebol na Várzea do Glicério, na época
um pedaço barra-pesada de São Paulo. “Isto aqui é gilete”, diz, mostrando
uma cicatriz no pescoço. “Claro que uma pessoa que tem esse tipo de
agressividade é mais inibida para fazer elogios, externar os seus afetos. Hoje,
eu falo para as pessoas ‘eu te amo’, e não é só para minha filhinha, não.”
A mudança começou depois do período mais difícil de sua vida, na virada
dos anos 80 para os 90, quando ele foi sequestrado, viu o Pão de Açúcar
dilacerado por um conflito entre familiares acionistas e perto de quebrar por
problemas de gestão agravados pelo confisco do governo Collor. O primeiro
passo, Abilio conta no livro Caminhos e escolhas, foi a terapia com a doutora
Iraci Galiás. No início, ele precisou ser medicado com um antidepressivo. As
visitas à terapeuta foram mantidas por 12 anos. “Quem me conheceu antes e
conviveu comigo depois das mudanças ficou grato pelo surgimento do novo
Abilio”, afirma ele em seu livro. “Essa postura mais serena certamente é
resultado da maneira como passei a lidar com as expectativas que tinha sobre
mim mesmo (...) Quando você consegue entender melhor o seu universo
emocional, suas fraquezas, seus medos e a entender sua maneira de ser, passa
a colocar-se no lugar do outro (...) Hoje vejo-me um conciliador: mais para
treinador do que para boxeador; mais para bombeiro do que para incendiário.”
De três anos para cá, a filosofia sintetizada no bordão “Lugar de gente feliz”
foi transportada para o dia a dia do Grupo Pão de Açúcar (GPA). A ideia de
separar razão e emoção foi deixada de lado. Deu lugar a uma tentativa de
equilibrá-las.
Um exemplo prático pode ser visto nas reuniões semanais da diretoria
executiva. Depois da discussão de todos os temas na pauta, é feito o check-
out, uma rodada final de comentários em que todos os participantes têm de
falar (sem serem interrompidos nem questionados) sobre como chegaram à
reunião, como se sentiram durante o encontro e como estão saindo dele. Essa
prática foi implementada em 2009. De modo intuitivo. A técnica não foi
aprendida em uma escola de negócios nem copiada de outra organização.
A empresa percebeu que, ao não cuidar das emoções, estava destruindo
valor. “A gente acertava um processo, e o processo não funcionava, gerava
conflitos”, diz Enéas Pestana, o presidente-executivo do Pão de Açúcar. “Você
ia olhar e, em geral, era porque as pessoas não se sentiam à vontade para falar
o que pensavam ou porque a forma como o assunto era colocado despertava
energias negativas.”
As primeiras experiências para tratar desse mal-estar não deram certo.
Reunir os diretores executivos para lavar roupa suja, por exemplo, foi um
desastre. Forçar uns a criticar os outros se revelou contraproducente, além de
embaraçoso. Daí a decisão de inverter o processo e incentivar cada executivo
a falar sobre si mesmo. “Demora a funcionar, porque o cara é treinado a
colocar uma armadura quando entra na empresa e só tirar quando volta para
casa. Alguns não tiram nem em casa”, diz Enéas. Mas o esforço, segundo ele,
compensa.
“Se você tiver um ambiente de trabalho onde pode se expressar, é tratado
com dignidade e tem autonomia, vai ter uma felicidade mais sustentável do que
um benefício material, que tem vida curta”, diz Enéas. A empresa, então,
resolveu trabalhar essa questão de uma forma estrutural, revendo seus
processos para garantir o respeito e a autonomia.
A política do Pão de Açúcar é oferecer uma remuneração melhor do que a
média do mercado. “Você acorda cedo e vem para cá porque quer cuidar da
sua família, quer prover qualidade de vida e, é claro, quer tentar achar um
lugar onde possa fazer isso e se sentir realizado, alcançar objetivos pessoais”,
afirma Enéas. “Se você estiver fazendo o que gosta, de acordo com seus
princípios, num lugar onde é respeitado, se sente valorizado e ainda ganha
bem, vou extrair tudo o que de melhor você pode trazer.”
Para Abilio, salário alto, assim como preço baixo, são condições para
entrar no jogo. “Nós seguimos os princípios da meritocracia e trabalhamos
com bônus pesados”, me disse ele. Por bônus pesado entenda mais do que o
dobro da remuneração fixa em certos casos. A ambição do grupo é ser tão
meritocrático quanto a companhia brasileira mais identificada com a
meritocracia, mas sem a dureza tão associada a ela (Abilio me pediu para não
mencionar o nome da empresa em questão). Tão meritocrático quanto os
melhores bancos de investimento, mas sem a exigência de dedicação diuturna
ao trabalho típica deles. “Não precisamos submeter o indivíduo a provações,
a uma vida ruim, para ele mostrar que é bom, para enrijecê-lo nas
dificuldades”, diz Abilio. “Odeio sacrifícios, seja para mim ou para os outros.
As pessoas têm de trabalhar, apresentar resultados, ser pragmáticas e
objetivas, mas têm de fazer tudo isso com alegria.”
Em 2011, o Pão de Açúcar adotou, para seu público interno, o bordão “Eu
quero que você seja feliz aqui” e definiu a autonomia como uma ferramenta
chave para a promoção da felicidade no trabalho. “Quero ter controles para
garantir o gerenciamento de risco, mas, dado o treinamento e dadas as
políticas da companhia, quero deixar as pessoas trabalharem e responsabilizá-
las pelo que fazem”, diz Enéas.
No Pão de Açúcar, os níveis gerenciais sempre foram demarcados com
rigidez. Os gerentes de um supermercado, por exemplo, têm um grau de
autonomia surpreendentemente baixo. Uma vez, Enéas foi visitar uma loja em
Americana, no interior de São Paulo, e encontrou dezenas de lâmpadas
queimadas. Ao cobrar o gerente, descobriu que ele não tinha autorização (nem
fundos) para substituí-las. Em outras ocasiões, deu-se conta de que o mesmo
vale para decisões como mudar de lugar os móveis onde os produtos são
expostos para melhorar a circulação ou reposicionar itens que não estão
vendendo bem. Tudo depende da matriz. “Ora, quem é que tem contato com o
cliente? Sabe do que ele está reclamando, o que ele está pedindo?”, pergunta
Enéas. “É o cara que está aqui no Jardim Paulista, no ar-condicionado, ou é o
cara que está lá na loja? Como é que um cara desses pode estar feliz? Levando
bronca todo dia, sabendo o que o cliente está pedindo e não conseguindo
entregar?”
A empresa começou um processo de descentralização do poder visando
justamente esse gestor de nível médio. Ao mesmo tempo, fez uma revisão dos
benefícios para a base, começando com a extensão da licença maternidade e a
criação do Cartão da Mamãe (um crédito mensal de 100 reais para toda
funcionária mulher com filhos de até cinco anos gastar em produtos infantis).
Na sequência, virão cesta básica para quem ganha o piso salarial da empresa e
bolsas de estudo para funcionários e filhos de funcionários. Inicialmente, o
que Enéas queria oferecer era um serviço de creche. Só que esbarrou em
tantas questões de responsabilidade criminal que acabou mudando de ideia.
Hoje,50% dos cerca de 160 mil funcionários do Grupo Pão de Açúcar são
mulheres. Na base da pirâmide, toda a frente de caixas de supermercados é
ocupada por funcionárias do sexo feminino. “Como não tenho todo o dinheiro
do mundo e quero fazer alguma coisa que proporcione felicidade a essas
mulheres, escolhi o Cartão da Mamãe”, afirma Enéas.
Outro grupo estratégico para a companhia são os jovens. A seleção para o
programa de trainees começa com 30 mil inscritos. O Pão de Açúcar admite
de 20 a 22 por ano. São selecionados, portanto, jovens do mais alto nível.
“Vai botar esses meninos e meninas, com o talento que eles têm, para gerenciar
loja?”, pergunta Abilio. “Eles não querem nem pensar, porque tem plantão
todo fim de semana.” O objetivo do GPA é que o gerente, o subgerente e
alguns chefes de seção trabalhem só um fim de semana por mês. Até novembro
de 2011, o melhor que se conseguia era folgar dois e trabalhar dois sábados e
domingos a cada 30 dias.
Perguntei a Enéas se, no dia a dia do Pão de Açúcar, o que se vê é mesmo
este Abilio Diniz versão paz e amor das palestras e entrevistas. “Hoje é, mas
não foi sempre assim”, ele me respondeu. “O Abilio já foi um cara muito
duro.”
Enéas passou por inúmeras experiências de reestruturação de empresas.
Contador de formação, ele trabalha no Pão de Açúcar desde 2003. Antes, fez
carreira na área financeira de outras redes varejistas e em empresas como GP
Investimentos e Diagnósticos da América. Cortar custos foi, durante décadas,
sua principal habilidade. Em dado momento, colegas chegaram a lhe
recomendar a contratação de um segurança, dada a quantidade (e a
animosidade) de executivos demitidos por ele. “Cheguei a entrar numa
empresa com 12 diretores, cortar para três e mudar a sede para um barracão”,
diz ele. Até em casa, o clima ficou pesado. “Um dia, minha mulher falou: ‘Vou
te internar, porque você conseguiu piorar até o nosso plano de saúde. Olha o
que você está fazendo com a sua família’.”
Enéas diz que levou “uma vida” para aprender que não é assim que se
conseguem resultados. Mesmo no Pão de Açúcar, em 2006 e 2007, ele, então
como diretor-financeiro, participou de um corte drástico de benefícios. A
concessão de bolsas de estudo, por exemplo, foi a quase zero. Todos os
funcionários passaram a pagar uma parcela do custo da assistência médica.
Não adiantou nada. Foram os piores resultados da história da companhia.
Na medida em que o Pão de Açúcar voltou a melhorar os benefícios e reviu
a remuneração, os números entraram numa trajetória virtuosa. Vistos por
qualquer indicador — Ebitda, lucro líquido, retorno sobre o capital
empregado —, os resultados dos últimos anos são recorde. “Isso não foi
baseado em um movimento de cortar custos, de mandar gente embora, de
cortar benefícios, de fechar lojas”, afirma Enéas. “O que fizemos foi colocar
as pessoas certas no lugar certo, voltar a dar benefícios, aumentar a
remuneração.” Ao fazer isso, a companhia levou seus resultados para outro
patamar. O sonho, entre 2003 e 2007, era atingir lucro líquido de R$ 500
milhões — um projeto chegou a ser batizado com essa meta. Mas o resultado
anual, na última linha do balanço, variava entre R$ 100 milhões e R$ 200
milhões. Chegou a ser de apenas R$ 85 milhões em 2007. Pois bem. Em 2010,
o lucro líquido foi de R$ 722 milhões. “Isso me deu força para acreditar que o
caminho é criar condições para que as pessoas sejam felizes, se sintam bem de
vir para cá com um propósito maior.”
Abilio Diniz costuma dizer que, para fazer o bem dentro de uma empresa,
você precisa entregar resultados. “Repartir a pobreza é ruim”, afirma. Para
ele, a companhia tem de dar lucro e entregar valor para os acionistas. “Mas
nós temos um propósito maior. Temos um compromisso com a sociedade e
com todos os nossos stakeholders.”
Enéas avalia que no Brasil, ainda hoje, a maioria das pessoas não tem
condições de se engajar, por exemplo, em projetos socioambientais porque
ainda está na base da pirâmide de Maslow, lutando por uma subsistência com
um mínimo de conforto. Essa maioria ainda não garantiu alimentação para a
família, estudos, atendimento médico. Portanto, dificilmente se engajará em
uma causa diferente dessa, até que suas necessidades básicas estejam
atendidas.
“Posso entrar num movimento de proteção da Mata Atlântica ou de redução
das emissões de carbono como instituição, mas tenho de priorizar a nossa
gente”, diz Enéas. “Uma grande parte das pessoas que trabalham aqui mora em
favela. Não tem acesso a educação, assistência médica, saneamento básico.
Isso quer dizer que eu estaria cuidando da Mata Atlântica e meu funcionário,
jogando lixo no córrego que passa do lado da casa dele.”
A partir dessa percepção, Enéas diz ter adotado uma política Robin Hood na
companhia, tirando dos ricos para dar aos pobres. Deixou de pagar, por
exemplo, curso de inglês para altos executivos — já que não podia pagar para
os funcionários da base. “Pago um curso de inglês para um diretor que ganha
25 mil, 30 mil, às vezes 40 mil reais por mês e não pago uma bolsa de estudo
para um cara que ganha 700 reais por mês?”, pergunta ele. Todos os benefícios
recém-criados — Cartão da Mamãe, bolsa de estudos e cesta básica — são
direcionados primeiro a quem está no “chão de loja”, ganhando o piso
salarial, e sobem até onde o orçamento permitir. “Meu primeiro dinheiro vai
para essa gente”, afirma Enéas. “São pessoas que ficaram esquecidas. Por isso
é que tenho uma rotatividade altíssima (acima de 30% por ano) na base da
pirâmide, enquanto que nos dois primeiros níveis da companhia, de 2008 para
cá, não tive nenhum pedido de demissão.”
 
19. “Tire seu sonho da gaveta”:
a história do Laboratório Sabin
Janete Vaz, sócia-diretora do Laboratório Sabin, o maior em análises clínicas
do Centro-Oeste, criou em 2002 o bordão que usa até hoje nas conversas que
tem com cada novo funcionário: Tire seu sonho da gaveta. “O que nós
queremos é que ele ou ela realize os seus sonhos, porque acreditamos que
assim vai realizar os nossos”, afirma Janete.
Até aí, poderíamos estar no terreno do marketing interno. Mas o laboratório,
de fato, criou ferramentas para realizar sonhos pessoais. A companhia hoje
paga faculdade para 10% de seus funcionários — outros 20% já se formaram
com ajuda do Sabin. Há facilidades para a compra da primeira casa própria
por empregados com mais de dez anos de empresa e um sistema semelhante
para a compra de carros.
No programa de compra da casa própria, o laboratório se dispõe a financiar
as prestações para aquisição de imóveis prontos ou participar da construção.
Os empréstimos exigem 0,5% ao ano de juros, para não caracterizar salário. O
sistema é igual para a compra de carros. “Vemos gente fazendo festa porque
comprou um carro com dez anos de uso, assim como vemos o Doutor Gastão,
que comprou uma Hilux. Claro que esse dinheiro não significou quase nada
para aquele carrão, mas ele [o médico] usou o benefício e sente que é igual a
todo mundo”, diz Janete. “Quando o filho de um bioquímico ou farmacêutico
usa [o benefício], o funcionário da ponta sabe que o filho dele pode utilizar o
mesmo programa. É inclusão.”
A mesma lógica vale para o esporte. O programa começou com cinco
pessoas: Sandra Costa, que é sócia de Janete e diretora-técnica do Sabin; o
filho de Janete, que é médico do esporte; e três funcionários. A ideia era
participar das corridas de rua organizadas em Brasília. A adesão foi maciça, e
hoje são quase 400 corredores ativos. O Sabin instala uma tenda no local das
provas realizadas na cidade, que serve de ponto de apoio para seus atletas,
para medir a pressão de corredores e familiares e de brinquedoteca para as
crianças que os acompanham. É mais uma oportunidade de inclusão. A
inscrição para uma prova custa cerca de R$ 70. “Você acha que quem ganha
R$ 700 vai tirar 10% para participar de uma corrida?”, pergunta Janete. O
laboratório banca as inscrições e oferece uniforme a todos os funcionários
interessados. A roupa é igual para o médico e para o faxineiro.
O programa mais novo, criado em 2009,é de educação (e ajuda) financeira.
A ideia é tirar a corda do pescoço do funcionário endividado. “Pagamos as
contas dele e negociamos com o credor”, diz Janete. Quase sempre, o
laboratório consegue abatimentos e parcelamento da dívida e passa a
monitorar os pagamentos. Ao mesmo tempo, o empregado é encaminhado a um
programa de aconselhamento com uma psicóloga, um administrador, uma
financeira e um economista. Ao final da primeira turma, uma das funcionárias
participantes enviou uma mensagem às controladoras dizendo: “Coloquei o
meu PPR (dinheiro ganho por participação nos resultados) na poupança”. Para
Janete, foi a validação do programa. “De todas as pessoas que passaram por
ele, só duas não deram resultado. Tem gente que não tem jeito”, diz.
Os benefícios começaram a ser criados em 2003, quando a empresa se
candidatava ao SA8000, um selo de responsabilidade social voltada ao
empregado. “Mas a ideia de ajudar a realizar sonhos vem de berço”, diz
Sandra Costa. Sua mãe foi costureira em Inhapim, um município mineiro com
população de 24.294 habitantes registrada no Censo de 2010. Ela fazia
uniformes para as crianças que estudavam no colégio das freiras e enxovais de
casamento e formatura mesmo para quem não podia pagar, lembra Sandra.
“Essa alegria em ajudar as pessoas, eu via lá dentro da minha casa. Sempre
tive isso comigo.”
Janete, por sua vez, cresceu ouvindo e vendo seu pai negociar as cabeças de
gado da família. Ela morou numa fazenda em Goiás até os 11 anos. “Do
alpendre da casa, aprendi a fazer negócios”, diz. “Papai tinha só o segundo
ano primário, mas ele ensinou matemática e física para os seis filhos até todos
passarem no vestibular. Ele falava: ‘Pessoal, a palavra tem que valer mais do
que a assinatura’. Recebia um fazendeiro ou um peão da mesma maneira.” A
responsabilidade social é herança da mãe. “Ela morria de medo de leproso,
mas no dia em que a mulher de um peão teve hanseníase, ela levou a senhora
para dentro de casa e cuidou dela. Essas coisas, você aprende em casa
mesmo.”
Sandra é católica; Janete, evangélica. “Antes de tudo, temos fé”, diz Sandra.
“Quando falamos em espiritualidade, nem é a religião que importa. São
valores bons que queremos perpetuar”, completa Janete. “O bom ensinamento,
bíblico ou não, passamos para eles [os funcionários]. Para ajudá-los a educar
os filhos, a tomar decisões, a enfrentar os desafios.”
Janete e Sandra começaram o Laboratório Sabin em 1984. No início, eram
as duas mais uma funcionária que colhia sangue e outra que atendia na
recepção — além de uma faxineira que fazia a limpeza no final de semana.
No fim de 2011, a companhia empregava 1.071 pessoas. A maior parte
utiliza ou já utilizou programas criados para a realização de sonhos. Janete diz
que guarda mais de seis mil mensagens de colaboradores que realizaram
algum sonho com apoio da empresa. Muitas delas são de pessoas que haviam
parado de estudar ao final do primeiro ou do segundo grau e voltaram para a
escola. “Eu pensava que não ia estudar mais, que já tinha me formado. Voltei a
sonhar e passei no vestibular”, diz um dos recados.
Às vezes, é preciso começar do começo. Como no caso de Ritinha, uma
funcionária da limpeza. Quando ela contou ao marido que o laboratório não
contrataria mais ninguém sem o ensino fundamental, ele se indignou: “Você
passa o dia inteiro trabalhando e ainda vai estudar de noite? Então, pegue suas
coisas e mude para lá de uma vez.” Dias depois, a empresa enviou um folheto
para a casa do casal sobre a importância do estudo no mercado de trabalho.
Quem leu primeiro foi o marido. Resultado? Ele é que foi fazer a matrícula da
mulher na escola.
De toda a força de trabalho do Sabin, 74% é feminina. Dos cargos de
liderança, 70% são ocupados por mulheres, incluindo as duas controladoras.
“Nós duas tivemos filhos e voltamos ao trabalho uma semana, dez dias depois
de dar a luz”, diz Janete. “O fato de tratar gravidez como uma coisa natural da
mulher é importante para as nossas colaboradoras.”
Tempos atrás, uma funcionária chamada Meire enviou a seguinte mensagem
a Janete, pelo correio eletrônico, depois de apenas quatro meses de empresa:
“Doutora, a senhora mandou eu tirar o sonho da gaveta. Eu tirei mesmo. Estou
grávida.” É sempre um choque saber que uma funcionária que acabou de entrar
na companhia terá seis meses de licença-maternidade logo que completar um
ano de casa. Mas esta é uma empresa que se orgulha de seus princípios
femininos. A própria Meire completou seu e-mail, dizendo: “Eu sei que aqui
gravidez não é proibido”. E foi além na transparência: “Na empresa em que eu
trabalhava, eu tinha medo de engravidar e perder meu emprego. Eu tenho 43
anos e meu tempo vai passar.”
Em 2010, na festa de entrega dos prêmios às Melhores Empresas Para
Trabalhar no Brasil, Janete cruzou com um grupo de seis mulheres do
Laboratório Sabin tirando uma foto. Quando quis se juntar a elas, ouviu uma
explicação inusitada. Aquelas eram as “novas gostosas” da companhia. Elas
tinham implantado silicone nos seios e estavam comemorando as novas
formas. No dia seguinte, a mais graduada delas, doutora Giovanna, tentando
justificar o episódio, disse a Janete que colocar silicone foi a realização de
um sonho para elas. “A minha vida inteira, eu fiquei só cuidando do básico”,
explicou. “Meu marido sempre desempregado, só pegando bicos. Eu é que
sustentei a família, dei educação para as crianças e ainda pago o aluguel.
Colocar silicone era um sonho, e o Sabin me ajudou a realizá-lo.”
Quando um empreendedor ouve uma história desse tipo, diz: “Se eu tivesse
dinheiro, também faria isso”. Janete e Sandra ouvem esse comentário com
alguma frequência depois das palestras que costumam fazer. Sua resposta é
que esse tipo de prática não depende de recursos. Vários benefícios
oferecidos não custam nada para a empresa. Trata-se de gerar oportunidades.
Como no caso de uma funcionária que é nutricionista de formação e passou a
atender, fora de seu horário de trabalho, colegas e parentes de colegas que não
poderiam pagar um profissional do ramo. “Para ela, é um trabalho de
responsabilidade social”, diz Sandra. “Ela cobra um valor inferior [ao do
mercado], que é abatido direto da folha.”
Há tempos o laboratório financia a compra do material escolar dos filhos
dos funcionários com até 12 anos de idade. No início, o que havia era
reembolso. Até que Janete teve a ideia de pedir as listas de material aos pais e
descobriu quanto elas custariam utilizando fornecedores do laboratório. Com
os descontos conseguidos, em 2011 a lista de material escolar custou 33%
mais barato. “Pagamos à vista e descontamos em três vezes”, diz Janete.
Há anos o Sabin mantém um programa chamado “Roda Viva com a
Diretoria”. É um encontro mensal de Janete e Sandra com 20 funcionários.
“Nós queremos que eles nos conheçam e queremos conhecê-los”, diz Janete.
Vários líderes atuais da empresa tiveram seu potencial identificado nessas
reuniões. No Roda Viva, o funcionário pode fazer a pergunta que quiser. “Teve
um que perguntou assim: ‘O que vocês fazem com tanto dinheiro’”, conta
Janete. A resposta? “Você tem que olhar quanto a empresa fatura, quanto ela
gasta, quanto investe, onde a empresa está apostando. O processo de
crescimento dela é saudável ou ela está pegando dinheiro emprestado?” Outro
sujeito, um funcionário de nível técnico que estava fazendo um curso de
farmácia e bioquímica, saiu-se com esta: “Se vocês pagam faculdade para
mais de 100 pessoas (na época eram 132), como vão encaixá-las aqui dentro
depois que elas se formarem?” Bom ponto. “A minha resposta para ele foi só
uma”, diz Janete. “Nós queremos o seu desenvolvimento como pessoa. Não
interessa se você vai ficar ou sair.”
O Sabin é uma empresa de família. Literalmente. Filhos podem trabalhar
com os pais, e nada impede marido e mulher de trabalharem juntos. Notícias
de gravidez são comemoradas. De verdade. “Tomamos conhecimento da
gravidez antes dos pais, porque nós é que fazemos os exames”, diz Janete. O
resultado, se positivo e planejado, é comunicado pelo sistemainterno de
correio eletrônico a 100% da empresa. A funcionária grávida ganha, de cara,
uma lembrança para começar o enxoval do bebê. “Faz mais de dez anos que
não ouvimos histórias de aborto dentro da empresa”, afirma Janete. “Ela [a
gestante] sabe que vai poder conduzir esse momento da vida dela, e a empresa
vai ajudar. Fazemos o enxoval e damos o auxílio babá, que vai do quarto ao
12º mês, quando ela volta a trabalhar.”
Casamentos dentro da empresa? Foram cinco até outubro de 2011. O
primeiro, organizado dentro do auditório, com pastor, festa e noiva se
arrumando no banheiro. Desde então, se dois funcionários decidem se casar, o
RH organiza tudo, até os presentes. A única preocupação diz respeito à
liderança. O marido não pode ser chefe da mulher, nem vice-versa. De
preferência, ele deve trabalhar numa unidade, e ela em outra. Pressupõe-se
que, dentro da empresa, marido e mulher são apenas colegas. Se um deles
tiver de ser mandado embora, será. Já houve um caso assim e, segundo Janete,
não houve problemas. “Não aconteceu nada, porque cada um sabe da sua
missão como profissional.”
O resultado financeiro da companhia, ano após ano, sugere que essa política
de RH se paga, com lucro. De 2003 a 2010, o número de exames feitos no
Sabin subiu 416%, e o volume de clientes, 387%. O aumento do faturamento
nesse período foi de 483%. O índice de absenteísmo é de apenas 1,04%.
Mesmo antes de introduzir indicadores de gestão, até o ano 2000, o
laboratório crescia 20% ao ano. Na última década, o ritmo foi acelerado, sem
que fosse preciso, para isso, aceitar um sócio capitalista.
De 2009 para 2010, o laboratório teve seu nível de engajamento elevado de
92% para 94%, no índice calculado pelo “Valor & Carreira”, suplemento do
jornal Valor Econômico. Com essa marca, assumiu o primeiro lugar no ranking
das empresas brasileiras com maior engajamento de seu pessoal. Segundo
Sandra, o segredo foi construir uma relação de confiança entre a empresa e
seus colaboradores durante a recessão que se estendeu do último trimestre de
2008 até meados de 2009. “No meio da crise, eles [os funcionários]
monitoravam nossas agendas, quem falava conosco”, diz ela. Havia o receio
de que a empresa fosse vendida, como parte do processo de fusões e
aquisições nesse setor. Não foi, e, como consequência, a confiança e o
engajamento atingiram um patamar ainda mais alto.
Em âmbito nacional, os principais concorrentes no setor de laboratórios são
Fleury e Dasa (Diagnósticos da América). Para o Sabin, a disputa direta é com
o Dasa, que comprou seus dois maiores concorrentes regionais. Trata-se de um
grupo capitalizado, que foi adquirido por um fundo de private equity gerido
pela Pátria Investimentos a partir de 1997 e abriu capital em 2004. De lá até
meados de 2011, o Dasa fez 16 aquisições e atingiu um faturamento de R$ 2,1
bilhões. Seguindo o mesmo caminho, o Fleury fez sua oferta pública inicial de
ações em dezembro de 2009, levantando cerca de R$ 600 milhões. Na
ocasião, o valor de mercado do grupo era de R$ 2 bilhões, ante R$ 3,1 bilhões
do Dasa. O Bradesco comprou uma fatia de 20,5% na Integritas, a holding que
controla o Fleury.
Competir com esses pesos-pesados é complicado. Ainda assim, Janete e
Sandra rejeitam o caminho da abertura de capital. “Um fundo nós até
aceitaríamos, desde que seja minoritário”, diz Janete. “Fizemos um projeto de
expansão onde há abertura para isso.”
A preocupação das controladoras é com a possível diluição da cultura
organizacional com a mudança do foco para a busca de resultados crescentes a
cada trimestre. Dizer não a investidores dispostos a aportar recursos na
empresa nunca é fácil. “Foi difícil para a gente”, afirma Janete. “Nós duas
ficamos perguntando o tempo todo: será que estamos deixando o bonde
passar? O nosso medo era esse.”
A ofensiva dos investidores estratégicos — Dasa à frente — começou em
2002 e acentuou-se em 2005, quando a onda dos lançamentos de novas ações
na Bolsa de Valores de São Paulo ganhava corpo. “Agora são os fundos que
querem porque querem colocar dinheiro [na empresa], mas a gente sabe que
não é apenas receber capital que vai garantir a sustentabilidade do negócio”,
diz Janete. “[Queremos] crescer sim, mas com durabilidade, com pé no chão,
com sustentabilidade, dentro do nosso limite, com a nossa capacidade, com os
nossos recursos ou até pegando recursos, mas de modo limitado.”
Mais do que uma tentação, o assédio dos investidores, segundo ela, é um
risco. “Chegam em cima da gente com ameaça. Você pensa: será que, se eu não
vender, ele vai me matar [metaforicamente, no sentido de tirar do mercado]?”,
afirma Janete. Segundo ela, um aporte de recursos só seria aceito com a
imposição de um limite para ingerência na gestão. “O que vai valer é essa
cultura nossa. É disso que a gente não pode abrir mão, porque foi em cima
dela que a gente construiu tudo”, diz Sandra Costa. “Entre crescer e durar, eu
prefiro durar.”
 
20. Funcionário patrão: os donos da
Promon são os próprios empregados
A carta de princípios da Promon, escrita em 1970, define como um dos
objetivos da companhia a busca da realização profissional e humana das
pessoas que nela trabalham. Seus fundadores não chegaram a usar a palavra
felicidade, mas entraram nesse território, então inexplorado, mais de 40 anos
atrás, quando a empresa, na sua configuração atual, foi criada. Sua história é
uma das mais surpreendentes do mundo empresarial brasileiro.
Tamas Makray, um imigrante húngaro, foi quem moveu as primeiras pedras.
Depois de passar o início dos anos 1950 no Canadá, estudando engenharia
química e estagiando em uma empresa, ele decidiu vir para o Brasil, onde
moravam seus pais, em 1953. Tinha 22 anos. Um ano depois, começou a
trabalhar na recém-criada Petrobras. De cara, Makray se deu conta de que
faltava no país uma firma especializada em projetos de engenharia. Ele foi
demitido da Petrobras e admitido pela Montreal, uma empresa brasileira de
construção e montagem industrial que, pouco tempo depois, decidiu criar uma
subsidiária especializada em projetos para o setor de petróleo e petroquímica
em parceria com a americana Procon, uma veterana do ramo. Da união de
Procon e Montreal, nasceu a Promon.
No início, eram 60 funcionários. Em 1961, foi assinado o primeiro contrato
com a Petrobras, para a ampliação da Refinaria Presidente Bernardes, em
Cubatão. O segundo cliente foi a Aluminas. Depois, vieram Atlantic,
Carbocloro e Copebrás, entre outros. Ainda naqueles primeiros anos, Makray
teve chance de conhecer uma cooperativa para a produção de móveis em que
os funcionários eram os donos. Era a Unilabor, organizada pelo padre
dominicano Joseph Lebret. Foi uma das duas grandes influências de Makray na
criação do modelo de gestão da Promon. A outra foi Gerenciando o lado
humano, um clássico da administração escrito por Douglas McGregor. À
frente de seu tempo, a obra pregava o fim do sistema de comando e controle,
propunha uma visão humanista das relações de trabalho e mais autonomia para
os trabalhadores. Com essas ideias em mente, Makray e 11 colegas criaram a
CEL, Consultores de Engenharia Ltda., descrita no livro comemorativo de 50
anos da companhia como o embrião da comunidade de trabalho em que a
Promon se transformaria1.
“Nesse meio-tempo, Carl B. Whyte, o dirigente americano da Procon, entrou
em pânico com a situação brasileira”, escreve Ignácio de Loyola Brandão no
mencionado livro2. Por situação brasileira, entenda o turbulento governo de
João Goulart e o posterior golpe militar. “Diante do dilema de Mr. Whyte, que
queria sair do Brasil, a CEL manifestou interesse em comprar a parte [dele] da
Promon”. O negócio foi fechado e os funcionários passaram a ser donos de
metade da empresa. A questão societária, porém, estava longe de solucionada.
“A Promon passou a crescer e a dar lucro, despertando um maior interesse
do acionista Montreal pela empresa. Começou a se manifestar o conflito
inerente da diferença de visão existente entre ela, dona de metade da empresa,
e os profissionais que compunham aCEL, donos da outra metade”, continua
Loyola3. “A tensão crescente precisava ser resolvida e a Montreal propôs
comprar os 50% de ações detidas pela CEL.” Tudo estaria resolvido se os
consultores reunidos topassem vender sua participação. Eles não só não
toparam como partiram para o ataque e, depois de dois anos de litígio,
acabaram por virar o jogo e comprar a fatia que pertencia à Montreal.
Estávamos em março de 1970.
O bloco de controle foi diluído de imediato, com a decisão de permitir que
todos os funcionários se tornassem acionistas. Nesse momento é que os
controladores de primeira hora escreveram a carta de princípios — batizada
de Carta de Campos do Jordão, porque redigida durante um seminário em
meio às montanhas da Serra da Mantiqueira, no interior de São Paulo. Esse
documento é o retrato de uma companhia em busca de propósito. “O objetivo
não era enriquecer. Se fosse, é provável que tivessem agido no sentido
oposto”, me disse Luiz Ernesto Gemignani, atual presidente do conselho de
administração da Promon. O que aqueles acionistas declararam ser a razão de
existir da companhia era oferecer serviços de engenharia de qualidade e, com
isso, contribuir para o desenvolvimento do Brasil e para a mencionada
realização profissional e humana das pessoas que trabalham na empresa.
Tudo, claro, com o esperado rigor dos engenheiros. “A realização
profissional e humana deverá ser proporcionada através de: A. Estímulo à
criatividade e respeito à dignidade pessoal; B. Oportunidade de
desenvolvimento e de acesso para todos, segundo suas qualificações e seus
méritos; C. Integração em comunidade de trabalho coesa e estável; D.
Remuneração adequada”, afirma a Carta de Campos do Jordão, em seu quarto
parágrafo.
Em 1984, um segundo documento definiu a busca da excelência como
conceito chave da organização. Parece uma trivialidade, mas não é. “O
conceito de excelência, aplicado à nossa organização, deve ser entendido de
forma mais ampla, pois, além de incluir a qualidade de nossos trabalhos,
compreende a qualidade de nossa gente e de sua vida na companhia, implica
elevados padrões técnicos e rigorosos padrões éticos e estéticos. Pressupõe
relações de alto nível com nossos clientes, parceiros, associados e
fornecedores, assim como dos profissionais da organização em si”, afirma o
documento, elaborado por 150 profissionais.
Esse embrião de cultura organizacional geraria práticas de gestão e um
ambiente de trabalho únicos. O modelo de propriedade é a primeira evidência
disso. A Promon é das pessoas que trabalham nela. Todos os profissionais que
entram na empresa podem comprar ações. Quando saem, têm de vendê-las.
“Os profissionais da Promon, e somente eles, têm acesso à participação no
capital da empresa”, afirma a Carta de Campos do Jordão. Desse modo, a
riqueza que se cria pelo trabalho é repartida entre os trabalhadores. Não se
destina a um acionista externo e não é a razão de ser da companhia. “Sendo
requisito indispensável à estabilidade e ao desenvolvimento da empresa, o
lucro não é, todavia, um de seus objetivos básicos; é, antes, um meio para a
consecução de seus fins”, diz a carta.
A Promon é mais que uma partnership, porque não é um grupo pequeno de
sócios que controla a companhia. O modelo prevê propriedade universal. Ou
seja, todos os funcionários, em qualquer nível da empresa, podem ser
acionistas. Hoje, 85% dos 1.800 empregados são. Por que não 100%? Porque
é um ato voluntário, ninguém é obrigado a comprar ações.
Anos atrás, a empresa precisou fazer um corte expressivo de pessoal e
descobriu, depois de anunciadas as dispensas, que havia demitido mais
acionistas do que não acionistas.
Na Promon, ninguém tem uma participação individual relevante. Quem tem
mais ações, hoje, tem 3% do capital da empresa. A diretoria é eleita por voto
(secreto) dos funcionários acionistas, o que, em tese, garante um ambiente
democrático. Na entrevista que concedeu para o livro comemorativo do 50º
aniversário da Promon, Luiz Gonzaga Marinho Brandão, que foi diretor-
presidente da Fundação Promon de Previdência Social, afirma: “Aqui você
nunca consegue caracterizar quem é o dono.4”
O caráter singular da empresa aparece no processo de tomada de decisão.
“A gente não é assembleísta aqui. A única decisão em que se vota é a escolha
dos dirigentes, a cada três anos”, afirma Geminiagni. “Mas sempre se busca
ouvir todas as pessoas relevantes para cada decisão, mesmo que elas não
tenham autoridade no processo decisório.”
Desse modo, constrói-se um modelo participativo. Não só na tomada de
decisão, mas no processo de formação da decisão, a começar pelo
planejamento estratégico. “Aqui se espera e se cobra participação das
pessoas. Não é só fazer o seu trabalho, mas participar da vida da empresa,
contribuir para que ela saiba formular suas aspirações e materializá-las”, diz
Geminiagni. Este, aliás, é um dos princípios da Carta de Campos do Jordão:
“A participação individual na administração da empresa deverá ser estimulada
e a busca do consenso deverá estar sempre presente na tomada de decisões e
no exercício da autoridade”.
Um episódio real ilustra bem como isso funciona na prática. A Promon tem o
mais antigo fundo de pensão de uma empresa privada no Brasil. De início, era
um modelo não contributivo. Ou seja, só a Promon pagava. E de benefício
definido. Isto é, o funcionário sabia já na largada a que renda mensal teria
direito ao se aposentar. “Num determinado momento, entendemos que tínhamos
de fazer uma mudança importante. O modelo deixaria de ser não contributivo e
teria de ser de contribuição definida [o funcionário sabe quanto terá de
destinar ao fundo por mês até se aposentar]”, diz Geminiagni. “Ficamos um
ano fazendo o desenho do novo fundo, ouvindo muita gente, fazendo pesquisa e
construindo um plano que fosse tão bom quanto possível.” Nem todo executivo
tem paciência para movimentos tão lentos. Um dos diretores saiu da empresa
nesse momento, alegando que um comunicado aos funcionários com o anúncio
de que o plano estava mudando bastaria.
“A gente não fez assim porque estava presente o respeito pelas pessoas.
Elas sempre precisam compreender o que está acontecendo e ter o direito de
escolha”, afirma Geminiagni. A mudança para o fundo contributivo acabou
oferecida como escolha. Isso foi possível porque o plano não estava
desequilibrado. Mas era uma bomba-relógio. Se a maioria optasse por não ir,
o problema estaria restrito àquela população; não à seguinte, porque os novos
colaboradores, quando entrassem na Promon, estariam sujeitos ao novo
regime. De todo modo, 80% dos funcionários foram para o novo plano por
vontade própria.
Foi assim também no maior corte de funcionários da história da Promon. No
auge da bolha da internet, na virada dos anos 90 para os anos 2000, o grupo
tinha mais de 600 funcionários dedicados a três empresas pontocom que, a
partir de determinado momento, mostravam enorme dificuldade em se
sustentar. “Quando caiu a ficha de que aquilo não tinha viabilidade, metade
dessas pessoas teve de ser desligada”, diz Geminiagni. Ele era o executivo-
chefe da Promon naquele momento, em junho de 2002, e relata o episódio:
 
Reuni as 600 pessoas num auditório que a gente tem aqui. Durante duas
horas foram relatados todos os esforços, enfim... [emocionado, ele não
consegue concluir a frase] Acho que respeitar alguém não é deixar de fazer
o que precisa ser feito. É fazer de um jeito que as pessoas entendam o que
está sendo feito, porque está sendo feito. Foi um dos dias mais tristes e
mais gratificantes da minha vida profissional. Triste porque, enfim, você
imagina o que foi essa reunião, em que se anunciava que metade das
pessoas ali presentes, na sequência, seria chamada para ser desligada.
Nesse mesmo dia, o andar da direção ficou cheio de gente. Eram pessoas
demitidas que estavam indo lá para agradecer e dizer que gostariam de
voltar a trabalhar conosco um dia. Muitas voltaram. Então, foi
gratificante porque as pessoas tinham compreendido e, apesar de
profundamente atingidas, estavam desejandoboa sorte para quem as
feria.
 
Manter-se fiel à carta de princípios tem custo em tempo, dinheiro e empenho
pessoal. Segundo Geminiagni, não há uma justificativa utilitária. Não se faz
assim porque os resultados são melhores. Pelo menos não os financeiros. A
justificativa que existe é moral, ideológica. “Acho que se faz assim porque se
acredita nisso, porque assim é a forma correta de fazer”, diz. Isso tem a ver
com os valores que fundamentam a cultura da empresa. Com os motivos pelos
quais aquelas 11 pessoas escolheram oferecer ações para os funcionários. A
Promon diz construir seu modelo de empresa a partir de uma doutrina, de uma
visão de mundo e do papel da empresa nele. Essa crença, declaradamente, se
sobrepõe às motivações econômicas. Elas não são ignoradas, claro. Não
podem ser em nenhuma organização que visa o lucro. A diferença é que, nesse
caso, a equação de resultados não foi formulada com base na maximização do
retorno financeiro.
Se a realização profissional e pessoal dos funcionários é um objetivo real, a
organização deve procurar réguas para medi-la. A própria fila de pessoas para
comprar ações é uma evidência. Há cerca de 700 profissionais (cerca de 40%
do efetivo) aguardando para adquirir papéis da Promon. A maior parte já é
acionista, mas quer aumentar sua participação. Os pedidos de compra
totalizam mais de 15% do capital. Como não há ações à venda, a demanda não
pode ser atendida. “As pessoas valorizam ser acionistas. Quem tem [ações]
não vende, e quem tem menos quer comprar mais”, diz Geminiagni. “Acho que
é uma expressão de confiança, embora a Promon seja um bom negócio
também.”
Outra evidência é o reconhecimento pelo ranking “Melhores Empresas para
Trabalhar no Brasil”, publicado pela revista Época. A Promon é a única
companhia presente em todas as edições da lista, publicada desde 1997. No
ano de 2005, foi a primeira colocada. Vista de longe, a empresa tem um quê de
culto e muito de família. Em junho de 2010, o jornal interno da companhia
publicou uma reportagem sobre funcionários cujo relacionamento evoluiu para
casamentos. A lista, só com os casos das últimas décadas, inclui mais de cem
casais.
De alguns anos para cá — agora talvez um pouco menos, dado o cenário
econômico sombrio —, o Brasil atravessa um momento em que boa parte das
suas melhores empresas está trabalhando para lançar ações na bolsa ou vender
uma participação para um fundo de private equity. Com a estrutura da Promon,
esse tipo de capitalização não é possível. Não na holding, onde representaria
uma mudança importante e traria algumas grandes indagações.
Parcerias que envolvam a venda de participação acionária estão restritas às
empresas que compõem a Promon. O grupo criou, por exemplo, um fundo de
private equity próprio em sociedade com a Pátria Investimentos em agosto de
2011. É o maior fundo de infraestrutura do Brasil, com U$S 1,2 bilhão
captado. A gestão é compartilhada meio a meio, embora a participação
acionária da Promon seja de 40%. “Na empresa mãe, a gente não cogita ter um
investidor externo. Mas não se pode deixar de reconhecer que o sucesso de
alguns negócios depende de se associar”, afirma Geminiagni.
Segundo ele, se tivesse de apresentar resultados trimestrais, discutir com
analistas, a Promon seria uma companhia diferente. “Uma empresa aberta não
se orienta pela busca da realização profissional e humana”, diz. É uma boa
provocação. Mas o que dizer da Natura, por exemplo? Há, ali, um modelo em
que propósitos financeiros e morais parecem conviver em relativo equilíbrio.
“Conheço bem a Natura, faço parte do seu conselho”, diz Geminiagni. “É uma
empresa séria, fiel aos seus valores, mas que coloca a perseguição dos
resultados em primeiro lugar e, de alguma forma, é influenciada pela lógica do
mercado de capitais. Não é uma coisa perniciosa, mas que representa uma
mudança, representa.”
Luiz Seabra, o fundador da Natura, e seus sócios passaram, em 2004, por
uma experiência definidora: a abertura de capital. Se não tiver uma cultura
forte o bastante para resistir a uma nova realidade, em que passa a ser cobrada
por acionistas dispersos a cada três meses, a companhia que lança ações corre
o risco de entrar em crise existencial e, no limite, se despersonalizar. “O risco
estava presente, só que havia a percepção de que a ida a mercado poderia ser
um passo importante dentro da nossa decisão de profissionalizar cada vez
mais a empresa”, me disse Seabra. “Passados sete anos, não nos
arrependemos, embora convivamos com a pressão dos altos e baixos do
mercado.”
Os controladores da Natura procuram fazer o papel de guardiões da cultura
da companhia e se manter focados no longo prazo. “Se você só responder a
estímulos de mercado, sua capacidade de olhar para o futuro e de promover
inovação real fica fragilizada”, diz Seabra. “Agora, se você, junto com seus
colaboradores, passa o tempo todo trabalhando os valores que fundamentam a
empresa, e não o resultado de curto prazo, a transparência [exigida pelo
mercado] contribui para a sua defesa e não para a sua fragilidade.”
Seabra avalia que ele e seus sócios têm sabido lidar bem com a pressão dos
analistas e investidores. “Mesmo nos períodos em que, por razões que
escapam por completo à nossa competência e ao nosso controle, o valor da
empresa cai, não pressionamos os gestores, que também lidam bem com esses
altos e baixos”, diz ele. De 2004, quando abriu o capital, a 2010, a Natura
quase triplicou de tamanho. Sua receita líquida subiu de R$ 1,9 bilhão para R$
5,5 bilhões. O número de funcionários dobrou, de 3,5 mil para sete mil. E o de
consultoras (vendedoras autônomas) foi de 433 mil a 1,2 milhão.
Vale a pena analisar ainda outro caso. A Ambev é uma companhia de capital
aberto desde que nasceu, com a fusão entre Antarctica e Brahma no ano 2000.
Até onde se consegue enxergar, não houve de lá para cá nenhuma diluição de
sua cultura empresarial. O ponto a destacar aqui é que, embora a empresa
tenha ações vendidas no mercado, o controle continua sendo dos antigos donos
da Brahma — Jorge Paulo Lemann e seus sócios. A empresa, portanto, tem
controlador, o que não é verdade em vários casos de companhias negociadas
em bolsa.
Na medida em que as pessoas que integram o grupo de controle vendem suas
participações acionárias, outros acionistas, não necessariamente alinhados
com a cultura organizacional estabelecida, passam a comandar a empresa. No
limite, pode-se criar uma sociedade de controle pulverizado, uma corporação
de modelo americano. Foi o que aconteceu com o Goldman Sachs, num caso
bastante estudado, e com a Accenture, que era uma partnership no tempo em
que se chamava Arthur Andersen.
Em uma empresa sem controlador, o que se espera é um modelo mais
centrado na busca do resultado financeiro de curto prazo e menos preocupado
com as pessoas lá dentro. A figura do dono é decisiva. “Se todos se colocam
sob uma perspectiva de otimização dos resultados, acho quase inexorável que
o resultado de curto prazo se torne dominante no processo decisório”, afirma
Geminiagni. Parte do diferencial de uma companhia de capital fechado, mais
ainda no caso de uma controlada por seus funcionários, é a liberdade de fazer
hoje o que é certo para a empresa no futuro, mesmo que isso provoque redução
do resultado nos próximos trimestres. Uma empresa sem dono pode se dar
esse luxo?
 
21. Felicidade, com o nome limpo
na Serasa
Há muito tempo, na Serasa Experian, não se fala em clima. Sua equipe de RH
entende que essa fixação superficial no ambiente de trabalho deixa de fora a
busca, mais profunda, por propósito e significado. “A pessoa é feliz no
trabalho quando pode se realizar. Quando vê sentido naquilo que faz”, afirma
Marília Silvério, gerente de cultura organizacional da companhia. “Todo
mundo quer fazer diferença, de uma forma ou de outra, quer contribuir para um
bem maior. Ninguém vem aqui trabalhar para o acionista ganhar mais
dinheiro.”
Tem justificativa semelhante a crítica que a empresa faz às pesquisas que
medem satisfação com o trabalho. Satisfação nãoé igual a felicidade e nem
sempre está ligada a produtividade. Pode ser uma mera zona de conforto.
A Serasa começou a tratar de felicidade por intuição. Milton Pereira, seu
diretor de desenvolvimento humano, sempre associou o trabalho de RH na
empresa a uma “linha humanista de gestão de pessoas”. Falava-se em
felicidade o tempo todo, mas ninguém sabia se as pessoas de lá eram felizes
ou não. Pereira decidiu, então, criar um índice de felicidade.
Depois de muita discussão em grupos de estudo e workshops temáticos
coordenados por Marília, chegou-se a um indicador simples, baseado na
autoavaliação dos funcionários (numa escala única de zero a dez) e
contemplando três esferas de análise.
A primeira é a da empresa como um todo: Como me identifico com a
companhia?, Como acho que ela contribui para a sociedade?, Que diferença
ela faz no mundo?, O que a sua marca representa para o mercado e para mim?
A segunda dimensão é a do trabalho em si: Quanto me realizo com minhas
atividades no dia a dia?; Elas agregam valor e ajudam no meu
desenvolvimento?
O terceiro ponto é o relacionamento profissional com o líder.
Com base nessas três dimensões, a companhia convida cada funcionário a
responder um questionário de acordo com seu conceito particular de
felicidade.
A pesquisa é trimestral e, a cada período, 50% dos 2,5 mil empregados são
convidados a responder. Assim, cada funcionário pode contribuir até duas
vezes por ano. A participação é voluntária, e o índice de respostas tem
variado de 50% a 65% por coleta. No questionário utilizado, há espaço para
comentários. Essas observações são processadas de modo a formar retratos
das várias áreas. Comentários negativos e índices de felicidade abaixo da
“nota de corte” estabelecida podem levar à investigação de um departamento.
Na maioria do tempo, a coleta trimestral de dados serve para pequenas
correções de rumo na estratégia traçada a cada 18 meses com base na pesquisa
de engajamento, bem mais completa, aplicada no mundo todo pela Experian.
Por exemplo, encaminhar um líder para treinamento específico, de modo a
atender uma determinada demanda de sua equipe.
Desde a primeira aplicação do teste, a nota média gira em torno de oito,
com oscilações dentro de uma margem de erro que muda de acordo com o
tamanho da amostra. Nas primeiras rodadas, a empresa não tinha ideia do que
seria uma boa marca. Não há benchmark com que se comparar. O único
parâmetro que a Serasa utiliza são os estudos sobre felicidade nos países
feitos pelo Gallup. Na edição de 2010, a nota do Brasil era sete.
Até outubro de 2011, haviam sido feitas seis rodadas da pesquisa sobre
felicidade. Se organizássemos os resultados num gráfico, eles formariam uma
linha reta na altura da nota oito. A partir dessa constatação, e usando como
base pesquisas que comparam a Serasa com outras empresas do mercado, a
companhia sabe que está num quartil elevado.
Vários estudos já demonstraram o quanto a felicidade é contagiante. O
mesmo reflexo que nos faz bocejar quando alguém ao nosso lado boceja
(explicado pelos neurônios-espelho), nos deixa num estado de espírito mais
animado na presença de gente alegre. O contrário também é verdadeiro. A
infelicidade no trabalho é contagiosa — e gente infeliz produz menos. Mesmo
assim, Marília diz que não é (só) pela relação de causa e efeito que a empresa
investe em felicidade. A busca de melhores resultados, segundo ela, é apenas
um dos motivadores. “A gente investe porque faz parte da filosofia de gestão
da empresa, do modo como a gente acredita que as pessoas devem ser geridas
dentro da organização”, afirma.
A Serasa procura mensurar a correlação entre felicidade e três conjuntos de
indicadores: nível de engajamento, resultados financeiros e satisfação do
cliente. No que diz respeito ao resultado financeiro, a companhia tenta medir o
impacto de suas ações de RH tanto na receita quanto no custo, para descobrir
qual é o saldo do investimento em felicidade. O impacto na satisfação do
cliente é avaliado com o auxílio da metodologia NPS (Net Promoter Score,
desenvolvida pela Bain & Company).
A companhia não divulga resultados numéricos, mas Marília diz que a
correlação é clara. Áreas com níveis altos de felicidade apresentam elevadas
taxas de geração de receita, crescimento e satisfação do cliente. O contrário
também é verdadeiro, e as pesquisas da Serasa Experian nos vários países
onde opera reforçam essa percepção. Unidades de negócio com baixo nível de
engajamento tendem a apresentar crescimento negativo e satisfação do cliente
abaixo da média.
Esse é um dos aspectos mais importantes da discussão sobre felicidade no
trabalho, porque a tendência da empresa que não abraça essa causa ou não
investe no bem-estar psicológico de seus funcionários é dizer que não pode se
dar ao luxo de fazê-lo.
Startup nenhuma tem dinheiro para criar um departamento de RH com o grau
de sofisticação que se vê na Serasa. Tampouco precisa disso. Empresas novas
vivem de sonho, e é isso o que têm a oferecer no começo. Podem pagar menos
que as empresas estabelecidas, oferecer apenas uma garagem como local de
trabalho e, ainda assim, receber um bando de garotos e garotas felizes toda
manhã. Não é preciso fazer pesquisa de engajamento para saber se as coisas
vão bem. Basta olhar para a cara das pessoas. À medida que a empresa
cresce, o líder — seja ele o presidente, o dono, o fundador — começa a não
dar conta de observar seus funcionários. Depois, a empresa precisa se
burocratizar para sobreviver, e o trabalho tende a ficar chato. É aí que se torna
necessário trabalhar para criar ambientes felizes.
Milton Pereira sabe que precisa integrar a tal linha humanista de gestão de
pessoas ao modelo de negócio da Serasa. “Os caras de outras diretorias
perguntam: ‘O que isso tudo tem a ver com o nosso negócio?’”, diz ele.
“Temos de mostrar a eles que a felicidade traz resultado. Senão, o acionista
não compra a ideia.”
O departamento de desenvolvimento humano trabalha hoje com cinco
conjuntos de indicadores para medir seu desempenho. O primeiro tem a ver
com a capacidade da empresa de atrair talentos. “Nosso diretor de marketing e
vendas saiu do Google para vir trabalhar na Serasa. Esse não deixa de ser um
ótimo indicador”, afirma Pereira. Ele mede a cada mês o número de currículos
enviados para a companhia e dá atenção especial às respostas à pergunta “por
que você está vindo para cá”, feita nas entrevistas de admissão.
O segundo conjunto de indicadores avalia o desenvolvimento de pessoas.
Setecentas pessoas trocaram de cargo em 2010. Para toda posição que se abre,
antes de buscar um talento no mercado, é obrigatório procurar primeiro dentro
da companhia.
O terceiro grupo de indicadores gira em torno da retenção de funcionários.
O que se mede, nesse caso, é a rotatividade. Tanto a voluntária, que hoje não
chega a 1% da folha, quanto a forçada (demissões), que já chegou a 9% e hoje
oscila entre 7% e 8% ao ano. Não se trata de uma política de expurgo dos
mais fracos à moda de Jack Welch, que, em seus anos à frente da GE, exigia a
demissão dos 10% da força de trabalho com piores resultados a cada ano.
“Não gostamos disso, porque achamos que talento todo mundo tem. Difícil é
descobrir talento para quê”, diz Pereira. “Uns crescem mais rápido, outros
mais devagar, mas todos são desenvolvíveis.” A Serasa usa uma matriz de
talentos do tipo nine box, bem conhecida no mercado, para classificar os
funcionários — daqueles com melhor desempenho hoje àqueles com maior
potencial a desenvolver. A empresa cruza a performance atual com potencial
de crescimento e distribui os empregados em nove “caixas”. Assim, é possível
identificar (e premiar) as estrelas da companhia a cada ano. E reforçar o
treinamento de quem não está com essa bola toda. Tanto numa ponta como na
outra, isso ajuda na retenção.
O quarto núcleo de indicadores diz respeito a produtividade: salário médio,
Ebit (lucro antes dos encargos financeiros e impostos) dividido pelo número
de funcionários e outros.
Em geral, o balanço do RH de uma empresa

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